PERISSOLOGIA I [Repetição] (2006)
Me arrojo para ti, no teu abraço,
por mais raro que seja; e infrequente
seja a ocasião na qual eu te retraço
a reviver, de forma permanente...
E me recordo assim do amado instante:
dos toques e carícias de ouropéis,
do gozo que esvaiu-se, delirante
prazer sonoro de tantos decibéis...
Porque, afinal, é apenas pleonasmo
afirmar que essa busca de um orgasmo
é o que me leva a ti, constantemente...
E dizer que me trazes alegria
não passa enfim de uma tautologia
que me perpassa o coração e a mente.
PERISSOLOGIA II – 13 set 14
Eu me recordo do momento peregrino
em que amor se consumou da vez primeira
e igual recordo a noite derradeira
em que amor demonstrou-se pequenino.
O Enfado, irmão do Amor, feio assassino,
a introduzir-se de forma sorrateira,
por palavras, trejeitos, bandalheira
mais ou menos inocente, em asinino
troçar solerte de erros, sem sentido,
na zombaria de uma ofensa intencional,
nesse descaso de indiferença feito,
na ruptura do orgasmo indeferido,
no desgosto pelo odor tão habitual,
na casual frase de puro desrespeito...
PERISSOLOGIA III
Eu me recordo das vezes repetidas,
no reatar hesitante do ir e vir,
às más lembranças tentando retorquir
das pequenas traições desenvolvidas,
sem verdadeiras culpas concebidas,
somente deslealdades a nutrir
cumplicidades com terceiros, a insistir
nessas peçonhas diariamente produzidas,
nessas frases de orgulho, sem razão,
como se a entrega fosse honra concedida,
qual regalia de aristocrático favor
e não a troca mútua de emoção,
pelo ardor reforçada, em tal medida
em que o hormonal se toma por amor.
PERISSOLOGIA IV
Mas nem sempre se encontra a saciedade,
quando os laços têm mais plena solidez
e não se rompem por tão só desfaçatez,
por mais que predomine essa saudade
dos momentos de paixão que, na verdade,
só eram prelúdio à espera de outra vez,
nessa confiança mútua na mudez,
de novas juras sem ter necessidade.
Assim recordo dos momentos repetidos,
de mil orgasmos vivendo na lembrança,
nessa glória comum que a mente alcança,
mesmo na ausência dos beijos desvairados,
quando os sonhos retornam dos olvidos
e tornam viva a soma dos passados.
ESTRELA DA MANHÃ I – 14
SET 14
Eu não procuro o pote
de ouro do arco-íris,
só a esperança de
encontrar seu fim;
é em Bifrost que penso,
no outrossim
das sagas nórdicas, em
seu arcanos giros.
Mas se eu pudesse
cremar-me nessas piras
Que do Valhalla
conduzem ao alfenim!...
Viriam valquírias a me
buscar assim
para os banquetes,
canecões e pires
que ali se quebram em
batalhas, diariamente,
saudando a morte nova
dos heróis,
ressuscitados após cada
combate!...
A morte e a guerra o
hino mais frequente
nesses poemas dos mais
velhos arrebóis,
enquanto amor só
enfraquece e nos abate!...
ESTRELA DA MANHÃ II
De nada serve, afinal,
o pote de ouro
que guardam leprechauns, ciosamente; (*)
o ouro busca dos anões
cada indolente
que em trabalhar não vê
qualquer tesouro!
(*) Duendes da mitologia
irlandesa. Pronuncia-se “lepercóns”.
Esse pote só o entregam
por desdouro,
por mais que o neguem
destemidamente
ou finjam cair em
armadilha ingente:
do caldeirão então
furtas o brilho louro...
Porém, passado um dia
ou uma semana,
quando pensares que o
podes usufruir,
tens folhas secas,
palha, ou então argila,
ou mesmo insetos ou
víbora magana...
Foste iludido pensando
em iludir;
foste esquilar e tua lã
outrem esquila!...
ESTRELA DA MANHÃ III
Tampouco espero setenta
virgens possuir,
após a morte, numa luta
pela fé:
teria uma virgem a
fazer-me cafuné,
outra meus pés numa
bacia a ungir...
Ao tomar banho, ficaria
no sopé
de quatro delas, sua
água a compartir;
as refeições vão
decerto me servir,
talvez alguma a meu
lado durma até!
Mas para me aquecer,
igual ao Rei Davi,
que eternamente virgens
permanecem
e decerto não atendem a
outros fins...
Mas sua conversa
escutarei ali,
pois de mudez as
setenta não padecem:
querendo paz, irei
buscar outros confins!...
ESTRELA DA MANHÃ IV
Posso ingressar nos
corais angelicais:
talvez conserve após a
morte a voz...
De ser solista não
andarei empós,
por tocar harpa não me
interesso mais...
As camisolas de tais
páramos celestiais
não me chamam a
atenção. Rasga-se o cós
para prender as asas
com dois nós
ou elas já nascem de
maneiras naturais?
No inferno eu nunca
cri, pura ilusão
por conservar o povo
controlado...
Muito melhor essa
confraternidade,
meio selvagem dos
combates sem razão,
enquanto o exército vai
sendo bem treinado
para o Ragnarok final da eternidade... (*)
(*) O final combate entre os deuses e
seus adversários.
ESTRELA DA MANHÃ V
“Na casa de meu Pai,
muitas moradas há:
vou preparar-vos
lugar,” se prometera;
talvez ocorra
justamente o que se espera
e cada qual lá o que
deseja encontrará...
Também uma outra profecia
se achará:
que mil anos Cristo
reina nesta esfera
e então se liberta o
demônio, besta-fera,
que contra as forças
divinais combaterá!
Não é esta outra versão
do Ragnarok?
Nesta os santos do céu
combaterão
com espadas, alabardas
e armaduras?
Ou só trombetas de
clangoroso toque
e igual que em Jericó,
se abaterão
do mal muralhas, ante
harmonias puras?
ESTRELA DA MANHÃ VI
O que eu queria mesmo,
quando a morte
enfim chegar e os
filhos me cremarem
e em qualquer parte
minhas cinzas espalharem,
é que cometas se
aproximem, de tal sorte
que o espírito me
aspire um deles e me porte,
em suas órbitas
excêntricas a marcharem,
em direção ao Ápex, a
acompanharem (*)
todo o sistema solar
para o seu norte...
(*) Ponto presumível, na constelação
da Lira, para o qual avança o Sol.
Ou então que Vênus, a
Estrela da Manhã,
chame primeiro e nas
suas nuvens eu me afunde,
participando de sua
mágica estelar...
E como Vésper retorne,
em igual afã (*)
e de todo esse luzeiro
então me inunde,
qual simples gota, mas
de fulgor sem par!...
(*) Vésper, a Estrela da Tarde, é o
mesmo planeta Vênus.
OTIMISMO I – 15 SET 14
(Em Óptimo, P não soa, mas em
Epitácio P soa – Aparício Torelli.)
Tudo depende do teu
ponto de vista:
se olhas para o chão, é
uma perspectiva,
se encaras a parede,
mais perto o olhar se criva,
se te voltas para um
lado, diverso é o que se avista.
Nessas mudanças, é
preciso que se insista,
pois sua razão pode ser
bem mais esquiva,
equilíbrio do hormonal
na carne viva,
que nos inclina para
esta ou aquela pista...
Destarte alguém se
torna um pessimista,
porque o “conjunto dos
humores é bilioso”,
qual costumava-se
afirmar antigamente,
enquanto outro tenha
índole otimista
porque seu próprio
equilíbrio é harmonioso
e com a mínima alegria
se contente...
OTIMISMO II
Os meus hormônios são,
por sorte, favoráveis,
por isso a vida encaro
com constância,
meus dissabores de
somenos importância,
as alegrias, como a
brisa, imponderáveis...
Mesmo os caprichos da
mente memoráveis
só me incomodam em primeira
instância;
logo recorro e os
contemplo com distância
e encaro os fatos de
formas mais saudáveis...
Mas tenho eu qualquer
mérito nisso?
Mesmo sofrendo os mil
achaques naturais
que são o preço da
longevidade,
eu os enfrento, sem ser
em nada omisso
no transformar desses
males em fanais,
quais mil poemas de
prodigalidade
OTIMISMO III
Ou então, tudo isso é
um escapismo,
que me preserva a
esperança no futuro,
no esquecimento de um
passado um tanto duro
e de um presente que
ainda encaro com sofismo.
Mas nada importa, a
ironia é meu modismo
e é pelo riso que meus
males esconjuro;
mesmo sabendo que as
dores eu não curo,
sempre endorfino em meu
vago solipsismo...
Pois cada um de nós
cria seu mundo
e é responsável por sua
manutenção,
essa tarefa a aceitar
com pessimismo
ou os problemas a
enfrentar com ar jocundo,
tudo encarando na mais
plena aceitação,
sabendo a si perdoar
com otimismo.
OTIMISMO IV
Pois os percalços, nós
mesmos os criamos;
a nossa mente o Nous abrange de Plotino (*)
e o Demiurgo de Platão,
semidivino,
mantendo acesa a chama
em que pisamos.
(*) O Nous é a Segunda Emanação,
segundo o Neoplatonismo, correspondendo à
Alma, enquanto o Espírito é a
primeira; o Demiurgo é um Ser encarregado pelos
deuses de conservar e controlar o
mundo material, segundo Platão.
Vida saudável é essa
que levamos
no aceitar de cada
dardo pequenino
a que erro nosso deu
margem no destino
ou o fado bom que nós
mesmos provocamos.
Há livre arbítrio em
cada pensamento,
mas necessárias lhe são
as consequências,
toda a virtude no
igualitarismo,
sem o mundo condenar
por julgamento,
nem com excesso de
benevolências,
erros e acertos a
enfrentar com exorcismo...
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