A FILHA DO REI
DRAGÃO
(Folklore chinês
coletado por Li Chaowei, circa 800 d.C., no reino de Lung Hshi, hoje província
de Knnsu, versão poética e adaptação de
William Lagos, 12
jan 2015)
A FILHA DO REI
DRAGÃO I
Quando o rei Ai
Feng a China dominava,
um jovem
estudioso, chamado Liu Bingwen,
ou “Mestre em
Artes da Família Salgueiro”,
foi prestar
exames para ser um mandarim.
Não saiu bem na
prova e triste, assim,
para sua casa em
Hsiang retornava,
quando um pássaro
saltou de um espinheiro
e com o susto a
seu cavalo não contém.
Em vão Bingwen
quis sofrear o cavalo,
que o carregou
por mais de duas milhas,
até um lugar bem
distante do caminho.
O estudioso quis
orientar-se pelo sol,
porém as nuvens
recobriram seu farol
e o animal
desembestou permeio a valo,
cercado por
urtiga e mais espinho,
completamente
fora de suas trilhas...
Liu Bingwen parou
o cavalo, finalmente,
subiu do valo e
tomou por uma estrada,
até topar em um
campo com pastora,
com um rebanho de
ovelhas bem lanosas;
a jovem era bela,
mas as forças desastrosas
do vento e sol já
marcavam firmemente
seu rosto e a
roupa desbotada ali a desdoura,
rasgada a túnica
e a capa esfarrapada...
Estava frio e
Bingwen sentiu piedade,
tirando da
mochila o seu capote
e oferecendo-o
para que ela se abrigasse.
Ela aceitou, com
o mais meigo sorriso
e seu rosto
transformou-se nesse riso:
mulher mais bela
nunca vira, na verdade!
Mas não podia
imaginar que a desposasse,
pois certamente
não disporia de um bom dote!
A FILHA DO REI
DRAGÃO II
Ele assim só o
caminho perguntou
para Chengyang,
onde tinha um amigo
e a jovem logo ao
caminho o orientava.
Num impulso,
indagou se tinha fome,
descortesia
talvez, mulher não come
com um estranho
que recém encontrou;
ser jovem
decente, mesmo pobre, aparentava,
podia ofender-se
e o tratar como inimigo!
Mas a jovem
prontamente confessou
que não comia já
havia três dias!
Liu Bingwen
amarrou o seu cavalo
e retirou de seus
alforjes suprimentos;
depois que os
dois partilharam alimentos,
o literato,
enfim, se apresentou
e ela retorquiu,
sem grande abalo:
“Eu sou Lanfen,
assim como me vias...”
De fato, mesmo
suja e esfarrapada
(decerto banho há
dias não tomava)
um perfume de
orquídeas desprendia
e Liu Bingwen já
se sentia apaixonado;
mas era jovem
respeitoso e educado,
evitando de sua
vida indagar nada,
bem ao contrário,
a lhe contar o que fazia
e de repente, ela
tudo revelava!...
“Como lhe disse,
chamaram-me Lanfen...”
“Perfume de
Orquídea”, ele murmurou.
“Eu sou a filha
mais moça do dragão
que hoje é o rei
sob o lago de Tuntim...
Por que razão
hoje me achou assim?
Como princesa eu
me criei também
e vê-me agora em
tão triste situação!
Mau casamento foi
meu pai que me arranjou!”
A FILHA DO REI
DRAGÃO III
O coração de
Bingwen ficou apertado:
Era
casada já essa donzela!...
Mas logo a sua tristeza
dominou:
Com
a filha de um rei, qual esperança
teria
ele de achar qualquer bonança?
Mesmo
nos exames fora reprovado!...
Seus sentimentos
depressa controlou
e se dispôs só a
escutar a jovem bela!...
“Sem tomar as
informações corretas,
meus pais o casamento
contrataram
com o segundo
filho de outro rei
que o vale do Rio
Ching dominava...
Festejo e dotes
tal qual se desejava,
mas meu marido
tinha intenções secretas:
ir a caçadas para
ele única lei
e meus direitos
de esposa desprezaram!”
“Após um mês deixada
em abandono,
queixei-me aos
sogros com o maior respeito
e eles disseram
que o repreenderiam,
mas outro mês
passou sem que eu o visse;
fui a meus sogros
e a situação lhes disse;
só me mostraram
aborrecimento e sono,
dizendo que eles
mesmos não o viam,
mas falariam, tão
logo houvesse jeito...”
“Porém mais três
meses se passaram
e nem sequer mais
me quiseram receber...
Tanto insisti que
me mandaram para cá,
cuidar de
ovelhas, igual que uma criada!
De meu marido
nunca eu soube nada
e até alimento
raramente me enviaram!
Sentem vergonha,
decerto, do que há
e assim esperam
que eu aqui venha a morrer!”
A FILHA DO REI
DRAGÃO IV
É muito longe o
lago de Tuntim
e com meus pais
eu não poderei falar;
já escrevi carta;
você a transportaria?
Liu Bingwen
concordou na mesma hora,
porém falou: “Meu
coração, senhora,
muito lamenta uma
injustiça assim,
mas como ao reino
de seu pai eu chegaria?
Dentro de um lago
posso me afogar!...”
Ela falou: “Se me
fizer este favor,
alcançará minha
gratidão eterna,
pois já me
protegeu da fome e frio
também meus pais
mostrarão sua gratidão.”
Disse Bingwen:
“Por maior a compaixão,
se me afogar,
apesar de meu ardor,
serão inúteis
minha audácia e brio,
flutuando a carta
na superfície externa...”
“Não será assim,”
Lanfen lhe respondeu.
“Você não correrá
qualquer perigo:
ao sul do lago,
há uma grande laranjeira;
bata em seu
tronco três vezes com seu cinto;
logo virá um
porteiro bem distinto
e então lhe diga
que traz recado meu;
ele as águas
abrirá igual trincheira
e ao reino o
levará como um amigo...”
“Meu pai lhe dará
uma recompensa
muito maior do
que poderá esperar!”
Disse Liu, num
arrebatamento:
“A única
recompensa que desejo
é que, se um dia
se apresentar ensejo,
você mesma me
receba em sua presença
para de novo
poder vê-la algum momento!”
“Com isso sempre
poderá contar!”
A FILHA DO REI
DRAGÃO V
“Mas quem sabe,
por que não vem comigo?”
indagou o
estudioso, ousadamente.
“Não poderia,
dirão os sogros que fugi
e só por isso não
se cumpriu meu casamento...”
Liu Bingwen se
despediu, com sentimento,
lamentando não
poder tê-la consigo...
Mas
que tolice! Já lhe trago a carta aqui,
sou
apenas um mensageiro conveniente!...
E assim seguiu,
desviando seu caminho,
até chegar ao
lago de Tuntim;
desceu até o sul,
beirando a margem
e de fato, ali
crescia a laranjeira,
sagrada para a
gente hospitaleira
da aldeia, que a
tratava com carinho...
Sem ver ninguém,
tirou o cinto, com coragem,
três golpes dando
no seu tronco assim...
De imediato, as
águas se partiram
e delas subiu forte
e altivo guerreiro,
que lhe curvou a
cabeça em cumprimento:
“O que você
deseja, forasteiro?”
“Preciso falar
com o seu rei, ligeiro!”
Com desdém os
seus lábios lhe sorriram:
“Meu rei só
comparece a grande evento,
diga o que quer e
serei seu mensageiro...”
“Mensageiro sou
eu,” disse Bingwen.
“Trago uma carta
que a princesa envia
e que só posso
entregar nas mãos do pai.”
“Mostre
primeiro,” disse-lhe o soldado.
Bingwen,
segurando-a com cuidado,
mostrou a missiva
no lugar que o lacre tem
da princesa, que de
prevenção já vai
redigir essa
mensagem que trazia...
A FILHA DO REI
DRAGÃO VI
O soldado não
tentou se apoderar,
mas inclinou sua
cabeça novamente.
“Feche os olhos
agora, cavalheiro.”
Bingwen obedeceu,
mas com firmeza
a carta segurou,
temendo uma esperteza.
Contudo, o guarda
não o queria enganar:
uns gestos fez
para a água abrir primeiro.
“Pode abri-los de
novo, calmamente...”
O estudioso
seguiu-o pelo fundo,
um túnel de água
acima e a seu redor,
até chegarem a um
castelo imenso:
torres e ameias, portões
e pavilhões,
árvores e flores
raras aos milhões,
todas crescendo
no ponto mais profundo,
Liu Bingwen
marchando um pouco tenso,
De qualquer
armadilha com temor...
Então o guerreiro
lhe pediu para esperar,
sentado a um
canto de vasto salão.
“Que lugar é
este?” Bingwen indagou.
“É o Palácio do
Vazio Divino...”
Durante a sua
espera, o peregrino,
ao invés de
vazio, pôde bem observar
toda a riqueza
que o edifício conservou,
que inspiraria
dos homens a ambição...
De jade verde
todos os pilares,
o piso de jaspe
recortado em tijoletas,
os sofás
esculpidos em coral,
as almofadas da
mais rica seda,
que parecia
mover-se, de tão leda;
havia jarrões e
esculturas aos milhares,
as vidraças do
mais puro cristal,
no ar flutuando
as essências mais secretas!
A FILHA DO REI
DRAGÃO VII
O Rei Dragão
demorava-se demais
e o erudito
indagou do seu guerreiro:
“Vai tardar muito
o Senhor de Tuntim?”
“Ele se encontra
em importante discussão
sobre o Cânone do
Fogo com seu Grão
Sacerdote do Sol,
por que jamais
qualquer engano
se cometa, enfim,
no calendário que
publicará em janeiro...”
“O que é o Cânone
do Fogo?” quis saber
o estudioso. “Nosso rei é um dragão,
que tem domínio
total por toda a água,
mas como nós, o
sacerdote é um ser humano
e para nós o fogo
é o soberano,
os elementos
diversas coisas vão fazer;
nosso rei pode
inundar a maior frágua
com uma gota de
água de sua mão...”
“Mas quer saber
exatamente as leis
que governam esse
fogo dos humanos,
por isso o nome
de Cânone do Fogo;
contudo, em breve
aqui nos chegará.”
Mal terminara,
abriu-se um portão lá
e de uma bruma
verde vieram seis
guardas armados,
que se perfilaram logo
e então a bruma
condensou-se em panos.
Entre os tecidos,
formou-se uma figura,
em tudo
semelhante a um ser humano,
de púrpura
vestida, na mão trazendo
um cetro feito de
platina e de esmeralda,
uma aura a seu
redor, feito uma calda
de crisólito,
rubi e safira pura...
“Chegou o nosso
rei,” disse o soldado.
Em cada detalhe
era um perfeito soberano!
A FILHA DO REI
DRAGÃO VIII
O Rei Dragão
conferenciou com o soldado
e só depois se
aproximou de Liu Bingwen.
“Sem dúvida, você
é só um ser humano,
o que o traz a
estas profundezas?”
“Vivo também
nestas redondezas:
na superfície o
meu lar é encontrado,
mas deparei com
um fato desumano
que muita pena me
despertou também.”
“No caminho para
o lar achei donzela
esfarrapada,
faminta e tendo frio,
a quem eu protegi
e alimentei
e ela me disse se
chamar Lanfen.”
Os olhos do rei
estreitaram-se também:
“Tenho uma filha
deste nome, muito bela.”
“Bela, sem
dúvida, mas quando a encontrei
se achava em
situação de pouco brio.”
“Minha filha com
um príncipe está casada,
decerto é outra
usando o mesmo nome.”
“Com o filho do
Rei Ching, Majestade?”
“Sim, mas como
sabe você disso?”
“Tinha uma dúvida
e hesitei por isso,
mas essa jovem
que encontrei, desamparada,
afirmou-me ser
sua filha, na verdade;
trouxe-lhe a
carta, pois a pena me consome.”
Só então o rapaz
entregou a carta ao rei,
que de imediato
seu sinete reconheceu.
“Mas por que ela
o escolheu por mensageiro?”
“Como lhe disse,
estava solitária;
pelos sogros
deixada em posição contrária
àquela que devia
ser a sua por lei;
assim confiou
neste pobre estrangeiro,
pois ninguém mais
a seus apelos acedeu.”
A FILHA DO REI
DRAGÃO IX
O Rei Dragão
abriu a carta logo
e ao ler o
conteúdo, comoveu-se:
cobriu o rosto e
as lágrimas rolaram.
“Eu sou sei pai e
não sabia de nada!
Minha filha no
relento abandonada!
Um ser humano a
lhe atender o rogo,
depois que outros
dragões a maltrataram!
Não esquecerei
que você compadeceu-se!”
“O que deseja
como recompensa?”
“Majestade, só
que a mande resgatar
e isto peço
porque não quis vir comigo,
porque os seus
sogros então a acusariam
e a seu mau filho
assim justificariam;
para sua honra
isso seria uma ofensa,
mas se a mandar
buscar para este abrigo,
nenhum outro
pagamento hei de aceitar.”
O rei lhe
agradeceu profusamente:
“Jamais
esquecerei a sua bondade
e mais ainda a
sua falta de ambição.
Vou preparar
depressa o seu resgate,
uma boa tropa,
talvez haja combate;
será meu hóspede
aqui, naturalmente,
como prova de
nossa gratidão
por
demonstrar-nos tal generosidade.”
De imediato,
chamou um funcionário,
mandando à esposa
sua carta levar,
enquanto à tropa
ordenava se reunir.
Logo se ouviu uma
grande choradeira
dos apartamentos
das mulheres, bem certeira.
Rápido ordenou
sérias ordens em contrário.
“Meu irmão irá o
insulto descobrir
e uma grande
violência irá aprontar...”
A FILHA DO REI
DRAGÃO X
E observando de
Liu a confusão,
ele explicou:
“Meu irmão é violento;
ele é o Príncipe
de Chientan e o aprisionei
por ordem do
poderoso Rei do Céu;
por uma briga,
ele ousou romper o véu
das nuvens e
provocou inundação
sobre as
montanhas, em oposto à antiga lei:
matou milhares de
pessoas num momento!”
“O Rei do Céu
pretendia soterrá-lo,
mas fui humilde e
por ele intercedi.
Aprisionei-o na
outra ponta do castelo,
tem tudo o que
deseja e que precisa;
com chás
calmantes a sua fúria alisa,
mas mesmo assim,
preciso acorrentá-lo.
Tem muita forço
meu irmão jovem e belo,
porém jurei que o
conservaria aqui...”
“Se souber dessa
notícia, raiva imensa
bem certamente o
acometerá
e não haverá
maneira de detê-lo;
assim prefiro que
não saiba de nada...”
Mas nesse
instante, uma imensa barulhada
se espalhou, da
maneira mais intensa,
pelo castelo,
qual gigantesco apelo
e em breve o
causador chegou até lá...
Vasto pilar de
jade ele arrastava,
nele ainda preso
por corrente de ouro;
atrás dele, vinha
um bando de atendentes,
os braços a
agitar em impotência.
Ele media
trezentos metros de distância
de sua cabeça até
a cauda que agitava,
olhos brilhantes
quais brasas ardentes,
suas escamas de
rubi, vasto tesouro!
A FILHA DO REI
DRAGÃO XI
Com jato de chama
sua corrente derreteu
e se lançou nos
ares em fragor,
acompanhado por
relâmpago e trovão!
Liu de pavor no
assoalho desmaiou,
mas logo o rei,
com carinho, o levantou.
“Majestade, o
terror me acometeu!
Quero ir embora
já, nesta ocasião,
não posso ver
novamente um tal horror!
“Não se apavore,
meu caro Bingwen;
foi dessa forma
que meu irmão partiu,
mas de maneira
bem diversa voltará,
depois que toda a
sua raiva se extinguir.
Vou-lhe indicar
aonde deverá dormir
e os mil prazeres
que o meu castelo tem,
antes que se vá
embora, gozará.”
E assim um eunuco
ao quarto o conduziu.
Um grupo de
jovens ali o recebeu,
deram-lhe banho e
deliciosa refeição;
estando exausto,
Liu foi logo se deitar,
só se acordando
no outro dia de manhã,
com os ruídos de
festa e rataplan;
um rico trajo o
rei lhe concedeu
e para a real
mesa o foram então levar,
em que iguarias
lhe serviram em profusão.
Logo chegou uma
vasta companhia
de jovens a
dançar e a cantar,
no meio delas
salientando-se a mais bela,
que num átimo,
Bingwen reconheceu.
Com reverência
gentil lhe agradeceu
e já da outra
ponta da mesa lhe sorria.
Disse o rei:
“Recuperei a minha donzela!”
Uma nobre dama se
curvou para o saudar.
A FILHA DO REI
DRAGÃO XII
Logo surgiu um
herói de grande porte,
vestindo púrpura,
belo cetro na sua mão
e o rei o
apresentou: “Está mais manso,
como o vê,
executada a sua missão;
este é o Príncipe
de Chientan e meu irmão.”
Disse o
guerreiro: “Você me trouxe a sorte;
de minha sobrinha
garantiu descanso
e a mim mesmo
libertou de minha prisão!”
“Tornou-se
herdeiro de minha eterna gratidão!”
Então Bingwen
ergueu-se e o saudou.
Logo Chientan
prestou contas da missão:
“Levei três horas
no campo de batalha;
do Rei do Rio
toda a coorte já se espalha;
matei seiscentos
mil nessa ocasião
e o mau marido me
serviu de refeição,
pagando assim
pelo mal que provocou!...”
“Mas que direi
agora ao Rei do Céu?”
“Em meu retorno,
subi até o alto abrigo
e prestei contas
de tais realizações;
ao saber da
injustiça, me perdoou
e até minhas
faltas antigas apagou;
trouxe a sobrinha
debaixo de meu véu
e estou perdoado
das velhas más ações!
Desta forma, Liu,
serei perpétuo amigo!”
“De qualquer
modo, sua fúria foi tremenda
e seu mau gênio
ainda tem de controlar!
Por sorte, o Rei
do Céu é onisciente
e reconheceu que
teve boa intenção!...”
Seguiu-se logo
uma extensa refeição,
após a qual,
igual que em uma contenda,
homens e jovens
dançaram frente à frente,
enquanto a
orquestra não parava de tocar!
A FILHA DO REI
DRAGÃO XIII
Então as jovens
aos pés depositaram
de Bingwen peças
de seda e adereços
e o príncipe lhe
deu uma espada cravejada;
trouxeram-lhe
joias todos os parentes,
embora recusas
fizesse ele frequentes,
as dádivas cada
vez mais se acumularam.
Afinal, já não
recusou mais nada,
Sem sequer
calcular quais os seus preços...
E foi assim
durante uma semana,
sem que parassem
de lhe agradecer,
a noite e o dia
inteiro a festejar,
até que disse que
teria de partir.
“Irá amanhã,
depois que hoje dormir,”
disse o príncipe,
“descansando em boa cama.
Mas esta noite
vamos de novo celebrar,
maiores honras
lhe quero conceder!”
Destarte, o
príncipe lhe ofereceu banquete
em seu Castelo da
Límpida Luz,
em que beberam
dos mais raros vinhos.
Já altas horas,
um tanto embriagado,
falou o príncipe:
“Meu caro convidado,
a viuvez minha
sobrinha ora acomete;
a novo marido
precisa dar os seus carinhos...
Essa ideia ao meu
amigo não seduz...?”
Ficou o estudioso
bastante embaraçado.
“Não acredito no
que estou ouvindo!
Sou homem pobre e
humano totalmente,
como a uma filha
de rei posso aspirar?”
Já estonteado,
aquele manso recusar
meio ofendeu ao
dragão embriagado.
“Não quer casar
com viúva, certamente!
Na sua voz algum
desprezo estou sentindo!”
A FILHA DO REI
DRAGÃO XIV
“De forma alguma,
é honra demasiada!
Eu jamais poderia
dar-lhe um dote!...”
“Mas de fato,
você já a comprometeu:
comeu a sós com
ela, deu-lhe um manto,
os dois perdidos
em solitário canto!”
“De forma alguma
foi sua sobrinha desonrada!
Se não confia em
mim, já me ofendeu!
Vou retirar-me
deste convescote!...”
Mas o príncipe
depressa o acalmou:
“Por favor, não
faça isso comigo,
peço desculpas
por meu ato de ousadia!
Nem deveria
ter-lhe feito a sugestão!...”
Sem hesitar, lhe
estendeu a mão,
que Bingwen, bem
depressa, lhe apertou.
“Parta amanhã,
como já pretendia,
Com a certeza de
que serei eterno amigo!”
No dia seguinte,
ele pediu a permissão
do rei do lago
para partir e da rainha,
que declarou, com
lágrimas no olhar:
“Lastimo em
demasia vê-lo hoje partir...
Nós lhe devemos
tanto e era meu preferir
que ficasse
conosco toda uma estação!”
“Eu sou humano,
senhora, o meu lugar
é lá na
superfície, de onde eu vinha...”
Assim, no mesmo
dia ele partiu,
além do seu, dois
cavalos juntos vão
carregados de
trouxas e presentes;
seguiu viagem até
uma hospedaria,
grande saudade de
Lanfen porém sentia;
de recusar a tal
proposta ressentiu.
Mas
no futuro, quem sabe se essas gentes
pelo
marido que morreu me culparão?
A FILHA DO REI
DRAGÃO XV
Mas quando no seu
quarto se alojou,
percebeu a
imensidão de sua riqueza;
contratou logo a
dois mercenários
como seus guardas
até a sua cidade;
vendeu duas joias
na maior facilidade
e uma mansão logo
a seguir comprou;
além dos guardas,
cem fiéis funcionários,
logo vivendo na
maior nobreza!...
Nunca esquecia da
beleza de Lanfen,
mas tirou logo da
cabeça aquela ideia
e se casou com
uma jovem parecida,
chamada Chen, que
significa “manhã”;
mas dentro de
alguns meses tocou rã
venenosa, que a
matou; e logo tem
de se casar outra
vez; a escolhida
chamada Huan,
“alegria de epopeia”...
Mas após alguns
meses, Huan também
pegou uma febre e
em breve faleceu;
e como filhos com
elas não tivera,
a seu sobrinho
Hsien ele adotou;
com critério,
seus bens centuplicou,
aplicando seu
dinheiro muito bem;
anos passados,
Hsien um dia dissera,
“Pai, sei que sou
o herdeiro seu.”
“Mas nunca me
moveu a ambição...
Por que o senhor
não se casa novamente?
Talvez um filho
verdadeiro no seu lar
venha a surgir e
aos dois dará alegria;
se autorizasse,
eu então procuraria
formosa esposa
para o seu coração...”
“Mas e você? Não pretende se casar?”
“Sou muito moço.
Seu caso é mais urgente...”
A FILHA DO REI
DRAGÃO XVI
“Sei de uma moça
de família boa;
já foi casada,
mas logo enviuvou,
antes mesmo de
encontrar o seu marido;
a sua família
está ansiosa por casá-la;
como é viúva,
sujeita está a má fala;
se andar sozinha,
a chamarão de “à toa”,
mas estou certo
de que não é o acontecido;
se me deixar, vou
sua família procurar.”
E desta sorte à
tal viúva desposou,
sendo as bodas
celebradas em Nanquim,
permeio a
magníficos festejos,
em um dia como
auspicioso revelado...
Ao retirar-lhe o
véu, ficou encantado:
não somente a sua
beleza o deslumbrou,
como de Lanfen
muito o fazia recordar...
Quase um milagre
lhe pareceu assim!
Em breve já
estava nenê a esperar
e novamente
Bingwen ficou encantado.
Depois de ao belo
menino o nome dar,
certa noite com a
esposa se deitou
e a história de Lanfen
então contou:
“Pensei que não
me fosse acreditar
ou ao contrário,
que se pudesse enciumar...”
“Assim manteve de
mim tudo ocultado?”
“Mas agora que
geramos esta criança,
senti um impulso
de meu passado revelar,
para que a razão
desta fortuna saiba agora.”
“E se eu disser
que Lanfen eu mesma sou?”
Logo de início,
ele nem acreditou,
mas se sentiu
logo envolvido de bonança,
os dois
embevecidos nesta hora,
por um ao outro
se poderem revelar...
A FILHA DO REI
DRAGÃO XVII
“Antes teria me
casado com você,
porém meu tio
disse que se recusou...”
“Ele quis me
impor uma obrigação,
tal qual se eu a
tivesse desonrado
e sem saber se me
queria do seu lado;
e nem pensei que
pudéssemos ter nenê...”
“Zanguei-me muito
com o tio nessa ocasião;
logo a seguir,
gente de meu pai o procurou.”
“Mas descobriram
que estava já casado...”
“Querida, como
pode me perdoar?”
“Não há a menor
razão para perdão,
eu é que devia
ter-lhe falado claramente,
mas o pudor
atrapalha tanto a gente...”
“Será imortal
nosso filho do seu lado?”
“Imortal, não,
mas de bem longa duração,
por dez mil anos
conseguimos perdurar...”
“Por ele então eu
ficarei contente...
Com gentileza, me
celebre os funerais...”
“De forma
alguma! Minha força lhe darei
e viveremos sob o
lago de Tuntim!...”
Por várias décadas,
Liu Bingwen ficou assim
com o mesmo
aspecto, sem nada diferente,
mas a atenção
chamou mesmo do rei,
que exigiu o seu
segredo e seus rituais...
Porém sabendo que
ele fora aprisionado,
seu amigo
príncipe voou a libertá-lo
e assim mudou-se
para a terra dos dragões;
mas antes foi de
Hsien se despedir;
deu-lhe cinquenta
pílulas ao sair:
“Com uma por ano
permanecerá remoçado;
depois disso, se
tiver mais ambições,
em Tuntim o
aguardarei para abraçá-lo!...”
EPÍLOGO
Durante décadas
Hsien contou esta história,
que não posso
garantir ser verdadeira,
pois viajava,
para chamar pouca atenção...
Cinquenta anos
depois, também sumiu
e se a
longevidade lhe luziu
ou lhe soou a
hora derradeira
é um enigma que
não me cabe na memória:
só os Sete Sábios
quiçá o decifrarão!...
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