CINDERELLA REVISITADA E
MAIS
William Lagos
CINDERELA REVISITADA I – 7 DEZ 02
Nem te esperava
ver. E então, vieste:
ouviste a música e assim,
talvez, quiseste
que retornassem os dias do passado.
Pois mal te vi, somente
de passagem:
algo secou em mim, numa
estiagem,
qual nunca senti antes, a teu lado.
E ao te ver de novo, algo
faltava:
o brilho se escoara e nem
cantava
mais o som de tua voz ao meu ouvido.
Pois diminuíste, teu
rosto apenas sinto,
como um rosto qualquer.
Nem sequer minto
que possa recordar algum sentido
Naquilo que já foste para
mim...
Te vi vazia... E, ao te
rever assim,
não eras mais que o invólucro do sonho
Que existiu só em
mim. Sonho perfeito,
que devaneei, em meu
pleno direito,
e que fora do peito agora eu ponho.
Eu já te disse: queria
ter saudade,
e nada sinto.
Desfeita é a ansiedade
que me fazia moldar tanta emoção.
E agora te percebo qual
reflexo
daquele amor que nunca
teve amplexo
e gotejou total do coração.
CINDERELLA
REVISITADA II – 13 JAN 15
Porém quando esperei, tu
não vieste;
meus ouvidos eu fechei ou
não disseste
por
que razão não poderias chegar.
Pois tão somente
sugeriste, de passagem,
que serias uma flor na
minha paisagem
e
que, ao te ver, te poderia regar.
Então andei pelos
possíveis panoramas,
vi pastores e soldados,
dioramas,
mas
no deserto não brotava qualquer flor.
Arbustos secos, apenas,
plantas nuas,
alguns postes apinhados
sobre as ruas,
sem
atacarem a fúria do calor.
Melhor me fora que nunca
me dissesses
que para o meu redil
assim viesses,
pois
aguaria sozinho o meu jardim.
Sem sentir meu coração a
palpitar,
sob essa angústia de
nunca te enxergar,
mais
esquiva que a lanterna de Aladim.
Quanto queria de tal flor
me apoderar,
pois lhe daria o mais
fresco lugar,
bem
protegida por arandela e aramado.
Mas não achei para mim
sequer botão:
brilhava a flor na palma
de minha mão,
fingindo
em versos que estavas do meu lado.
CINDERELLA
REVISITADA III
Quando estavas por perto,
te afastaste
e nem sequer uma sépala
deixaste,
ficou
somente um bulbo seco no canteiro.
Eu procurei em vão caule
e semente,
meus dedos a peneirar a
terra ardente,
já
malferidos nos acúleos do espinheiro.
Bem longe foste e te
quero lá feliz,
que seja amor purpurina
flor-de-lis,
roxas
pétalas abertas em coroa.
Que uma cachoeira te
refresque o dorso,
que amentilhos alegres
tenham corso,
que
minha ausência te garanta prenda boa.
Na verdade, já muita
falta antes senti,
mas diferente foi agora o
que vivi:
outros
corimbos existem a regar.
Mas se pudesse, ainda te
protegeria
da luz mais drástica que
sobre ti luzia
e
sobre ti meu véu iria lançar.
Porém entendo que já
buscas outra sorte,
satisfação de bem diverso
porte
do
que estas que te dar eu poderia.
E como disse, emurchou-se
minha saudade,
dentro do peito já
encontrei felicidade
muito mais certo da que
em ti eu acharia.
CINDERELLA
REVISITADA IV
A jovem era pobre, porém
bela,
em crua vida maltratada
essa donzela,
abençoada,
no final, por um sapato!
Não uma fada, mas sua mãe
no original,
transformada pela morte
em vegetal
e
ali retida por estranho desacato...
Aschenbrödel, Cinderella,
Cendrillon,
nomes poéticos, porém
acho melhor tom
que
inda a chamassem de Gata Borralheira.
Foi em busca de seu príncipe
ao castelo,
achou o amor de um baile
em seu desvelo,
para
fugir antes da hora derradeira...
Mas não sou príncipe e a
outro ela buscou.
Perdeu um sapato. Por que não se esfacelou
pelos
degraus, já que era de cristal?
E para mim chegou somente
em fantasia;
era uma abóbora a
carruagem que corria:
à
meia-noite, voltou ao natural...
Bem ao contrário, esse
amor que me nutria
não era mais que o som da
melodia:
doze
pancadas no velho carrilhão!...
E assim perdi a esperança
do contato,
pois me deixou apenas um
sapato,
cujo
cristal me rasgou o coração!...
GOTAS DE ÂMBAR I –
07/12/02
Não me cabe dizer assim
que a amo,
porque o que sinto por
ela é mais estético.
É como arquetipasse no
poético
tanger de seu andar o que
reclamo,
para a meiga inspiração,
em que me exclamo,
na tessitura de um ideal
ascético:
Amor sem carne,
totalmente asséptico...
E é para tal ardor que me
conclamo...
Que me sirvam de facho
seus encantos;
Que me iluminem a senda
trepidante
e me permitam alçar-me a
novo céu.
Porque, por ela, só
anseio nos meus cantos.
Prefiro mesmo tê-la bem
distante,
sem ser forçado a
retirar-lhe o véu...
GOTAS DE ÂMBAR II – 14
JAN 15
Existem por aí, no Mar do
Norte,
pequenas vidas colhidas
pela morte,
nessa dourada resina da
surpresa,
conservadas para sempre
nessa sorte.
Estão há séculos mantidas
na represa
de uma gota congelada de
incerteza,
manutenção eterna nesse
corte,
na periferia da morte
eterna presa.
Durante milênios, houve
longa rota,
os rios gelados a cruzar
e as montanhas,
os mercadores muita vez
capturados
pelo âmbar branco da neve
que os derrota,
enquanto as contas
sobrevivem a tais sanhas,
com seus insetos para
sempre preservados.
GOTAS DE ÂMBAR III
Aos mercadores achavam,
eventualmente,
os que passavam por ali,
no tempo quente,
das mochilas e sacolas em
que se assente
a sua riqueza a retirar
avidamente...
Contudo os corpos no
âmbar branquicente
eram deixados por ali, no
alvinitente
túmulo. Talvez ave de rapina se apresente,
ou até a geleira a descer
subjacente.
Ninguém queria recolher
esses insetos
de porte humano que o
gelo assim comeu:
não eram arte para
brincos ou colares...
Mas quem no colo traz
tais objetos
lembrar devia dessa gente
que morreu
além dos belos insetos
seculares...
GOTAS DE ÂMBAR IV
Conserva ela assim, no
ambarino olhar
cada momento congelado do
passado;
seus olhos de avelã sonho
dourado,
em que se esgarça o peito
a palpitar...
São dias mortos nesse
âmbar a durar,
qual relicário no colo
pendurado,
escapulário de um dia
enregelado,
tornado em ouro tão só no
meu sonhar.
E quando tomo tais gotas
em meus dedos,
elas se enchem de místico
fulgor
e em tal fagulha me
iluminam toda a noite;
de seu hálito têm os
místicos segredos,
pérolas tristes do que
nunca foi amor,
porém me incita no mais
brando açoite.
EXFLUXO I – 07/12/2002
Enfim, ela partiu: levou-me a aurora,
o sonho, a paz... Consigo foi embora
todo o melhor de mim, até o ingente
desejo de escrever o verso ardente.
Que agora se estiola, em verso impuro,
que tenho de pensar. Não brota ao furo
de meu coração: brota da mente,
que se esforça em manter inda frequente
a pálida corrente destes versos,
que foram turbilhão, meses atrás...
E são agora apenas o mordaz
folhear desiludido dos diversos
momentos, em que guardo na lembrança
a flama gélida da desesperança...
EXFLUXO II – 15 JAN 15
Pois na sua ausência, levou muito de mim,
desejos mortos, melancolia, requin-
te que deveria inspirar, mas expirou;
que ao invés de me alegrar, desapontou;
a liana de meus versos decepou
e sobre as lajes do chão depositou,
sob meus passos, secas flores de jasmim,
amarelado tornando o seu carmim.
Destarte eu sinto a palidez do verso
que antes fora de púrpura e escarlate,
um celofane em estalos de ilusão,
não mais que invólucro no coração disperso,
que ainda jorra incessante e não se abate,
na hipovolêmica sangria da paixão.
EXFLUXO III
A bem verdade, é falácia o desespero;
o seu retorno já de fato nem espero,
mas sempre apelo para a imaginação,
manso sarcasmo a servir-me de bordão.
Pois nada existe a ser de fato deprimente
que minha esperança resseque totalmente;
espero em mim, confiante no ademais,
por mais que dela não espere nada mais.
Pois afinal, o desmedido amor
não brotou para meu peito nesse influxo,
de mim saiu, em gêiser permanente
e mesmo que não tenha o seu calor
a potência ainda mantenho desse fluxo
como num sonho realizado no presente.
EXFLUXO IV
E se o amor de antes se fizera em turbilhão,
em uma eclusa agora está contido;
todo o canal do influxo vivido
fui eu que o abri com goiva e com picão!
Abri à pá e à enxada essa vazão,
os versos arranquei do meu olvido,
suguei da lama o meu estro perdido
e é só de mim que deriva essa emoção!
É lastimável que não a possa repartir,
ao arrastar pelo fio de sua geleira
os mil versos em farrapos de cristal;
mas quem sabe se a outrem vou nutrir
com o encarnado sangue de minha esteira,
nas ânsias carmesim do meu fanal.
FAÚLHAS I – 07 DEZ 02
Dizem que amor desbota,
quando a posse
a esperança esgota – que era a espera,
que tanto imaginava sutil fosse
o prazer que seu beijo então me dera...
E que esse beijo, enfim,
ao ser negado,
melhor servisse ao palpitar do sonho
que um beijo no passado já gozado,
cujo sabor recordo e ao qual me exponho...
Não é assim comigo.
É a posse mesma
que me entusiasma mais. Esse jamais
apenas me revoga e nega o ardor...
Enquanto esse teu beijo
me ensimesma
e me faz rebrilhar sonhos vitais,
manifestados em novo resplendor...
FAÚLHAS II – 16 JAN 15
E se o amor não desbota,
mas aquece
quando
recebe a aquarela de teu beijo,
muito
mais colorido vem o ensejo
de
um novo beijo receber em prece.
E se o amor não fruído
desfalece,
tão
só crisálida se faz, em leve adejo
e
se desfaz no vácuo do desejo,
quando
se cumpre, mais se fortalece.
Pois de teus lábios
fagulhas se desprendem,
na
etérea explosão de mil faíscas,
arco
voltaico de místicas centelhas
que até minha boca sobem
e me prendem,
da
pescadora as mais formosas iscas,
como
um ramo de sabores em corbelhas...
FAÚLHAS III
Contudo, descobri nos
desenganos
que
outra forma de beijo se desprende,
exalação
arcana que mais prende
na
comissura dos lábios com seus danos.
E me aconselham, com
furtivos planos,
que
vá buscar essa mística que atende
toda
fragrância que pelo ar se pende,
mais
invencível que os reais enganos.
Assim escuto os beijos
invisíveis
que
me rodeiam e se queriam dar,
mas
sem ter lábios para me oscular;
talvez os outros sejam
insensíveis,
mas
não tais colibris, que busco mais
e
em seu flutuar se fazem sonhos corporais.
FAÚLHAS IV
Pois beijo o fogo nas
anáguas de sua luz,
beijo
fantasmas de líquidas visões,
beijos
de ar, de sol, palpitações
em
redemoinho que passa e me seduz.
Tendo os braços abertos
como em cruz,
busco
tais beijos de mansos turbilhões,
cubro
minha pele com tais eructações,
róseos
mamilos de invisíveis seios nus.
E se não os encontro no
jardim,
vou
procurá-los no alto do terraço,
em
que as almas revoam a seu destino
e as mais doces faúlhas
dão a mim,
antes
que evolem ao derradeiro passo,
para
que as ouça num clamor de sino.
SEDIMENTOS I – 17 JAN
15
Camada após camada se
acumulam
Os arenitos vermelhos
de minha vida,
Sedimentada cada
despedida,
Mágoa vê mágoa e sem
pesar se osculam.
Em terracota as camadas
se acumulam
Na senda seca e milenar
perdida,
Acenos ocos de cada luz
despida,
Mil grãos de areia que
ao coração pululam.
Estranha aterosclerose,
sem oleosa
Acumulação em qualquer
artéria ou veia,
O que me entope são os
grãos de areia,
Cacos minúsculos da
alma laboriosa,
Vidrilhos reluzentes de
harmonia,
Cada tristeza nova
fonte de magia!...
SEDIMENTOS II
Desce a paixão em cacos
de granada,
Preenchendo dez buracos
no meu peito;
Desce a incerteza em
singular conceito,
Toda a alma a preencher
desordenada.
Desce a tristeza,
turquesa esfarelada,
Como os pregos que traz
faquir ao leito;
Desce a ganga do
diamante desde o eito,
Como a lágrima de fúria
desvairada.
Desce a ágata, em
cintilar de inveja
E calcifica paulatina
minhas entranhas,
Lápis-lazúli escorre
por minhas veias;
Contra o crisólito cada
faixa se festeja,
Arrancada com sangue
das montanhas,
Iguais adagas a me
romper as teias.
SEDIMENTOS III
Toda a alma humana um
composto mineral
Em que o cristal
superjacente se derrama;
Cada emoção como jóia se
conclama,
Breve magma vulcânico
em castiçal.
São delicados os
estratos, afinal,
Fila após fila deposta
como escama;
Cada ilusão para si
lugar reclama
Contra o concreto da
evidência natural.
São milhares de
impressões que se recolhem,
Penas flutuando no
palpo dos sorrisos,
Vaidade e orgulho no
leque do pavão
E é dentro dos
dendritos que se acolhem,
Caleidoscópica amplidão
em cortes lisos
A cintilar no furtacor
do coração.
PRECE INSIDIOSA I – 18
JAN 15
É longa a espera de
quem tão pouco espera,
que na palma da mão
essa quimera
da linha da sorte traz
fragmentada.
Com a linha da cabeça
conturbada,
como os vimes de um
cesto em confusão,
com a linha que deveria
ser do coração.
A este encontro
denominam “linha simiana”,
em que a razão com a
emoção se irmana.
Tudo pode fazer em que
se empenha,
quem a palma da mão
conserva prenha
desse duplo penhor tão
incomum.
Porém quem tudo pode,
nada faz,
tem mil caminhos e não
se satisfaz,
embora os siga mais que
qualquer um.
PRECE INSIDIOSA II
Quero que a cunha que
me percorre a mão,
ângulo claro em sua
vital oscilação,
que me circunda, qual
anel, o polegar,
do Monte de Vênus a
definir o seu lugar,
da Lua e do Sol em
oposta posição,
filhos mostrando da
imaginação,
razões concretas dê
para essa estrela
que bem no centro da
palma se congela,
sem esperar nada mais
que a profecia,
não do futuro, que se
escolhe de uma trama,
mas dos conselhos para
a outrem outorgar,
que para mim por pura
insídia não se via:
casei-me com mim mesmo
nessa rama,
vermelho o sangue como
o próprio conubiar.
PRECE INSIDIOSA III
Que seja assim vermelha
essa minha espera,
turbulenta de placenta
e de quimera,
que seja um útero a
palpitar na escuridão.
Que não seja esse
frescor de ostentação
proclamado por tantos
na verdura,
mas seja a carne maternal
e pura,
pois amo o verde no
azul de tuas entranhas,
tropeço ardente nas
trompas das montanhas.
O que desejo é a
esperança avermelhada,
que me mantenha vivo na
jornada,
corda de umbílico em
que possa me agarrar.
Porque a esperança
verde da liana
facilmente se rompe, é
desumana,
igual que um pingo
irrequieto de luar!...
AIS CONVULSOS I – 19
JAN 15
Embora eu fale com
frequência na tristeza,
Já de há muito de tal
dor me libertei:
Sinto tristeza de não
possuir um rei,
Nem ver passar a
carruagem da nobreza...
Mas não sinto tristeza
da pobreza,
Nenhum castelo eu quis
nem habitei:
Talvez no antanho com
fantasmas conversei,
Mas estes tenho à volta
de minha mesa...
Se não me queixo da
falta de riqueza
É que possuo bens até
demais,
Sem lugar ter para a todos
colocá-los;
Selos e livros,
melodias de beleza,
Muitos dos quais eu nem
lerei jamais:
Por que um castelo ter
para ostentá-los?
AIS CONVULSOS II
Mais ainda, no interior
dos escaninhos
Convulsos, que o
encéfalo percorrem,
Guardo ideias e sonhos
que não morrem;
Alguns escapam entre os
dedos, pequeninhos...
Já muitos deles
espalhei pelos caminhos,
Mil fragmentos que nos
meus rastros correm,
Plumas oníricas que o
meu leito forrem,
Alfazemas de vapor
entre azevinhos...
E se os conservo em
mim, por que tristeza?
Esses meus versos traem
falsidade,
Mais transitória que as
luzes da ribalta.
Mas se eu falar em
alegria e singeleza,
Quem irá compreender
esta vaidade,
Pois quem compreende
aquilo que lhe falta?
AIS CONVULSOS III
Assim, quando te falo
de tristeza,
A que descrevo é aquela
que sentiste;
Muito mais vezes teu
coração foi triste
Do que empolgado de
alegria e singeleza.
E se vê no sofrimento
essa beleza
Da melancólica perda
com que ungiste
A condição humana,
quando insiste
Em deslustrar cada trama
da certeza.
É como se dez mágoas ao
redor
Continuamente puxassem
os tais fios,
O tecido da vida a se
esgarçar,
Ficando tênue até o
mais doce amor,
Esfiapados os mais
ardentes brios,
Rachado aos poucos todo
o esperançar...
AIS CONVULSOS IV
Torna-se fútil o útil
da poesia
Quando te encontras em
contentamento;
É o desaponto que
comove o sentimento
E a tristeza que tua
dor delgaçaria.
Existe, é claro, a
poesia da harmonia,
A descrever bom e
correto julgamento,
Passos no palco, o
brilho do momento,
A suave concepção da
melodia...
Mas quem contempla esse
verso delicado
Talvez sorria em sua
melancolia,
Mas não o sente por sua
alma perpassar;
Assim eu busco ao
coração gelado
Dar o consolo da
mística elegia
Do meu suspiro que te
faça suspirar...
AIS CONVULSOS V
Pois no momento da
maior inspiração,
Ao ver o pássaro voar
para o infinito,
Sempre se sente o
coração contrito:
Por quanto tempo lhe
dura a arribação?
Quanto voa na esperança
o coração?
Sempre há motivos para
quedar-se aflito;
Fácil se quebra o
momento mais bonito,
Pois todo o bem que se
tem nos tirarão.
Por isso é belo o
momento da tristeza,
Que nunca roubam para
dar felicidade:
Que seja a mágoa a jóia
mais preciosa,
Que não se empanará na
sua beleza,
Mas que se pode
ostentar com equidade
Perante a inveja, qual
imagem milagrosa!
AIS CONVULSOS VI
Mas realmente, a minha
tristeza é falsidade:
A mim me basta o que
tenho e o que perdi,
Meus filósofos e as
opiniões que já acolhi
E aquelas tantas que
distribuí pela cidade.
Porém as queixas de real
vivacidade,
Os mil suspiros e os
ais que já emiti,
Bem compensaram as
dores que sofri,
Sua expiração foi
engaste de ansiedade...
Assim convivo com meus
desapontamentos,
Brinco com eles de
esconder e pega-pega,
Talvez eu possa
desapontá-los ainda mais!
E de tristezas
revestirei ressentimentos,
Nessa gangorra de uma
criança cega
A quem mil cores não
explicarão jamais!...
DOIDIVANAS I – 20 JAN 15
FAVELA NO NORTE É FLOR
MAS NO RIO SÓ UM CORTIÇO
EM MEU GAGUEJAR CASTIÇO
O FERRÃO ME CAUSA DOR
MAS É DA ABELHA O ESTERTOR
ESPERNEANDO AINDA NO VIÇO
IGUAL QUE ZÂNGÃO POSTIÇO
TRANSFORMEI MEL EM VAPOR.
DE QUE SERVE SEU LABOR
QUANDO A CERA VIRA VELA
E SE SUBLIMA NO AR
OU QUANDO, EM OUTRO VELAR
FORRA VELA EM CARAVELA
QUE SE DERRETE NO MAR?
DOIDIVANAS II
NA CIDADE EM QUE EU HABITO
TEMOS DOIS SANTOS PADROEIROS
MAS QUEIMAM VELA A TERCEIROS
NAS PRECES PARA O INFINITO
SÃO SEBASTIÃO LANÇA UM GRITO
FOI CORTADO DOS POLEIROS
POR DECRETOS VERDADEIROS
DE JOÃO xxiii BENDITO!
E A SENHORA AUXILIADORA
NUMA IGREJA EM ART-DECÔ
CONTEMPLA MANSA DO ALTAR
A RIVAL CONQUISTADORA,
NOVA PADROEIRA EM ANDOR
TALVEZ A SE LAMENTAR...
DOIDIVANAS III
NOS FIOS DO VIDRO EM QUE PASSA
BEM DISCRETA ESCORRE A CHUVA,
TRAÇA DEDOS COMO LUVA
SOBRE O LISO DA VIDRAÇA,
PORÉM QUANDO A ÁGUA É ESCASSA
SÓ POSSO PENSAR EM UVA,
QUER ROXA, QUER SEJA FULVA
PERDURA NOS FIOS QUE TRAÇA.
A CHUVA DANÇA NO VENTO
QUANDO APENAS UM CHORRIO
E A GOTA GROSSA SE APAGA
NO CHÃO EM BREVE TORMENTO
CHOVE A CHUVA COMO RIO
E ROLA QUAL UVA EM BAGA.
Doidivanas iv
Contudo é livre o vapor
Quando em flocos de algodão
Mais grosso EM massa de pão
Mas a gota não tem cor
Somente quando o calor
Sem respeito adensa a mão
A chuva se engrossa então
Num bambuzal de cinzor.
Porém toda chuva é presa
No anzol da gravidade
E no solo se desmancha
Minhalma, no entanto, ilesa
Somente cai em saudade
E no solo o sonho alcança.
DOIDIVANAS V
SERÁ QUE ESTA NOITE ELA
IRÁ ME TRAZER A CHUVA
SALIVA EM BAGA DE UVA
FLOR VERMELHA DE DONZELA
NO LUSCO-FUSCO DA ESTRELA
NOS MEUS OLHOS DOCE LUVA
DESCE A VELA DE ÁGUA FULVA
E MINHA AFLIÇÃO CONGELA?
SERÁ QUE QUANDO CHEGAR
TRARÁ VELAS PARA MIM
OU AZEDO MEL DA TRISTEZA
TAL PADROEIRA A ME ABRAÇAR
LUZ DE CERA CARMESIM
DERRETIDA EM SINGELEZA?
DOIDIVANAS Vi
COLMEIA SECA MINHA VIDA
JÁ NEM SEI O QUE ESPERAR
QUIS-ME O DESTINO NEGAR
TANTA BÊNÇÃO PROMETIDA
QUE NEM SEQUER TEM VALIDA
A ESPERANÇA DO CHEGAR
SE VIER QUE IRÁ ADIANTAR
VER SUA FACE TÃO QUERIDA?
RealMENTE É UM DOIDIVANAS,
COMO ATEU A SUPLICAR,
MEU CORAÇÃO A ESPERAR
QUAISQUER GRAÇAS SOBREHUMANAS,
BEIJANDO A POEIRA DO CHÃO
COMO A CHUVA A BEIJA EM VÃO.
PARUSIA I --
21 JAN 15 (Retorno Glorioso)
No escuro da aurora o meu sinuelo
Percorre o pago a relinchar na senda;
Ao meio-dia, meus olhos cobre a venda:
Na séstia, meu pelego é meu castelo.
No travesseiro da sela o rosto belo
Só me avalia, tal qual visão de lenda;
Tê-la nos braços riscara já da agenda,
Não esperava merecer mais o seu zelo.
Mas ali está ela, que de longe viajou
E me entrou, de mansinho, no galpão,
Um sol que chove em temporal de luz,
Nas tábuas negras só pouca luz filtrou,
São interstícios por onde adagas vão
Pingar no rosto a ilusão que me seduz.
PARUSIA II
Será um sonho apenas seu retorno?
Certamente os céus não estão abertos.
Mas os meus olhos se acharão despertos,
Sente minha pele junto a mim seu corpo morno?
Essas rédeas de luz em meu entorno
Quais pilchas vindas dos ventos desertos,
Cobrem-me as pálpebras com clarões incertos
Ou é o mormaço que me embala com seu forno?
Pois me cozinha tal e qual pó de cominho,
Pão de milho e de cevada com centeio;
Minhas vistas ainda insistem em se abrir...
De seu retorno eu me encolho de receio
Será que, finalmente, o mate em vinho
Se mudará para meu amor nutrir?
PARUSIA III
Se ela vier e me trouxer a glória,
Sem ser somente um dom do devaneio;
Se o mau destino não se mete de permeio,
Transformando mais brilhantes em escória;
Se ela vier e transmutar-me a história
Por uma tarde que seja, sem receio,
Na redenção dos mamilos de seu seio,
Na aceitação de sua flor peremptória!...
Mas nem ao menos me envolvo de esperança.
Os olhos guardo fechados firmemente,
Mesmo sentindo a ponta de seus dedos
E sua voz, meio em caprichos de criança,
Sua língua a revelar-se lentamente,
Na multidão sutil de mil segredos!...
DEUSA PENÚRIA I – 22 JAN 15
Tomei nos dedos vinte raios de luar,
para impedir que a alma se escondesse,
esperando que sua prata concedesse
durante o dia inteiro, sem parar!
Nesse rosto de mulher, a respirar
bem junto ao meu, que tal Lua me desse,
nesse frescor que no Sol nunca se aquece,
porém é cálido como um sonho de avatar!
Eu sinto a deusa, em vasta sedução,
teia de asbestos com que pôde me atrair
no meu amor que por ela azinhavrou...
Porém a tenho ao alcance de minha mão,
da longa ausência a buscar seu redimir
e minha saudade em electro transformou...
DEUSA PENÚRIA II
Por toda a vida suas promessas recebi;
no entretanto, raramente se cumpriram;
foram dedos chumbados que lançaram,
tanto no amor quanto no jogo que escolhi.
A deusa branca nas palmas eu possuí,
porém suas pétalas rosadas só se abriram
na senda inquieta que tão mal traçaram...
Foi o destino ou foi por tolo que a perdi?
Que pelo meu prazer nunca insistisse,
que como anjo sem asas só voasse,
que o suor de seu rosto não bebesse;
Foi-me tal deusa que afinal não concedesse
que até os páramos de seu trono me alçasse
ou de seu beijo eu simplesmente me escondesse?
DEUSA PENÚRIA III
Mas se eu amei sem impulsos de luxúria,
porém a tive como musa imarcescível,
como posso me queixar do inacessível,
se fui eu mesmo que invoquei a minha penúria?
Contra mim mesmo que eu projete toda a fúria
e pela vez derradeira do possível
possa tê-la no alcance irretorquível,
sem a perder outra vez mais por minha incúria.
Que seja assim. Que o
baraço novamente
se apresente diante de mim a decifrar;
qual o destino que agora escolherei?
Ou circunstâncias de novo, torpemente,
me impedirão de tal escolha completar
e em beijo seco de cristal me lanharei...?
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