PARADOXO & MAIS
William Lagos
PARADOXO I – 5/12/02
Pior é a dor quando sei
te encontras perto
e não te posso ver, que
estás distante.
Respirar é bem mais
fácil no deserto,
que nessa estrada que
percorro, viandante,
e que de ti me
afasta... a cada passo mais...
Até prefiro conhecer que
foste embora,
do que saber-te perto e
que, jamais,
conseguirei rever-te,
nesse agora
em que teus olhos
profundos refletiram
o meu olhar intenso e
preocupado
com o teu bem...
Pois vejo, ao coração,
que somente quando os
olhos infletiram
para dentro de mim, te
vejo ao lado,
cegos meus olhos por tal
separação...
PARADOX
– 6/12/02
Worst
is the pain when I'm near
and
cannot see you, whatever reason
rends
us asunder, like a sharp incision
heart
to heart mercilessly shall shear...
Easiest
to breathe, when the road keeps
me
far from you and every step I take
further
and further deepen shall my ache,
though
all the distance still my thought leaps.
And
I perceive, when my eyes are closed,
and
blinded for tears as well by separation:
That
is when I most clearly see.
For
in my inner eyes you are reposed,
and
you're beautiful, farther than creation,
when
souls enthralled to each other shall flee.
PARADOXO II – 02 JAN
2015
Pois quando, de repente,
assim me fitas,
é como se cegasse para o
mundo;
então me afogo em teu
olhar profundo
e para a perdição de mim
me incitas.
Eu me perco nessas
vistas tão bonitas
e sou puxado para
dentro, num jocundo
entregar-me ao atoleiro
em que me afundo
e a descer mais e mais
tu me concitas.
E dessa forma, no
momento da visão,
eu tenho os olhos
escamados dessa luz
que de teus olhos brota
e assim me cega
e então me guarda, vazia
de compaixão,
com os demais objetos
que seduz,
que nem quer ver, mas
aos quais ainda se apega.
PARADOXO III
Assim não sei, de fato,
se desejo
que nos teus olhos eu
possa ora fitar,
pois quando os fito, os
deixo de enxergar;
se não os fito, não
sofro em tal ensejo;
as vezes que os fitei
formam cortejo,
mas tantas houve em que
não os pude contemplar,
os olhos baixos, o rosto
a desviar,
nessa recusa altiva de
seu beijo...
E se não os vejo, então
posso contemplar
o contorno do rosto e do
perfil,
quando a nuca me nega
sua aquiescência;
e quando os vejo,
termino por cegar,
meus olhos lastimados de
esmeril,
porém que insistem, sem
encontrar clemência...
PARADOXO IV
Mas quando ela se faz,
de fato, ausente,
consigo tê-la em minha
própria criação
e então a encontro, véu
de imaginação,
muito mais perto do que
quando está presente;
nos devaneios, jamais
está impaciente,
sempre um sorriso nos
lábios em botão,
com os dedos me acarinha
em profusão,
bem ao contrário do que
quando estou consciente.
Será então melhor que
longe esteja,
pois dessa forma, mais
perto a sentirei
que na insistência
inútil dessa corte
que até mesmo o imaginar
aleija,
em que meus olhos
abertos perderei
e até ao mais doce
devaneio darei morte?
CESURA I – 5/12/02
Estranha coisa é a fuga
à morte e à vida,
que tantos impulsiona ao
desviver...
Nada se deixa após a
humana lida,
senão a lápide, em breve
descrever:
Nasceu, morreu, seus
filhos têm saudades;
a esposa, os pais,
irmãos, os familiares...
Nada mais resta de tais
atividades
em que gastou seus dias,
aos milhares....
Muito melhor é a algo
dedicar-se:
à ciência, à arte, ao
povo, à religião...
Deixar algo de si que
não pereça,
antes que o crânio
comece a esfarelar-se...
Que já não reste
qualquer recordação
e todo o amor que a
alguém sentiu, esqueça...
CESURA II – 03 JAN 2015
Amor aos mortos é algo
bem estranho;
mais do que tudo, vasto
ato de fé,
pois se acredita em
sobrevivência até,
para aceitar um sentir
de tal tamanho;
sempre há certeza é de
haver o arreganho
da morte em tal visão
que toma sé
num ataúde ou se tal
notícia é
irrefutável da guerra em
arrebanho.
Porém crer que existe
vida mais além
requer um esforço de
imaginação
que no primeiro momento
não nos vem;
surge de dentro essa tal
convicção,
certezas íntimas que
somente tem
quem as reveste com
algum teor de religião.
CESURA III
Mas não existe qualquer
povo que não tenha
forte ou mais fraca essa
tal percepção,
independente de
civilização
ou da cultura em que sua
vida se contenha;
há muita imagem diversa
que nos venha:
os indo-europeus
praticavam a cremação;
por meio dela a sair em
flutuação
não só as cinzas e a
resina dessa lenha,
mas sombra, espírito,
qualquer tipo de alma,
subindo aos céus ou
descendo a algum lugar,
Hades ou Orco ou
celestial Valhalla,
talvez o Svarya hindu ou
a mansa calma
desse Nirvana de
celestial flutuar
ou o Paraíso muçulmano
de um Allah!...
CESURA IV
Também ocorre que povos
primitivos
os cadáveres conservem,
ressequidos,
e se dirijam a tais
entes queridos,
conselhos esperando,
igual que aos vivos;
outros ainda os corpos
põem nos crivos
de suas fogueiras,
assados ou cozidos
e os devoram em rituais,
compadecidos:
sejam os mortos em seus
ventres redivivos!
Sem esquecer as
mumificações
desses povos entre os
quais a lenha é escassa:
no Egito antigo, cada
corpo em faixa,
nos Altos Andes, em
elaborados potes,
com cobertores e alguns
preciosos dotes,
para guardá-los por
muitas gerações...
CESURA V
Entre os judeus e
através da Palestina
predomina também o
enterramento;
pira de lenha seria ali
um portento:
raros gregos e romanos
com tal sina!
Mas lá no Ganges, tanto
ancião como menina,
após cremados, são lançados
sem lamento;
o rio é santo e os leva
em sacramento,
qualquer que seja a
razão que os assassina!
Entre os aztecas, cada
deus possuía um céu
e recolhia consoante o
passamento,
sem um registro de boas
ou más ações...
Mas quem da morte
natural sofria o arpéu,
ficava à mercê dos
demônios, num momento,
que o devoravam sem mais
considerações...
CESURA VI
Por que, então, suicídio
praticar,
se a vida continua após
a morte?
Castigo ou recompensa
como sorte
ou puro e simples
retorno, ao reencarnar?
Se noutra vida iremos
reencontrar
dos que viveram a sua
completa corte,
no amor ou ódio ou
intermédio porte,
de nossas emoções a
relembrar...?
Por isso, tantos há que
até queriam
que a morte toda a vida
terminasse:
muito mais simples se
chegasse então o fim!
Fugindo ao medo que os
cristãos nutriam
de vasto Inferno que seu
Dante registrasse,
a própria morte temendo
tanto assim!...
ORQUESTRAÇÃO I – 5/12/02
THREE VERSES DELETED
e o rosto que me volta para o beijo...
TWO VERSES DELETED
Mulher inteira e pronta ao sacrifício
da liberdade, pela semente desse ensejo.
NO VERSE DELETED
É assim, afinal, que mais se entrega,
nesse ritual arcano e misterioso,
em que se acopla o ventre ao agressor.
Que o útero, no fim, inteiro rega
e lhe derrama na alma o bem precioso,
que justifica ao mais infame amor.
ORQUESTRAÇÃO II – 04 JAN 2015
TROIS VERSES EFFACÉS
ritual antigo que lhe impõe a Natureza.
DEUX VERSES EFFACÉS
Na metabólica saga do hormonal
que mitocôndrios mistura em incerteza
PAS DE VERSES EFFACÉS
Nas misteriosas leis da mutação
o vasto exército branco vai à morte
em sua senda uterina avermelhada,
até que um só tome o cone de atração
e se desfaça na almejada sorte,
a sua coorte inteira dizimada!...
ORQUESTRAÇÃO III
TRES VERSOS BORRADOS
que deus ou anjo redige a partitura?
DOS VERSOS BORRADOS
Existirá por aqui democracia
ou nepotismo de demência pura?
SIN VERSOS BORRADOS
De que modo essa esfera escolha faz,
quais as enzimas que sem nariz percebe,
quais as faces conhecidas nesse escuro?
Qual a frecha que busca em tal carcás,
nessa atração em que esforços não se mede,
no compromisso total de seu futuro?
ORQUESTRAÇÃO IV
TRÊS VERSOS APAGADOS
são, no total, milhões de tentativas.
DOIS VERSOS APAGADOS
em lama branca, tropa com bandeiras,
correndo pelas trompas tão esquivas...
NENHUM VERSO APAGADO
E quantas vezes nem um só soldadinho
alcança o alvo no final de seu caminho,
mas se resseca e morre sem razão?
E dizer que foi um ato de carinho
que provocou hecatombe em profusão,
no altar profundo da erótica ilusão!...
CONSISTÊNCIA
I – 5/12/02
Existe
uma mulher, cuja elegância
preenche
a vista e me polvilha o olhar.
Não basta
o seu vestir --- tal adejar
meus
olhos cauteriza de fragrância...
Porque a
mulher que, realmente, é bela,
é bela
por inteiro e a meus sentidos
atinge
totalmente, malferidos,
inesperadamente,
porque dela
dimana o
gosto que me assalta o ouvido;
explode o
brilho que percebe o tato;
retine o
som na língua e no nariz...
E seu
perfume ondula, num gemido,
tão
sólido e ridente que, de fato,
demonstra
ser tão bela quanto a quis...
CONSISTÊNCIA II –
05 JAN 14
Contudo, se possuir
essa mulher,
pelos caprichos da
natureza humana,
não mais terei a
maravilha que dimana
de meu imaginar em
malmequer...
Sei muito bem que a
vida faz mister
de bordar um
bastidor que a mente engana;
se tal mulher
perfeita fosse, quão insana
deixaria a
humanidade em seu sofrer!
Somente os mais
ingênuos podem crer
que ela seja o
esplendor da perfeição
e nessa teia
totalmente se envolver;
e ela sorri, em sua
constante mutação,
pois não são estes,
de fato, que ela quer,
mas arredios que
despertem sua paixão!
CONSISTÊNCIA III
Que se compreenda,
então, que não a busco,
salvo talvez com a
constância de um olhar,
com que a possa,
eventualmente, perturbar,
na hipnose ofídica
em que a ofusco.
Se a mim se achega,
geralmente arrisco,
numa cortina de
galanteios me ocultar;
tão só inuendos,
gentil a lhe falar,
perdida minha
intenção em lusco-fusco...
Porque, de fato,
não a quero conquistar
a muito menos a pretendo
torturar:
quero um pretexto
para a minha poesia;
tomando o corpo,
sua sombra vai flutuar
e já não posso
descrever a nostalgia
que de outro modo,
tanto iria me inspirar!
CONSISTÊNCIA
IV
Porém não
serve para tal qualquer atriz,
no cinema
ou nos palcos a flutuar;
sinto-a
intangível demais para tocar
e assim
não posso me negar o quanto quis;
quero-a
perto, perdendo-a por um triz;
o seu
odor na brisa a me magoar,
a sua
visão nos olhos a queimar,
que possa
pô-la em pedestal de imperatriz!
Só assim
penso no que podia ter sido
e desta
forma descrever o que não foi:
a sua
cintura se torna a minha caneta,
nesse
amor cálido que não foi jamais vivido,
tanto
mais triste quanto menos dói,
tão mais
real a paixão, por ser secreta!...
GALOPE DE LUZ I – 06 JAN 15
Num relâmpago ela passa e deixa apenas
O fragor de seu sorriso, o terremoto
De seu perfume incontido de ignoto,
Breve corisco de riso e de açucenas...
Com a atração das pernas me envenenas:
Sou forçado a seguir, destino roto,
Esquecido o dever, lançada ao esgoto
Qualquer obrigação, pois me condenas
A tal humilhação de peregrino
Que não sabe sequer qual é o santuário
Em que se encontra a relíquia desejada,
Ensurdecido a tudo, salvo o sino
Destes saltos repicando, em relicário,
Por sobre as tijoletas da calçada...
GALOPE DE LUZ II
Os passos soam ao longe e me perseguem,
Antes mesmo que te consiga ver
E muito menos que por ti possa sofrer,
Sob o veneno dos beijos que me neguem...
Ouço os tacões, tal como se me preguem
Retalhos da audição nesses prazer;
Saltos tão finos que mal posso perceber
Como em tropeço seu corpo não
entreguem...
Será que, realmente, ela caminha
No pedestal desses cinzéis de gelo
Ou a criei em meu próprio labirinto?
A orquestra simples, aos poucos, se
avizinha
E em moinhos de oração, louvor singelo,
Desvendo ao vento apenas quanto sinto!...
GALOPE DE LUZ III
Talvez devesse recordar alguns camelos,
Como esses de algodão, que a Avó fazia,
Justamente em tom oposto – nunca ouvia
De suas patas na areia sons ou selos...
Talvez devera nesta data outros desvelos:
Mais três Reis Magos que a rainha que luzia,
Mas os seus passos ainda assim escutaria,
Embora surdo, em revérberos belos!...
E vão tais sons gerando apenas ecos
Dos passos da mulher que não conheço
E que só posso imaginar como seria,
Da garganta a soltar soluços secos
Dessa emoção controlada, que não cesso
De imaginar com que prazer provocaria!
goon show I – 07
JAN 2015
são as férteis
que eu quero; essas mocinhas
não me despertam
desejo; nem sequer
em adolescente; sempre
busquei mulher
adulta e ativa
entre trigais e vinhas.
sei que homem e
mulher vivem em rinhas,
quando o sangue é
derramado por qualquer
esporão ou por
bicadas, que ela quer
dominar pelas
causas mais mesquinhas...
mas não me
importa tal confrontação.
são as férteis
que eu quero, já maduras,
pois já sofreram
e sabem como amar;
mesmo que a rixa
venha a continuar,
as razões de suas
raivas são mais puras
e raramente – até
mostram compaixão!
goon show II
a atração que
sinto por meninas
é de ordem bem diversa,
esse frescor
que se encontra
em madressilvas, o pendor
da grinalda em
brancuras tão prístinas.
eu vejo nelas as
gotas peregrinas
da humanidade em
seu primeiro odor;
serão mulheres um
dia, em esplendor,
verde atração das
graças femininas!
mas que pena que
crescem! bem queria
poder plantá-las
em meus vasos de argila
e que ali para
sempre florescessem!
pois quão
depressa esse viço se esvazia!
já adolescentes,
nos desfiles fazem fila,
já a malícia a
nutrir antes que crescem!
goon show III
e como nas
baladas já se expõem
e presa fácil se
tornam dos perversos!
antigamente, eram
os lares bem mais tersos,
mais perigos a
evitar, que tanto soem;
ou sobre véus e
grinaldas as depõem
em matrimônios,
desde os primeiros versos,
contos de fada
repetindo já nos berços,
aleitando bebês
que os peitos roem.
mais do que amor,
sinto pena e simpatia:
eu a narrar
contos de fada gostaria,
para mentir sobre
os príncipes encantados!
mas essas jovens
de prematura zombaria
em preferia ver
de corpos intocados,
junto a unicórnio
que só virgem domaria!...
FORENSICS I – 08 JAN 14
Em minha memória existem cisnes de algodão,
Seus esqueletos armados com arame;
A minha avó, sem fazer qualquer reclame,
Molhava em cola para os moldar com devoção.
Havia dezenas de obras de sua mão,
Camelos, elefantes e um derrame
De ciprestes e arbustos, num recame
Do presépio de tão velha aquisição.
Vejo as figuras de gesso na memória,
Mas sobre sua choupana de sapé
Havia dois anjos com asas, mas sem pernas,
Abrindo a faixa que proclamava a glória
Para o Deus que nas alturas ainda é
E ainda será em mil glorias sempiternas...
FORENSICS II
Estranha coisa que, só finda a epifania,
Saia a lembrança com dois dias de atraso;
Quiçá ao contrário em adiante, nesse acaso
Que quatro dias de avanço geraria
No calendário, pela equinócia correria,
O ano a retardar em seu ocaso,
Mais noventa e seis horas nesse vaso
Que se derrama depois que se anuncia...
Pois havia noventa e seis criaturinhas,
Todas feitas de cola e de algodão,
Na maioria, ovelhas e pastores,
Queimadas todas no incêndio, pobrezinhas!
Após guardadas com tanta devoção,
Findado o tempo, afinal, de seus labores...
FORENSICS III
Por isso, hoje as menciono em nostalgia,
Qual se fizesse a própria autópsia mental;
Durante décadas eu conservei o ritual
Em que nosso vasto presépio se estendia
Ao redor das raízes, em que dormia
Aquela velha araucária de Natal,
Que qual fora bonsai, cresceu bem mal,
Dentro do vaso de cimento que a prendia.
O presépio de gesso mais antigo
Dei como herança a meu filho mais velho,
Mas nunca soube se o montava na sua casa.
E meus soldados de brinquedo ainda consigo
Distribuir entre meus filhos, bom conselho,
Antes do incêndio que tudo o mais arrasa!...
O LIVRO DOS NOMES MORTOS I – 9 JAN 15
NAS MINAS DA NOITE CINTILAM
LEMBRANÇAS
DURANTE A CANÍCULA SÃO MAIS ABAFADAS
DURANTE MINHAS SESTAS TALVEZ
DESPERTADAS
MAS LOGO COMPOSTAS EM VASTAS MUDANÇAS
PELOS SONS QUE ME ASSALTAM OU ODOR EM
ANDANÇAS
E O BRILHO DO DIA EM MEUS OLHOS
VAZADOS,
NO LENÇOL OU NA COLCHA MEUS DEDOS TRANÇADOS
OU DA PRÓPRIA SALIVA EM SUTIS
ESQUIVANÇAS
AS LEMBRANÇAS CORROMPEM AS CEM
PERCEPÇÕES
ENTENDIDAS A MEIO E O SONHO RETORCEM
NÃO É O QUE RECORDO, MAS SÓ O QUE
REFINO
NAS MINAS DA TARDE AS MIL VARIAÇÕES
QUE IMAGENS MAIS DURAS DA VIDA ME
ENDOSSEM
NAS TRÊS DIMENSÕES DE UM SUTIL
DESATINO!
O LIVRO DOS NOMES MORTOS II
NAS MINAS DA NOITE MAIS FUNDO ME
ENTRANHO
OS CARVÕES DESSE ESFORÇO TÊM PESO
TAMANHO
QUE VIRAM DIAMANTES POR PURA PRESSÃO:
TRANSFORMO O CINÁBRIO EM PRATOS DE
ESTANHO
TRANSMUTO O BOLOR EM HISTÓRIAS DE
AÇÃO
ENCONTRO AS PESSOAS E LUGARES QUE
ESTÃO
GUARDADOS EM TROUXAS E SACOS DE
ANTANHO
DESFAÇO SEUS NÓS COM O FIO DO PICÃO
E ALI OS ENCONTRO, OS NOMES ANTIGOS
COLADOS NOS ROSTOS DE SONHOS DE
OUTRORA
OS NOMES DOS LIVROS E OS NOMES DAS
RUAS
E OS POSSO ABRAÇAR, CONHECENDO OS
AMIGOS
QUE IGUALMENTE ME ABRAÇAM NO FLUIR
DESSA HORA
E OS NOMES DESFILAM NAS LÁPIDES NUAS.
O LIVRO DOS NOMES MORTOS Iii
PORÉM QUANDO ACORDO, ESTRANHA
QUIMERA!
MAL POSSO LEMBRAR O LUGAR EM QUE
ESTIVE
JÁ OS ROSTOS NO OLVIDO DE QUEM ALI
VIVE
NA NOITE VINDOURA ENCONTRADOS À
ESPERA!
NAS MINAS DA NOITE MIL MOLDES DE CERA
DO PÓLEN DA FLAMA QUE NA MENTE
CONTIVE
AS MÁSCARAS MORTAS DE QUE O DIA ME
ESQUIVE
ABELHAS EM ÂMBAR DE GENTIL PRIMAVERA
NAS MINAS DA NOITE, PICARETA E ENXADA
A ABRIR OS CAMINHOS DAS
CIRCUNVOLUÇÕES
CANAIS DE VISITA PARA O OLVIDO DOS
PORTOS
E QUANDO ME ACORDO, NÃO LEMBRO MAIS
NADA
ALFARRÁBIOS EM TRAÇAS DE MIL GERAÇÕES
NEM SEQUER NAS PUPILAS OS NOMES DOS
MORTOS.
PERGAMINHOS DE SONHO I – 10 JAN 15
Em que quadrícula se estampa o meu
desejo?
Ou é planta afinal, no papel azulado
em que um arquiteto o seu plano
marcado
sedulamente insistia em grafar cada
ensejo?
Em qual letra morta se inscreve um
adejo
de sonho esquecido em lugar isolado,
não sabido e incerto, como era afirmado
nos velhos jornais, pura falta de
pejo
do paradeiro perdido de algum
malfeitor
no espanto e no grito dessa
esfarrapada
desculpa simplória para a
ineficiência?
Eu lia os jornais com empenho e
vigor,
em vão esperando notícia encantada
que em cantos tornasse a prosaica
cadência...
PERGAMINHOS DE SONHO II
Bem cedo aprendi como um quadro
ampliar,
em esforço cuidado, cada ponto a
copiar
de um quadriculado, sem a facilidade
que hoje minha tela me dá, sem
cansar...
Pergaminho de plástico, pós-modernidade
que só quer garantir como
perpetuidade
as leis que hoje fazem para amanhã
desmanchar,
a ciência e a técnica a chamar
falsidade...
Mas antigamente muito mais me prendia
no trabalho aplicado em que assim me
esforçava,
satisfeito ficando ao ver resultado...
Enquanto hoje, contudo, outro
qualquer o faria
e até, dentro em breve, a tridimensão
levava,
dando corpo ao desenho tal qual
desejado...
PERGAMINHOS DE SONHO III
Os monges escrivães nos velhos
pergaminhos,
com suas penas de ave e o tisne do
fogão,
letra após negra letra a desenhar com
paixão,
deixando às iniciais seus escaninhos,
para que outros, com especiais
carinhos,
as esculpissem em iluminuras de
ilusão;
quem ampliava, o fazia em devoção,
caros os couros, afinal, nada
mesquinhos...
E havia outros que, ao contrário, os
apagavam,
sem o menor sinal de compunção,
dando lugar para seus palimpsextos...
Eram escritos dos pagãos que
condenavam,
substituindo-os por louvor à
religião,
para os reduplicadores de seus
textos.
PERGAMINHOS DE SONHO IV
Porém bem mais ampliei dentro da
mente
esses mil textos que não fui apagar;
alguns poemas que cheguei a decorar,
qualquer ciência que ao povo se
apresente,
já que é nos pergaminhos do
inconsciente,
que de animais não preciso retirar,
que redigi o quanto fui capturar,
para depois consultar
conscientemente.
Ou quem sabe? Ganham vida os pergaminhos,
nos escaninhos da mente a copular,
assim gerando mais poemas nos seus
giros,
que para fora ainda abrem seus
caminhos,
para mim, mais que a todos, espantar,
nos hieróglifos destes meus papiros...
SORVEDOURO I – 11 JAN 2015
As palavras me escorrem entre os dentes
por mais aperte da boca as comissuras;
por minhas bochechas trapaceiam puras
as frases duras de esplendor frequentes;
pelo palato me vêm, subjacentes,
pelas gengivas como espadas duras,
na superfície da língua em amarguras,
os lábios abrem, falazes e pungentes...
Não são aquelas que eu pretendia dizer,
pois quando as digo, não encontro acolha
mas realmente não tranco essa comporta
de um oceano de calma a recolher,
marés antigas em salgada rolha
que entre a úvula e as amígdalas se entorta.
SORVEDOURO II
Dizem que é sempre externo o atoladouro
no qual podemos pisar, em distração,
em que o incauto se perde em tal sucção,
primeiro os pés, até a boca em matadouro...
Assim em vão se buscará planta de ouro,
os olhos a atrair, morna ilusão,
para o corpo inteiro tomar nessa ocasião,
sugando a vida para seu total desdouro...
Mas o que sinto é o meu abismo interno,
que me suga para as faldas do infinito:
dentro de mim existem tantos mundos,
tantas galáxias, tanto sonho eterno
que me sussurram, em silencioso grito,
até prender-me em cometas furibundos!
SORVEDOURO III
E deste modo, meu sorvedouro é inverso,
pois se esforça para ao mundo borbulhar,
tal qual um gêiser em fervente derramar,
como um espelho que se olha do reverso;
assim dos lábios, às bolhas, brota o verso
que a ninguém mais do que a mim pode queimar;
muito mais dói o que canto que o escutar
da zombaria e do desdém, por mais perverso.
Destarte, sempre a mim eu sorverei:
escorre o cérebro em cada melodia;
se te machuca, a mim fere muito mais!
Por mais que aperte, os lábios abrirei,
o grito a derramar-se em elegia
por tantos outros que não direi jamais!...
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