O RATINHO VIAJANTE
(História adaptada [com intercalações] de trechos de três contos
infantis de Antonio Barata,
Versão poética de William Lagos, 10 dez 14
O RATINHO VIAJANTE I
Era uma vez um jovem marinheiro
que teve folga para descer à praia;
lá se foi ele, de uniforme branco,
usando um gorro de lã em sua cabeça;
mas de repente, o vento deu-lhe um
tranco
e o gorro voou de seu poleiro,
girando pelos ares em gandaia;
o marujo foi atrás, na maior pressa,
mas o gorro se escondeu, assim
parece;
correu o rapaz por ali, num sobe e
desce,
mas ninguém o ajudou, por mais que o
peça!
O gorro fora empurrado pelo vento
para o meio de duas tábuas, bem
ligeiro;
passou por cima, sem poder ver nada
e depois de meia hora, desistiu...
Ficou ali a pobre roupa abandonada,
mas protegida da chuva e do relento;
uma ratinha então buscava um
paradeiro
e entrando ali, depressa o gorro
viu:
era de lã e assim serviu de ninho,
para ter seus filhotes no quentinho,
até que uma dúzia de ratinhos se
reuniu!
Eram todos cor-de-rosa, peladinhos,
até menores que os dedinhos de tua
mão;
a ratazana aos doze amamentou;
então cresceram e os mandou embora!
“Vão procurar comida!” – lhes
mandou.
“Já têm três meses, estão bem
taludinhos!”
E lá se foram, com uma certa hesitação,
encontrando buraquinhos sem demora;
como era um porto, havia mais de um
armazém
e dependendo, até se deram bem,
mas para alguns, soou depressa a
hora!
Os que entraram na casa das pessoas
foram bem rapidamente perseguidos;
um ratinho caiu em uma ratoeira;
uma ratinha pereceu a vassouradas;
a maior parte a gataria, ligeira,
caçou contente e fez refeições boas;
os mais espertos acharam túneis
escondidos
e se uniram às multidões “rateadas”
que faziam festa sob os armazéns,
subindo à noite para saquear os bens
nas jarras e sacolas ali
guardadas!...
O RATINHO VIAJANTE II
A rataria gostava mesmo era de
queijo,
mas devoravam arroz, milho e
cereais,
roíam charque, mudas e sementes
e como eram muito numerosos,
causavam grande prejuízo para as
gentes;
sempre que um ratão e uma rata faziam festejo,
ela buscava uma toquinha, assim no
mais
e tinha doze ratinhos bem curiosos,
que logo saíam, roendo por demais,
tornando os homens inimigos
naturais,
vendo nos gatos adversários
perigosos!
Então montavam muitas armadilhas,
fumigavam os túneis com veneno
ou os enchiam de água com mangueiras
e nas saídas com cachorros
esperavam!
Mas sempre alguns escapavam das
ratoeiras,
roíam os fios que acionavam pilhas
e se escondiam no furinho mais
pequeno;
e tão depressa se multiplicavam
que o combate virava real guerra;
contudo, estavam presos nessa
encerra
e cedo ou tarde, os gatos os
pegavam!...
Alguns abriram novas canaletas
e fugiram para baixo da cidade,
onde encontraram muito mais espaço
e nas despensas também havia alimento;
iam às calçadas caçar cada pedaço
de pão ou de sanduíche e, nas
sarjetas,
havia sorvetes e pipocas à vontade,
que mastigavam sem grande
impedimento
ou arrastavam para dentro dos
esgotos,
até aqueles pontos mais remotos
em que montavam seu assentamento.
Havia um ratinho chamado Ratiberto,
que nascera entre as tábuas, lá no
cais;
atravessara a rede de armazéns,
morando embaixo de um rico
restaurante;
nem precisava roubar humanos bens,
era só procurar no lixo aberto
e ali comia até não poder mais,
bebia cerveja e ficava bem falante!
Até um charuto fumado pelo meio
Ratiberto pitava, sem receio:
tinha uma vida bastante
interessante!
O RATINHO VIAJANTE III
Mas escutava as conversas dos
clientes,
que falavam sempre no Rio de Janeiro
e encasquetou que se mudaria para
lá,
onde acharia um milhão de
lancherias;
churrascarias e bons clubes também
há,
belo lugar para ratos inteligentes
e empreendedores fazer um bom
dinheiro
para forrar o ninho das “gurias”
que sendo rico, poderia conquistar
e pelo mundo com elas viajar,
comendo os restos das hospedarias!
Uma noite, portanto, Ratiberto
decidiu
e embarcou no carrinho de um padeiro
que ele pensava dirigir-se até o
Rio!...
Mas que só ia entregar na padaria,
que ficava em outro bairro, a sua
fornada!
Furou um pão e escondidinho ali
dormiu.
O padeiro levantou-se, bem ligeiro,
ligou o motor e pela rua já partia,
mas como um pouco demais ele
dormira,
por uma estradinha um atalho
descobrira
e uma velhinha encontrou, que ali
seguia...
A senhora estava no meio da
estradinha
e o padeiro se pôs a buzinar!
Ela saiu devagarinho para o lado
e então pediu uma carona ao
motorneiro...
Mas ele estava já meio atucanado
e foi grosseiro com a pobre da
velhinha:
“Estou com pressa e não posso me
atrasar!”
Deixou a coitada plantada no
terreiro,
comendo poeira... Mas ela fez um
sinal
e a porta dos fundos se abriu e é
natural,
foram os pães caindo bem ligeiro!...
Dentro de um, caiu o nosso Ratiberto
e nessa queda foi jogado para fora!
“Mas já cheguei até o Rio de
Janeiro?”
ele indagou, depressa, à tal
velhinha.
Ela sorriu: “Mas nem perto, seu
matreiro!”
Foi o ratinho para um matinho perto,
seguindo em frente, devagar, a boa
senhora,
no mesmo passo lento que mantinha.
Ratiberto sobre um galho se empinou
e quando um outro veículo ali
passou,
deu um pulo e caiu na carrocinha!...
O RATINHO VIAJANTE IV
Era um leiteiro da roça, que só
tinha
uma carroça puxada por um burro.
Ratiberto entre os tarros se enfiou
e bem depressa, alcançaram a
velhinha!
Mais uma vez, ela carona suplicou...
Disse o leiteiro: “Minha pobre
carrocinha
está cheia!” O animal soltou um zurro!
“Escutou só? A minha boleia é estreitinha,
não há lugar para sentar duas
pessoas!
Depois, vovó, para que tem duas
pernas boas?”
E seguiu rindo ao longo da
estradinha...
Mas a velhinha fez um certo sinal
e logo adiante, ele deu um solavanco
e os tarros se espalharam pela
estrada,
derramando todo o leite que levaram!
Ratiberto caiu de cambulhada;
o leiteiro recolheu as vasilhas, mal
e mal,
o próprio burro já ficara um tanto
manco...
Ratiberto e a velhinha se
encontraram:
“Como é, cheguei até o Rio de
Janeiro?”
“Você não está nem perto, seu
matreiro!”
O ratinho e a velhinha se
encararam...
Ratiberto saltou de novo para a
beira
da estradinha e a velhinha
prosseguiu.
Daí a pouco, chegou outra
carrocinha,
que puxava um cavalo bem cansado,
com uma carga de grandes
melancias...
Chegou a velhinha e já pediu,
ligeiro
uma carona e o verdureiro riu:
“Até lhe dava, mas o cavalo,
coitado!
Com as melancias e nós dois,
derruba!...
Mas a gente faz assim: a senhora
suba
e eu sigo a pé, caminhando do seu
lado...”
Podia-se ver que era mais pobre
ainda
que o leiteiro, mas seguiram
conversando
e Ratiberto aproveitou para pular;
ele contou que tinha mulher doente,
mas sem dinheiro para consultar;
como sua horta dera melancia linda,
ia vendê-la e, o dinheiro dando,
algum remédio compraria,
realmente...
Mas a velhinha lhe deu dois
pacotinhos:
“Estas sementes trazem sorte e
dinheirinhos
e este remédio cura qualquer
gente!...”
O RATINHO VIAJANTE V
Enfim, chegou a carrocinha até a
feira;
a velhinha agarrou, muito depressa
a Ratiberto dentre as melancias,
que assim dela nem pôde se
escapar!...
O verdureiro nem notou essas
magias...
A velhinha dobrou a esquina, bem
ligeira:
“Então, arteiro, espertalhão à beça,
deste um jeito de até aqui
chegar...?”
“É aqui que fica o Rio de Janeiro?”
“Claro que não, ratinho aventureiro,
mas, se quiseres, eu posso te
levar...”
Ratiberto aceitou, muito contente
e foi montado no ombro da velhinha,
até chegarem à praia, junto ao mar,
quando ela se transformou,
magicamente:
em vez de roupas, escamas a brilhar,
com uma cauda de verde
opalescente...
“A senhora é fada ou uma
sereiazinha?”
“Sou uma sereia,” falou ela, bem
contente,
e seguiu pela areia caminhando...
“Mas a senhora tem pernas, estou
notando!”
“Tenho é duas caudas,” falou
naturalmente.
“Caso eu tivesse uma cauda somente,
como os humanos costumam me pintar,
sobre a terra mal poderia me mexer!
E como vê, há um par de barbatanas
em cada cauda, para me locomover...
Mas como sabe de sereias,
realmente?”
“Eu vi num livro e também ouvi
falar...”
“Em terra eu finjo ter pernas
humanas,
mas em geral, caminho devagar
e só costumo de afastar do mar
quando premida por razões bem
soberanas!”
Dizendo isso, ela penetrou no mar,
com o ratinho em seu ombro,
empoleirado.
“Vai me levar para o Rio de
Janeiro?”
“Você não prefere ir morar comigo?
Tenho um palácio de jade lisonjeiro;
há muitos peixes para você brincar,
caranguejos e estrelas em todo
lado...”
“Porém há ratos no seu formoso
abrigo?”
“Claro que não, vocês não são do
oceano...”
“Então não quero descer a tal
arcano!
Vou me afogar, se mergulhar
consigo!...”
O RATINHO VIAJANTE VI
“Já caí dentro de um balde, certa
vez,
engoli água e quase me afoguei!...
Não quero outra vez passar por isso!
Eu quero é ir para o Rio de
Janeiro!...”
“Não me quer bem? Nem sei a razão
disso,
mas vou colocá-lo em terra, meu
freguês...
Depois não diga que não o avisei!
Lá encontrará mil perigos, bem
ligeiro!...”
“Está certo, mas me afaste desta
água,
estou com medo e verdadeira mágoa:
levar-me ao Rio me prometeu
primeiro!...”
Assim a sereia, um pouco despeitada,
até a terra mais próxima o levou.
“É aqui que fica o Rio de Janeiro?”
“Não, é uma ilha. Arranje outra condução!”
Logo nas ondas mergulhou, ligeiro,
ficou o ratinho na margem,
abandonado
em uma ilha!... O Rio assim não
alcançou,
mas caminhou em uma certa direção
e logo encontrou um marinheiro,
a quem seguiu, escondido, mas
certeiro,
esperando melhorar de situação!...
Logo chegaram a um ancoradouro,
em que havia um trapiche de madeira
e uma prancha que até barco levava;
o marinheiro foi subindo,
calmamente,
mas Ratiberto, é natural, hesitava,
pois vira um gato, que achou de mau
agouro,
dentro do barco, da prancha bem na
beira:
precisava de passagem diferente...
E viu então uma corda ali estendida,
amarrada a um pilar, meio escondida,
e foi correndo por ali, contente...
Logo encontrou um buraco
arredondado,
junto da corda, para si bastante
espaço,
correndo então, seguro, até o porão,
sentindo o cheiro de outras
ratazanas,
que lhe disseram: “Somos a
tripulação,
você é um clandestino desgraçado!...
Não há comida para você, madraço!...”
Mas por essas coincidências
soberanas,
uma das ratas logo o reconheceu:
“Mas você é o Ratiberto!” E o
acolheu.
“És meu irmão, que partiu há três
semanas!”
O RATINHO VIAJANTE VII
“Ratifonsa! Mas você estava na cidade!”
“Pois é, mas me casei com o Ratonei,
que é marinheiro neste lindo
navio...
Está cheio de comida este porão
e meus filhotes vão nascer longe do
frio...”
“Ratifonsa, vi um gato, na
verdade!...”
“Ah, nós sabemos, porém nunca o
encontrarei,
ele tem medo da nossa tripulação...
Nós somos muitos... Ele só ataca no
momento
em que algum idiota sobe até o
alojamento...
E até merece esse destino, o
bobalhão!...”
“Porém me diga, Ratifonsa, este
navio
vai viajar até o Rio de Janeiro?...”
“Acho que não, porém faz cabotagem (*)
e certamente vai até o
continente!...
De lá, você completa a sua
viagem...”
Assim Ratiberto navegou, com muito
brio,
desceu no porto em que chegou
primeiro
indo foi pedir informações, urgente,
e lhe disseram: “Vá até a
Ferroviária,
não vá tomar a composição contrária,
só aquela que ao Rio viaja
realmente!...”
(*) Comércio entre portos ao longo da costa.
A muito custo, correu até a estação;
aquele porto tinha muito movimento,
mas a cidade era de fato
pequeninha...
Ele ficou observando os
passageiros...
Ler não sabia, que coisa mais
mesquinha!
Não têm os ratos direito à educação?
Mas se escondeu naquele
entroncamento
a escutar os viajantes,
interesseiro,
dizendo os lugares a que pretendiam
ir
e foi assim que conseguiu ouvir
os que ao Rio se dirigiam primeiro!...
Subiu na plataforma e se escondeu
e no momento em que o trem abriu as
portas,
entrou depressa, entre os
passageiros,
para encolher-se, embaixo de um
assento,
os ouvidos bem abertos, bem
arteiros.
Alegre o trem por seus trilhos
correu;
fez ninhozinho com umas folhas
mortas
e de repente, cessou o movimento!...
“Estação Rio!” – gritou o Chefe do
Trem.
Com os passageiros se esgueirou,
também
e lá estava na plataforma, num
momento!...
O RATINHO VIAJANTE VIII
Porém ficou muito desapontado:
onde se achavam os grandes restaurantes?
Os clubes noturnos, as churrascarias?
Eram seis ou sete quadras mal
calçadas,
além de matilhas de cães, às
correrias!
Ora, o Rio é pouco mais que um descampado,
venho de pontos muito mais interessantes!
Voltou à estação, de orelhas
aguçadas,
buscando ouvir o nome do lugar
de que viera e ao qual queria
voltar,
até que ouviu as palavras
pronunciadas!...
Assim que conseguiu, entrou no trem
e se escondeu embaixo de um assento.
Não demorou e viu parar a
composição,
ouvindo o nome que tanto
desejava!...
Sem perder tempo, acompanhou a
procissão
(que, na verdade, pequena era
também!)
e reconheceu a sua terrinha num
momento.
Logo a seguir, pelos túneis se
enfiava,
até chegar ao lugar de que saíra,
achando o povo de que se despedira:
como um herói triunfante
retornava!...
Matou a fome em uma lata de lixo
e foi depois com os parentes
conversar;
lembranças de Ratifonsa transmitiu
e a seguir descreveu a sua viagem:
“Meus amigos, quem o Rio de Janeiro
viu,
Pode dizer que é lugar bastante
micho!
É bem menor do que costumam afirmar,
valeu a pena só pela paisagem,
mas não é um lugar tão importante;
nossa terrinha tem vantagem bem
flagrante
e aquele povo só passa na
vadiagem!...”
É claro que se referia à cachorrada
e nunca percebeu que só chegara
a um lugarzinho chamado Rio de
Fevereiro,
que era a estação mais perto de sua
terra...
Mas como fora o único aventureiro,
tornou-se aceito como autoridade de
nomeada
e a rataria plenamente o aceitara...
Com os tempos, narrou até uma guerra
que tivera de travar e outras
proezas,
os ratinhos a escutar, de orelhas
tesas,
as maravilhas que seu relato
encerra!...
MORAL DA HISTORIA:
Em terra de ratos, quem pega um trem
é rei!...
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