EMBARAÇO & MAIS
William Lagos
EMBARAÇO I – 22 DEZ 14
Crepita a língua contra
a amora morna,
ao silêncio açoitando
brandamente,
um manifesto acoitando
ferozmente,
enquanto a língua em
nova chama torna;
crepita a língua contra
amor que adorna,
a flor vermelha sugando
lentamente,
as pétalas acariciando
gentilmente,
em salva pura que o
faminto lábio entorna;
crepita o amor contra
essa língua doce,
na formosura morna do
desejo,
ai quem me dera! – que
mais doce fosse
o meu frêmito dolente
nesse ensejo,
enquanto do sonho da
amora tomo posse
e a acaricio no mais
perfeito beijo!
EMBARAÇO II
Então tudo se resume ao
calafrio
que nos domina as costas
no momento,
nessa busca com que todo
me impaciento,
não mais que o sopro
final de um arrepio;
e pela pele se eriça
cada fio,
nessa brisa interior do
sentimento,
mais apressado no
arrebatamento,
nesse estridor
silencioso de meu brio,
que inteiro se resume na
carícia,
que acarinha outra pele
como brasa
e seu prazer tem esgares
de sevícia,
quando o botão se prende
em toda a casa,
na alegoria final desta
malícia,
qual ferimento
desvestido de sua gaza.
EMBARAÇO III
Do amor final, como
foice em sedução,
a percorrer cada orla de
seu manto,
a murmurar o mais
melífluo canto,
os dedos a brunir seu
coração,
do amor final, como
brasa de emoção,
na ebulição de cada
sopro do portento,
no aspirar do ar de seu
alento,
os véus a percutir dessa
ilusão;
do amor final a carne
perseguida,
carne com carne em
barganha temporal,
sangue com sangue na
vitória compartida,
do amor semente pela
terra umedecida,
corpo no corpo, no
encanto primordial
do amor final, como
espada na ferida.
BANHO DE FOGO I – 23 DEZ
14
Crepita a alma como um
fogo ardente,
enquanto dorme o corpo
no degredo;
em cada escama cintila o
meu segredo,
na madrepérola do ardor
circunjacente;
crepita a alma em gesto
complacente,
quando o corpo desperta
em seu albedo
e para o amor já apresta
dedo a dedo,
na madrépora do vigor
inconsequente;
a alma e o corpo um só
fogo a partilhar,
na cremação diária do
momento,
cada segundo a língua de
uma flama,
o corpo e a alma no
mesmo crepitar,
enquanto a chispa se
destrói em seguimento
da mesma combustão de
que foi chama.
BANHO DE FOGO II
Quando a alma se cala, o
corpo treme,
sem saber se ainda vigia
a sua loucura,
no temor que se desfaça
a tessitura;
quando o corpo se cala,
a alma geme...
Se teu corpo se calar,
que tua alma dê-me
cada quimera concebida
em formosura;
que todo o denegrir seja
brancura:
entrega a mim o quanto
tua alma teme!
E o lavarei no brilhante
fogo azul
com que o fogão consagra
o alimento:
serão chispas elétricas
de vento
a percorrer-te o corpo,
norte a sul,
na cremação de tua
doença e inquietude
e outro mal qualquer que
inda te ilude!
BANHO DE FOGO III
Crepita a alma contra o
combustível
de outra alma a crepitar
amor;
crepita o corpo no
instante do calor
de corpo alheio brando
no aquiescível...
Crepita a alma ante o
incognoscível,
qual um carvão ante
fósforo, em pavor,
e quando o fósforo
demonstra seu vigor,
crepita o corpo no
momento perceptível...
Pois te preencho assim, parte
de mim,
como essa chama que me
consumirá,
qual no passado já me
consumiu,
ansiando por queimar
contigo, enfim,
na mesma pira que aos
dois aceitará,
cada um vibrando no
igual fogo que sentiu!
OBRIGOR I – 4/12/02
inocente
Toda mulher é indecisa, até o instante
calculista
das raízes
em que, brotado das fontes de seu peito,
dos abismos
da alma
sem o saber do cérebro, um vibrante
do sangue
se enoja
impulso de intuição se arroja, num perfeito
desaloja
do que nega
vislumbrar do que deve, por direito,
do que esconde
na entrega
executar, no momento delirante
no triunfo
não quer
em que adiar não mais pode, por despeito,
não
procura
de agonia
ou na ameaça de perigo expectante.
de orgasmo
descuidada
Lança de si, então, toda a prudência,
deliberadamente
senhora do
sem planejar e sem sequer saber
ansiosa
por
se calcula
porque se entrega assim a tal pendor.
se
expõe
sempre era
Mas comigo não foi. Em continência,
jamais
fora
muito mal
calculou muito bem o meu sofrer
de
si segura
desperdiçar-se
até se assenhorear do meu amor...
perder de todo
OBRIGOR II – 24 DEZ 14
descrevem
Do raciocínio existem espécies três:
mencionam
a contar
o indutivo, a partir do resultado;
a retornar
cada etapa
busca o processo que o tem causado
o planear
reclama
e do inicial desvenda seus porquês.
calcula
revela
O dedutivo apresenta inversa grês:
demonstra
a contar
concatena a partir de um certo dado;
sob a luz
atinge assim
na matemática chega ao ponto asado
do teorema
com fervor
que demandava desde a primeira vez.
equipolente
ademais
Porém existe ainda o intuitivo,
lado a lado
desenho
queimando cada etapa do processo,
regra
depressa
para chegar direto à conclusão;
sem demora
desdém
é o que chamamos, com desprezo bem altivo
descaso
sem base
de “lógica feminina”, sem regresso,
imotivada
transmitir-nos
por não poder explicar-nos sua razão.
partilhar-nos
OBRIGOR III
esquivo
Em geral, por mais exato o resultado,
Incerto
evidenciar
não conseguem explicar como o alcançaram,
concluir
os degraus
quais as etapas que ao final levaram
as bases
fundamento
e muito menos qual o ponto do iniciado,
tectônico
obste
sem que isto impeça que o final buscado
ampare
outros membros
dê a resposta que todos procuraram;
os homens
em digital
não é “científico”, pois não o duplicaram
em analógico
responsório
os que idêntica solução tenham tentado.
salvação
quotidiana
Porém na vida real, do dia a dia,
potencial
indecisa
isto permite a mais pronta decisão
abalizada
acidentes
e atende instâncias da maior premência,
exigências
periculoso
nesse enfrentar do que mais pressão teria,
demandante
procede
quando se age sem pesar a situação,
ataca
final
mas atingindo o alívio da emergência.
resolução
OBRIGOR IV
a musa
Destarte foi que ela agiu comigo,
a ninfa
motivos
num impulso em que causas não pesava,
lucros
consequências
nem futuros resultados avaliava,
antecedências
por certo
buscando apenas de um calor o abrigo
sem saber
encarcerou
e no seu seio me conservou consigo,
libertou
ambição
manso poeta que a riqueza não buscava,
progresso
gasto
a quem o sustento diário lhe bastava,
emergência
descuidar
querendo amor sem temer qualquer castigo.
prever
imprudente
Foi deste jeito que ela me intuiu,
Irracional
manejasse
sem que usasse de outro raciocínio;
descuidasse
maneira
de forma alguma desta forma deduziu
receita
imprevidente
minha atitude futura ou induziu
temerária
antanho
os resultados do passado em meu declínio:
desgaste
por completo
tomou-me inteiro e assim me seduziu.
em seu prejuízo.
ADMOESTAÇÃO I – 4/12/02
Como se atreve você, que
não me lê,
afirmar que não gosta de
poesia...?
Essa aversão que tem e
que sentia
é porque nunca eu
encontrei você...
Como se atreve você, que
não publica
livros de versos, porque
poesia não vende...?
Tal aversão, a que ainda
se prende.
meus versos não ter lido
claro indica.
Porque um poema belo
invade a alma.
Desassossega, inquieta:
ele assedia
as muralhas que lhe
cercam a emoção.
Não há como afastá-lo,
uma vez nalma...
Ele é insistente; e o
asco que nutria
fará esvair-se
total do coração...
ADMOESTAÇÃO II – 25 DEZ
14
Busco em cada poema dar
resposta
não para ti, mas para o
que te indagas,
as incertezas com que o
coração alagas,
solução a cada mágoa que
hoje aporta
inquietação em teu
peito; que te entorta
convicções e certezas,
como adagas,
para as brisas vazias
com que te afagas,
para a agnosticismo que te
imposta;
cada poema com endereço
certo,
embora eu nunca saiba
aonde é que vai,
nem a quem realmente se
destina;
somente os mando pelo
céu deserto
até o olhar sequioso que
os atrai
para afastar qualquer
tristeza pequenina.
ADMOESTAÇÃO III
Como se atreve você, que
não me conta
do coração as tristezas
e alegrias,
afirmar que não vê graça
nas poesias
que em qualquer livreto
acha e reponta?
Como se atreve você, que
não aponta
seus próprios
sentimentos e folias
em quaisquer versos de
mofo e nostalgias,
por achar suas emoções
de pouca monta?
O que eu escrevo não é
apenas meu:
quem sabe se, de noite,
nos seus sonhos.
eu não penetro, a trajar
de vagalume
e capturo esse verso que
era seu
para gravar, riscos
alegres ou tristonhos,
igual que beija-flor de
mau costume?
ADMOESTAÇÃO IV
Isso que escrevo de
fonte alheia brota;
eu sou Papai Noel que se
inverteu;
ao invés de lhe levar,
você me deu,
em sua modorra que pouco
ou nada nota
do que ao redor se passa
ou se denota;
Rei Mago em roubo que
nunca percebeu;
pastor do sono em que a
dona se escondeu,
carregando em minha
mochila vasta quota;
e se uma linha qualquer
a sua atenção
chamar é que bem sabe de
sua origem;
é a resposta final de
sua vertigem,
que atraiu em inesperada
imantação,
procurando entre o
fulgor e a vã fuligem
o que faltava a
completar seu coração.
BOCA
DE FUMO 1 – 04/12/02
Não
se pode abraçar uma lembrança,
por
mais que se deseje, por mais viva
que
seja essa memória, em sua esquivança,
por
menos que se mostre assim furtiva.
É
coisa insólita: teu peito transparente,
esses
olhos esgarços, essa intocável
boca...
E esse teu ventre, tão frequente,
somente
no meu sonho imponderável...
E,
contudo, sigo em busca desse amplexo:
de
sombra e de neblina eu faço sexo,
mesmo
que esqueça a memória de teus traços...
E
o tempo passa, esvai-se a abstração.
E
me surpreende que, dentro ao coração,
Inda
persista tua lembrança nos meus braços...
BOCA
DE FUMO 2 – 26 DEZ 14
No
cachimbo do ópio te encontrei,
Sobre
a fumaça, ardente de desejos
E
não mais que vapor foram teus beijos,
Não
mais que um raio de lua que abracei;
Na
decadência da ausência te aspirei,
Todo
o meu sangue agindo em tais ensejos,
Toda
a minha linfa amorfa nesses pejos:
Só
de olhar para mim mesmo te alcancei,
Pela
lembrança de ti hipnotizado,
Diante
dos olhos a girar, como medalha,
Na
ponta de corrente, em vaivém;
Fiquei
somente de luz mesmerizado,
Recordação
fugaz que não me falha,
Certeza
tola de que me queres bem...
BOCA
DE FUMO 3
Teu
vulto ondula nessa azul fumaça
Que
de teus lábios sobe num gorjeio;
O
amor de ti me oprime e dá receio:
Tão
só um esboço de sombra é que me abraça;
Mas
nessa insuficiência de tua graça,
Sem
substância, falha a seiva desse veio,
Sobre
meu próprio imaginar me hasteio
E
assim flutuo na brisa que me caça,
Igual
que fosse algum retalho de papel,
Correndo
a esmo, sem ter pernas ou patas,
Assoprado
pelos cantos em desdém,
Saltitando
por canteiros qual corcel,
Indiferente
a lugares ou a datas,
Folha
furtiva envolvida em seu porém...
BOCA DE FUMO 4
Não há maconha neste meu barato
E não aspiro, de fato, qualquer pó,
Do sonho da papoula sinto dó
E os barbitúricos encaro com recato;
Com depressão jamais tenho contato,
O meu êxtase pessoal alcanço só,
As minhas mágoas cepilho com enxó,
Pinto e esculpo a meu prazer cada boato.
Mas no momento em que entro em devaneio
E minhas unhas esculpem o papel,
Sobre mim desce essa luz controladora
Que a sombra esparge como o leite de teu seio
E ao desejo tremulante dou quartel,
Doce quimera que da vida é portadora.
IMPEDÂNCIA I – 04/12/02
Pressinto agora um esbater
funesto
contra meu peito – cem
coisas que se agitam:
obrigações que me comem e
concitam
a abdicar dos bens a que
me apresto.
eu faço o que não quero
e o que mais queira
ponho de lado, permeio à
interrupção
dos contratempos,
imposto e espoliação
de meus direitos, dessa
vileza inteira
que me força outra coisa
a realizar,
que aquela que eu queria
sublimar,
sempre a teu lado, ao me
sentir aceito.
e vejo assim como é
inútil planejar,
que quanto eu busco e
tenho por direito
corre entre os dedos e o
vejo evaporar...
IMPEDÂNCIA II – 27 DEZ
14
Não era então razão para
o Natal
eu celebrar em versos de
magia,
esse mesmo Noel que em
nostalgia
já me levou a crer no
divinal;
mas era só outro motivo
para o mal,
antes traçar a senda que
eu corria
em marcos milhares da
pura melodia
dessas velhas canções em
seu fanal.
Mas não me acode tal
inspiração
nesta data de tantos
suicídios,
provocados pelo odor da
solidão,
seres adultos a vivenciar
desolação
de um verdadeiro
Papainoelicídio
que confundiram com o
Senhor da criação!
IMPEDÂNCIA III
Sei muito bem que outra
coisa é a impedância,
mas aqui penso naquilo
que me impede
de amar a quem queria e
assim sucede,
no canto amargo da eterna
redundância.
É um quociente, afinal,
uma distância
entre a corrente
alternada e a que recede
em um circuito a que
energia cede,
numa entrada de
magnética alternância.
E assim é essa corrente
em que me alterno
para animar a corrente
de seu peito:
não é igual jamais ao
que eu queria
e fica assim a girar,
tão só no externo,
sem alcançar o que pensava
ser direito
e sem lhe dar o que mais
desejaria...
IMPEDÂNCIA IV
Em alguns outros
momentos também vejo
como é diverso o que
ontem planejei
e quanto hoje, afinal, realizei,
pela força quotidiana de
um ensejo;
o sentimento do Natal
ainda eu beijo,
mas do verdadeiro Natal
me descartei;
não foi Papai Noel que desprezei,
mas a esperança das
benesses, em cortejo,
que me deviam trazer
expectativa
para o Ano Novo que já
se avizinha,
que deveria esperar com
mais assédio,
mas não pertenço à
multidão cativa
a suplicar pelos bens
que ainda não tinha
e este período só me traz
um leve tédio...
CAFUNDÓS DO CORAÇÃO I – 28 DEZ 14
Feroz que seja a fera da paixão,
que permaneça enjaulado o coração;
e quanto mais feroz tal fera é,
tanto mais forte a cadeia no seu pé;
pois que a paixão em jaula permaneça,
por mais que seu efeito nos aqueça,
já que só pode nos causar maior ardor,
sem permitir assim que cresça o amor.
Porque a paixão contida se conserva
e quando satisfeita, o mais que ferva,
termina por gastar-se em ebulição;
melhor assim mantê-la na corrente:
que cresça o amor sereno e independente
em seu domínio total do coração.
CAFUNDÓS DO CORAÇÃO II
O coração possui mil escaninhos
e as emoções ali ocupam buraquinhos
comunicados entre si por sentimentos,
pouco sujeitos à razão ou julgamentos.
O coração possui seus biricuetes,
algumas vezes entupidos de confetes,
outras vezes interligados em serpentina:
cada quimera outra ilusão fascina.
E se revelam em cantos vasculares,
na magnífica transmissão dos capilares,
os leucócitos a carregar alguns cartazes
que lhes entregas, sem bem saber o que fazes,
enquanto hemácias se enchem de entusiasmo
e se congregam no estridor do espasmo...
CAFUNDÓS DO CORAÇÃO III
Há lugares em que jamais um pensamento
teve entrada ou encontrou alojamento;
seu bilhete de acesso é a adrenalina
e sua saída permitirá a serotonina...
Os pensamentos são demasiado racionais
e se encolhem antes os hormônios naturais;
são emoções que ali residem sós,
a percorrer os cardíacos cafundós...
Então se criam essas grades de plaquetas,
capturando tuas paixões secretas,
que haviam deixado soltas em suas férias,
para entupir uma a uma as tuas artérias,
atacadas sendo então pelos fagócitos,
que as devoram com a força dos macrófagos!...
CAFUNDÓS DO CORAÇÃO IV
Restam assim as veias paralelas,
a prender a paixão entre as costelas;
uma é a Cava, com desgosto pela Aorta;
a Pulmonar ciúmes sente pela Porta
e as ilusões percorrem as Safenas
em cada válvula escondida apenas
pelo diálogo entre Tricúspide e Mitral,
no turbilhão do minuano e do mistral...
E ficam as ilusões nessas Aurículas,
os raciocínios dominados por Ventrículos,
nesse discurso entre Carótida e Jugular,
a dedução envolta em mil partículas,
a indução relegada a conventículos
no coração, que ainda bate sem parar!...
ROSAS
DO SOL I – 29 DEZ 14
Ela
era cintilante e sua alegria
me
puxava para a fúria da surpresa
de
ver turbada toda a minha defesa
e
me envolver na teia que fazia...
Toda
mulher é perita em tal magia;
não
se furta o coração dela ser presa;
ante
a mulher, a razão se funde lesa;
ela
penetra e provoca o que queria...
E
a gente fica alegre e cintilante,
enleado
em casular cintilação,
de
olhos abertos a mergulhar no lago
de
tal olhar aberto e coriscante,
por
mais que o fado previna o dia vago
que
nos conduz à final desilusão...
ROSAS
DO SOL II
Ela
possuía duas rosas nas pupilas
e
apaixonei-me por sua doce trescalância;
duas
rosas na face, em redundância,
mais
duas rosas dos lábios nas papilas;
e
meus dedos se atreveram a senti-las,
rosas
do sol em pura transcendência,
rosas
de lua a pratear-me a impotência,
rosas
de luz impelindo-me a servi-las...
E
meus dedos as roçaram, impacientes,
sem
ferimentos em suas calosidades,
no
atrevimento de mais e mais carinhos
e
então meus lábios ficaram mais valentes,
em
suas pestanas a buscar opacidades,
sangrando
assim das rosas nos espinhos.
ROSAS
DO SOL III
Já
tentei dela furtar cintilação,
mas
eram mais elétricas suas chispas;
queimei
meus lábios contra tais faíscas,
gastei
meus dedos na luz dessa explosão;
cílios
escuros em vasta brotação,
demonstrando,
afinal, serem só iscas,
para
a pesca a luzir, em pisca-piscas,
firme
fisgando um incauto coração.
Será
que o peixe sente algum orgasmo
nesse
momento em que se prende ao anzol?
Somente
sei do momento de meu pasmo,
quando
me vi totalmente consumido
por
essas rosas em jardim de sol,
no
voluntário sufocar do convertido...
TECTÔNICA I – 20/7/2006
Teu jogo foi apenas coquetismo,
Prazer em sedução, sem compromisso,
Mentir um falso amor, não mais que isso,
Tão só pela conquista e um vago egoísmo
De uma mulher, afinal, tão insegura,
Incerta de si mesma e desvalida,
Pelos maus-tratos da vida ressentida,
A própria mágoa esparzindo de loucura...
Tivesses tido um pouco de bondade,
Poderias até dar felicidade
A quem não sabe sequer o que isso seja...
Parece, apenas, que é feita de confiança,
Um pouco de paixão, mais esperança
De ter amor enquanto amor se enseja...
TECTÔNICA II – 30 DEZ 14
Toda palavra surge já adulterada
Na serpentina língua dessa dor;
Algo te impede de confessar amor;
Talvez não queiras, de fato, ser amada;
Toda emoção já brota controlada
De mim e retorcida em seu vigor;
Somente é livre a passagem do rancor
Ao te sentires, só de leve, desprezada;
Essa loucura que nos outros vês
É em ti perceptível como espelho;
Porque haveria tantos doidos neste mundo?
É a lava do vulcão da mesma grês
Que te faz repetir o esquema velho,
Em rebelião contra um laço mais profundo.
TECTÔNICA III
A esperança sob a nuvem piroplástica
É sufocada no mais breve sofrimento,
No terremoto e tsunami de um momento,
Quando o ar mesmo espalha-se em suástica;
Toda a confiança em veniaga plástica,
Toda mágoa sob prévio julgamento,
O preconceito a controlar o sentimento,
Até o corte e a negação mais drástica;
E quanto ao mais, é tão só desodorante
Esse sorriso em dentes de cetim,
Que tantas vezes me negaste assim,
Decerto sendo mais sincero esse vibrante
Esgar de raiva que voltas para mim,
Qual um grito de socorro expectante...
TECTÔNICA IV
A terra treme em seu desdobramento
E eu tremo de teu corpo na tremura;
Teu maremoto contém a formosura
De cada onda de meu afogamento;
Cada maré a comunicar contentamento,
A preamar dos instantes de loucura,
A baixamar que em demasiado dura,
A maresia tranquila de um momento...
Como é tectônico o teu arrebatamento!
E contudo, não conseguiu, nem mesmo hoje
Separar as minhas praias de teu peito,
Pois permaneço em continental escudamento,
Lançando arpões à costa que me foge,
Na esperança de diluir o seu despeito...
NEPOTISMO I – 31 DEZ
14
Que cor possuem os
olhos do ano velho?
Como a terra, terá
olhar castanho,
algumas vezes, porém,
em verde ganho
sobre a risca alveolar
de antigo espelho.
Será que tem nos
cantos esse relho
branco-azulado de um
glaucoma amanho,
a visão periférica em
azul-antanho,
perdido o olhar no
metal do contraespelho?
Mas o que causa a
cegueira desse ano,
esse excesso de
maldade que já viu,
o estridor fumígero da
guerra?
Foi infectado pelo
miópico do humano,
ou já encontrou um
instante em que sorriu,
fitando a bruma que a
janeiro encerra?
NEPOTISMO II
Que cor possuem os
olhos do ano novo,
em suas fraldas a
sorrir, todo impudente,
feliz em sua certeza
imprevidente,
sem segurança a
pinicar o seu renovo?
Será azul o olhar com
que a esse povo
cumprimenta, em seu
berço inconcludente?
castanhos olhos talvez
veja à sua frente,
na maior parte dos
casais de que foi ovo!...
Nos eurodescendentes
há esperança
de que o nenê os espie
de olhos claros,
esquecido do avelã dos
próprios olhos;
contudo o ano que
surge, qual criança,
contempla a vida com
olhares bem preclaros,
já desconfiados do
negror de seus refolhos...
NEPOTISMO III
Será que os olhos dos
meses já se escolhem
conforme os olhos que
vê na enfermaria?
Olhos sem rosto, que
máscara ocultaria,
olhos distantes, que
após vidro se encolhem...
Será que os dias que
tais meses acolhem
são filhos ou parentes
dos que via?
Restos de sangue para
as guerras que previa,
cheiros de éter e iodo
que recolhem?
Pobre ano novo! No canto, encarquilhado,
o ano velho que os
dias já deixaram,
quais ilusões a nutrir
desde criança,
olha o rostinho de
esplendor corado,
já ressentido de tudo
o que esperaram,
qual lhes trouxesse
uma cesta de bonança!...
NEPOTISMO IV
O ano velho mal
consegue aconselhar,
de suas vastas
energias esquecido...
Será inveja do nenê
que vê nutrido
ou triste pena pelo
que vai atravessar?
Há tanta gente nas
igrejas, a rezar,
ou nos grandes réveillons, luz e ruído,
alegres a esperar pelo
vagido:
suspiro último do ano
a agonizar...
E quanto pedem estes
filhos e sobrinhos!
O pobre infante assim
sobrecarregam,
que então lhes dê o
que seu pai não deu!...
Uns a pedir não mais
que creches e parquinhos,
outros os cargos
públicos a que se apegam:
ninguém auxílio ao
novo ano ofereceu!...
NEPOTISMO V
Porque esse coitadinho
ainda é criança
e nem sequer consegue
em pé andar!
Para as tarefas
precisa se educar;
em vez de amor, todos
pedem esperança!
Na verdade, no
calendário houve mudança:
de quatro dias um
desvio a se marcar,
de quatro dias o
solstício a se adiantar...
Só o ano velho entende
a dita andança...
Pega no colo o nenê
que não nasceu
e lhe sussurra os mais
tristes conselhos:
para educá-lo só
dispõe de quatro dias!
Para ensinar-lhe o que
quase já esqueceu,
nesses percalços por
caminhos velhos,
sangue das horas
pingando pelas vias!...
NEPOTISMO VI
Tem na verdade um
filho hereditário;
não lega um trono,
porém pesada carga;
o tempo o lanha e a
cada dia larga
de si fração, qual um
jovem perdulário...
Do ano o tempo é sócio
comanditário
e suas percentagens
sempre alarga,
enquanto sente a boca
mais amarga,
pois desgastou-se na
busca do contrário!
E ao ano velho só
resta ter confiança
nessa criança de
aspecto inocente,
porém que oculta tanta
malignidade!
E a gente, já
espoliada da esperança
no ano velho, ora
suspira, incontinenti,
que lhe traga o ano
novo mais bondade!...
Nenhum comentário:
Postar um comentário