MAMÃE TERRA (Mat Zemlya)
(Folclore russo, recolhido e atualizado por Mary Catherine
Koroloff [M. K. Hobson],
A lenda original se referia ao tzar Ivan Grozny [o Terrível
ou o Admirável],
versão poética William Lagos, 21 dez
14)
MAMÃE TERRA I
Três soldados andavam pela neve
no ano de Mil Novecentos e Vinte e
Dois,
durante a guerra civil, terrível
como não houve nem antes, nem
depois;
terrível mais o inverno e, muito
em breve,
morreriam todos três da dura fome
que suas entranhas a mastigar
consome,
no frio tornada ainda mais
terrível.
Haviam recebido apenas as rações
para sete dias e duas semanas já
passavam:
a sua missão era encontrar o
Inferno!
Algumas pílulas de energia também
levavam,
mas para o Cabo Pudovkin más
impressões
causavam, tornando os homens
violentos
e incapazes de mostrar bons
sentimentos:
não as tomara, apesar do frio do
inverno...
Dois dos soldados, porém, que o
acompanhavam,
as suas haviam consumido
inteiramente
e ao Camarada Gavorkian tinham
matado
para tomar-lhe as que guardava finalmente.
No outro dia, os dois o
interrogaram
e aoTovaritch Ivanov a sua latinha (*)
ele entregara, com as pílulas que
continha,
que pelo solo se haviam espalhado
(*) Camarada
enquanto com o Tovaritch Blotski ele lutava,
para depois as engolirem com a neve;
já era episódio há quatro dias
transcorrido...
A dormir Pudovkin mal se atreve,
pois da maldade dos outros
desconfiava
e os ameaçara com a ira de
Tchernov,
seu comandante, cujo temor ainda
os comove,
mas disciplina, certamente, haviam
perdido.
MAMÃE TERRA II
Pudovkin, agachado, descansava,
por sob os galhos das árvores
despidas,
com os braços bem cruzados contra
o peito,
indiferente às discussões
renhidas,
com que Blotski a Ivanov
reprovava;
segundo ele, o outro errara na
leitura
da bússola e os levara àquela
agrura,
mas Ivanov garantia haver defeito
causado pelo frio. Pudovkin só pensava
no antigo campo de seu avô Nikolai
e nas histórias que o velho lhe
contara...
Por possuir granja, como Kulak vai
ser fuzilado pela milícia que o
acusava,
do grave crime de ser um
latifundiário;
mas trabalhara igual que um
operário
na fértil terra negra que ele
amara...
Pudovkin bastante lamentara
não ter podido vir e defendê-lo,
mas era longe o colégio de Kiev,
em que estudara com o maior zelo
e ao Partido há tempos se
ligara...
Mas se pudesse vir, que serviria?
Aquela gente também o fuzilaria,
sem discutir, mediante uma ordem
breve...
Com toda a fome que agora ele
sentia
e que enganava com casca de
vidoeiro,
Pudovkin até sentia falta das
rações,
duras, sem gosto, mas que aqueciam
ligeiro,
que algum produto químico garantia
dentro do invólucro de folha de
estanho,
que normalmente lhe davam enjoo
tamanho
e que trocava nas primeiras
ocasiões...
MAMÃE TERRA III
Eram uma invenção do Comandante
Tchernov, que cursara universidade
e como engenheiro químico se
formara,
coisas criando com regularidade,
novos artigos, conforme achava
interessante:
cobertas de borracha, em vez de
cobertores,
botas gigantes com amortecedores –
porém que a marcha a ninguém
facilitara...
As botas e as cobertas somente os
afastavam
do contato amigo com sua velha
terra
e até mesmo a branca neve
derretiam,
mas depois se endurecia e, nessa
guerra,
muitos de seus camaradas
congelavam...
Não podiam parar em um só lugar,
constantemente precisavam de mudar
e dessa forma, muito mal
dormiam...
Mas Tchernov os queria mesmo
aborrecidos,
para abafar os seus melhores
sentimentos
e quando entravam numa aldeia
imperial,
segundo classificava, em tais
momentos,
fazia matarem a todos os vencidos,
juntar as provisões e então
queimar
a aldeia inteira, para nada mais
sobrar
aos adversários, a quem culpava
por tal mal.
Mas agora, haviam as pílulas
terminado
e lhes restava tão só ferocidade,
mas precisava completar a sua
missão
e ao ver que Blotski, por animalidade,
espancava a Ivanov, num prazer
descontrolado,
usando um galho que acabara de
quebrar,
Pudovkin então lembrou-se de tocar
A sua zhaleika, que esculpira com paixão. (*)
(*) Pequena flauta de madeira.
MAMÃE TERRA IV
Já outras vezes aos soldados acalmara,
tocando a flauta em suave melodia;
logo Blotski seus golpes
suspendeu;
Ivanov, ainda agachado, igual
ouvia...
Graças a Lênin! – Pudovkin pensara.
Vamos ao menos os três morrer em paz...
A música a alma eslava satisfaz;
seguiu tocando e então se surpreendeu.
Surgira ante eles uma velha
mulher,
bastante gorda ou então, bem
enroupada;
somente podia lhe ver as mãos e a
face,
em um tom negro profundo revelada;
nas mãos o sal e o pão que se
requer,
khleba a oferecer aos visitantes,
mais o sali para descansar os viajantes,
se bem cansaço em seu todo se
estampasse...
Vestida estava igual que
camponesa:
um sarafano vermelho a recobria,
um cinto negro da mais pura lã,
uma kopashnik de pérolas vestia, (*)
o pão e o sal sobre toalha de
nobreza...
Ivanov e Blotski sobre ela se
jogaram,
com mãos em garra o pão preto
disputaram...
“Bem-vindos ao Inferno!” – disse
ela, nesse afã.
(*) Estola bordada com joias ou
bijuterias.
Os três a seguiram sob a luz da
lua,
as árvores ao redor em esqueletos,
por uma estrada de terra bem
batida,
com a neve recoberta por
gravetos...
Mas quem mantinha aquela senda nua?
Todo o gado fora morto nessas guerras,
Gamos e renas haviam fugido para as serras,
Mas estava a trilha claramente definida!...
MAMÃE TERRA V
“São meus filhos que conservam
esta estrada,”
disse a velha. E assim os três a acompanharam;
ficou Pudovkin um pouco para trás;
alguns ramos sob seus dedos se
dobraram,
em outros pontos deixou casca
marcada:
queria saber o caminho de
retorno!...
Talvez o Inferno fosse até um
pouco morno,
mas lá ficar não pretendia o bom
rapaz...
Toparam finalmente com árvore
gigantesca,
a maior que Pudovkin já
encontrara:
tinha a envergadura de um navio de
guerra
e sua ramada contra o céu já se
espalhara;
só umas estrelas entre os galhos a
vista pesca,
crescendo livre sobre o cume de um
outeiro,
mais longe ainda a parecer o
paradeiro
daqueles ramos que se alteavam
como serra...
Sob o outeiro, abria-se caverna:
igual a piche surgia o seu negror,
mais larga que os portões do
Kremlin;
indagou Blotski, tomado de pavor:
“Será segura essa escuridão
interna?”
Pudovkin, com desdém, lhe
respondeu:
“O que é seguro, quando a luz do
céu
se abre para um túnel negro
assim...?”
“Tchernov nos mandou achar o
Inferno
e aqui estamos nós... Vamos entrar.”
“Será que existe aqui qualquer
comida?”
“Quem sabe, camarada, se ajoelha e
vai rezar?
Não quer perder o Paraíso
eterno?...”
“Rezar é proibido. Eu sou um comunista!”
Blotski encarou a escuridão que
avista:
“O Inferno dos padres eu levo de
vencida!”
MAMÃE TERRA VI
A velha os encarou com
impaciência:
“Querem ou não chegar até o
Inferno?”
“Você é Baba Makosh?” – indagou Pudovkin.
“Vejo que me conhece,
subalterno...”
“Mamãe Papoula – semente de
potência...”
“Seu avô Nikolai foi meu amigo;
não o lamente – agora está
comigo...
Mas esses dois não pensam bem de
mim...”
“Desculpe, Mamãe, mas não são povo
de aldeia...”
“Mesmo assim, muito sangue me
plantaram...
Recorde, filho, em toda morte há
alegria...”
Assim os quatro na caverna
penetraram;
Pudovkin, na retaguarda, ainda
receia,
com a faca a riscar cada parede;
não pretendia permanecer naquela
rede,
um tanto inquieto com o que a
velha lhe dizia...
Desceram por um túnel muito
escuro,
no fim do qual, finalmente, havia
luz,
desembocando em uma bela aldeia,
com isbás pintadas de um vermelho que reluz (*)
ou azul profundo, o ar límpido e
puro;
porém não via qualquer pessoa ou
animal...
Foram levados até o ponto mais
central,
onde, em geral, a igreja é que se
alteia...
(*) Cabanas de madeira.
Não estava frio e nem quente
demais
e os três soldados caminhavam
facilmente;
mas o edifício no lugar da igreja
deixou inquieto Pudovkin
novamente:
era formado pelas raízes naturais
da enorme árvore que se erguia lá
fora;
tarde demais, porém, para ir
embora,
por mais que um templo a deus
antigo ali esteja!
MAMÃE TERRA VII
Lembrou-se bem das histórias que
contara
o seu avô e sentiu um calafrio...
“Esta é a casa em que mora meu
marido,
o Deus do Inverno, meu esposo para
o frio,
que doze filhos comigo um dia
gerara...”
À carne assada o ar dentro
recendia,
a queijo, peras e cereais, como
sentia
nos celeiros que antes havia
conhecido...
Mas ao redor de si havia riqueza
qual nunca vira, desde o início da
guerra!
Em ouro e joias você decerto
pensaria,
mas bem diversa a que o salão
encerra...
Mais de mil sacos de trigo... Em
sua magreza,
Pudovkin com cem presuntos se
encantava,
carne salgada e batatas
contemplava,
beterrabas e nabos gordos ainda
via!...
Nos últimos anos, só couves
consumira,
em ensopados, com uma colher de aveia
e a vodka habitual de sua ração...
Até de olhar o alimento se
arreceia:
era comida que ele nunca
produzira!
E se o acusassem de roubar do povo...?
Mas se perdia, no encanto do
renovo,
com um respeito que era quase
religião!
Mas Ivanov e Blotski não sentiam
o menor escrúpulo perante a
situação;
os dois saltaram sobre um vasto
queijo,
mordendo a cera, sem a menor
hesitação;
enormes nacos desprendiam e
comiam,
até caírem ambos, estufados,
num estupor de estômagos
recheados...
Mas Pudovkin se guardou de tal
ensejo...
MAMÃE TERRA VIII
Já ia indagar alguma coisa à boa
velha,
que bem depressa lhe pediu
silêncio.
“Meus filhos chegam,” disse
simplesmente.
Abriram-se as portas, com fragor
imenso
e doze criaturas contemplou de
esguelha,
negras de piche, visíveis e
invisíveis,
gamos e homens, figuras
incompreensíveis,
que não podia fitar abertamente...
Não entendia se caminhavam ou
troteavam
e seu olhar se perdia através
delas;
contudo, falavam russo como gente,
não a linguagem dos palácios ou
favelas,
mas as palavras que no campo ainda
usavam...
Algumas delas, nem os popes conheciam. (*)
Bem no centro do salão já se
reuniam
e no meio deles se ergueu figura
diferente...
(*) Padres da Igreja Ortodoxa.
Era um gigante, vestido em grande
luxo,
em prata e verde, mantos
numerosos...
Só depois percebeu que era a sua
pele!
Vastas camadas de tegumentos
escamosos,
na testa chifres, como um velho
bruxo...
Era o Deus Veles!... Seu coração quase parou.
O Deus do Inverno, que o comércio
dominou
e o gado ampara, embora o mundo
gele!...
Mamãe Makosh em seu ombro lhe tocou
e os dois, prontamente, se
ajoelharam;
Ivanov e Blotski no chão
permaneceram,
quais ratos gordos, dormindo se
embolaram...
Veles em trono esmaltado se
assentou
e os doze filhos trouxeram-lhe
presentes,
que eram aceitos, com acenos
imponentes
e um a um para os cantos se
moveram...
MAMÃE TERRA IX
Cada um deles com alguns sacos
saía
e Pudovkin indagou o que faziam.
“Levam a mercadores encomendas
em troca das oferendas que
traziam.
Dez vezes o preço cada um deles
cobraria...”
“Mas o povo tem fome, ele não
sabe?”
“Todos os animais lutam pelo que
lhes cabe,
morrem muitos, outros seguem em
suas sendas...”
“Mas não são animais, são seres
humanos...”
“As criaturas vivas gozam de
felicidade
enquanto são vivas; em seu morrer,
porém,
dão a outras a vida em sua
bondade;
felicidade há assim todos os
anos...”
Veles em longos pergaminhos
anotava,
enquanto os filhos depressa
despachava...
Logo a velhinha adormeceu
também...
Só depois disso, ele notou
Pudovkin...
“Há muito tempo que hóspedes não
temos.”
Ergueu-se diante dele, um ser
imenso,
com quatro metros ou mais em seus
extremos,
sem contar os chifres ou a longa
causa assim.
Bateu com ela no chão, em grande
estrondo;
Blotski e Ivanov de pé se foram
pondo...
“Quem é você?” – indagou Blotski,
já tenso.
“Será possível que vocês já me
esqueceram?
Estão perdidos a adorar o Cristo
Branco?”
“Não esquecemos,” falou rápido
Pudovkin.
“Sois o grande dragão deste
barranco,
o Deus do Inverno, que os
mercadores adoraram.”
“Deuses não há no mundo
pós-Revolução!”
disse Ivanov. “E tampouco algum dragão,”
falou Blotski, que era atrevido
até o fim...
MAMÃE TERRA X
Veles os fitou, com grande
intensidade
e os dois de imediato se
encolheram.
“Vocês adoram o Deus Lênin e o
Deus Marx.”
Fez um sinal e os dois
adormeceram.
“Já esqueceram o seu Cristo, na
verdade,
contudo a senda encontraram até o
Inferno...
Passam os deuses e permanece o
Inverno:
cubro de branco suas cidades e
seus parques...”
“Agora acorde, mulher, quero
jantar!”
A Mãe Papoula se ergueu,
rapidamente,
e foi aos fundos, decerto até a
cozinha,
trazendo logo um grande assado
quente
e uma mesa, nos próprios pés a
caminhar...
O Inverno engoliu tudo, com
prazer,
a Pudovkin nem migalha a oferecer,
que até da mão o esticar ele continha...
E com a ponta da cauda ele
espancava
a pobre velha, para que andasse
mais depressa.
Pudovkin a interceder por ela se
atreveu.
“Este é meu reino, filho, não se
esqueça!
Seu avô a suas macieiras não
podava?
Agora toque a sua zhaleika para mim;
o deus dos músicos esqueceu que
sou assim?”
Pudovkin, muito depressa,
obedeceu...
Depois que o Inverno sentiu-se
satisfeito
e escutara sua música à vontade,
quis seu hóspede faminto
interrogar:
“A que vieram aqui? Fale a verdade!...”
“Nosso Comandante achou ter o
direito
a alguma coisa que à nossa Causa
ajudará
e que somente por aqui
encontrará...”
“E qual é a Causa que pretendem
implantar?
MAMÃE TERRA XI
“Nossa Causa é a justiça da
Revolução,
para os egoístas e autoritários
derrubar,
a fim de dar a todos parte igual:
toda a riqueza redistribuir após
juntar!”
“Mas que há de novo em tal
redistribuição?
Eu redistribuo a riqueza todo o
tempo...”
“O senhor comercia, desculpe o atrevimento,
nós redistribuiremos, de uma forma
natural...”
“Isso é impossível,” afirmou o
Inverno.
“Será como plantar trigo sem ter
sol;
o que a terra me dá, eu dou à
Terra;
o camponês trabalha desde o
arrebol
e dá seu corpo, após o descanso
eterno;
com a Terra eternamente
comerciamos;
nada nos dá, se a ela nada damos;
mesmo seu sangue, vocês dão
durante a guerra.”
“O que queremos, com todo o
respeito,
é dar a cada um o quanto precisa
e tomar dele só o que pode
produzir...”
“Cada boi come a erva da terra em
que pisa;
por que o boi parado poderia ter
direito
ao mesmo pasto que o boi
trabalhador?”
“Porém falamos de homens, meu
senhor:
Todos iguais com igual direito a
se nutrir...”
“De forma alguma!” – protestou
Veles Inverno.
“Os homens são, muito ao
contrário, diferentes.
Há grandes homens e uma vasta
maioria
que não vale mais do que ratos
descontentes,
como seus dois companheiros em meu
Inferno!”
Ivanov e Blotski, em grandes ratos
transformados,
dormiam no chão, a roncar, bem
abraçados...
“Cansei, Mamãe!... Dê ao flautista
hospedaria!”
MAMÃE TERRA XII
A velha o conduziu, muito cansada,
até uma alcova, à beira do salão
e lhe indicou uma cama e
cobertores;
sentindo a fome a lhe roer o
coração,
deu-lhe um pacote, Folha de
Flandres estanhada: (*)
“Meus filhos o encontraram no
outro inverno;
você fez bem em não comer nada no
Inferno,
coma a ração de seu Tchernov sem
temores...”
(*) Folha metálica de estanho,
hoje substituída por alumínio.
Logo a fome se foi e um vasto
calor
percorreu-lhe todo o corpo de
repente.
A velha o acariciou. “Você recorda...
Seu avô me tratou sempre fielmente.
Não lamente sua morte. Seu amor
está comigo e me traz felicidade;
nunca se esqueça de que só eu sou a verdade;
logo virá a primavera, que me
acorda...”
Tocou-lhe a testa, com grande
carinho:
“Vocês hoje têm estranhos
pensamentos...”
“O que pensamos é acabar com a
opressão
dos pobres por esses ricos sem
lamentos...”
“Vocês inverteram todo o meu
caminho:
são os pobres que aos ricos mais
oprimem...”
“Como assim?” “São os que mais consomem.
Os ricos guardam para sua
manutenção...”
Pudovkin já não mais podia
entender,
porém lembrou de que seu avô
guardava
a produção de toda a aldeia nos
celeiros
e nos invernos, pouco a pouco, ele
a entregava;
e os mercadores de longe iam
trazer...
Se não houvesse alguém para guardar,
nem existisse quem quisesse comerciar...
E adormeceu, entre sonhos
lisonjeiros...
MAMÃE TERRA XIII
Quando acordou, já no meio da
manhã,
ouviu o barulho de tanques e
soldados;
a tropa inteira o negro túnel já
cruzara.
Mamãe Papoula, com passos
apressados,
lhes trazia o pão e o sal, em
grande afã;
Tchernov, com um tapa, virou a sua
bandeja.
“Não somos tontos em comer o que
se enseja
aqui no Inferno, que a estes dois
tolos transformara!”
Mandou agarrar a Blotski e a
Ivanov,
enquanto tirava uma seringa de um
estojo,
aplicando em cada um deles
injeção...
“Viraram ratos! Vocês dois só me dão nojo!”
De novo humanos, cada um deles se
move.
“Vou os dois guardar para meu
julgamento;
em breve teremos um bom
fuzilamento...
Vimos um morto... E do flautista,
a situação?”
“Aqui, Camarada!” – falou
Pudovkin.
“Pelo visto, recusou-lhes a
comida...
E foi vocês que nos marcou o
caminho?”
“Sim, Comandante! Marquei a senda devida,
a sua missão eu cumpri até o
fim...”
“E onde se esconde, afinal, essa
serpente?
Se não a matar, para mim é
indiferente,
foi a você que vim buscar, Velha
do Ancinho!”
Pudovkin se encolheu com o
tratamento:
Era o que os popes para a Mãe Terra usavam!
Mas Mat Zyra Zemlya em nada protestou
(Mamãe Terra Úmida, os muzhiks a chamavam) (*)
e Tchernov a segurou, com
atrevimento...
Só então a caverna iniciou a
tremer
e cem cobras começaram a aparecer:
do chão e do teto cada uma ali
chegou!...
(*) Camponeses.
MAMÃE TERRA XIV
E se reuniram no centro do salão,
compondo novamente o Deus Inverno,
com quatro metros de altura a se mostrar,
escamas verdes e prata em seu
externo,
os soldados já a recuar, em
confusão.
Mas Tchernov, ao contrário, lhe
mostrou
um amuleto, que do capote retirou,
com o símbolo do raio a
rebrilhar!...
“Você ousa mostrar aqui esse
sinal!?
Justamente no interior do meu
salão?...”
“Eu não apenas trago este amuleto,
estou, de fato, sob a sua proteção
e vim buscar a sua esposa
natural.”
“Ela é minha durante todo o
inverno;
há entre nós antigo pacto eterno,
na primavera a entregarei a seu
afeto!”
“Primavera ou outono, pouco
importa,
eu vou levá-la para fazer verão;
o ano inteiro irá crescer o
alimento
e nunca mais virá a neve em
profusão,
pois seu poder o meu amuleto
corta!...”
“Perum não tem qualquer poder
aqui;
sob as raízes do mundo me escondi:
só a entregarei ao chegar o seu
momento!”
“Hoje as coisas mudaram, deus
antigo!
Vou criar a vida sem o seu
consentimento
e não poderá impedir-me mais
agora!...
Não percebeu o meu procedimento:
forte herbicida eu carreguei
comigo
e ao redor das raízes derramamos
da árvore mágica que no alto
encontramos,
que já estará bem morta, sem
demora!...”
MAMÃE TERRA XV
Tchernov tirou do bolso uma
bateria
que havia inventado, em formato de
maçã,
e num instante, apertou ali um
botão:
Veles Inverno encolheu-se como rã.
“Que fez comigo?” Sob a descarga ele gemia
e logo em seguida começou a
desmanchar,
cem serpentes no assoalho a
agonizar.
“Mulher!” – ainda gritou, em
confusão.
Mas Mat Zemlya dormia... E Veles se desfez,
enquanto o grande salão
apodrecia...
Tchernov acordou a Mamãe Terra
e logo com ela na alcova se
escondia.
A soldadesca inquieta, por sua
vez,
ao verem as paredes a rachar,
mas tinham ordens e precisavam de
esperar:
Tchernov os comandava nessa
guerra!...
Após algumas horas, retornaram
Tchernov e uma linda moça nua,
verde na pele, nos olhos e
cabelos,
que de energia e força então
estua.
Todos os olhos se arregalaram,
mas ela chegou até Pudovkin.
“O que ele fez, para deixá-la
assim?”
“Nada importa! Retomei os meus desvelos...”
“Ele me diz que posso ficar com
meu Perum
o ano inteiro e assim será sempre
verão!”
“Mas quando, então, a senhora irá
dormir?”
“Ele me disse que não terei mais
precisão:
Verão e Inverno serão apenas um
e as colheitas nos kolkhozes crescerão (*)
eternamente e com sangue as
regarão,
para que a Terra sempre possa se
nutrir!”
(*) Granjas coletivas.
MAMÃE TERRA XVI
Tchernov então mandou aos três
prender:
“Começaremos com um breve
julgamento;
para à Terra fornecer rega
inicial,
precisaremos de um bom fuzilamento!”
“Não!” – disse a Terra – “primeiro
dança vou ter
E meu flautista irá tocar a
melodia!
Sem essa dança, a primavera não se
cria!”
“Dance, então!” – disse Tchernov,
afinal...
“Então toque, volynshtchik, de uma vez!” (*)
E Pudovkin então pôs-se a tocar
a melodia suave do degelo,
as notas simples do primeiro
despertar;
mas ao poucos, métrica mais rápida
fez
e a Primavera batia os pés no
chão,
vasto tremor a percorrer todo o
salão,
dançando a jovem no ritmo mais
belo...
(*) Flautista
Mas quanto mais depressa ela
dançava,
surgindo no ar aroma a trigo e
flores,
o largo teto começou a desabar,
os soldados a gritar, em seus
temores.
Tchernov em vão para a interromper
gritava,
Pudovkin em ainda mais rápida
melodia
e logo o salão totalmente derruía,
Tchernov e a tropa inteira a
sepultar!...
Pudovkin acordou-se num relvado,
por sob a sombra de árvores em
flor;
numa tontura, ergueu-se
lentamente...
Mas quanto tempo transcorreu daquele horror?
Não enxergava a colina em qualquer
lado.
Assim terminam esses sonhos de conquista...
Ora, Tchernov nunca foi um bom comunista!
A um deus antigo ele adorava, realmente!...
EPÍLOGO
Começou a caminhar, sem ter
destino:
vestia-se agora como um simples
camponês
e a jovem nua apareceu-lhe ao
lado...
“Seus companheiros morreram, como
vês,
mas a você eu salvei, meu
pequenino...
Vá para longe e fuja desta guerra,
procure o leste, a Rússia é vasta
terra,
na primavera você será
abençoado...”
“De fato, Veles se encontra
satisfeito:
tem muitos espíritos para seus
escravos...”
“Quer dizer, então, que não
morreu?”
“Claro que não. Os velhos deuses eslavos
à eterna vida conservam seu
direito...
Mas este ano eu terei longa
primavera
e um longo verão também me espera:
Lá nos céus, já meu Perum me
recebeu...”
“Contudo, um dia, voltará o Deus
Inverno;
sempre haverá esta alternativa,
para que a Terra trabalhe e
adormeça;
santo é o Inverno; também santo é
o Verão.
Vá para o leste, onde o labor é
eterno
e lá achará boa terra em que
plantar...”
Partiu dançando. Igual que o avô, a hei de desposar,
pensou Pudovkin, no breve dia em que eu pereça!...
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