ALVÉOLOS I – 01/12/2002
Agora, ela está perto...
Mas por tanto
esteve longe, sem me olhar, de
amarga,
que me sinto inseguro, no
entretanto...
Quem amanhã reencontrarei, na
larga
galeria de mulheres que me
veem,
pelos seus olhos largos de
gazela,
que tanta imagem minha em si
contêm,
de tantos anos em que vivi com
ela...?
E, assim, fico
irrequieto... Hoje me ama,
me abraça e me contempla com
ternura,
mas, e amanhã? Que mágoa
ou que rancor
trepidará em seu peito, com
que gama
de olhares maus retribuirá a
doçura
com que sempre lhe mostrei o
meu amor?
ALVÉOLOS II – 11 DEZ 14
Não é questão de idade. Sempre foi
corça arredia em seu prado
individual;
qual caçador me encara, é
natural,
na desconfiança que seu peito
rói;
sua presença-ausência, como
sói
sempre me deixa inseguro ante
o fanal
de seu olhar, que às vezes me
quer mal,
mas que quando me indifere,
ainda mais dói.
Em cada alvéolo, deveria haver
favo de mel,
mas em muitos só há abelhas em
botão
e seu gosto é depurado como
fel;
como saber, no escuro sem
razão
qual deles se derrete, como
gel
e qual já pode me cravar
ferrão?
ALVÉOLOS III
Não sei se é máscara que aos
outros aparenta
de ser gentil, alegre e
compreensiva
ou para mim uma outra máscara
se ativa
com que expressão amarga me
contempla;
não é ciúme que assim me
descontenta,
mas sim incompreensão de sua
furtiva
demonstração de desdém, que me
cativa,
para prender-me em seus
lábios, firmemente.
O fato é que, talvez, nem
percebi
que em momento algum queria
escutar,
seja o que for que eu tivesse
a lhe dizer,
mas apenas concordar com
quanto ouvi,
sem querer minha opinião ou
contestar,
como um bom servo a cumprir o
seu dever.
ALVÉOLOS IV
Destarte me iludi e lhe falei
o que eu mesmo amava e
pretendia,
mas só sorriu, em constante
desvalia,
por desprezar o quanto mais
gostei;
contudo, em sua colmeia
penetrei
e nela busco essa alma que
queria,
entre as centenas que nesse
mundo via
e certas vezes, até mesmo a
encontrei.
Mas por qualquer motivo que
nem sei,
ela fugiu para ponto mais
profundo
ou talvez sementes fossem de
romã (*)
que a conservassem além do que
a busquei,
a me cobrirem de seu sumo
rubicundo
em que tanto derrapei no meu
afã.
(*) Foram sete sementes de romã que prenderam Perséfone no
Hades.
EFLÚVIOS I – 01/12/2002
Eu me vejo a empreender nova
ousadia:
se fico inda a seu lado, se me
afasto...
Se acolho o amor que a própria
mente cria,
com tanto ardor. Ou se
escapo a esse nefasto
afastamento envolto em
depressão.
Se volta para mim o olhar marcado
pela aflição, a angústia, na
expansão
do que lhe agita o peito
e tem deixado...
Assim percebo agora e vejo,
incrédulo,
que me parece em bênção
contemplar...
Como será amanhã? Que
rosto voltará
a contemplar o meu, que
permaneço sédulo
à antiga devoção, que me
conservará
seu rosto a percorrer,
buscando adivinhar...
EFLÚVIOS II – 12 DEZ 14
Contudo, nestes anos mais
recentes,
cada vez mais vejo a angústia
a dominar
e no abismo dessa mágoa se
afundar,
apesar de meus esforços mais
ingentes,
algumas vezes com manotaços
aparentes,
um pouco a repelir, um tanto a
me agarrar,
como faz um nadador a se
afogar
e consigo arrasta amigos ou
parentes.
Devo chegar por trás, pelos
cabelos
e impedir até que mova os
braços,
cabeça erguida, mas sem fitar-lhe
os olhos,
pois então me afogaria em tais
desvelos
e morreria envolvido nos
abraços,
até os dois se estraçalharem
nos escolhos.
EFLÚVIOS III
De suas próprias narinas sobe
o olor
dessa pena de morte que a
condena;
são eflúvios da certeza dessa
pena,
que terá de sofrer em seu
rigor;
ela transpira, às vezes, de
rancor,
não contra mim, mas por falta
da verbena
que a levaria à praia mais
amena
e que esperasse receber de meu
amor.
Não sou só eu, porém outros
comentaram
como ela se tornou bem diferente,
no seu quase trescalar de feia
agrura,
que antigamente nunca nela
perceberam;
talvez por influência de outra
gente,
caiu em valo ainda mais fundo
de amargura.
EFLÚVIOS IV
Sempre afirmou não ser
influenciada
(decerto nunca aceitou minha
opinião),
porém é falsa tal afirmação:
talvez ela não perceba o
imponderável
eflúvio e influxo que aceita
em ocasião
de certas visitas, de aspecto
agradável
ou até mesmo de comercial bem
condenável
que martela na tela a sua
televisão.
Porque é certo que os eflúvios
nos percorrem,
vindos de fora, como coisas
vivas
e nos preenchem, se não os
combatemos
e especialmente das bocas más
escorrem,
para fazer-nos partilhar
mágoas ativas
caso a influência inermes
aceitemos...
SIBARITAS I – 01/12/2002
Nas séries perseguidas de tantos meus sonetos,
por vezes, nem sequer de leve reconheço
a vaga inspiração com que os entreteço:
se veio do exterior, se emana dos afetos
idealizados e tênues, dos idílicos objetos,
enraizados nas mínimas demonstrações de apreço,
de um olhar cintilante, de um perfume que então meço
com a ponta de meus dedos, como sinais completos
de um amor que espero, amor que desconheço
o que espera de mim, no simples movimento
dos ombros, mais descrente da ventura
que dessa inspiração com que o amor despeço,
em troca da endorfina, que abraço, no momento
em que versos congelo o instante da ternura...
SIBARITAS II – 13 DEZ 14
Certamente abraçarei mil influências,
quando os influxos eu possa incorporar,
outras a repelir, que não possa aceitar;
em cada verso incorporo dez tendências...
Certas palavras me trazem redolências
que na mente se expandem sem parar;
um simples tema consegue me elevar
a uma série de formosas consequências.
Ideias crescem no terreno, fertilmente,
de cada mente disposta à aceitação,
mas também crescem espinhos e urtigas,
que com foice e gadanha, firmemente,
submeto à mais firme podação,
guardando apenas as flores mais amigas.
SIBARITAS III
Havia um porto na velha Ásia Menor,
que hoje compõe o território da Turquia,
chamado Síbaris, a que o comércio permitia
uma grande luxo e um ócio ainda maior,
em que só escravos realizavam o labor
a que até mesmo seu amo constituía
em seu gerente e que a escrita lhe fazia,
sem receberem grande paga nem louvor.
Por isso os senhores viviam no seu luxo,
em banquetes e nos vícios preferidos
de onde deriva o termo “sibaritas”
que até hoje sobre nós conserva influxo,
para indicar os prazeres escolhidos
como exclusivas atividades favoritas...
SIBARITAS IV
E assim são tais malignos
pensamentos,
que só querem em nossa mente se
instalar,
para seu ócio e seu prazer ali gozar,
escravizando a nossos próprios
julgamentos;
mas os submeto a esclarecimentos,
mais do que à poda e os vou
desarraigar
e para longe da mente arremessar,
sem dar qualquer atenção a seu
lamentos.
Mas ai de nós! – em geral, não
faleceram
e gravitam ao redor de outras
pessoas,
procurando uma vigia ou portinhola,
escondidos nos cabelos, touca ou
gola,
na tocaia da primeira chance boa
de dominar os que não os perceberam!
SIBARITAS V
E quando ingressam em qualquer alheia
mente,
logo se esforçam para ali frutificar,
igual a câncer a se metastatizar,
o organismo a conquistar rapidamente
e no instante em que se faz presente
vai tal hegemonia transformar
o indivíduo em estufa, quente lar
para suas mudas e rebentos,
diariamente.
E assim eles se espalham pelo olhar,
pela saliva, até mesmo por ouvidos,
comunicados pelo suor das mãos
ou pelo puro e simples respirar
e como esporos do mal são
distribuídos
a transmitir-se para novas
plantações.
SIBARITAS VI
E chega um ponto de total sociopatia,
em que o indivíduo totalmente
dominado
só quer seu mal nos outros instalado
e assim o transmite, fingindo
simpatia;
sua malignidade então transplantaria,
à corrupção dos outros dedicado,
que nem percebem quanto brota de seu
lado,
nem como a própria alma sofreria...
Milhares desses há entre nós vivendo:
lança uma capa azul sobre a aura
pura,
faz uma foice correr ali constantemente,
a essa melíflua influência
desfazendo,
que para eles retorne a sua amargura,
para que brote tua alegria
novamente!...
IMPACTO I – 01/12/2002
Meu verso é para ti,
mulher de estrelas,
transmogrifada na poeira
dos faróis,
mesmerizante no fulgor de
um par de sóis
que habitam em teu rosto,
em que revelas
a ambição de
mim. Por mais que mintas
que não me queres bem e
que me abale
a oscilação de ti, jamais
se cale
no peito meu a certeza de
que sintas
a multidão de meus sonhos
tão diversos...
E quando em ti reprovo o
azedume,
não é que assim espere
comover-te.
Pois canções são só isso:
apenas versos...
Mas cada vez que lembro o
teu perfume,
me assombra o terror
simples de perder-te.
IMPACTO Ii – 14 DEZ 14
Mas permanece em mim a
busca antiga,
sou vagalume a girar sobre
a lanterna;
que crie o azeite a chama
sempiterna
e pela estrada oriente bem
o auriga...
Que em torno dessa luz
assim consiga,
mesmo ao sentir quando a
emoção aderna,
manso calor que provém da
flama interna
e em mim conserve essa
ilusão amiga.
Não tenho ânsia de buscar
outro farol,
sou pirilampo e
pisca-pisco verde luz,
não mariposa a que só o
lampião seduz.
Teu brilho busco, mas
tenho próprio sol,
que assim um no outro se
alimente
por ver a flama a palpitar
contente.
IMPACTO III
Onde há calor, para fora
se irradia
e outro calor lhe serve de
alimento,
ao mesmo tempo que lhe dá
provimento:
calor de amor que a outro
calor se alia.
E mesmo quando ali amor
não existia,
calor de amor provoca o
nascimento:
a chama salta, mas sem
queimar o assento,
a chama cresce quando a
outrem mais cedia.
Calor de amor em impacto
assim vibrante
qual faísca de luz
eletromagnética,
que se propaga e dança
pelo ar,
numa retroalimentação
equidistante,
chama minúscula no início,
mas profética
do incêndio cálido que
após há de provocar...
IMPACTO IV
Pois sei bem que assim é,
nesse apesar
que te causou infiel
manipulação;
a chama vive e dança no
tufão,
e se conserva tremulante a
cintilar...
Porque a flama, em sua
leveza singular,
ainda é mais forte que o
vasto turbilhão,
que te arrasta para igual
aceitação
na mesma tromba d’água a
amargurar...
E portanto insistirei em
meu impacto,
contra o rigor do alheio
redemoinho
e manterei a promessa de
meu pacto,
quando chegar o final de
teu caminho
e a chama te consumir em
amplo rapto,
enquanto assisto, na mágoa
do carinho...
VIVEIRO V – A PEGA I – 20/7/2006
A quem compararei o meu amor?
À pega ladra, que prefere o brilho,
Que rói os cacos, que procura o estilho,
Cintilante, mas falso, do fulgor...
A pobre pega, que deseja a jóia,
Mas a confunde sempre com a centelha,
Que se espatifa na imagem que lhe espelha
O vidro transparente e a claraboia...
Negros cabelos são suas negras penas;
Como se lança, em tal sofreguidão,
Empós os lumes falsos do capricho...
Qual muda de pendor; e busca, apenas,
O rebrilhar intangível de
um esguicho,
Nesse inconstante ardor do coração...
A PEGA II – 15 DEZ 14
Destarte a pega constrói o coração
com fragmentos alheios de fulgor;
quem se vê atraído em tal brilhor,
se apaixona por espectro de paixão,
porém não pelo profundo da emoção;
o que ela guarda em si não é calor,
mas estilhaços captados de outro ardor,
escapulários que não tiveram sagração.
Que restará, quando tirarmos dela
cada faísca que em si acumulou?
Será que sobra cinza ou só o carvão?
Ou com o tempo já ali nasceu estrela,
pela esmeralda gerada que brilhou,
por seu vazio anunciando compaixão?
A PEGA III
Pois que essa pega que por brilho tem paixão
e conserva cada jóia no seu ninho,
por alguma razão mostra carinho
pelas centelhas que recolhe, em ambição;
há em seu peito lugar de gestação
para ser recoberto de azevinho;
desde o começo há um brilho pequeninho
que quer resposta de outra alumiação...
Não é por avareza e nem em vão
que ela cata da alegria os fragmentos:
algo responde e anseia por doçura
e na sua caça ressoa ainda o peão,
(hino de guerra dos antigos regimentos),
no incessante combater de sua amargura.
A PEGA IV
Por isso à pega mantenho o meu buscar;
embora tenha já falhado em longo cio
de preencher inteiro o seu vazio,
ainda insisto neste meu tentar...
Eu vejo ardente e à espera esse lugar,
vermelho e tremulante como um rio,
cuja torrente me expele com seu brio:
à sua nascente não pude ainda chegar...
Talvez, de fato, tenha sido engano:
pensei ser âmbar a distante luz do sol
e me enfurnei no oco do carvalho,
buscando o ninho em um esforço insano,
até apagar-se o piscar, rubro farol,
no ocaso triste de meu ato falho...
A PEGA V
Porque, afinal, não há pegas por aqui:
as velhas lendas nos vieram lá da Europa;
do Santo Graal roubaram mesmo a copa;
de asas negras só graúna e corvo eu vi,
porém sem terem o mesmo impulso em si;
nos ninhos da graúna só se topa
com os ovinhos; e o corvo só se dopa
com as carniças que encontra por aí...
Seria o meu amor tão só a graúna,
ou o açum preto que não podia cantar
até que seus dois olhos perfurassem?
Uma ação que, de fato, me repugna,
mas bem pior seria imaginar
que meu amor a um corvo comparassem...
A PEGA VI
Talvez o meu amor fosse o mainá
do Extremo Oriente, que até sabe falar,
segundo dizem, mais que apenas imitar
os sons ouvidos, como por entre nós se dá
o papagaio, a caturrita e até o sabiá,
que alguns afirmam poder ensinar;
mas nenhum deles cachos negros a ostentar:
será que os pintam, qual mulheres o fazem já?
Ou quiçá a mesma pega viu o brilho
que trago ao coração e mo roubou,
julgando fossem pedras de diamante
e o rejeitou depois, no mesmo trilho,
pois a faísca que no meu peito enxergou
não era mais que um verso delirante...
METROS
GREGOS VI --- 20/7/06
IÂMBICO
IATROGÊNICO I
Encontro
neste ritmo perdão
dos
desalinhos da mais falsa alegria,
dos
capitosos ribombos da poesia,
das
mágoas estridentes da emoção;
que
o jambo expressa fácil a paixão,
denota
claramente o que eu sentia,
no
momento em que versos escrevia,
no
sangue doce de meu coração;
no
sangue amargo do negado amor,
na
mente impura, que palavras mói,
na
dor acesa do intenso desamor,
na
frustração, enfim, que tanto rói,
meus
sentimentos obrigando a expor
e
tão completamente me destrói...
IAMBO
IATROGÊNICO II – 16 DEZ 14
Seria
masculino o verso assim,
quando
sua sílaba forte cai no pé
e
se afirma a energia no sopé
de
cada frase que redija, enfim;
mágico
o verso, lamparina de Aladim,
uma
história a que nos versos não dei fé;
já
está batida por tanta estranha sé
que
nada sobra de novo para mim;
porém
jâmbico será meu coração,
de
cada vez que entoar uma elegia
ou
simplesmente minhas penas versejar,
por
mais que tola seja essa emoção
que
nas linhas do poema dançaria:
caixa
de música para mais corda lhe dar.
IÂMBICO
IATROGÊNICO III
Mas
fica a alma em seu real sobrenadar,
enquanto
as vagas velozes superpõem;
pranchas
de surfe a que alguns supõem
ser
suprassumo do perfeito marinar;
para
outros a Rede é a sede do surfar,
porém
nos versos meus dedos se dispõem
a
relatar as sensações que contrapõem
ao
que os demais podem só imaginar.
Ao
começar, nem sequer eu pensaria
compor
coortes em meu ritmo ancilar,
esses
milhares de versos a brilhar,
que
qualquer fonte em mim inspiraria
ou
que adotasse este helênico cantar
que
tão fácil de meus dedos pingaria!...
O verso
iâmbico, jâmbico, iambo ou jambo possui um pé poético de sílaba breve e longa,
ou átona e tônica, adequado ao português. Iatrogênico, naturalmente, se
refere a uma doença causada pelo médico, aqui a dor provocada pelo próprio
poema ao ser redigido. Bill.
ZÉFIROS ARISCOS I – 17
DEZ 14
Chegou de novo para
mim a estação
a que prefiro não
chegasse realmente,
mais pelo medo do
calor pendente
do que de fato por
real sufocação;
é mais temor que me
assalta em turbilhão:
lembro o verão passado
que, inclemente,
martirizou a todos
ferozmente,
até mesmo a essa
fuleira multidão!...
Sempre é possível que
no Polo Sul
se derretam, enfim,
quaisquer geleiras
e virem chuva, a
contrariar o Sol,
mais rico o cinza do
que o céu azul,
por essas nuvens a
vadear, arteiras,
como um escudo contra
a fúria do arrebol...
ZÉFIROS ARISCOS II
Por enquanto, não há
real abafamento,
mas Éolo e Zéfiro
tiraram seu feriado;
talvez tenham com a
Brisa combinado
ir visitar da Viração
o acampamento,
que tirou férias, em
descontentamento
e foi à praia por um
tempo continuado,
ver os Ventos veranear
lá do seu lado,
a nós deixando no
maior açodamento!...
Talvez registre contra
os Zéfiros ariscos
alguma queixa em
qualquer delegacia:
sou amigo do Delegado
Regional!...
Mas não quero que de prisão
corram os riscos,
caso contrário,
chegaria a Calmaria
e aí seria o calor
mais triunfal!...
ZÉFIROS ARISCOS III
Não sou apenas eu que
assim detesto
esses dias mais fortes
de calor:
igual desgosto tem meu
computador,
cujo trabalho, então,
bem menos lesto
se torna. Não sua, mas de resto
empaca, se aborrece,
seu humor
é cada vez mais
raivoso nesse ardor
do que o meu, se a
reclamar me apresto...
E assim ficamos, além
dessa impaciência
que sempre me causou
qualquer verão,
pois é preciso
aguentar os seus caprichos,
aplastados os dois,
feito dois bichos
e eu forçado a mostrar
maior paciência
com essa máquina que
nem tem coração!...
SONS IMÓVEIS I – 18 DEZ 14
ENQUANTO ESPERO, ESPERO QUEM ESPERA,
ENVOLTO EM ESPERANÇA ENQUANTO ESPERO
E NESSE MEU ESPERAR, ASSIM EU QUERO
VER QUE ESPERANÇA A MINHA ESPERA GERA.
E ENQUANTO GERA MINHA ESPERA O QUANTO GERO,
QUERO A ESPERANÇA QUE MINHA MENTE GERA,
QUE NESSA MERA ESPERANÇA NÃO SE ALTERA
A MINHA ESPERa PELO ESFORÇO MERO
DE DEDICAR MINHA POESIA A ESSA ESPERANÇA
QUE NÃO ESPERA POR MIM, NEM SE DEDICA,
PORÉM QUE ESPERO COM DEDICAÇÃO,
PARA ESPERAR, COM ALMA DE CRIANÇA
AQUELA QUE ESPERANDO POR MIM FICA,
NA MERA ESPERA DE SEU CORAÇÃO...
SONS IMÓVEIS II
ASSIM ESPERO PELA HUMANIDADE,
QUE COMO UM CORPO INTEIRO SE RENOVE,
NA NOOSFERA DE CHARDIN, QUE TUDO INOVE, (*)
NA INTELIGÊNCIA DA COMPLETA LIBERDADE;
ASSIM ESPERO QUE A CIÊNCIA DESTA IDADE
FAÇA MOVER-SE O QUANTO NÃO SE MOVE,
CONTRA OBSTÁCULOS FACILMENTE SE RENOVE
E ASSUMA SEU LUGAR NA INTEGRIDADE.
ESPERO A LUZ PROVINDA DA HARMONIA,
QUE SURJA, ENFIM, ESSA FRATERNIDADE
SONHADA HÁ SÉCULOS PELOS HUMANISTAS
E QUE SE ENTOE A MAIS SIMPLES MELODIA
DE SETE NOTAS A TOCAR-SE EM IGUALDADE,
NA DERRADEIRA DE TODAS AS CONQUISTAS!
(*) A ESFERA FORMADA PELO CONJUNTO DO HUMANO PENSAMENTO,
SEGUNDO O FILÓSOFO E ARQUEÓLOGO PADRE TEILHARD DE CHARDIN.
SONS IMÓVEIS III
A HISTÓRIA HUMANA UM LENTO NASCIMENTO
QUE NOS CUSTOU TANTAS DORES JÁ DE PARTO;
QUE O NÚMERO FINALMENTE ESTEJA FARTO
DE TANTA MORTE E DE TANTO ALEIJAMENTO.
ESPERO APENAS QUE SURJA O SENTIMENTO
DE UM “SORRISO PLANETÁRIO” E NÃO DESCARTO,
APESAR DAS DISSENSÕES DE QUE ME APARTO,
QUE A PRÓPRIA GAIA PARTILHE ESTE MOMENTO.
MAIS QUE ENTRE OS HOMENS, QUE HAJA UMA IRMANDADE
COM OS ANIMAIS E O VERDEJAR DA FLORA,
EM QUE CADA MONOCÉLULA ASSIM CANTA,
NO SOM SILÊNCIO DA INDIVIDUALIDADE,
UMA CANÇÃO, INAUDÍVEL MUITO EMBORA,
QUE ESSA FINAL SONORIDADE NOS GARANTA!
SONS IMÓVEIS Iv
E QUE APESAR DOS SINTOMAS EM CONTRÁRIO,
AINDA SE POSSA ESPERAR CONTRA A ESPERANÇA,
TRAZER A TERRA À LUZ, FEITO CRIANÇA,
FRUTO DO VENTRE DESSE POVO ATRABILIÁRIO,
QIE SAIBA, ENFIM, ACENDER SEU LAMPADÁRIO
COM O ÓLEO SANTO DA MAIS PURA BONANÇA,
CADA ANIMAL E VEGERAL QUE A MATA ALCANÇA
AO MINERAL UNIDOS EM FADÁRIO!...
RENASCIDA A HUMANIDADE AO NASCIMENTO
DE UMA COMPLETA CONSCIÊNCIA PLANETÁRIA
QUE NOS PERMITA DOMINAR DESTINO FERO
E ASSIM POSSA INICIAR SEU LANÇAMENTO
ÀS MIL COLÔNIAS DE SORTE MULTIFÁRIA
EM SEU DOMÍNIO CÓSMICO QUE ESPERO!...
CORAÇÃO ARREPENDIDO 1 –
19 DEZ 14
Mandei meu coração à tua janela,
Bater com os dedos da aorta no postigo;
Talvez pudesse achar ali um pouso amigo:
Longe do corpo e sob o vento se congela.
Insistiu o coração ante a procela,
Chovendo forte para seu perigo,
Porém teimava em se encontrar contigo,
Sem conseguir erguer a tua cancela...
Ficou na chuva, aos poucos desbotando;
Corriam filetes de líquido encarnado,
Depois um rosa-choque de atrevido...
E finalmente, um simples rosa destilando
O coração, já murcho e esfiapado,
De sua audácia inicial arrependido...
CORAÇÃO ARREPENDIDO 2
Quando se achava mais ou menos congelado,
Finalmente, dessa encerra desistiu;
O amor que tanto amava só dormiu
E não quer de modo algum ser acordado!
Por sorte, permaneceu ainda ligado
Pelas artérias do sonho e resistiu
A esses golpes que a pua desferiu,
Montou a cavalo e tornou para meu lado...
O bagual era de fígado formado,
As patas nervos a marchar com certa pressa,
A crina e o pelo de um vermelho-acastanhado,
Sem contudo possuir qualquer cabeça,
Era preciso pelo coração ser orientado:
Que mesmo fraco, seu destino não esqueça!
CORAÇÃO ARREPENDIDO 3
Aos poucos, foi sendo o fígado levado,
Com rédeas capilares, à querência;
Chegou ao galpão, meio que em penitência;
Pelo mugido das vacas foi saudado!...
Foi pelos cuscos, contudo, até estranhado
E precisou de gritar com estridência,
Usando a guasca de veias com potência,
Até que o corpo lhe abrisse, estremunhado,
A porta do seu rancho e o recebesse,
Tremendo, a tiritar, quase gelado,
O fígado tropicando do seu lado;
Só então o corpo fez quanto pudesse,
Ferveu chaleira para o mate requentado,
Até que dentro da barriga os recolhesse!...
CORAÇÃO ARREPENDIDO 4
Contudo, no sopé de tua janela
Ficou a massa vermelha e feita gel,
Ainda pedindo para receber quartel,
Pulsando, a pobre, por amor daquela
Que ainda tinha como pura estrela;
Não que dela ainda esperasse doce mel,
Pois nessa noite só ganhara o fel,
Que na garupa do seu fígado se atrela...
E de manhã, quando surgiu a aurora,
Ali estava o sangue, encolhidinho,
Já incapaz de dar sequer um giro...
E só então o acolheste, sem demora,
Numa guaiaca cheia de carinho,
Em que soltou seu último suspiro!...
ARCOS
ERIÇADOS I – 20 DEZ 14
Quando
lhe fui declarar o meu amor,
que
já saltava de mim como centelhas,
ela
soergueu as lindas sobrancelhas,
fingindo
uma surpresa sem calor...
Com
certeza já conhecera o meu ardor,
que
em gesto e palavra, bem de esguelhas,
lhe
havia demonstrado em cem parelhas,
porém
queria alcançar mais esplendor...
Assim
me disse, numa perfídia fina,
nutrir
projetos bem mais elevados,
que
rejeitara outros mais que a pretenderam...
“Pois
não te iludas, minha gentil menina,
são
muito raros os príncipes encantados
e
esses que existem, seus tronos já perderam...”
ARCOS
ERIÇADOS II
Fui
ao telheiro e minhas botas calcei
que
ali deixara, secando de enlameadas;
com
cuidado, o pingo velho eu encilhei,
sem
querer testavilhar pelas estradas...
Ela
desceu ao galpão: “Não te magoei?”
“Claro
que não, só me deste três puadas,
Não
vou sangrar ao longo das canhadas,
Pois
bem firme uma atadura coloquei...”
“Mas
vais embora? Toma mais um mate...”
Ela
insistiu, com os arcos eriçados
das
sobrancelhas negras de pecados...
“Um
príncipe encantado não se abate
com
a primeira recusa que encontrar,
mas
um peão conhece bem o seu lugar...”
ARCOS
ERIÇADOS III
As
sobrancelhas saltaram de sua testa
e
uma cortou-me o freio do cavalo,
outra
trançou-se em minha bota, feito talo...
“Não
sejas bobo...” – falou, em tom de festa.
Pondo
de lado o pouco orgulho que me resta,
tirei
a gadanha da ferida do meu calo
e
desvencilhei o coitado do bagualo:
muito
contente ficou a pobre besta!...
E
eu, outra besta, voltei para o ranchinho,
de
braço dado com a chinoca tão faceira,
já
na testa a colocar as sobrancelhas...
Para
dar-me a noite inteira o seu carinho,
cada
pestana uma espora perdigueira,
emaranhada
nas minhas mágoas velhas!...
ARCOS
ERIÇADOS IV
São
duas ameias entre três merlões,
nas
duas fontes e no alto do nariz;
as
ameias como aquelas que se diz
que
colocavam no alto dos torreões;
em
arco duplo, igual dois corações
sobre
seus olhos, qual preta flor-de-lis,
a
sugerir-me o seu sabor de anis,
em
fundamento de minhas ilusões...
E
cada vez que contemplo os eriçados
arcos
que velam sobre meu destino,
fico
peado, qual fosse ainda menino,
pois
eles giram, deixando a horizontal,
os
meus olhos inteiramente perfurados
por
essas setas a brotar da vertical!...
RECORDAÇÃO XV –
20/7/06
Pois foi uma só
vez: deu-me carona
E de seu nome nem
me recordo mais;
Ao invés de
levar-me para a zona
Onde eu morava, não
parou jamais
Até um lugar escuro
e abrigado,
Que, decerto, de
outras vezes conhecia...
Parou de conversar
e pôs de lado
Qualquer postura
falsa ou fantasia;
Beijou-me sem
parar, seu ventre móvel
Envolvendo-se no
meu, expectante...
No fim das contas,
senti-me tão vulgar!
Fazer amor no
assento do automóvel,
Sentada no meu
colo, delirante,
Não foi fazer amor
– foi copular!...
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