A CARRUAGEM DA VIDA & MAIS
WILLIAM Lagos, 11-20 mar 2018
A CARRUAGEM DA
VIDA I – 11 MAR 2018
A carruagem da vida nos balança
Em movimento
constante, lentamente,
Nunca apressada,
nem tampouco assente,
Jamais se sabe
onde o caminho alcança.
O certo é que a
carruagem sempre avança,
Mais fácil a
vereda ou mais ingente;
Aqui é plana,
junto a água transparente,
Macia a areia, de
embalar não cansa.
Mas de repente,
nos surge um solavanco:
Geme a carruagem,
geme o passageiro,
Até o invisível
condutor solta um gemido,
Rangem as rodas,
range o nosso banco,
Mas num puxão das
rédeas, bem ligeiro,
O contrôle pelo
auriga é reassumido.
A CARRUAGEM DA VIDA II
Mas de outras vezes, até se quebra o eixo
E o passageiro sofre o maior baque,
As táboas tamborilam em atabaque,
Perde-se
a roda pela força desse seixo.
É
necessário se obter ramo de freixo;
Às
vezes galhos se consegue só de araque,
O
passageiro sofre um peripaque,
Inesperada
consequência do desleixo.
Deve
a carruagem, então, ser rebocada
Para
a oficina de um bom carpinteiro,
Capaz
de consertá-la, bem ou mal;
Deve
o cocheiro resolver essa empreitada
E
enquanto isso, o triste passageiro
Deve
passar alguns dias no hospital!
A
CARRUAGEM DA VIDA III
Não
que deseje apressar a sua chegada
A
esse passo no alto da montanha,
Em
que a carruagem, de maneira estranha,
Ascende
aos ares ou tomba, despencada.
Minha
viagem não é ainda terminada,
Nem
a extensão da senda hoje me acanha;
Nos
meus verões, o suor ainda me banha,
Nos
meus invernos, fica a carne mais gelada.
Pouco
me importa que termine esse caminho,
Mas
bem queria evitar sérias doenças
Que
os solavancos possam-me causar...
Balança
pouco, então, gentil carrinho (*)
E
me permite completar minhas crenças
Sem
que o futuro possa ainda me assombrar
(*) Inspirado no Negro
Spiritual, “Swing low, sweet chariot”.
AMOR SINGELO I –12 MAR
18
Certa feita, o poeta
Anacreonte
afiançou, em um de
seus poemas,
ter escutado à porta, fina
apenas,
a flébil voz de
levíssimo reponte.
Abriu a porta, encarou
o horizonte,
baixando os olhos viu,
estranhas cenas,
o Filho de Afrodite,
Eros, suas penas
enxarcadas, a tremer
nesse desponte.
Anacreonte o abraçou e
o pôs no colo,
alimentou-o, junto ao
fogo o aqueceu,
mas o deusinho
mostrou-se bem ingrato:
tão logo seus pezinhos
pôs no solo,
lançou-lhe seta que
imenso amor lhe deu,
mulher alguma por
perto, triste fato!
AMOR SINGELO II
Tornou-se a mãe do
leviano Deus do Amor,
a lindíssima Afrodite,
a sua paixão;
qualquer mortal veria
partido o coração
ao esperar da altiva
Vênus seu calor.
Compôs-lhe odes, no
mais perfeito ardor,
mas Afrodite fez a
Ares confissão
de como desprezava
essa ilusão:
humano algum mereceria
o seu valor!...
(Salvo apenas nos mais
breves dos instantes).
Mas embora mil
mulheres lhe mostrasse,
um tal amor jamais se
dissipasse...
eram por ela seus
sonhos mais vibrantes...
Zeus escutou e
demonstrou-lhe compaixão,
do alto Olimpo a lhe
estender a mão...
AMOR SINGELO III
Anacreonte, a
interpretar as suas canções,
para deleite de tantas
divindades,
jamais deixou-se levar
por falsidades:
eram por Vênus
inteiras as suas paixões!
Mas a Deusa do Amor os
corações
dos humanos só tocava
sem bondades;
logo os amantes
trocados por vaidades,
sem receber quaisquer
satisfações!...
Não lhe importava que
o amor fosse por ela;
até beijou Anacreonte uma
e outra vez,
porém na dádiva e
delícia do desdém...
Mas consolou-se com a
proximidade dela
e até hoje permanece,
se assim crês,
no Paraíso, a lhe
implorar também...
AMOR SINGELO IV
Alguma vez a deusa
lança o olhar,
numa mistura de pena e
de desprezo,
sobre o pobre poeta, o
amor ileso
a refletir-se sempre
em seu cantar...
E só de vê-la vai-se o
pobre consolar,
na eternidade do amor
a ver-se preso;
e só de vê-la, é de
amor rico como Creso
e só de vê-la ainda maior
seu suspirar...
Mas ao anjinho Eros por
sua travessura
não sabe se agradece
ou amaldiçoa;
ele sorri-lhe, às
vezes, sorrateiro,
oculta nesse amor
maldade pura,
nunca a esperança de
fato sendo boa
de junto dela
acolher-se por inteiro...
AMOR SINGELO V
Há tanto amante de
idêntica atitude:
que só de ver a amada
se consola!
Ou mesmo sem a ver, na
mente evola;
que em breve a reverá
então se ilude.
E por mais que a
bem-amada seja rude,
seu coração sofre o stent de tal mola,
vive no abraço de uma
imensa argola,
nessa aliança de amor
que nunca mude...
Por isso tantos
explicaram tais paixões
por uma seta lançada
em travessura
desse deusinho erótico
e brejeiro,
alvejando alternados
corações,
nesse círculo
incompleto que perdura
e raras vezes se
completa por inteiro!
AMOR SINGELO VI
Anacreonte foi um
homem bem real,
mas a visita desse
anjinho foi poesia;
alma singela talvez
nela creria,
talvez mordida por
amor no Carnaval.
Foi desprezada por
quem não lhe quer mal,
mas cuja alma igual
amor não sentiria,
porque o deusinho
brincalhão provocaria
que seu amor fosse
lançado a outra mortal.
Já não afirmo que
pisou no Monte Olimpo,
nem em qualquer
semelhante paraíso.
Salvo nos sonhos
jungidos do poeta
A inspiração é o seu
amor de peito limpo,
bem lá no fundo a
esconder seu riso,
que amor negado maior
paixão completa!
NA CASA DAS CHUVAS 1 –13 MAR 18
Quando era jovem e frequentava a
igreja,
A cada vez que o calor nos apertava
“Chuvas de Bênçãos” o povo ali
cantava,
A Deus rogando, aonde quer que
esteja.
Coincidência talvez apenas seja,
Mas noventa por cento das vezes nos
molhava
Em breve a chuva que do céu manava,
Que o ar refresca e o solo inteiro
beija...
É bem verdade que houve longa seca
Há uns trinta anos; fez-se escassa a
água,
Resultado de grave imprevidência,
Em que o governo local de fato peca,
Muito mais que o hino causa mágoa,
Granjeando só a abstenção da
Providência!
NA CASA DAS CHUVAS 2
Passam os anos e se fala na barragem
Que até hoje jamais foi completada,
Mesmo a verba tendo já sido enviada
Mais de uma vez e dispendida por
bobagem
Em outros fins, mil desculpas com
coragem:
É que a terra deverá ser inundada
E para isso, deve ser desapropriada,
Com resistência dos proprietarios da
paisagem.
Dizem que tudo está trancado na
justiça,
Cujos processos são muito demorados
E o enfrentamento da feroz
burocracia,
Outras agências entrando nessa liça.
Passam-se os anos, depressa ou
demorados,
Da tal barragem nunca chegando o
dia!
NA CASA DAS CHUVAS 3
Alguns abriram poços artesianos,
Outros os poços de fluência natural,
Igual que antigos, antes da vital
Distribuição de água pelos canos...
Verdade é, que em todos esses anos,
A seca não voltou, dura e fatal;
Não veem governos razão para,
afinal,
Dispender esses gastos soberanos!
Naturalmente, nos tem chovido bem
E em certos anos, chove até demais,
Do problema a afastar certa
premência.
“Chuvas de Bênçãos” se cantará
também
Quando secarem as fontes naturais
E a sede levar muitos à demência!...
(*)
(*)
Inspirado pelo Negro Spiritual, Showers
of Blessings.
NA CASA DAS TELHAS I – 14 MAR 2018
PARA OS HUMANOS É O TELHADO PROTEÇÃO;
QUE NÃO CAIAM SOBRE NÓS AS TEMPESTADES,
NEM A POEIRA NOS SUFOQUE EM SUAS MALDADES;
PARA OS GATOS, PORÉM, SE TORNA O CHÃO!
ELES ANDAM POR ALI EM DIVERSÃO,
QUATRO PATINHAS, SEDOSAS EQUIDADES,
PORÉM BOQUINHAS SEM QUAISQUER PIEDADES:
PARDAIS E POMBAS EM PERIGO ESTÃO!
NEM É POR FOME, ANTES POR INSTINTO;
VÊM, ONDULANTES, ATÉ O DESCUIDADO,
SÃO CAÇADORES NATOS, SIMPLES FATO!
E SEU BOTE SANGRENTO ENTÃO EU PINTO,
NUNCA MAIS VOA O PARDALZINHO ASSIM CAÇADO
(E ATÉ DIZEM QUE INIMIGOS SÃO DO RATO!)
NA CASA DAS TELHAS II
CONTUDO OCORRE QUE OS PÁSSAROS SE EXPÕEM,
SÃO CRIATURAS DA LUZ, DO SOM, DO CÉU!
ENQUANTO OS RATOS MAIS SE OCULTAM SOB O VÉU
DOS PORÕES E DOS SÓTÃOS EM QUE ROEM.
BASTANTE RARO QUE GUINCHOS AGUDOS SOEM
DE ALGUM FILHOTE QUE SE PERDEU AO LÉU,
DENTES DE GATO AGUDOS COMO ARPÉU
(AS CICATRIZES DE MINHA MÃO DEPÕEM
DESSE GATO
GATUNO QUE INVADIU
CERTO DIA, A COZINHA DE MINHA CASA,
A PASSAR JÁ NÃO SEI QUAL FOI A FRESTA.
FECHADA A PORTA, O BICHO ME ILUDIU,
TENTAVA ABRIR, MAS NÃO ME DAVA VAZA
E SUA MORDIDA MINHA SORTE ENTÃO EMPESTA!
NA CASA DAS TELHAS III
MAS NOS TELHADOS DOMINAM OS FELINOS,
OS PORTÕES ULTRAPASSAM, SORRATEIROS,
FRANQUEIAM MUROS, NO PULAR LIGEIROS
E NOS CONTEMPLAM COM OLHARES ASSASSINOS!
SÃO BONITINHOS ENQUANTO PEQUENINOS,
NOS SEUS BRINQUEDOS ÁGEIS E LAMPEIROS,
CARINHAS DE NENÊS MOSTRAM BREJEIROS,
MATERNO INSTINTO A DESPERTAR, MIADOS FINOS...
MAS QUANDO ALI SE ENCONTRAM DOIS GATINHOS,
PÕEM-SE A MIAR EM FEROZES DESAFIOS
OU ENTÃO ESGUICHAM SUA URINA MALCHEIROSA,
PARA ATRACAR-SE COM AS UNHAS E DENTINHOS,
MORRENDO ALGUM A DEFENDER SEUS BRIOS,
DESAFIADOR, VAI-SE O OUTRO, MUITO PROSA!
NA CASA DAS TELHAS IV
ALI SE PÕEM, IGUALMENTE, A NAMORAR,
UMA ALGEROSA SEU LEITO NUPCIAL;
SE ALGUM CHIADO OS IMPELE PARA O MAL,
CAEM DE PÉ APÓS AGIL MANOBRAR.
DE FATO, OS GATOS PODEM TRABALHAR
COM TRÊS VÉRTEBRAS A MAIS DO QUE O NORMAL
ENTRE OS HUMANOS – E DÃO SALTO MORTAL
ANTES QUE A QUEDA OS VENHA A MALTRATAR.
E SOBRE AS TELHAS CANTAM AS SUAS ÁRIAS,
EM DESAFIO OU PARA ACASALAR,
FORA DO ALCANCE DOS INCOMODADOS,
AMEAÇADOS COM IMPRECAÇÕES MAIS VÁRIAS,
A NÓS HUMANOS SEMPRE A DESAFIAR,
NA CONDIÇÃO DE REIS DESSES TELHADOS!
NA CASA DOS PIOS I – 15 MAR 18
Alguns relógios ormolu têm
as casinhas
de onde saltam os passarinhos Cuco;
na natureza existe o Melharuco,
que canta mais quando dele te avizinhas;
contudo, o que mais temem abelhinhas
é o longo bico certeiro de um Abelharuco;
cá no Brasil nós temos o Macuco,
que solitários levam suas vidinhas...
Há o Macuquinho, também, nestas florestas;
não o confundas, porém, com um macaquinho,
que ave não é, ainda embora faça o ninho
no alto das árvores e em suas festas
inclua folhas, bichinhos, qualquer fruta,
mas suas feições de aparência bem mais bruta.
NA CASA DOS PIOS II
Também existe o Cuco
de verdade,
um belo e rabilongo
passarinho,
espertalhão, voando de
mansinho,
explorando aos demais
com falsidade;
na ausência de outra
ave, sem maldade,
a fêmea põe seus ovos
noutro ninho,
que outros choquem com
morno carinho
(sobrevivência nessa
engenhosidade).
Algumas vezes, o
ovinho se mistura
aos das aves que o
aquecem e alimentam,
mas de outras feitas,
é bem menos gentil
e joga fora, com
malícia pura,
os ovos verdadeiros,
que rebentam
no solo duro, ato
malvado e vil!
NA CASA DOS PIOS III
Nunca entendi que o Cuco leve a fama
de ser macho enganado nesta treta;
em várias línguas a acusação discreta
de outro macho dormindo na sua cama;
pois é o macho da outra espécie que sua dama,
junto com a fêmea de atenção dileta,
fará alimentar, qual sua cria predileta,
essa boquinha vermelha que lhe clama.
Konrad Lorenz já provou, na Etologia,
que uma ave normalmente só alimenta
a boca aberta na moldura de seu ninho
e se o filhote cair, em sua agonia,
ignorado será, enquanto tenta,
piando agudo, obter algum carinho!...
OBSTETRA I – 16 MAR 2018
Parto da mente, outra vez, venho induzir:
sangue de tinta terão os meus nenês;
sua carne é de papel, se bem me crês,
para depois ao digital os transferir.
Sou um parteiro, o sonho a traduzir,
nessas cesáreas em que não me vês,
diariamente rascunhando ao menos três
dos filhotinhos que venho a produzir.
Algumas vezes, o parto é natural,
se Dionyso assopra-me ao ouvido,
mas a outras obras, Apolo é quem me chama
e dessas feitas, o esforço é mais real:
talvez com fórceps só o verso é assim trazido
para essa luz com esplendor de flama.
OBSTETRA
II
A mulher
fértil e bem acompanhada
não
precisa de recorrer aos artifícios;
em sua
prenhez só encara benefícios:
não
necessita dar à luz mais nada!
Mas ao
homem tal vereda é denegada,
da dor do
parto não sente os malefícios,
mesmo que
queira ser Mãe, por quaisquer vícios,
em si não
traz matriz tão abençoada.
Talvez
ocorra na ficção científica
algum
tipo de gestação parenteral,
mas ao
que eu saiba, não há tecnologia
e sem
presença da bênção pontifícia
não cabe
ao homem o parto intestinal:
após o
esforço, o fruto da alegria.
OBSTETRA III
Já a mulher que nunca deu à luz,
por ser estéril ou por má circunstância,
não participa dessa comum constância
de transmitir da humanidade a cruz.
Na ausência dessa bênção que produz,
da arte ou ciência acolhe-se na instância
ou então transfere sua materna ânsia
a um adotado, no amor que este lhe induz.
Homens, contudo, são sempre insatisfeitos,
por isso a fome de uma outra produção,
na poesia, no drama ou na escultura,
ânsia paterna à qual se acham sujeitos,
na falsa obstetrícia dessa ação,
sob o impulso constante dessa agrura!
NA CASA DA AREIA I – 17 MAR 18
A areia se despenca na ampulheta
e cada grão é outro ser humano;
contra o vidro se apoiam com afano,
mas a sucção com voragem os afeta.
Cedo ou tarde, a descida se completa;
já foi descrito como impulso desumano
esse empurrão dos outros, sem engano,
na morte alheia sua garantia abjeta.
Já vi desenhos em que, no alto do aparelho
vão sendo, aos poucos, nenês depositados,
adolescentes os braços tendo alçados,
pisando em cada adulto e em cada velho,
ao sorvedouro todos empurrados,
já como ossos refletidos nesse espelho.
NA CASA DA AREIA II
A ampulheta é um artefato muito antigo,
a clepsidra de outra parte a competir
ou o gnômon, a luz do sol a traduzir,
as lentas horas a registrar consigo.
Uma ampulheta requer constante abrigo,
sobre a bitácula a atenção a conferir
dos grumetes, nos veleiros a assistir,
mas de partir-se sempre existe algum perigo.
Já a clepsidra é muito mais segura,
quando sua hidráulica foi bem planejada
e nunca falta de água o suprimento.
Só o gnômon que depende da luz pura,
que céu nublado o faz descontrolado,
as estações a atrapalhar seu movimento.
NA CASA DA AREIA III
Porém, a ampulheta em que habitamos
não se quebra e nem precisa ser virada;
a nossa vida já está nela demarcada:
areia somos e assim nos derramamos.
Qual clepsidra também nos comparamos,
pela hidráulica do sangue manejada;
se não houver uma sangria inesperada,
por ele o movimento conservamos.
De certo modo, também é a luz do sol
que aciona o gnômon dos mortais;
sem luz solar, as plantas estiolam,
toda a vida a depender desse farol,
mesmo os grãozinhos de areia siderais
que com horóscopos e estrelas se consolam...
NA CASA DO GOLEM 1 – 18 MAR 18
Quando o Golem acorda, tem noção
Apenas de que existe, pois nem sabe
Se é ou quem ser fosse; apenas cabe
Seu fluxo neurológico e sem razão.
Não pensa ainda, é pura sensação
Que se difunde, aos poucos, pelo barro.
É recipiente, pouco mais que um jarro,
O fruto inutil de estéril emoção.
Quando recorda, é só dos mandamentos,
Não de ser fruto de alheia criação:
Só o motivo a obedecer por que foi feito.
Tampouco me recordo dos portentos
Que me criaram, mal conheço minha função,
Por mais que sinta seu ardor dentro do peito.
NA CASA DO GOLEM
2
Já nos mencionam
as Santas Escrituras
Que o ser humano
criado foi do barro;
Poeira e umidade
de um divino escarro:
Seria moldado em
suas fomes duras.
Porém não tinha
o homem como esparro
Senão os
animais, em suas agruras,
Companheiras
precisando ter mais puras,
De sua semente
um mais formoso jarro.
Destarte o
adormece a Divindade,
Para dele
retirar uma costela,
Formando sua
mulher à semelhança,
Nesta imagem de
poética humildade,
Seu DNA vai
transmitir-se a ela,
Na alegoria que
a mente antiga alcança.
NA CASA DO GOLEM
3
O Golem é de
barro e o somos nós.
Traz sobre a
testa uma palavra hebraica;
Sua vida lhe
confere a letra arcaica,
Brilham seus
olhos em bordado de retrós.
Basta uma letra
apagar e ao ser atroz
A morte traz
outra expressão judaica;
Basta a coragem
de pessoa laica
Para o
extermínio desse imenso algoz.
O Golem foi
criado a combater
Os inimigos da
povoação semita
E tem assim sua
vida artificial.
Não está vivo e
não pode morrer,
Para matar
somente ele se agita,
Sem qualquer
intenção de fazer mal.
NA CASA DO GOLEM 4
Todos nós somos de barro bem igual,
Mas podemos escolher o mal ou o bem,
Embora feitos para morrer também,
Cedo ou mais tarde neste mundo natural.
Quem sabe em nossa testa este sinal
Desde o berçário sobre nós se atém;
Não duraremos nem um dia além
Do que apagarem só uma letra no final.
Os frutos tristes do divino escarro,
Sua existência de antemão delimitada,
Não há magia no desmanchar do barro
E só deixamos de nós alguma argila...
Pensando bem, é tudo e quase nada,
Marco miliário de longa e extensa fila...
NA
CASA DO LUAR i – 19 MAR 2018
A
LUZ DA LUA ESCORRE DA JANELA
E
POUSA NOS MEUS PÉS, DURA E PESADA,
COMO
COBERTA FRIA REENCARNADA,
A
LUZ DA LUA ME SOBE ATÉ A COSTELA;
VEM
OPRIMIR-ME O PEITO, SENTINELA
DO
SONHO QUE MINHA VIDA OTIMIZADA
SATISFARIA
A MINHA FOME DESPREZADA
NA
IMAGEM ESPECULAR DE VIDA BELA.
A
LUZ DA LUA QUE TANTO ME INSPIROU
TORNOU-SE
PEDRA GÉLIDA EM MEU PEITO:
BATE
EM CRISTAIS MEU VELHO CORAÇÃO,
DE
MODO TAL QUE A MAGIA RETIROU
DE
TUDO QUANTO CRIA SEM DEFEITO
NESSA
LUZ MATERIAL DE OBUMBRAÇÃO.
NA
CASA DO LUAR II
NÃO
SINTO A LUZ DO LUAR EM LEVE CHAMA,
ELA
ME QUEIMA A ALMA E A DEIXA INQUIETA,
LUAR
SELENE QUE O SONHO ME INCOMPLETA,
LUA
ASTARTEIA, CARNE PÉTREA MAIS LEVIANA.
JÁ
QUANTAS VEZ O HOMEM A RECLAMA,
COMO
SENDO MULHER E DE INTENÇÃO SECRETA,
ÀS
VEZES VÍVIDA, NA PRATA MAIS DILETA,
ÀS
VEZES A TROCISTA QUE SE IRMANA
AO
CORO DAS ESTRELAS DO DESTINO
QUE
NO ZODÍACO QUISERAM INCLUIR,
COMO
SENDO O TRAJETO PARA O SOL,
MAS
QUE APENAS TÊM UM BRILHO PEQUENINO
E
SÓ DE NOITE SEU FULGOR A RELUZIR,
TODAS
OCULTAS DESDE O ARREBOL.
NA
CASA DO LUAR III
A
LUA EU SINTO ENTÃO COMO PESADA,
ESSE
MERCÚRIO QUE PARA MIM SE ARRASTA,
MAS
QUANDO O BUSCO, INTEIRO JÁ SE AFASTA,
PURA
E FULGENTE, NÃO ME CONCEDE NADA,
IGUAL
MULHER, QUE AO SABER-SE REQUESTADA,
AO
CORTEJAR ENAMORADO DÁ UM BASTA,
MAS
QUE DEPOIS DE SE MOSTRAR TÃO CASTA
PODE
ENTREGAR-SE, TOTAL E APAIXONADA.
COMO
CONFIAR NESTA LUA QUE ME ESPIA
E
QUE A SEGUIR SE FAZ TODA MINGUANTE,
ATÉ
OCULTA FICAR NA LUA NOVA?
SERÁ
QUE DESSE ESCURO ME VIGIA,
ENQUANTO
A BUSCO COM MEU OLHAR VIBRANTE,
DA
ESCURIDÃO DE MINHA PROFUNDA COVA?
NA
CASA DO LUAR iv
ASHTORETH,
LILITH, LUNA VELHA,
TÃO
CHEIA DE BURACOS A TUA FACE,
COMO
TUA LUZ DESSE DESTROÇO FAZ-SE
TÃO
IMPONENTE NA CHEIA QUE SE ESPELHA?
NÃO
É A MÃE DO AMOR. A SOBRANCELHA
DE
VÊNUS É QUE FEZ COM QUE TE AMASSE,
EMBORA
SEU ACÚMEN SE MOSTRASSE
EM
PONTIAGUDO FULGOR, CONSTANTE A TELHA
DE
SEU BRILHO FUGAZ EM MINHA CABEÇA,
FORTE
O BASTANTE PARA ENFRENTAR O SOL,
EMBORA
A LUA TAMBÉM ASSIM O FAÇA.
REFLETE
APENAS NESSE LANGOR SUA JAÇA
A
LUZ DO SOL E QUE JAMAIS SE ESQUEÇA
QUE
A MÃE DO AMOR TEM SEU PRÓPRIO FAROL.
A GRANDE MUTAÇÃO I –
20 MAR 2018
Desse Adão feito de
barro uma costela
tirou Moisés, para
explicar ao povo
de que forma a
geração teve renovo,
sendo do homem
formada uma donzela.
Também Platão
inventou sua lenda bela
das Duas Metades,
para os deuses um estorvo
o ser humano, de seu
orgulho o sorvo
esgotando nesse
sangue que o congela.
Alguns dizem que
foram só os dentes
que sobre a terra
Deucalião semeou,
dos quais brotaram os
demais seres humanos
e noutras lendas, que
possuem seus crentes
do fogo em cinzas
nosso pai brotou,
dali tirando a mulher
em mil afanos...
A GRANDE MUTAÇÃO II
Ou que nascemos de pétalas de
flores,
de crisântemos ou, quiçá, de
cerejeiras
ou entao de brisas que Éolo soprou
certeiras
até o seio de Afrodite em seus
fervores.
Ela nasceu do sangue e sem amores,
entre ondas de espuma forrageiras,
porém tais vagas se formaram, tão
arteiras,
do sangue da Serpente, em
estertores!...
Filhos do Amor e também filhos do
Mal,
não é de surpreender as variedades
que apresentamos de bons e maus
humores,
nessa mescla de Quaresma e
Carnaval,
entre a Arte e as Ciências e as
veleidades,
entre as delícias da Vida e seus
temores.
A GRANDE MUTAÇÃO III
Também se mencionou que algum cristal,
bafejado de arcana luz espiritual,
quebrou-se e trouxe à luz o vegetal,
algas e líquens a beber a água de sal.
Cresceram árvores, em orgulho triunfal,
e a casca de uma certo dia, por raio divinal,
fendeu-se inteira, dando à luz o animal
que as plantas come, em ingratidão real.
Outros que foi de tartaruga, em seu final,
cujo casco se fendeu, artificial,
que se expandiu dos humanos seu fanal
e em mutação um ventre surge, natural,
divina e nua, a Mulher, que luz total
trouxe ao Homem, em seu seio maternal.
A GRANDE MUTAÇÃO IV
Todas as lendas e as mil alegorias
se destinam aos humildes explicar
a formação da Raça e a confirmar
nossa origem comum nessas poesias.
E se Hesíodo na Teogonia crerias,
dos próprios deuses a origem a informar,
Urano a Chronos conseguiu gerar
e este a Zeus com Gaia, em alquimias...
já não se atrevem as Santas Escrituras
a indicar de Deus a criação,
que no princípio só mostrou-se em Luz,
o Céu e a Terra a surgir das fontes puras
de uma semana de extensa duração,
que ao Fundamentalismo nos conduz.
A GRANDE MUTAÇÃO V
Mas como um dia de vinte e quatro
horas,
se o Sol e a Lua só criou no quarto
dia?
Seria bem diversa a sua valia,
Manhã e tarde criadas em desoras...
Houve três dias contidos nas
esporas
da Divindade, em sua Arqueogonia.
Confuso o tempo que inicialmente
cria
ou aos primitivos necessárias tais
escoras?
Para mim, não há qualquer
contradição
entre a Ciência e a Santa Teologia,
idêntica a ordem aplicada à
criação,
vastos períodos foram assim na
Teurgia
dos seis dias dessa antiga
evocação,
até hoje a perdurar o Sétimo Dia...
A GRANDE MUTAÇÃO VI
Do mesmo modo, nosso
primeiro Adão
foi gerado por mulher
Neanderthal
ou Heidelberg e pelo
sopro divinal,
silenciosa, chegou a
Grande Mutação,
nele surgindo o
cérebro cortical,
seu esqueleto a
sofrer transformação;
à Mãe de Barro a
causar perturbação,
sem permitir que lhe
fizessem qualquer mal.
Sua inteligência bem
maior que a dos demais
a permitir-lhe
fecundar múltiplas Evas
e em sendo dominante
a mutação,
logo espalhou-se entre
esses animais,
carne de barro das
gerações coevas,
até sua final e
permanente difusão.
Recanto
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