GUERRA DE LÍNGUAS (E MAIS)
WILLIAM LAGOS, 28/6-7/7/2018
GUERRA DE LINGUAS I – 28 JUNHO 2018
Um retalho de lua no chão do banheiro,
Quadrado de prata a cortar os ladrilhos,
Cada grãozinho reluz como vidrilhos,
Imaginário rosto a me sorrir brejeiro.
Seria o reflexo, afinal, interesseiro,
No meu olhar formando novos trilhos,
Novos reflexos de reflexos filhos,
Recuperando o seu reflexo primeiro?
Então meus olhos se refletem sobre o espelho
Há ali reflexos escondidos nos reflexos,
Mil retalhos destacados como um relho
De um saem mil em tal profundidade,
A chibatada cortando meus amplexos,
Em mim buscando nova luminosidade.
GUERRA DE LÍNGUAS II
Vejo em meus olhos imagem mais distante,
Num desespero por se comunicar,
Mal e mal a percebo em meu piscar,
Lábios se movem de forma perturbante.
Não há no espelho imagem mais gigante,
Meu próprio rosto só posso contemplar,
Verdes paredes a cabeça a emoldurar,
E a figura fosca, triste e ainda fulgurante.
Que me acena do fundo de meus olhos,
Tão só o reflexo da Lua lhe dá nexo,
Mas em tudo me parece feminina,
Encrustada de minha vista nos refolhos,
Mas claramente lhe percebo o sexo,
Enquanto move sua língua fescenina...
GUERRA DE LÍNGUAS III
A língua move e seus lábios me conduz
Nessas palavras que não posso distinguir
E de repente, percebo a reluzir,
Dentre os ladrilhos, fragmento de uma luz
E outro rosto imaginário em lusco-fus-
-Co já percebo desde o chão a me sorrir (*)
E a vejo então no espelho produzir
Outras palavras de bem diversa truz.
Tampouco ali percebo o que me dizem,
Mas não me animo a contemplar o chão:
Se desviar meus olhos do reflexo
Em que meus olhos outros olhos pisem,
Essa figura iridescente de emoção
Talvez se esvaia num perdido nexo!
(*) Emprego da Grande Sinafia.
GUERRA DE LÍNGUAS IV
A língua que projeta o meu reflexo
Do reflexo contido em meu olhar,
Novas palavras sempre a me lançar
Num desvario de silabar complexo,
Sua língua projetada como anexo
Do sorriso que provoca meu pisar,
A nova lua nos ladrilhos a moldar
A me afetar o coração e o plexo,
Com palavras que só escuto emudecer,
Lábios e línguas nesse digladiar,
Súcubo e lâmia a me mesmerizar,
Cada língua guerreando por poder,
Será a mim que esperam conquistar
Ou uma noutra apenas se envolver?
GUERRA DE LÍNGUAS V
Do firmamento brilha a flor da Lua,
Em seu piscar destonante de sexual,
Na antiga prata arcana de um ritual,
Sorri também, terceira boca nua!
Essas palavras não me vêm da rua,
Pois nada escuto de forma sensorial,
Mas essa boca da Lua é perenal
E nas palavras Selene mesma estua!
E nessa guerra de línguas, três a três
Eu me percebo não mais do que o salão
Em que se passa a inteira discussão
E justamente no fulgor do mês,
Essas três bocas que compreendo inexistentes,
Silenciosas a gritar vozes potentes.
GUERRA DE LÍNGUAS VI
Nada mais do que um reflexo no piso
Que nos meus olhos busca estar presente;
Se apenas o fitasse, inconsequente,
Não mais teria essa boca no meu viso,
Mas eu me volto para o espelho liso,
Profundidade apenas imanente,
As bocas a gritar em som dolente,
Nesta breve dominância de meu siso!
Mas olhos piscam e o espelho estala,
Mais outro som compondo as faces suas,
Nesse esgrimar de bocas, três a três...
E de repente, nada mais me fala,
O reflexo se transporta para as ruas,
No piso fica não mais que opaca tês...
TRISTEZA UNIVERSAL I – 29 JUN 18
(Soneto em
modelo inglês)
desejaria moldar a Terra com meus lábios,
antes que cheguem para mim os dias dúbios,
quando se aninhem os pensamentos tíbios,
ao invés da Terra, a mim mesmo mastigando;
que meus poemas moldassem sonhos sábios,
neles reunidos os nórdicos e os núbios,
abrangendo os batráquios e os anfíbios,
todo o mistério da Terra colportando,
não para mim, flébil cultivador,
mas para qualquer incrível assembleia:
tornar flexível cada mente que me leia
tornar arável a tanto cérebro sofredor,
que exaurível seja o zumbido da cocleia,
ser combustível cada mal que a pena ateia.
TRISTEZA UNIVERSAL II
tremenda a pretensão de meu palato
de se tornar realmente o céu da boca,
amenizando toda a glote rouca,
a cada úvula acariciando sem recato;
como atabaques nas gengivas bato,
as amígdalas percutindo na sua toca,
cada faringe ressonando como louca,
nessa aflição que com meu verso embato;
que de Eustáquio soprasse ambas as trompas,
pelas côanas a sinfonia mais suprema,
a navegar cada conduto lacrimal,
sem que teu sínus em implosão tu rompas,
teus malares a agitar com força extrema,
ardente arco o sulco teu naso-bucal.
TRISTEZA UNIVERSAL III
não que deseje te provocar o riso
ou de agonia um impotente esgar,
mas que o palato seja um véu talar,
mil estrelas de saliva no seu crivo,
em cada lágrima um novo sonho ativo,
e o próprio muco poderia resgatar,
os labirintos ser capaz de desvendar,
no tímpanos ritmo de inesperado siso;
não que pretenda te romper o maxilar,
à emoção excessiva me entregar não deixo,
brincos de versos em teus lóbulos a pregar,
uma nênia de ternura a cintilar
entre as narinas e a ponta de teu queixo,
absolvição em tua garganta a advogar.
TRISTEZA UNIVERSAL IV
teu rosto inteiro ocupado em afeição,
cada traço por amor comprometido,
toda a epiderme nesse roçar contido,
faces de cobre ou de alumínio são;
veias escorrem em tal celebração,
em clarinetes de capilar sentido,
em cada glândula um glockenspiel
ouvido,
cada pêlo igual marimba em brotação,
violoncellos a cortar a jugular,
seus arcos feitos de chispas de luar,
cravelhas nas artérias a afixar
e tua carótida como um bombardão,
orquestra inteira tuas meninges soarão,
incontida no troar do coração.
TRISTEZA UNIVERSAL V
será regente da tristeza o teu quiasma,
males do mundo forçado a contemplar,
as imagens de dois olhos em coadunar,
que nunca avistam igual algum miasma
da superfície sufragante de um fantasma,
um à esquerda querendo se engajar,
outro insistindo ao existente conservar,
disputa eterna que em agonia orgasma;
e nem ao menos o núcleo supraquiasmático
conseguirá tal dissensão tranquilizar,
mesmo no sono ali se apossa dela,
jamais o humano sofrimento tão enfático
quanto o dessa hipocondria milenar
de algum soluço encastoado na costela.
TRISTEZA UNIVERSAL VI
não é preciso se moldar qualquer tristeza,
afecção sendo endêmica em animal,
depressão deliciosa e universal,
que tua monotonia afasta e lesa;
mais desejável a alegria, com certeza,
talvez dependa apenas do hormonal,
mas que entusiasmo sentirá o mineral?
seria a chuva o gozo que embeleza
nossos irmãos do mundo vegetal;
que tipo então de Terra eu moldaria
com meus lábios enquanto escorre a fala.
num banho de diamantes temporal,
num eflúvio que até o ouro aspiraria,
a atmosfera a preencher de gala?
GARANÇA I – 30 JUN 2018
Há lugares em que os sonhos vão morrer,
em pesadelos reencarnando com frequência,
um cemitério de pompas de impotência
que em seus jazigos não vão permanecer.
As quimeras os transportam, a sofrer,
quando um ideal reza a missa com dolência;
o diário é um coveiro sem essência,
mais fantasmagórico que o sonho a perecer.
São transportados em ataúdes de deveres,
cansados pregos a cravar com mansidão,
amortecidos pela ausência de prazeres,
as pás de terra sendo branda precaução,
em sua lápide só se grava “Conclusão”,
sendo a cruz feita das calúnias com que os feres.
GARANÇA II
Tornam-se os sonhos então almas penadas,
que nos assombram a imaginação,
varrem as folhas de outono em agitação,
por ações vivas sendo deslocados.
Alguns pendem de paredes mal pintadas,
manchas de mofo em idealização,
outros fantasmas sem concretização,
apenas chagas de ideias mal curadas.
Sendo retratos de projetos falecidos
ou camafeus de planos calcinados,
deveriam ser contidos por molduras,
mas se revoltam por serem esquecidos,
aberrações febrís de abandonados,
visões perdidas de noções impuras.
GARANÇA III
E sendo assim, no chão não permanecem
deste nosso cemitério cerebral;
nunca tiveram morte natural
e nem ao menos ao inconsciente descem,
pois volta e meia, quais zumbis, se mexem,
procurando devorar um novo ideal
ou suplicar por união intelectual
com algum enredo que os neurônios tecem.
Mas são difusos, igual que personagens
de qualquer livro, as capas já fechadas,
são recordados apenas de passagens,
nem por si mesmas no total lembradas,
em sinergias desbotadas de paisagens,
transparentes como sombras apagadas.
GARANÇA IV
E nessa semivida em desconsolo,
contemplam pálidos de arco-íris refração,
não reconhecem as cores de que estão
ainda formados, do amargor no colo,
chispas fluentes de óleo sobre o solo,
semi-irisadas, somente se verão
a depender do ângulo em que vão
ser encaradas, com um certo dolo.
Mas qual a cor que ostenta um sonho morto?
bem certamente deixou de ser dourado,
nem se tornou em negrejante aborto.
É furtacor, com nuances de pecado
ou desse tom de poluição próxima ao porto
dos neurônios que já tinha conspurcado.
GARANÇA V
Garança é um vermelho alaranjado
de certa fruta pouco conhecida,
algumas vezes, das bordas de ferida,
o centro ainda de plaquetas retraçado,
tonalidade, enfim, parcial de tom mesclado
de um hematoma sobre a carne esmaecida,
leucócitos em combate, a toda brida,
pelo simpático sistema ali acionado.
Será essa a cor de um sonho massacrado,
fervente ebulição, vertido sangue,
expectativa alguma no líquen derramado,
correndo a linfa no pingo deslocado,
como látex derramado sobre o mangue,
baço fulgor de um cristal pulverizado.
GARANÇA VI
Mas qual a cor do fantasma desse sonho?
Lobisomem ao luar mumificado,
um morto-vivo de olhar apalermado
ou alquebrado sonâmbulo medonho.
Mas qual a cor de rejeto tão tristonho?
Um vampiro por demais vampirizado,
garança a boca no rosto esfigurado,
um fogo-fátuo que sobre o altar eu ponho.
E em certo ponto qualquer do cerebelo,
igual mítica necrópole elefantina,
reluzem os marfins de minha quimera,
quiçá torneados em esplendor mais belo
por uma lâmia sedenta e diamantina,
que de seus ossos um novo sonho gera!
Tessitura Orgânica 1 – 1º julho 2018
Todo amor permanece para sempre,
Até que chegue sua hora de morrer,
Talvez se esvaia em inútil padecer,
Talvez ao próprio peito então se adentre;
Quem sabe amor em certa flor se centre
Ou nalgum sonho se faça conhecer,
Nalgum olor se demonstre pertencer,
Talvez até sob o lunar das unhas entre,
Em dor aguda, furando a carne viva
Ou em dor surda de farpa aprofundada,
Em sua defesa, a alma a criar pus,
De modo tal que expulse a dor ativa,
Fraca esperança desesperançada,
No brilho fosco de apagada luz.
Tessitura Orgânica 2
Porque amor fenece em coração,
Porém nunca falece inteiramente,
Que em ponto qualquer ainda se sente,
Talvez alvéolo obstruído do pulmão,
ou em bronquíolos que sob a pleura estão
talvez ainda nos rins, ocultamente,
De Langerhans em qualquer ilhota ardente
Ou no baço em ardilosa enquistação;
Talvez se esconda no calo mais humilde
Que dor te cause na planta do pé,
Talvez ranja no articular do tornozelo,
Talvez em joelho torcido se agonilde,
em tua medula se reproduza, ou até
na enervação que te percorre o cotovelo.
Tessitura Orgânica 3
Porém amor se homizia em algum lugar,
Seja de fato no físico esse assento,
Seja no encéfalo enquadrado e bento,
No bulbo ou protuberância a vegetar;
O que é certo é que não chega a nos deixar,
Nas papilas nasais em assentamento,
Nos olhos iridiados seu tormento,
Ou nos ouvidos fazendo-se escutar,
Visão fugaz da memória de um momento
Quiçá num leve perfume a trescalar
Ou nos compassos de antiga melodia –
Ali está amor, mesmo após falecimento,
Pequena mágoa sempre a despertar
À meia-noite ou em pleno meio-dia.
TESSITURA
CARDIOVASCULAR I – 2 JUL 18
embora
andasse por certo conformado
meu
coração em perpétuo desalento,
cada
batida em modesto provimento,
sem
lastimar seu desgaste no passado,
pensando
embora já haver tudo apagado
das
roxas brumas do perdido sentimento,
feito
o ritmo cardiovascular tão lento
quanto
um velório de morto descurado;
assim
marchava eu sobre algodão,
sem
solidez meu passo percutido,
pisando
em brasas, sem sentir calor,
cada
momento desprovido de emoção,
quando
encontrei o carinho antes perdido,
na
surpreendente renovação do amor.
TESSITURA
CARDIOVASCULAR II
e
de repente, meu passo algodoado,
viu-se
incendiado em inesperado fogo,
um
par de olhos a suplicar-me, em rogo,
que
retornasse ao ninho abandonado,
o
corpo inteiro nesse ardor sendo queimado,
mas
sem se incinerar nesse regougo,
cada
célula a vibrar no intenso jogo
das
hemácias a ferver em tom alado,
a
me vibrar como em aziago chiadouro
nos
labirintos e nas abas do nariz,
minhas
membranas de desejo a se expandir,
o
peito aceso em diverso nascedouro,
mil
lágrimas a brotar, gotas de giz,
cada
fibra de meu corpo a ressurgir.
TESSITURA
CARDIOVASCULAR III
como
se torna o organismo audaz
após
o banho inteiro do hormonal,
que
tudo incha em seu fluxo global,
o
próprio sono sem repouso mais veraz!
como
o renovo de um amor nos faz
sentir
certa permanência perenal,
mesmo
sabendo não ter nada de eternal,
mas
quanto engano voluntário traz!
como
precisa o corpo humano de carinho,
mesmo
que disso zombe abertamente
o
frio do tálamo abandonado permanente,
quando
outro corpo está deitado bem pertinho,
seu
cardiovascular a perceber fremente,
sua
expiração embriaguez de vinho!
SONHO
CARBOIDRATADO I – 3 JUL 18
existe
sonho bastante desnutrido,
submerso
num jejum indiferente,
lembrado
sonho apenas casualmente,
sem
receber o alimento merecido.
existe
sonho em adiposo concebido,
diariamente
devaneando no indolente,
ganhando
lascas adocicadas de tua mente,
em
chocolate pascoal todo envolvido.
e
existe sonho que nem dá e nem recebe,
estando
ali somente de emboscada
e
mal e mal seu realizar concebe,
quebrado
sonho que não leva a nada,
mas
por mais que te pareça um disparate,
se
apresta com firmeza a algum combate!
SONHO
CARBOIDRATADO II
claro
que existe sonho teu somente,
mas
no geral, são sonhos partilhados,
que
pelos ares vão sendo descartados,
cada
quimera não mais que uma semente,
que
pelo olhar te interpenetra, ardente,
ou
pelo ouvido, em sons desamparados,
às
cocleias dando abraços apressados,
a
se fundir em novo sonho transparente.
alguns
sonhos são comuns e verdadeiros,
amor,
conforto, alimento, liberdade,
naturalmente
a ser bem recebidos;
outros
sonhos são comuns, porém matreiros,
em
propaganda criados na impiedade,
coração
e mente por eles invadidos.
SONHO
CARBOIDRATADO III
também
há esses que só tu geraste,
perante
aqueles que provêm dos mundos,
certos
deles são ferventes, iracundos,
de
tua aquiescência sem permitir desgaste;
outros
são mansos e de flexível haste,
que
se curvam a interesses mais profundos,
e
mesmo em eufemismo são jocundos,
mal
recordando a fome em que os criaste.
é
preciso distingui-los com cuidado,
qual
seja o sonho que nutriste de tua alma,
qual
o sonho que foi só carboidratado
e
achou impulso para invadir-te a mente,
ali
insistindo até roubar-te a calma,
realizado
a querer ser incontinenti!
Isso que escrevo – 4
julho 2018
Ah, bendito o que semeia
Livros, livros a mão cheia
E faz o povo pensar! – Castro Alves
Chego a ter vergonha de ser honesto!– Ruy Barbosa
Isso que escrevo
não é só num modelo ultrapassado,
são sentimentos há muito descartados,
velhos ideais no antanho abandonados,
um novo mundo a me encarar enfurecido.
Isso que leio
revela germes amaldiçoados das esperas,
iníquos gestos a descrever quimeras,
propostas a rugir quais bestas-feras,
até a linguagem já me parece alheia.
Isso que vejo
é a expressão da mais pura crueldade,
todo amor congelado em frialdade,
esfarrapados apelos da vaidade,
que de mim zombam enquanto me exasperam.
Isso que escrevo
não corresponde aos preconceitos dos demais,
caso receba sugestão, produzo mais
que o esperado, sem conseguir jamais
só repetir o que foi já redigido.
Isso que leio
só me parece de medíocre intenção,
a meu redor tanta publicação,
feita creme do orgulho e pretensão,
enquanto eu, no máximo, digito.
Isso que faço
se faz tão ultrajante e antanhoso
que quem o lê se torna até sestroso,
de empregar tais termos cauteloso,
tão pouca gente que os recorda agora!
Isso que escrevo
é o desejo de perdidas
gerações,
envolvidas em arcanas
confusões,
a disfarçar com
brandas expressões
tudo aquilo que
publicar não permitiam.
Isso que leio
no pacto intenso de
fronteiras desbravar,
bem ao contrário, pode
apenas desmontar
esse arcabouço que nos
pôde sustentar,
até o instante de
nosso nascedouro.
Isso que vejo
é a glória da lavagem
cerebral,
celebração tão só do
material,
repetição do medíocre
total
com mil suspiros de
auto-satisfação.
Isso que escrevo
não se coaduna, no real, à sociedade,
inquietações o que mostro à saciedade,
sem eufemismo ou sarcasmo e sem maldade
que poucos outros conseguem deglutir.
Isso que leio
é tão contrário ao que de fato penso,
na minha solidão bem mais me adenso,
é tão oposto a meu inteiro senso,
que me espanta tê-lo visto publicar.
Isso que vejo
é o reino da ditadura intelectual,
a imposição da miséria sensorial,
o esvaziamento da visão sentimental,
monocrática imposição de uma política.
Isso que escrevo
antigamente também seria censurado,
mas por motivo bem diferenciado,
por seu desvio do padrão já consagrado,
não porque fosse realmente condenável.
Isso que escuto
é tão diverso das modinhas do passado,
até o samba totalmente desvirtuado,
tanto plágio repetido e consagrado,
quanto mais simples, mais fácil de se impor.
Isso que enxergo
nem me parece conter algo de imoral,
o que me dói é ver morrer o original,
literatura degradada em comercial,
nesses modelos de ideologia ultrapassada.
Isso que escrevo,
apesar de apresentar
velhos modelos,
é muito mais presente
em seus apelos
e muito mais atual que
estranhos zelos
da ditadura da
burguesia proletária.
Isso que leio
ou mais ainda, que
simplesmente vejo,
nos pixels e
aplicativos deste ensejo,
tal qual mordida de
pulga ou percevejo,
é a intenção de ver os
livros condenados.
Isso que encontro
é o esquecimento da
tabuada tutelar
por ubíqua contrapção
de calcular,
o esquecimento da
gramática e o pensar
por esses códigos que
abreviam em celulares.
Isso que escrevo
em que ideias novas destino à semeadura,
nessa hodierna tendência não perdura,
de linhas soltas na folha em cara dura,
por que então não publicam livro em branco?
Isso que leio
algumas vezes até me causa medo,
não porque veja ali do mal o dedo,
pela indolência feroz desse degredo,
sem qualquer coisa mais séria a perlustrar.
Isso que vejo,
que de minhas mãos rebrota diariamente,
batismo e crisma lança no presente,
após minha morte, no futuro muita gente
vai recordar meu nome, sem me ler!
Isso que escrevo
não se destina a condenar o “parlamento”,
por mais que ímpio seja o seu momento,
por mais corrupto o seu procedimento,
em Outubro, teremos novas eleições.
Isso que encontro
nem chega agora a me deixar perplexo,
as atítudes políticas têm seu nexo,
de seus ossos sem querer largar o amplexo,
decerto em seu lugar fizesse o mesmo.
Isso que encontro
só me provoca qualquer decepção,
coisa bem tola, pois sei sempre serão
seus interesses superiores à nação,
só me limito a controlar meu nojo.
Isso que encerro
por ter sido contrariado toda a vida,
alvo de bullying por
política indevida,
por religião ou por ideia concebida,
mas não cedi e hoje e sempre lutarei.
OLHAR
DE VERME I - 5 jul 2018
possui
olhos de verme a eternidadE
em
seu eterno renovar que não perdurA;
quem
não morrer por esta vida durA
será
sombra do que foi na mocidadE.
que
seja pois louvada a mortandadE,
que
nos liberta desta carne obscurA
e
nos lança em tal certeza de loucurA:
que
só na morte se vê perenidadE.
enquanto
viva fores, transitóriA
serás,
dia após dia e moribundA,
nada
na terra se iguala à vida eternA,
mas
quando terminares, peremptóriA
será
tua permanência mais profundA,
no
âmago da vida a morte é externA.
OLHAR
DE VERME II
a
eternidade te devora, diariamentE,
com
tua carne irá adubar a naturezA,
igual
que um dia a devoraste, com certezA,
sem
perceberes tal comércio permanentE.
mas
não apenas ao organismo transientE,
tua
própria alma devora com friezA,
em
cada dia que passa há mais cruezA
no
grande plano do eterno onipresentE.
mas
nisso não se vê qualquer maldadE,
mal
não existe na divina eternidadE,
que
de algum modo te protegerÁ;
trazes
em ti mil restolhos ancestraiS
e
no futuro servirás de muito maiS,
nessa
eterna recorrência que haverÁ.
OLHAR
DE VERME III
muito
se fala nesse verme complacentE,
a
própria cauda Ouroboros a devoraR,
num
fac-símile do infinito continuaR,
tudo
o que foi, o que será e o que é presentE.
se
o grande verme de escama opalescentE
vê-se
a si próprio constante mastigaR,
sem
de si mesmo o fim jamais chegaR,
que
esperas tu, que nasceste inermementE?
filha
de vermes, não mais que vermezinhA,
em
tua vida, inconstante e terrenaL,
a
teu redor a devorar quanto é mortaL;
e
no desgaste final que se avizinhA,
ainda
devoras a teu redor o espirituaL,
morta
a matéria e quanto ela continhA.
OLHAR
DE VERME IV
existe
em ti reservatório de energiA,
igual
compota guardada em prateleirA,
que
a morte anseia por comer inteirA,
porém
é a vida que a devora em ironiA.
bebes
a luz solar do meio-diA,
o
plenilúnio te reforça a esteirA,
mesmo
a noite mais escura, bem certeirA,
para
tua pilha eletricidade aviA.
eventualmene,
a energia é necessáriA,
gaia
reclama a parte que lhe cabE,
protesta
uranos por toda a vibraçãO (*)
(*)
Os deuses da Terra e do Ar.
que
a atmosfera te cedeu, de forma váriA,
filtrando
em cerração antes que acabE
por
te cremar em violenta radiaçãO.
OLHAR
DE VERME V
pois
nada existe de mal na morte tuA,
apenas
tu podes por ela lamentaR,
nesse
desfecho que ninguém pode evitaR,
mas
não carece de ser tortura cruA.
lembra
que a luz que te reflete a luA,
que
por tantas gerações viu-se adoraR
por
sacerdotes em hábito talaR,
provém
de um astro de superfície nuA.
a
lua morta é que de noite te consolA
qualquer
mágoa de amor ou de vaidadE,
mas
mesmo morta não cessa de brilhaR
e
te revestes de tal luar na estolA,
esse
reflexo solar de vacuidadE,
que
mesmo assim te pode energizaR.
OLHAR
DE VERME VI
mas
esse olhar da lua vem da mortE,
sua
superfície os vermes já roeraM,
em
cinza e poeira seus campos se envolveraM,
talvez
um dia lastimou mesmo sua sortE;
da
eternidade, contudo, é uma consortE
e
o próprio pó em que os lagos se perderaM
a
luz transmite que teus olhos perceberaM
e
de algum modo refulgem qualquer portE;
falecida
há milênios tanta estrelA
que
ainda nutre o teu imagináriO,
após
meu passamento ainda a brilhaR,
não
sei de que maneira, baça ou belA,
mas
nada existe nesse plano multifáriO,
sem
ter função profunda e milenaR.
conclusão de curso I – 6 jul 18
NA SENDA do medíocre marcho eu,
SEM TER sucesso meus versos
vigorosos,
MAS QUANDO escrevo algo mais singelo
TODOS APLAUDEM o canto que escorreu.
NÃO SEI qual foi o sonho que sofreu,
CRUCIFICADO em momentos portentosos,
A DESTILAR seu sangue num anelo,
UM LUNAR em sua testa de sandeu.
SE NÃO SABES, leitor, “sandeu” é
idiota,
COMO IDIOTA mais é quem nem me leu
OU QUEM me leu e dos versos
sediciosos
PASSOU DE LARGO, porque não os
entendeu,
MAS QUE BEBEU e tais leitores
orgulhosos
PREFERIRAM cuspi-los gota a gota!
conclusão de curso II
NÃO QUER DIZER por um instante, que despreze
QUEM MEUS VERSOS perlustrou, porém não leu
OU QUEM ATÉ tentou e nao compreendeu,
PASSANDO ADIANTE para algo que mais preze.
NÃO QUER DIZER, por um momento até, que reze
POR UM BREVIÁRIO diferente desse teu;
NÃO ME CONHECES, não te conheço eu,
NADA EXISTE em teu descaso que me lese.
QUERO DIZER que os versos que
redijo
DESTINO CERTO algures acharão;
MAS SE OS ACHASSE fruto de meu coração,
PARA MEU simples reconhecimento,
DE SEU DESCARTE não haveria impedimento,
MAS NÃO EXISTE rascunho algum que alijo.
conclusão de curso III
PORÉM SÃO tantos que lanço na jornada
QUE DE MUITOS me olvido totalmente,
QUE ATÉ PARECE meu protesto indiferente,
QUE TEU DESDÉM não me perturbe em nada;
MAS LÁ SE VÃO em longa revoada,
COMO AVES de arribação correm tangente
SOBRE O DESERTO e os mares igualmente,
QUAL DELAS É por predadores devorada?
MAS SE QUALQUER se permite devorar,
DECERTO FOI a tal pessoa destinada,
QUE DE ALGUM MODO seu pensar fosse nutrido;
LAMENTO APENAS as que tombam sobre o mar,
MAS QUEM SABE, a algum golfinho foi levada
OU FOI PARA um tubarão causar gemido?
conclusão de curso IV
DE QUALQUER MODO, a seu destino ter
chegado,
SEU CURSO meu poema concluiu,
SALVO SE ALGUÉM encantou-se quando o
viu
E O TRANSMITIU a filha ou namorado,
SEGUINDO AVANTE, sem poder ter
descansado
SENÃO NAS VISTAS tuas que nutriu,
NO NINHO de tuas pálpebras dormiu,
ABSORVIDO, talvez mais abrandado.
QUEM ME DIRÁ se houve compreensão
POR OUTRO PEITO de anseio similar
PARA AO TECIDO de seus sonhos
rejuntar
OU SE TEVE só mais parca conclusão,
NISSO QUE já pensava, transformado,
BREVE CRISTAL em sua alma marchetado!
PARALISIA CEREBRAL I – 7 JUL 2018
Estranho termo, “Paralisia Cerebral”,
como se o cérebro pudesse caminhar
e um acidente o impedisse de marchar,
paraplegia, quadriplegia ou outro mal!
O pobre cérebro em destino material,
qual cadeirante nas artérias a rodar,
ou nas veias jangadeiro a balançar,
tal qual do encéfalo sair pudesse no final!
Mas todo cérebro que existe no real
se encontra por meninges escudado,
em proteção triplégica encerrado
e só flutua no líquido cefalorraquiano,
a protegê-lo de um golpe mais fatal,
chamando a morte ou a torná-lo insano!
PARALISIA CEREBRAL II
Que ninguém pense que troço da doença,
que pode apenas despertar-nos compaixão;
discordo embora dessa denominação,
embasada, decerto, em alguma crença.
Na antiguidade, não teria valença,
não mais que em dias a sua duração,
mas como posso fazer afirmação
de que sua sobrevivência não compensa?
Se no passado expunham tais crianças
ou talvez sacrificassem sobre altar,
não era apenas por um rasgo de impiedade,
mas por pragmatismo.
Quais andanças
conseguiriam tais bebês acompanhar,
escasso sendo o alimento, em realidade?
PARALISIA CEREBRAL III
Em absoluto esta atitude recomendo;
por mais que seja condenação ao sofrimento
esse cuidado que lhes impede o passamento,
até remorso existe aqui, segundo entendo.
“Essa criança que nasceu sofrendo
que culpa tem para tal impedimento?”
Então se pensa no fracasso de um momento,
sofrem os pais a sua miséria vendo.
“Qual foi o erro em sua concepção?
Já houve outras em meu passado familiar?
Será que Deus quis meu pecado castigar?”
“Pesasse em mim sua vingativa mão!
E não nesse infeliz que mal pensar
consegue, porque eu o fui gerar!”
PARALISIA CEREBRAL IV
Toda essa culpa é vã, naturalmente,
embora os filhos sejam jóia da vaidade,
pressuposto passaporte à eternidade,
nossos gens a transmitir de forma ingente,
paralisia cerebral é a dessa gente
que até vergonha sente, na verdade,
o seu remorso mastigando em saciedade,
por ter trazido ao mundo um deficiente.
Pois quanto mais aumentar a humanidade,
com ela irão crescer as mutações,
na maioria sendo negativas,
sem que exista controlabilidade
sobre boas ou más transformações
nas pobres almas assim vegetativas.
PARALISIA CEREBRAL V
Porém maior paralisia cerebral
possuem aqueles que pensar por si não podem
e de um alheio pensamento então se acodem,
a repeti-lo em um vezo de jogral.
Funções controlam só do corpo material,
bem fácil sendo que outros os engodem
ou dessas falsas opiniões outros demudem,
no que até possa ser movimento natural.
Mas quando oscilam os pratos da balança,
não deixam de manter-se no lugar,
até o ponto em que a inércia alcança.
Acostumados a não pensar desde criança,
por charlatães a se deixar levar,
a mastigar secos bocados de esperança.
PARALISIA CEREBRAL VI
Bem lamentável tal falta de pujança,
é paraplégica sua personalidade;
por mais que movam seus corpos em vaidade,
sua mente é estólida e sem qualquer mudança.
Não que despreze sua fácil aliança
com quem lhes passe com facilidade
uma opinião qualquer, de falsidade
ou por sincera que seja em sua bonança.
Pois sem adubo não ocorre a brotação:
é a massa amorfa que ao redor se têm
que a alguns permite dar frutos generosos.
Não mais que escravos de formadores de opinião,
mas como são, de fato, numerosos,
merecem pena e não fácil desdém.
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