DECADÊNCIA & MAIS – 25/8-03/9/2016
Novas Séries de William Lagos
DECADÊNCIA
I – 9 OUT 07
Esvazio
os pulmões, em forte rufo,
que pode
ser sintoma de algo mais
ou
talvez, nem diga nada. Pois jamais
sinto
sintomas de tosse, fleuma ou bufo...
Não
sinto, em absoluto, falta de ar:
é como
se, ao contrário, ar demais
se
acumulasse em mim, talvez fatais
prenúncios,
que me possam dominar
no
futuro, outras ânsias... Talvez fortes,
porque a
idade acomete, sorrateira,
quando
menos se espera... Não é lenta,
é progressiva
e faz pequenos cortes:
retira um
pouco aqui e ali, brejeira,
muito de
leve e, aos poucos, se alimenta...
DECADÊNCIA
II – 25 AGO 2016
É bem
comum, no sexo masculino,
durante
décadas mostrar-se quase igual,
tal qual
se idade não nos trouxesse mal,
o rosto
liso, igual quando menino.
Porém,
subitamente, toca um sino
e chega o
tempo, impondo o seu ritual,
sem mais
protelação do natural
e se
mostra algum sinal, ou pequenino
ou de
repente, por efeito de doença,
ou
qualquer lástima, incômodo ou tristeza
e os anos
se revelam, de repente
e então
se manifesta a decadência,
sobre o
indivíduo mostrando sua proeza,
quando o
transforma em velho, velozmente...
DECADÊNCIA
III
Talvez,
então, lhe cause um “peripaque”,
qualquer
moléstia repentina e já mortal,
sua
exigência sendo rápida e final,
o
velho-moço sofrendo o seu ataque...
Era por
dentro que se formava o baque,
sua
mocidade tão somente artificial,
a
decadência já instalada bem fatal,
sem dar
margem ao rebate de um só saque.
Enquanto
isso, a mulher logo decai,
confundida
a juventude com beleza
e em duas
décadas, tal aparência esvai,
buscando
então os muitos artifícios,
para
burlar a má-fé da Natureza,
tão
depressa a lhe mostrar seus malefícios...
DECADÊNCIA
IV
Surgem as
rugas e lhes decaem os seios,
perdendo
a antiga firmeza original,
a
menopausa a impor seu grande mal,
do
abandono a trazer-lhe seus receios.
É então
que envida os mais potentes meios
para o
recobro da juventude artificial,
entre os
cosméticos e o hormônio natural,
a velhice
disfarçando em tais arreios...
Porém
percebe já estar perdendo a luta,
após
perder pelo sexo o interesse,
enquanto
ainda o conserva seu marido;
inventa
então a andropausa, na mais bruta
defesa
que contra alguma amante desce,
mesmo que
o par já não seja mais querido.
DECADÊNCIA
V
Na
realidade, andropausa é coisa rara
na
maioria dos homens inexistente,
mas
provocada em alguns assaz frequente,
numa
intenção que permanece clara,
que
alguma amante lhe parece coisa cara:
nem é
ciúme de seu corpo ainda presente,
mas do
dinheiro que gastar pressente,
satisfazendo
isso que chega a chamar “tara”.
Entre os
chineses, na verdade, era costume
e em
certa partes talvez hoje permaneça,
a
aquisição de alguma jovem concubina,
que a
função sexual da esposa assume,
sem que os
direitos da esposa alguém esqueça,
que
firmemente controla essa menina...
DECADÊNCIA
VI
Mas entre
nós, o costume é diferente,
apoiado
pelas leis e a religião;
se alguma
amante for tomada na ocasião,
para um
divórcio dará motivo consequente.
E do marido
os bens conserva, permanente,
bem
garantida em tal retaliação,
tudo
tomando e a cobrar mais a pensão,
pouco
deixando para a rival presente...
Da
decadência é tal ritual sobeja
causa
fatal para esse moço-velho,
que uma
repele e a outra já não beija...
Feliz de
quem se consola com sua dita
e como
velho contemplando-se no espelho,
para
nenhuma outra aventura se concita!...
DOLO I –
9 out 2007
Quando a
mulher percebe que o sorriso
muito
mais belo a deixa e sedutora,
senhora
desta arma, sem demora,
a emprega
na conquista, sem aviso,
daquele
alvo fácil... Faz que pense
que é ele
quem conquista e que domina...
A mulher,
normalmente, em cada esquina
controla
quem quiser e fácil vence,
porque é
certo que a mais ignorante
das
mulheres enrola em seu dedinho
o homem
tido por mais inteligente,
conquistado
no sorriso de um instante,
reconquistado
por natural carinho
e
escravizado por um amor potente...
DOLO II –
26 AGO 2016
Sincera
ou não, a arma é verdadeira
e a
mulher bem sabe o que deseja,
mesmo de
longe, quando seus dedos beija
e nos
assopra em vaga bem certeira!
Existe
aquela em que a arma é corriqueira,
novas
conquistas sempre a si enseja;
o
parpadear dos cílios nos adeja,
lançando
arpões como pregões de feira....
E existe
aquela que se determinou
a
alcançar o alvo único que almeja,
para essa
arma empregar com perfeição,
enquanto
o homem certamente se enganou,
pensando
ser aquele que a corteja,
quando de
fato é a presa dessa ação...
DOLO III
Com
brancos dentes cada mulher sorri,
num cintilar
de pura “refrescância”,
como
aquele comercial, hoje à distância,
que o
termo supra nos difundiu aqui...
Em tais
sorrisos eu nem sempre cri,
nem
sequer nos momentos pós-infância;
mas quem
me soube sorrir com elegância,
trouxe
lampejos dos quais nunca esqueci.
A própria
Bíblia a comentar num verso:
“Terrível
como um exército com bandeiras”,
é tal
mulher que passa e nos sorri,
na
comissura dos lábios canto inverso
daquelas
que nos olham altaneiras,
igual que
a gente nem estivesse ali!...
DOLO IV
Há outro
dolo nesta expressão contida:
pelo
canto dos olhos se abre engate
na
avaliação futura de um embate,
em
captura tantas vezes repetida!...
Em piadas
caricatas é inserida
uma
figura troglodita, quando abate
com sua
clava, a fêmea num combate,
pelos
cabelos a arrastar essa escolhida...
Mas terá
isso alguma vez acontecido?
Desenham
pregos nas claves primitivas
e um
golpe certo é bem capaz que a mate!
Acho
difícil que algo assim tenha ocorrido,
decerto
tapas, redes ou outro empate,
armas
melhores para noivas mais esquivas!
DOLO V
Mas a
mulher possui outros artifícios,
que mais
não seja, feromônios em perfume,
quando um
olhar opalescente logo assume,
na testa
adornos como frontispícios...
Os seus
cabelos no requinte desses vícios,
bem
calculados, com que o rosto esfume
ou o
alimento que prepara no seu lume,
mais a
promessa de brejeiros benefícios...
Será
então que ainda precisa do sorriso?
Pois
causa susto entre povos mais selvagens,
tal qual
se os dentes assim arreganhasse!
A face
atenta a demonstrar um pleno siso,
sempre
capaz de sugerir novas paragens,
sem que
um sorriso nela se estampasse!...
DOLO VI
Por isso
chamo “dolo” à covardia
desse
sorriso, com que sabe dominar,
na
indicação, quiçá, de seu beijar,
no
lusco-fusco do desejo que sentia...
Talvez
esteja aqui falando uma heresia,
mas há
traição mesmo ali no meigo esgar,
uma
vantagem que sabe bem aproveitar,
suas
feições revestindo de harmonia...
Pois
certamente não é simples inocente,
e
raramente me podem desmentir:
para os
tesouros do amor essa é a janela!
Arma
gentil que sempre a torna mais potente,
timidamente
ostentando o seu sorrir,
que sabe
bem a torna ainda mais bela!...
AMOR DE
CÂMARA XVII – 2007
A vida é
assim: as coisas nos coriscam
inesperadamente
e sem espera.
O destino
é armadilha, feito fera,
de olhos
ambarinos, que nos piscam,
por
detrás da folhagem, uma esfera
a que
somos atraídos, que confiscam
as nossas
intenções e os planos riscam,
nessa
emoção que um só sorriso gera...
E se
esvai, num momento, todo o tédio,
na sedução
carmesim do desatino,
sem
perceber a que ponto nos apele...
E assim
me sinto preso, sem remédio,
porque
percebo, então, ser meu destino
fazer
amor com as Sonatas de Corelli...
AMOR DE
CÂMARA XVIII – 9 out 2007
Ela
chegou, como quem nada queria:
foi-se
insinuando no meu coração,
sem
sequer me sugerir exaltação,
mas tão
somente versos e poesia...
E eu! Que
escravo sempre fui da melodia
e, em
pentagramas, grafava uma ilusão,
medíocre,
talvez, e sem paixão,
mas que
agradar aos outros conseguia...
E assim
causou-me total devastação,
tão
poderoso esse olhar, que me reluz
e minhas
pretensões fácil combate...
No mais
estranho poder da sedução,
que
dominou-me enfim... e me conduz
a amor
fazer com sonatas de Scarlatti...
HUMILHAÇÃO
I – 10 out 2007
Por
enquanto não posso para mim o teu sorriso
guardar
zelosamente, em sonho tão perfeito.
Embora
lamentar não tenha algum direito,
apenas um
lembrete fazer-te ainda preciso:
Que
tenhas outro amor, que sejas generosa,
é bem
direito teu, teu dom particular.
Concordo
que outros homens desejes abraçar:
jamais eu
negaria orvalho à pura rosa...
Porém me
dói saber que tenha alguém agora
o que não
pude ter, em gozo palpitante,
sabendo
muito bem que em nosso amor, outrora,
prazer
não recebi de ti, em meigo instante.
Tu não me
deste igual, mulher: não tive a aurora
de em ti
me derramar no orgasmo delirante...
HUMILHAÇÃO
II – 27 AGO 2016
Será que
dói de fato a humilhação
desse
desprezo que para mim mostraste?
Será
apenas saber que te entregaste
a alguém
que tenha menos nobre formação?
Que teu
sorriso, gardênias em botão,
seja
colhido, depois que mo mostraste,
por algum
mais que para mim afaste
esse
tesouro que escapou-se de minha mão?
Será que
dói, de fato, essa tristeza
de que
fui eu que não te mereci,
que foi
por própria culpa que perdi
a dupla
jóia, azul como turquesa,
que
contemplei, tão de perto, em teu olhar,
porém não
fui capaz de conservar?
HUMILHAÇÃO
III
Será que
eu mesmo, por perversidade,
mescla de
enleio e de autopunição,
para fugires
de mim dei-te razão
ou te
perdi por pura ingenuidade...?
Que tenha
sido em covardia, na verdade,
que não
soube competir pela emoção,
que um
dia pensei, em vaga exaltação,
ser minha
plena, em integralidade...?
Será,
talvez, que me julguei como inferior
àquele
que almejava o teu amor
e desta
forma, te afastei de mim...?
Será que
me entreguei a um falso orgulho,
sem me
dispor a combater o esbulho,
e
destarte te entreguei para o arlequim...?
HUMILHAÇÃO
IV
Será que
posso, realmente, discernir
quais os
motivos por trás disso tudo...?
Será que
de algum modo ainda me iludo
ter sido
eu mesmo que te deixei fugir...?
Será que
penso esteve em mim o permitir
lançar
dos dados nesse amoroso ludo...?
Será que
pude imaginar, contudo,
que outro
desfecho pudesse definir...?
Será que,
eventualmente, se eu lutasse,
o
resultado terminaria igual
e de nada
adiantaria o que fizesse...?
E se no
fundo, por mais que batalhasse,
pertencerias
mesmo a meu rival,
nessa
roda do destino que acontece...?
HUMILHAÇÃO
V
Será que
então, nas vascas do temor
de ser,
de qualquer modo, derrotado,
me
recusei a ser por ti humilhado
e não
mais me esforcei por teu amor...?
Será,
talvez, que busquei ser sofredor,
para
sentir-me assim martirizado
e as
flébeis sensações aproveitado
para ampliar
o meu poético pendor...?
Já muita
vez pensei que fosse assim,
que tal
amor derruído no passado,
que meu
desejo nesse então decapitado,
fosse
plantado dos sonetos no jardim
e
reflorisse em cantos de verbenas
na
multidão servil de meus poemas...
HUMILHAÇÃO
VI
Pois te
confesso que gozei outros amores,
mil
sorrisos que agora se misturam,
essas mil
faces que nos olhos não perduram,
que nem
recordo após mil estertores...
Rasgo a
memória, perdidos seus pendores,
esquecidos
os mil lábios que então juram,
mal
lembrados mil prazeres que me curam,
em sua
nuvem majestosa de calores...
E que
todos os mil beijos que gozei,
em uma só
e única boca se confundam,
sem que
eu esqueça aquela que não tive,
o
terciopelo dessa carne que almejei,
humilhações
que sobremodo abundam,
que matar
eu busquei, mas não contive!...
ALFORRIA
I – 11 out 2007
Tal como
encantamento se quebrasse
[ou fosse
sobre mim, então lançado],
despertei
de meu sono, descansado,
e senti
como se amor não mais cantasse,
no
interior de meu peito; e levantasse
de sobre
mim seu véu. E o olhar magoado
mirasse
em torno e um mundo renovado
dos céus
à terra de novo contemplasse.
Teu amor
dissipou-se, doce estrela...
A flor
azul totalmente emurcheceu,
despetalou-se...
E a pétala singela
que sobre
o caule ainda permanece,
perdeu o
antigo brilho... E reviveu
meu
coração vazio, em muda prece...
ALFORRIA
II – 28 AGO 16
Mas quem
disse que tal foi libertação?
Em todo
amor existe a servitude,
que seja
algo de livre nunca ilude,
se houver
amor, também existe servidão.
Não somos
donos de nosso coração
e nem
queremos ser, Deus nos ajude!
Fugir ao
amor é vã tarefa rude,
escravos
somos todos da emoção.
E se no
amor ainda livres nos sentimos,
alternativas
podendo procurar,
não é
real de amor a parceria...
Mas pelo
sexo tão só nos seduzimos,
sem
fatores mais nobres demonstrar,
enquanto
a busca ainda livre seguiria...
ALFORRIA
III
O que
sempre nos atrai é a sedução
de um
novo amor, os olhos a piscar,
essa
ânsia de invadir-lhe seu olhar,
para gozar
das delícias que ali estão,
apenas
entrevistas na ocasião,
no anseio
oculto para a raça continuar,
que bem
sabemos continua a dominar
os
julgamentos, a colorir cada emoção.
De fato,
somos falsamente racionais,
sempre
guiados, até maugrado nosso,
pelas
leis que nos impõem os cromossomos,
que não
podemos dispensar jamais
(ou que
querer dominar sequer não posso),
até esse
dia em que algures formos.
ALFORRIA
IV
É bem
verdade que as correntes desse amor
nos
libertam das prisões de nosso egoísmo,
pois quem
ama é infundido de altruísmo:
quanto se
dá, mais se ganha de valor...
Na
amorosa construção há mais calor
ou talvez
conformidade a tal modismo;
mas
certamente é o mais buscado abismo,
no qual
saltamos com algum temor!...
Não da
recusa – mas da aceitação,
ao
abdicarmos da falsa liberdade
de nos
podermos conservar em solidão;
e nessa
aceitação da servitude,
caso a
aceitemos com sinceridade,
nossa
alma alcança enfim certa virtude.
ALFORRIA
V
Criou
Platão o mito das metades:
cortados
fomos por aérea cimitarra,
que foi
brandida por divina garra,
imperfeitos
a nos fazer em arcanidades!
Mas longe
de dar-nos liberdades,
esse
corte em vasto anseio esbarra:
em vão
lançamos ao redor a amarra,
sem
alcançarmos jamais as saciedades.
É tão
estranho que se chame de platônico
esse amor
que não busca real abraço,
mas se
contenta a contemplar o traço
dos
passos ou perfume, algo de irônico!
Tal qual
houvesse até sinceridade
em
recusar encontrar-se com a metade!
ALFORRIA
VI
Isso que
amor é, de fato, encantamento,
quando
pensamos, por artes de magia,
que essa
outra metade se acharia
naquele
par que nos doma o julgamento;
e se por
meio de inesperado evento,
talvez –
ou sonho – ou voz que a gente ouvia –
é
perturbada tal feitiçaria
e dentro
em nós esmorece o sentimento,
recuperamos
essa triste liberdade
de sermos
a metade de nós mesmos,
andando
por aí como aleijados,
qual em
encanto de pura crueldade,
os
pensamentos perdidos pelos ermos,
sem que
sejamos nós mesmos alforriados!
AMOR DE
CÂMARA XIX – 2007
Há momentos
de entrega absoluta,
em que se
abre mão do ter ou ser,
na
estranha mescla de dor e de prazer,
que é a
abdicação mais resoluta
do
próprio ideal de si, por quem se escuta
a
murmurar, talvez sem perceber,
promessas
que preferiria receber,
no archote
e cálice que a paixão transmuta.
São
nessas ocasiões, de som impenetrável,
que se
percebe a outrem pertencer,
que
nos governa totalmente fé e conduta...
São tais
momentos, de ilusão inescrutável,
em que a
emoção nos compele a assim fazer
amor...
enquanto Wagner se escuta...
CRIMINALÍSTICA
I – 29 AGO 16
Em
vestígios de luz eu me transporto,
embriagado
em soma inescrutável;
cavalgo
a brisa desse imponderável
e
acima do horizonte me comporto,
as
nuvens constelares meu conforto
e a
vastidão de elétrons num amável
confabular
pelas tramas do incontável,
pelas
camadas de ozônio meu desporto.
Assim
deslizo pela atmosfera
e
deslizar no vento é meu deslize,
imagem
de mim mesmo em mil imagens,
estrato
a se irradiar na estratosfera,
inconsútil
demais que a Terra pise,
envolvido
nesse fólio de folhagens...
CRIMINALÍSTICA
II
Assim
expando todos os limites,
perturbador
da cósmica harmonia,
subversivo
a quanto ao redor via,
opositor
a quanto tu me dites,
Mãe
Natureza – espero não te irrites
com
estranhas frases feitas de ousadia,
pois
tão só imaginação te perseguia
nesses
páramos celestes em que habites.
Dentro
do cérebro não há qualquer fronteira,
por
mais que seja pelo crânio limitado,
a
mente dança nas circunvoluções,
à
dura-máter de braço dado, inteira,
da
pia-máter todo o círculo esgarçado,
a
aracnoide ludibriando há gerações...
CRIMINALÍSTICA
III
Não
se limita a mente aos parietais,
nem a
quimera é cerceada pela pele:
cavalga
Pégaso na ventania que procele,
Leviathan
a montar nos abissais;
ela
se expande à frente dos frontais
em
que o terceiro olho atento vele,
supraquiasmático
centro que revele (*)
o
mecanismo dos sonhos fantasmais.
(*) Centro controlador do sono, atrás do
meio da testa.
Mais
que traidor, o vate é transgressor
em
suas metáforas de flavor arcano:
sou
criminoso em meu mister de aedo,
aos
pés dos deuses irrequieto adorador,
minha
lira a dedilhar salmo profano
e nem
a suas advertências então cedo.
CRIMINALÍSTICA
IV
Bem
além dos estígios me projeto,
sem
que me possa conter o velho Dante;
Caronte
desafiei como hierofante, (*)
a
descrever dos humanos cada afeto,
(*) Supremo sacerdote dos Mistérios.
a
alma inteira a se tornar meu objeto,
mesmo
votado à humildade triunfante,
dentes
cerrados trauteando meu descante,
quer
seja ele sublime ou abjeto
e a
cada muro ou parede desafio:
junto
as muralhas a tombar de Jericó
toco
o shofar e não me encontro só;
no
terremoto previsto já confio,
as
pedras tombam sem ferir-me o pé,
na
mesma angústia com que venceu Josué!
CRIMINALÍSTICA
V
E tu,
gentil amiga, não esqueças:
pode
tua alma transgredir igual espaço,
pode
teu sonho conquistar cada pedaço,
sem
que da divindade nunca desças;
os
teus limites, de fato, jamais meças;
o
próprio Cristo proclamou, em manso abraço:
“Lembrai-vos,
sois deuses!” – nesse passo
de
seu sermão, a convidar que cresças,
mais
que teus pais disseram que podias
ou
que teu coração teme em silêncio,
que o
Universo é teu, caso acredites
que
muito mais há a teu alcance do que crias,
revoluteando
na fumaça desse incenso,
paredes
falsas para o mundo que hoje habites.
CRIMINALÍSTICA
VI
As
circunstâncias são apenas ilusórias;
caso
empurres as paredes, são pastosas,
sem
solidez as vastidões gasosas,
podes
transpor essas fendas peremptórias;
as
grades que encontrares são espúrias,
não
há valas de falésias perigosas,
são
só ilusões, horrendas ou formosas,
somente
um mundo de aparências desultórias;
toma,
portanto, o vento por ginete
e
emprega doces brisas como arreios,
de
tua jornada somente os sonhos freios;
enfrenta
a rocha, que se fará confete,
lança
teus dedos como serpentinas
e vem
comigo partilhar de estranhas sinas!
TIORBA I – 30 AGO 16
EM TRANSPARÊNCIA E INSUBSTANCIALIDADE
TE ENVIO MEU AMOR, ROSA DE ESPINHOS,
POR MENOS QUE RECEBA TEUS CARINHOS,
MINHALMA TE JUROU E TERÁ FIDELIDADE,
NA PULCRITUDE DA MAIS ESTRANHA QUALIDADE (*)
MEU ESPÍRITO SE ELEVA E OS SONS MESQUINHOS
QUE ME PUXAM À TERRA, AZEDOS VINHOS
EM MAIS NADA ME PERTURBAM A INTENSIDADE.
(*) BELEZA
.
ASSIM VOO PARA TI, SONORA LUZ,
EM BUSCA DE TEUS OLHOS, NUM RELANCE,
POUCO ME IMPORTA SE NÃO CORRESPONDES.
É MAIS O AMOR DE TI QUE ME SEDUZ
DO QUE TUA SIMPLES POSSE EM DOCE TRANSE
E NEM LASTIMO QUANDO AMOR ME ESCONDES.
TIORBA II
OLHA QUE AMOR É TAMBEM UMA ILUSÃO.
OUTRO ASPECTO INCONSÚTIL DESSA MAYA,
SEM FIM E SEM COMEÇO NA SUA RAIA,
NASCE NA MENTE E DESCE AO CORAÇÃO,
DO MESMO MODO QUE QUALQUER EMPOLGAÇÃO,
QUE SOBRE MIM JAMAIS TEU SANGUE CAIA,
TOMA O UNIVERSO DOS SONHOS EM TUA BAIA
NESSE CANTO INAUDÍVEL DE AUDIÇÃO..
E SENDO ASSIM TRANSPOSTO TEU LIMITE
EMPURRO A LONA PARA QUE SE AGITE
E ENTÃO INGRESSO NA TENDA DE TEU SER,
POR MAIS QUE SEJA NO FUNDO MAIS SECRETO
QUE O COSMOS TODO DE ESPLENDOR DILETO
QUE JÁ PUDE DESVENDAR EM MEU QUERER.
TIORBA III
MULHER GENTIL QUE NUNCA CONHECI,
NEM TE CONHEÇO POR IDADE OU COR,
APENAS SEI DA IMENSIDÃO DE TEU AMOR,
QUE DESDE O INÍCIO DESTE VERSO EU INVADI.
SÓ NAS VÁRZEAS DO SONHO JÁ TE VI
E NEM RECORDO DE TEUS OLHOS O TEOR
OU OS RECORTES DE TEU ROSTO SEDUTOR,
DESCONHECIDA, MAS QUE AMO DESDE AQUI.
ASSIM EU VOO PARA TI COM INSISTÊNCIA,
BUSCANDO PELO ASTRAL A DUPLA LUZ
QUE ME REVELAM OS BICOS DE TEUS SEIOS,
POR ENTRE MIL VOLUTAS DE INCONSCIÊNCIA,
ASSIM EU VOGO, MEUS BRAÇOS EM CRUZ,
PARA ABRAÇAR-TE, EMBALDE TEUS RECEIOS.
TIORBA IV
ERA A TIORBA UM TIPO DE ALAÚDE,
PORÉM MAIS LONGO, DE COMPRIDO BRAÇO,
A SER ACALENTADA NUM ABRAÇO,
DELA TIRANDO O MEIGO SOM QUE ILUDE.
FOI IGUALMENTE CHAMADA ARQUIALAÚDE,
COM DOZE CORDAS DE SEMELHANTE TRAÇO,
NUM EMARANHADO A ATRAPALHAR O PASSO,
DESAFIO PRONTO A UM INTERPRETE MAIS RUDE.
LEMBRAVA A TÁBUA DO ITALIANO PERFUMISTA,
COM O FORMATO EM QUE MOÍA CADA ESSÊNCIA:
ALGUÉM ALI NOTOU CERTAS VINHAS ESTIRADAS,
PENSANDO LOGO EM MUSICAL CONQUISTA,
QUE EXECUTOU A GOLPES DE PACIÊNCIA,
ATÉ EXPOR SUAS NOTAS ENCANTADAS.
TIORBA V
E ASSIM, NOS LAIVOS DA IMAGINAÇÃO,
PERCEBEREI COMO CORDAS TEUS CABELOS
E OS TANGEREI EM MÍSTICOS DESVELOS
COMO O INSTRUMENTO DA MAIS PURA PERFEIÇÃO
QUE VEJO EM TI QUAL ESTOJO DE PAIXÃO:
SÃO DOZE VEIAS COMO DOZE SELOS,
CORDAS VOCAIS EM DOZE CANTOS BELOS
QUE APENAS TOCA QUEM SOUBER TER DEVOÇÃO.
E NISSO TUDO NEM MOSTRO ATREVIMENTO,
POIS CERTAMENTE NUNCA A MIM VERÁS,
PELO MENOS NESTES PLANOS MATERIAIS
MAS POR ONÍRICO QUE SEJA O JULGAMENTO,
ENTRE TEUS BRAÇOS ME RECEBERÁS
PELOS VIRENTES PRADOS SIDERAIS.
TIORBA VI
OU, QUEM SABE, SERÁS TU QUE ME IMAGINES
E ME DESEJES, QUAL TIORBA, DEDILHAR
AS DOZE CORDAS DO ANTIGO MEU PENAR,
RETALHADAS NO ARCABOUÇO DE MEUS VIMES.
EM TEU SONHO SERÁS TU QUE ME FASCINES,
FEITO DE SOMBRA E LUZ PARA AMANHAR,
ENTRE FUMAÇA MINHA FIGURA A IMAGINAR,
QUE NOS TEUS BRAÇOS, QUAL INFANTE, NINES.
DONZELA-TIORBA, DAMA DE MISTICISMO,
TAL QUAL POSSA SER OUSADO MEU DESEJO,
PERFEITO POSSA IMAGINAR TEU BEIJO,
FEITO DE LUZ E SOM DE ROMANTISMO,
NAS BREVES LINHAS QUE TE ESCREVO AGORA
MEU PORVIR ESCRAVIZADO AO TEU OUTRORA!...
BRADICINESIA I – 31 AGO 16
NESSA PRIMEIRA VEZ QUE DEZ SONETOS
FIZ NUM SÓ DIA, EM DELÍRIO E DESVARIO,
PROVEI O ORGULHO DE UM ANIMAL NO CIO,
PEQUENO ORGASMO DERRAMADO EM TAIS AFETOS.
NÃO ENTENDI, NESSA OCASIÃO, QUE TAIS EFEITOS,
TRIUNFOS SIMPLES DE MANHÃ DE ESTIO,
SE FOSSEM REPETIR AO CABO E AO FIO
DESSES ANOS SEGUINTES E INDISCRETOS.
JULGUEI ENTÃO QUE MÉRITO MEU FOSSEM,
DESLUMBRADO POR TAL REALIZAÇÃO
E NÃO APENAS POR CAPTAR DA INSPIRAÇÃO
DE POETAS MORTOS QUE ENTÃO EM MIM REMOCEM
E QUE ME OLHARAM COM CONDESCENDÊNCIA,
QUANDO JULGUEI SER MINHA A SUA POTÊNCIA...
BRADICINESIA II
EM OUTROS VEJO A TRISTE LENTIDÃO,
CHAMADA ÀS VEZES DE BRADICINESIA,
NESSE VAGAR QUE ENVOLVE SUA POESIA
PELA FALTA DE CONSTANTE INSPIRAÇÃO.
E AINDA VEJO O QUANTO APLICARÃO
PARA REUNIR A MINÚSCULA VALIA,
TANTO QUANTO SEU ESTRO PERMITIA
E A VAIDADE COM QUE O PUBLICARÃO!...
E COMPARANDO O HODIERNO COM O ANTANHO,
INVERSA BRADICINESIA EU AVALIO,
QUE FOI SENDO DERROTADA PELA IDADE,
POIS CADA ANO MAIS ME AUMENTA O GANHO,
QUE O PROGRESSO DOS SINTOMAS CONTRARIO
NO INCREMENTO DE MINHA FACILIDADE...
BRADICINESIA III
NA VERDADE, É UM MALIGNO SINTOMA,
QUE DIFICULTA, POUCO A POUCO, A VIDA,
MAIS QUE O TREMOR A QUE PARKINSON CONVIDA,
CUJO CONTROLE, ÀS VEZES, SE RETOMA.
MAS A BRADICINESIA É INVERSA SOMA,
PARA TODA RADIDEZ A DESPEDIDA,
O MENOR MOVIMENTO TORNA EM LIDA,
ATÉ O SIMPLES VIRAR NO LEITO EMBROMA.
PARA BANHAR-SE, COMER OU SE VESTIR,
DA OPERAÇÃO MENTAL O ENCADEAMENTO,
NUMA PERDA DE POTÊNCIA PROGRESSIVA,
TAL QUAL DA VIDA ESTIVESSE UM A FUGIR,
PERDIDO NA INDOLÊNCIA MAIS SEDIÇA,
QUAL CAMINHANTE EM AREIA MOVEDIÇA.
BRADICINESIA Iv
POR ISSO EXISTE UMA CERTA CRUELDADE
NESSE TÍTULO QUE ACIMA EU ESCOLHI,
UMA CERTA EMPATIA QUE PERDI,
OU MESMO FALTA DE SENSIBILIDADE.
NO MEU ORGULHO, DESDÉM, QUIÇÁ VAIDADE,
COM QUE COMPARO A LENTIDÃO QUE VI
COM A RAPIDEZ QUE HOJE MOSTRO AQUI,
UM TANTO ACIMA DO NORMAL DA HUMANIDADE.
MAS NESSE INSTANTE MAIS PERCEBO A PROTEÇÃO
QUE ME CONFERE A ESPIRITUALIDADE,
PELO QUE HOJE AGRADEÇO, EM HUMILDADE.
MINHA LUTA É O OPOSTO DE TODA A LENTIDÃO,
QUANDO ME ESFORÇO PARA FECHAR A ECLUSA
DA INSPIRAÇÃO QUE ATÉ DE MIM ABUSA...
CANÇÃO PARA TI 1 – 1º Srt 2016
Como folha de espada na bainha,
Meu grito fica preso na garganta;
Sem que o escutem, a ninguém espanta:
Nenhum rancor nos outros abespinha.
Mas quem disse que o desejo, minha rainha?
Essas palavras que meu estro canta
Dínamo são que amor somente imanta
E que do mundo exterior nem se avizinha.
E pelas ruas só passam de raspão,
Sem quaisquer casas buscando penetrar,
Influenciando corações e mentes,
Nem vasto mundo invadindo de roldão,
Pois desconfio que só iria incomodar
Tal multidão de versos tão prementes.
CANÇÃO PARA TI 2
A ti somente é que desejo perturbar,
De tua alma o mais recôndito escaninho,
Toda a vaza agitar com meu carinho,
Teus pensamentos buscando avassalar.
Talvez arranque de ti um suspirar,
A despertar-te algum langor mesquinho,
Qualquer saudade a chamar, devagarinho,
Na qual possas meus versos ocultar.
E dessa forma, conferir-lhes vida
E revestir-lhes de carne o arcabouço,
Pelo breve tremular de teu pescoço,
No deglutir de um soluço a despedida,
Alguma veia suavemente ali a pulsar
Com esse amor que sei não me irás dar.
CANÇÃO PARA TI 3
Já tantas vezes te falei, minha doce amada,
Perdida nas planícies da inconstância,
Tão próxima de mim essa distância
Para tua alma igualmente atribulada!...
Que pela vida foi deveres desprezada,
Na busca atroz de certa substância,
Que para traz deixaste, desde a infância,
Nas páginas de lenda amarfanhada...
Assim escrevo para ti esta canção,
Para que a escutes em total segredo,
Pois foi composta para ti somente!...
Que então a possas gravar no coração,
Guardando em ti a digital deste meu dedo,
No mesmo ritmo a palpitar frequente!...
O VÍCIO DO VENTO I – 02 SET 16
Vou percorrer as linhas magnéticas
e libertar as almas penduradas,
inadvertidamente ali capturadas
em seu voo para plagas mais estéticas.
Talvez tais intenções não sejam éticas:
deveriam por si só ser libertadas
as almas em tais nodos conservadas
de morte bem diversa sendo céticas.
Pesadas foram demais para se alçar
a qualquer páramo cósmico mais terno,
mesmerizadas, talvez, pelo remorso,
comprometidas demais para flutuar,
merecedoras a se julgar do inferno,
ondas de choque a lhes curtir o dorso.
O VÍCIO DO VENTO II
Ali ficam incrustadas em penúria,
em convulsões de tremor impenitente,
periódica epilepsia inconsistente,
atravessadas de inesperada injúria,
já acostumadas aos ventos dessa incúria,
cada vulto em sua torção subitamente,
cada choque novo ordálio persistente,
que então aguardam, em singular luxúria.
Incapazes, no geral, de se mover,
como pássaros em visgo confiscados,
lábios não tendo, nem braços esticados,
apenas sombras em constante padecer,
alheias contrações achando cômicas,
sob o viés das ondas eletrônicas.
O VÍCIO DO VENTO III
Há nessas linhas fulcros de atração,
que capturam, na maior firmeza,
aquelas almas desprovidas de leveza,
que longamente para o céu não flutuarão.
E nesses nódulos e portais há perdição:
têm cintilar de singular beleza,
teus olhares a captar com estranheza,
cantos dos olhos a tremer em confusão.
Algumas mentes nesses nós capturadas
necessitam de ficar em um só lugar,
as mais tolas chegam mesmo a se
arraigar,
porém algumas, por ilações aladas,
aprendem por tais fios a navegar,
as mil vielas do planeta observadas.
O VÍCIO DO VENTO IV
Naturalmente, é uma vida vicarial,
tudo percebem por procuração,
linhas de força a lhes cortar o coração,
sempre presas a este plano terrenal,
sem que a sansara, em seu impulso
sideral
para esgotar a cada humana sensação
seja por elas percorrida em viração,
não mais que sopros de vento no final.
Inertes fazem-se em observadores,
sem o direito de sair ao fim das cenas,
mas para outras volvendo sem remanso,
apresentando alguma vez falsos fulgores,
como santos ou avatares nessas penas,
girando a teu redor sem ter descanso.
O VÍCIO DO VENTO V
Nunca se tornam verdadeiras brisas,
incapazes de teu rosto refrescar,
quase eterno o seu vício singular,
sem afetar sequer o chão que pisas.
Houve lugares demarcados por balizas,
em que os crédulos vieram adorar
aparições que ali se veem manifestar,
templos erguendo intrépidos às visas!
E justamente sobre o fulcro erguem
altar,
em que entronizam a falsa divindade,
talvez mostrando tão só viciosidade
e ali se prostram e pretendem adorar
essas pobres criaturas imperfeitas,
às próprias mágoas presas e sujeitas!
O VÍCIO DO VENTO VI
Certamente de Éolo não são crias,
mas simplesmente por ele
desprezadas,
tristes brisas ali mumificadas,
mentes e almas sem quaisquer valias,
que se condensam nas aparições que vias
ou que por outrem foram mencionadas,
tomadas por deidades encantadas,
inconsistentes vultos nessas vias.
Ventos viciados em perpétuas calmarias,
seu Hades a nutrir, particular,
algumas vezes habitando em esculturas,
veneradas por fiéis em romarias,
sem que de tantos se possam afastar,
sem conferir sequer graças impuras!
MORCEGOS DE CRISTAL I – 3 SET 16
Não existe razão para questões
Quando olhos se fundem noutros olhos,
Na multiplicação desses refolhos,
Cacos de vida saltando aos corações.
Nos olhos brilham muitas gerações,
Das circunvoluções em mil escolhos,
De nova vida buscando alguns espólios
A perpetuar em novas multidões.
Vivem vampiros em nós, benevolentes,
Que se nutrem de nossos pensamentos
E nos inspiram novos sentimentos.
Nestas medíocres rimas inconscientes
Flutuando em nós, na plena simbiose,
Cada ancestral a nos doar pequena dose.
MORCEGOS DE CRISTAL II
De fato, mais que tudo, amor nos dão,
Essa doce e irresistível armadilha,
Que de outro olhar o bote então nos
pilha,
Feito em total e desejada escravidão.
E mesmo os beijos que são nosso quinhão,
Se tornam grades de saliva que ali
brilha
E nos fazem percorrer milha após milha,
Na mesma trilha da arcana aquisição.
Ah, doce amor, que nos prendes no
passado,
Mas que julgamos ao futuro conduzir,
Quão facilmente nossa adesão nos ganhas!
Assim pensamos outro olhar ter conquistado
E o outro pensa que nos pôde seduzir,
Ambas as vistas nas mesmas artimanhas!
MORCEGOS DE CRISTAL III
Contra nós é que explodem esse amor,
Qual uma lança, azagaia ou javelina,
A projetar-se dos olhos da menina
Ou do rapaz soltando raios de calor,
Formado um fluxo do maior vigor,
Que a mente totalmente nos fascina,
A orientar-nos a total futura sina,
Dita gentil a moldar nosso pendor!
Trazendo ao menos qualquer felicidade
E temporária vastidão de benefícios
Para nossa servidão tão voluntária;
Não é um domínio isento de bondade,
Mesmo que o olhar apenas cumpra ofícios
De convocar-nos a tal missão gregária.
MORCEGOS DE CRISTAL IV
Igual morcegos adejam os desejos,
Igual morcegos... totalmente cegos,
Prazer buscando, sem saber que empregos
Fazem de nós, arcanos seus almejos,
Que a teia tecem no cristal dos beijos,
Na escuridão da noite seus afagos,
Ação precípua de alquimistas magos,
Afastando de nós o tom dos pejos.
E nesse desnudar nos escravizam
Nas armadilhas ancestrais do sexo,
Para que em nós se perpetue a raça,
Nesses complexos pendores que repisam,
De nosso egoísmo a descartar o nexo,
Numa incumbência da mais perpétua graça.
MORCEGOS DE CRISTAL V
Por isso, cuida bem de teu olhar,
Antes que venha no de outrem penetrar,
Todo o porvir de tua vida a transmutar
Em benefício de uma nova geração.
Veneno existe, de doçura singular
No contemplar gentil de cada par
Que vasto espaço consegue atravessar,
Para prender-se em completa comunhão.
Na exaltação de total magnetismo
Que referimos como sendo amor
E que, de fato, buscam encontrar:
“Abre-te, Sésamo!” do portal do egoísmo,
Que se abre para nós com estridor,
Mágico instante de mescla singular.
MORCEGOS DE CRISTAL VI
Contudo, após cumprida a sua missão,
Lançado o filho em seu cordão umbilical,
Vão afinal os morcegos de cristal
Estilhaçar-se, quando tombam pelo chão.
Também assim pode partir-se esse cordão
Que nos prendeu em tal instante divinal,
Partilhando desse coro universal
Que se renova a cada geração.
E de algum modo, mesmo que ainda vivos,
Nos reunimos à incansável multidão,
Parte de nós então se esconde nesse
olhar,
Que há de surgir em momentos mais
ativos,
Sempre que novo encantamento forjarão
Olhos perdidos nos olhos de outro
par!...
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DECADÊNCIA & MAIS – 25/8-03/9/2016
Novas Séries de William Lagos
DECADÊNCIA
I – 9 OUT 07
Esvazio
os pulmões, em forte rufo,
que pode
ser sintoma de algo mais
ou
talvez, nem diga nada. Pois jamais
sinto
sintomas de tosse, fleuma ou bufo...
Não
sinto, em absoluto, falta de ar:
é como
se, ao contrário, ar demais
se
acumulasse em mim, talvez fatais
prenúncios,
que me possam dominar
no
futuro, outras ânsias... Talvez fortes,
porque a
idade acomete, sorrateira,
quando
menos se espera... Não é lenta,
é progressiva
e faz pequenos cortes:
retira um
pouco aqui e ali, brejeira,
muito de
leve e, aos poucos, se alimenta...
DECADÊNCIA
II – 25 AGO 2016
É bem
comum, no sexo masculino,
durante
décadas mostrar-se quase igual,
tal qual
se idade não nos trouxesse mal,
o rosto
liso, igual quando menino.
Porém,
subitamente, toca um sino
e chega o
tempo, impondo o seu ritual,
sem mais
protelação do natural
e se
mostra algum sinal, ou pequenino
ou de
repente, por efeito de doença,
ou
qualquer lástima, incômodo ou tristeza
e os anos
se revelam, de repente
e então
se manifesta a decadência,
sobre o
indivíduo mostrando sua proeza,
quando o
transforma em velho, velozmente...
DECADÊNCIA
III
Talvez,
então, lhe cause um “peripaque”,
qualquer
moléstia repentina e já mortal,
sua
exigência sendo rápida e final,
o
velho-moço sofrendo o seu ataque...
Era por
dentro que se formava o baque,
sua
mocidade tão somente artificial,
a
decadência já instalada bem fatal,
sem dar
margem ao rebate de um só saque.
Enquanto
isso, a mulher logo decai,
confundida
a juventude com beleza
e em duas
décadas, tal aparência esvai,
buscando
então os muitos artifícios,
para
burlar a má-fé da Natureza,
tão
depressa a lhe mostrar seus malefícios...
DECADÊNCIA
IV
Surgem as
rugas e lhes decaem os seios,
perdendo
a antiga firmeza original,
a
menopausa a impor seu grande mal,
do
abandono a trazer-lhe seus receios.
É então
que envida os mais potentes meios
para o
recobro da juventude artificial,
entre os
cosméticos e o hormônio natural,
a velhice
disfarçando em tais arreios...
Porém
percebe já estar perdendo a luta,
após
perder pelo sexo o interesse,
enquanto
ainda o conserva seu marido;
inventa
então a andropausa, na mais bruta
defesa
que contra alguma amante desce,
mesmo que
o par já não seja mais querido.
DECADÊNCIA
V
Na
realidade, andropausa é coisa rara
na
maioria dos homens inexistente,
mas
provocada em alguns assaz frequente,
numa
intenção que permanece clara,
que
alguma amante lhe parece coisa cara:
nem é
ciúme de seu corpo ainda presente,
mas do
dinheiro que gastar pressente,
satisfazendo
isso que chega a chamar “tara”.
Entre os
chineses, na verdade, era costume
e em
certa partes talvez hoje permaneça,
a
aquisição de alguma jovem concubina,
que a
função sexual da esposa assume,
sem que os
direitos da esposa alguém esqueça,
que
firmemente controla essa menina...
DECADÊNCIA
VI
Mas entre
nós, o costume é diferente,
apoiado
pelas leis e a religião;
se alguma
amante for tomada na ocasião,
para um
divórcio dará motivo consequente.
E do marido
os bens conserva, permanente,
bem
garantida em tal retaliação,
tudo
tomando e a cobrar mais a pensão,
pouco
deixando para a rival presente...
Da
decadência é tal ritual sobeja
causa
fatal para esse moço-velho,
que uma
repele e a outra já não beija...
Feliz de
quem se consola com sua dita
e como
velho contemplando-se no espelho,
para
nenhuma outra aventura se concita!...
DOLO I –
9 out 2007
Quando a
mulher percebe que o sorriso
muito
mais belo a deixa e sedutora,
senhora
desta arma, sem demora,
a emprega
na conquista, sem aviso,
daquele
alvo fácil... Faz que pense
que é ele
quem conquista e que domina...
A mulher,
normalmente, em cada esquina
controla
quem quiser e fácil vence,
porque é
certo que a mais ignorante
das
mulheres enrola em seu dedinho
o homem
tido por mais inteligente,
conquistado
no sorriso de um instante,
reconquistado
por natural carinho
e
escravizado por um amor potente...
DOLO II –
26 AGO 2016
Sincera
ou não, a arma é verdadeira
e a
mulher bem sabe o que deseja,
mesmo de
longe, quando seus dedos beija
e nos
assopra em vaga bem certeira!
Existe
aquela em que a arma é corriqueira,
novas
conquistas sempre a si enseja;
o
parpadear dos cílios nos adeja,
lançando
arpões como pregões de feira....
E existe
aquela que se determinou
a
alcançar o alvo único que almeja,
para essa
arma empregar com perfeição,
enquanto
o homem certamente se enganou,
pensando
ser aquele que a corteja,
quando de
fato é a presa dessa ação...
DOLO III
Com
brancos dentes cada mulher sorri,
num cintilar
de pura “refrescância”,
como
aquele comercial, hoje à distância,
que o
termo supra nos difundiu aqui...
Em tais
sorrisos eu nem sempre cri,
nem
sequer nos momentos pós-infância;
mas quem
me soube sorrir com elegância,
trouxe
lampejos dos quais nunca esqueci.
A própria
Bíblia a comentar num verso:
“Terrível
como um exército com bandeiras”,
é tal
mulher que passa e nos sorri,
na
comissura dos lábios canto inverso
daquelas
que nos olham altaneiras,
igual que
a gente nem estivesse ali!...
DOLO IV
Há outro
dolo nesta expressão contida:
pelo
canto dos olhos se abre engate
na
avaliação futura de um embate,
em
captura tantas vezes repetida!...
Em piadas
caricatas é inserida
uma
figura troglodita, quando abate
com sua
clava, a fêmea num combate,
pelos
cabelos a arrastar essa escolhida...
Mas terá
isso alguma vez acontecido?
Desenham
pregos nas claves primitivas
e um
golpe certo é bem capaz que a mate!
Acho
difícil que algo assim tenha ocorrido,
decerto
tapas, redes ou outro empate,
armas
melhores para noivas mais esquivas!
DOLO V
Mas a
mulher possui outros artifícios,
que mais
não seja, feromônios em perfume,
quando um
olhar opalescente logo assume,
na testa
adornos como frontispícios...
Os seus
cabelos no requinte desses vícios,
bem
calculados, com que o rosto esfume
ou o
alimento que prepara no seu lume,
mais a
promessa de brejeiros benefícios...
Será
então que ainda precisa do sorriso?
Pois
causa susto entre povos mais selvagens,
tal qual
se os dentes assim arreganhasse!
A face
atenta a demonstrar um pleno siso,
sempre
capaz de sugerir novas paragens,
sem que
um sorriso nela se estampasse!...
DOLO VI
Por isso
chamo “dolo” à covardia
desse
sorriso, com que sabe dominar,
na
indicação, quiçá, de seu beijar,
no
lusco-fusco do desejo que sentia...
Talvez
esteja aqui falando uma heresia,
mas há
traição mesmo ali no meigo esgar,
uma
vantagem que sabe bem aproveitar,
suas
feições revestindo de harmonia...
Pois
certamente não é simples inocente,
e
raramente me podem desmentir:
para os
tesouros do amor essa é a janela!
Arma
gentil que sempre a torna mais potente,
timidamente
ostentando o seu sorrir,
que sabe
bem a torna ainda mais bela!...
AMOR DE
CÂMARA XVII – 2007
A vida é
assim: as coisas nos coriscam
inesperadamente
e sem espera.
O destino
é armadilha, feito fera,
de olhos
ambarinos, que nos piscam,
por
detrás da folhagem, uma esfera
a que
somos atraídos, que confiscam
as nossas
intenções e os planos riscam,
nessa
emoção que um só sorriso gera...
E se
esvai, num momento, todo o tédio,
na sedução
carmesim do desatino,
sem
perceber a que ponto nos apele...
E assim
me sinto preso, sem remédio,
porque
percebo, então, ser meu destino
fazer
amor com as Sonatas de Corelli...
AMOR DE
CÂMARA XVIII – 9 out 2007
Ela
chegou, como quem nada queria:
foi-se
insinuando no meu coração,
sem
sequer me sugerir exaltação,
mas tão
somente versos e poesia...
E eu! Que
escravo sempre fui da melodia
e, em
pentagramas, grafava uma ilusão,
medíocre,
talvez, e sem paixão,
mas que
agradar aos outros conseguia...
E assim
causou-me total devastação,
tão
poderoso esse olhar, que me reluz
e minhas
pretensões fácil combate...
No mais
estranho poder da sedução,
que
dominou-me enfim... e me conduz
a amor
fazer com sonatas de Scarlatti...
HUMILHAÇÃO
I – 10 out 2007
Por
enquanto não posso para mim o teu sorriso
guardar
zelosamente, em sonho tão perfeito.
Embora
lamentar não tenha algum direito,
apenas um
lembrete fazer-te ainda preciso:
Que
tenhas outro amor, que sejas generosa,
é bem
direito teu, teu dom particular.
Concordo
que outros homens desejes abraçar:
jamais eu
negaria orvalho à pura rosa...
Porém me
dói saber que tenha alguém agora
o que não
pude ter, em gozo palpitante,
sabendo
muito bem que em nosso amor, outrora,
prazer
não recebi de ti, em meigo instante.
Tu não me
deste igual, mulher: não tive a aurora
de em ti
me derramar no orgasmo delirante...
HUMILHAÇÃO
II – 27 AGO 2016
Será que
dói de fato a humilhação
desse
desprezo que para mim mostraste?
Será
apenas saber que te entregaste
a alguém
que tenha menos nobre formação?
Que teu
sorriso, gardênias em botão,
seja
colhido, depois que mo mostraste,
por algum
mais que para mim afaste
esse
tesouro que escapou-se de minha mão?
Será que
dói, de fato, essa tristeza
de que
fui eu que não te mereci,
que foi
por própria culpa que perdi
a dupla
jóia, azul como turquesa,
que
contemplei, tão de perto, em teu olhar,
porém não
fui capaz de conservar?
HUMILHAÇÃO
III
Será que
eu mesmo, por perversidade,
mescla de
enleio e de autopunição,
para fugires
de mim dei-te razão
ou te
perdi por pura ingenuidade...?
Que tenha
sido em covardia, na verdade,
que não
soube competir pela emoção,
que um
dia pensei, em vaga exaltação,
ser minha
plena, em integralidade...?
Será,
talvez, que me julguei como inferior
àquele
que almejava o teu amor
e desta
forma, te afastei de mim...?
Será que
me entreguei a um falso orgulho,
sem me
dispor a combater o esbulho,
e
destarte te entreguei para o arlequim...?
HUMILHAÇÃO
IV
Será que
posso, realmente, discernir
quais os
motivos por trás disso tudo...?
Será que
de algum modo ainda me iludo
ter sido
eu mesmo que te deixei fugir...?
Será que
penso esteve em mim o permitir
lançar
dos dados nesse amoroso ludo...?
Será que
pude imaginar, contudo,
que outro
desfecho pudesse definir...?
Será que,
eventualmente, se eu lutasse,
o
resultado terminaria igual
e de nada
adiantaria o que fizesse...?
E se no
fundo, por mais que batalhasse,
pertencerias
mesmo a meu rival,
nessa
roda do destino que acontece...?
HUMILHAÇÃO
V
Será que
então, nas vascas do temor
de ser,
de qualquer modo, derrotado,
me
recusei a ser por ti humilhado
e não
mais me esforcei por teu amor...?
Será,
talvez, que busquei ser sofredor,
para
sentir-me assim martirizado
e as
flébeis sensações aproveitado
para ampliar
o meu poético pendor...?
Já muita
vez pensei que fosse assim,
que tal
amor derruído no passado,
que meu
desejo nesse então decapitado,
fosse
plantado dos sonetos no jardim
e
reflorisse em cantos de verbenas
na
multidão servil de meus poemas...
HUMILHAÇÃO
VI
Pois te
confesso que gozei outros amores,
mil
sorrisos que agora se misturam,
essas mil
faces que nos olhos não perduram,
que nem
recordo após mil estertores...
Rasgo a
memória, perdidos seus pendores,
esquecidos
os mil lábios que então juram,
mal
lembrados mil prazeres que me curam,
em sua
nuvem majestosa de calores...
E que
todos os mil beijos que gozei,
em uma só
e única boca se confundam,
sem que
eu esqueça aquela que não tive,
o
terciopelo dessa carne que almejei,
humilhações
que sobremodo abundam,
que matar
eu busquei, mas não contive!...
ALFORRIA
I – 11 out 2007
Tal como
encantamento se quebrasse
[ou fosse
sobre mim, então lançado],
despertei
de meu sono, descansado,
e senti
como se amor não mais cantasse,
no
interior de meu peito; e levantasse
de sobre
mim seu véu. E o olhar magoado
mirasse
em torno e um mundo renovado
dos céus
à terra de novo contemplasse.
Teu amor
dissipou-se, doce estrela...
A flor
azul totalmente emurcheceu,
despetalou-se...
E a pétala singela
que sobre
o caule ainda permanece,
perdeu o
antigo brilho... E reviveu
meu
coração vazio, em muda prece...
ALFORRIA
II – 28 AGO 16
Mas quem
disse que tal foi libertação?
Em todo
amor existe a servitude,
que seja
algo de livre nunca ilude,
se houver
amor, também existe servidão.
Não somos
donos de nosso coração
e nem
queremos ser, Deus nos ajude!
Fugir ao
amor é vã tarefa rude,
escravos
somos todos da emoção.
E se no
amor ainda livres nos sentimos,
alternativas
podendo procurar,
não é
real de amor a parceria...
Mas pelo
sexo tão só nos seduzimos,
sem
fatores mais nobres demonstrar,
enquanto
a busca ainda livre seguiria...
ALFORRIA
III
O que
sempre nos atrai é a sedução
de um
novo amor, os olhos a piscar,
essa
ânsia de invadir-lhe seu olhar,
para gozar
das delícias que ali estão,
apenas
entrevistas na ocasião,
no anseio
oculto para a raça continuar,
que bem
sabemos continua a dominar
os
julgamentos, a colorir cada emoção.
De fato,
somos falsamente racionais,
sempre
guiados, até maugrado nosso,
pelas
leis que nos impõem os cromossomos,
que não
podemos dispensar jamais
(ou que
querer dominar sequer não posso),
até esse
dia em que algures formos.
ALFORRIA
IV
É bem
verdade que as correntes desse amor
nos
libertam das prisões de nosso egoísmo,
pois quem
ama é infundido de altruísmo:
quanto se
dá, mais se ganha de valor...
Na
amorosa construção há mais calor
ou talvez
conformidade a tal modismo;
mas
certamente é o mais buscado abismo,
no qual
saltamos com algum temor!...
Não da
recusa – mas da aceitação,
ao
abdicarmos da falsa liberdade
de nos
podermos conservar em solidão;
e nessa
aceitação da servitude,
caso a
aceitemos com sinceridade,
nossa
alma alcança enfim certa virtude.
ALFORRIA
V
Criou
Platão o mito das metades:
cortados
fomos por aérea cimitarra,
que foi
brandida por divina garra,
imperfeitos
a nos fazer em arcanidades!
Mas longe
de dar-nos liberdades,
esse
corte em vasto anseio esbarra:
em vão
lançamos ao redor a amarra,
sem
alcançarmos jamais as saciedades.
É tão
estranho que se chame de platônico
esse amor
que não busca real abraço,
mas se
contenta a contemplar o traço
dos
passos ou perfume, algo de irônico!
Tal qual
houvesse até sinceridade
em
recusar encontrar-se com a metade!
ALFORRIA
VI
Isso que
amor é, de fato, encantamento,
quando
pensamos, por artes de magia,
que essa
outra metade se acharia
naquele
par que nos doma o julgamento;
e se por
meio de inesperado evento,
talvez –
ou sonho – ou voz que a gente ouvia –
é
perturbada tal feitiçaria
e dentro
em nós esmorece o sentimento,
recuperamos
essa triste liberdade
de sermos
a metade de nós mesmos,
andando
por aí como aleijados,
qual em
encanto de pura crueldade,
os
pensamentos perdidos pelos ermos,
sem que
sejamos nós mesmos alforriados!
AMOR DE
CÂMARA XIX – 2007
Há momentos
de entrega absoluta,
em que se
abre mão do ter ou ser,
na
estranha mescla de dor e de prazer,
que é a
abdicação mais resoluta
do
próprio ideal de si, por quem se escuta
a
murmurar, talvez sem perceber,
promessas
que preferiria receber,
no archote
e cálice que a paixão transmuta.
São
nessas ocasiões, de som impenetrável,
que se
percebe a outrem pertencer,
que
nos governa totalmente fé e conduta...
São tais
momentos, de ilusão inescrutável,
em que a
emoção nos compele a assim fazer
amor...
enquanto Wagner se escuta...
CRIMINALÍSTICA
I – 29 AGO 16
Em
vestígios de luz eu me transporto,
embriagado
em soma inescrutável;
cavalgo
a brisa desse imponderável
e
acima do horizonte me comporto,
as
nuvens constelares meu conforto
e a
vastidão de elétrons num amável
confabular
pelas tramas do incontável,
pelas
camadas de ozônio meu desporto.
Assim
deslizo pela atmosfera
e
deslizar no vento é meu deslize,
imagem
de mim mesmo em mil imagens,
estrato
a se irradiar na estratosfera,
inconsútil
demais que a Terra pise,
envolvido
nesse fólio de folhagens...
CRIMINALÍSTICA
II
Assim
expando todos os limites,
perturbador
da cósmica harmonia,
subversivo
a quanto ao redor via,
opositor
a quanto tu me dites,
Mãe
Natureza – espero não te irrites
com
estranhas frases feitas de ousadia,
pois
tão só imaginação te perseguia
nesses
páramos celestes em que habites.
Dentro
do cérebro não há qualquer fronteira,
por
mais que seja pelo crânio limitado,
a
mente dança nas circunvoluções,
à
dura-máter de braço dado, inteira,
da
pia-máter todo o círculo esgarçado,
a
aracnoide ludibriando há gerações...
CRIMINALÍSTICA
III
Não
se limita a mente aos parietais,
nem a
quimera é cerceada pela pele:
cavalga
Pégaso na ventania que procele,
Leviathan
a montar nos abissais;
ela
se expande à frente dos frontais
em
que o terceiro olho atento vele,
supraquiasmático
centro que revele (*)
o
mecanismo dos sonhos fantasmais.
(*) Centro controlador do sono, atrás do
meio da testa.
Mais
que traidor, o vate é transgressor
em
suas metáforas de flavor arcano:
sou
criminoso em meu mister de aedo,
aos
pés dos deuses irrequieto adorador,
minha
lira a dedilhar salmo profano
e nem
a suas advertências então cedo.
CRIMINALÍSTICA
IV
Bem
além dos estígios me projeto,
sem
que me possa conter o velho Dante;
Caronte
desafiei como hierofante, (*)
a
descrever dos humanos cada afeto,
(*) Supremo sacerdote dos Mistérios.
a
alma inteira a se tornar meu objeto,
mesmo
votado à humildade triunfante,
dentes
cerrados trauteando meu descante,
quer
seja ele sublime ou abjeto
e a
cada muro ou parede desafio:
junto
as muralhas a tombar de Jericó
toco
o shofar e não me encontro só;
no
terremoto previsto já confio,
as
pedras tombam sem ferir-me o pé,
na
mesma angústia com que venceu Josué!
CRIMINALÍSTICA
V
E tu,
gentil amiga, não esqueças:
pode
tua alma transgredir igual espaço,
pode
teu sonho conquistar cada pedaço,
sem
que da divindade nunca desças;
os
teus limites, de fato, jamais meças;
o
próprio Cristo proclamou, em manso abraço:
“Lembrai-vos,
sois deuses!” – nesse passo
de
seu sermão, a convidar que cresças,
mais
que teus pais disseram que podias
ou
que teu coração teme em silêncio,
que o
Universo é teu, caso acredites
que
muito mais há a teu alcance do que crias,
revoluteando
na fumaça desse incenso,
paredes
falsas para o mundo que hoje habites.
CRIMINALÍSTICA
VI
As
circunstâncias são apenas ilusórias;
caso
empurres as paredes, são pastosas,
sem
solidez as vastidões gasosas,
podes
transpor essas fendas peremptórias;
as
grades que encontrares são espúrias,
não
há valas de falésias perigosas,
são
só ilusões, horrendas ou formosas,
somente
um mundo de aparências desultórias;
toma,
portanto, o vento por ginete
e
emprega doces brisas como arreios,
de
tua jornada somente os sonhos freios;
enfrenta
a rocha, que se fará confete,
lança
teus dedos como serpentinas
e vem
comigo partilhar de estranhas sinas!
TIORBA I – 30 AGO 16
EM TRANSPARÊNCIA E INSUBSTANCIALIDADE
TE ENVIO MEU AMOR, ROSA DE ESPINHOS,
POR MENOS QUE RECEBA TEUS CARINHOS,
MINHALMA TE JUROU E TERÁ FIDELIDADE,
NA PULCRITUDE DA MAIS ESTRANHA QUALIDADE (*)
MEU ESPÍRITO SE ELEVA E OS SONS MESQUINHOS
QUE ME PUXAM À TERRA, AZEDOS VINHOS
EM MAIS NADA ME PERTURBAM A INTENSIDADE.
(*) BELEZA
.
ASSIM VOO PARA TI, SONORA LUZ,
EM BUSCA DE TEUS OLHOS, NUM RELANCE,
POUCO ME IMPORTA SE NÃO CORRESPONDES.
É MAIS O AMOR DE TI QUE ME SEDUZ
DO QUE TUA SIMPLES POSSE EM DOCE TRANSE
E NEM LASTIMO QUANDO AMOR ME ESCONDES.
TIORBA II
OLHA QUE AMOR É TAMBEM UMA ILUSÃO.
OUTRO ASPECTO INCONSÚTIL DESSA MAYA,
SEM FIM E SEM COMEÇO NA SUA RAIA,
NASCE NA MENTE E DESCE AO CORAÇÃO,
DO MESMO MODO QUE QUALQUER EMPOLGAÇÃO,
QUE SOBRE MIM JAMAIS TEU SANGUE CAIA,
TOMA O UNIVERSO DOS SONHOS EM TUA BAIA
NESSE CANTO INAUDÍVEL DE AUDIÇÃO..
E SENDO ASSIM TRANSPOSTO TEU LIMITE
EMPURRO A LONA PARA QUE SE AGITE
E ENTÃO INGRESSO NA TENDA DE TEU SER,
POR MAIS QUE SEJA NO FUNDO MAIS SECRETO
QUE O COSMOS TODO DE ESPLENDOR DILETO
QUE JÁ PUDE DESVENDAR EM MEU QUERER.
TIORBA III
MULHER GENTIL QUE NUNCA CONHECI,
NEM TE CONHEÇO POR IDADE OU COR,
APENAS SEI DA IMENSIDÃO DE TEU AMOR,
QUE DESDE O INÍCIO DESTE VERSO EU INVADI.
SÓ NAS VÁRZEAS DO SONHO JÁ TE VI
E NEM RECORDO DE TEUS OLHOS O TEOR
OU OS RECORTES DE TEU ROSTO SEDUTOR,
DESCONHECIDA, MAS QUE AMO DESDE AQUI.
ASSIM EU VOO PARA TI COM INSISTÊNCIA,
BUSCANDO PELO ASTRAL A DUPLA LUZ
QUE ME REVELAM OS BICOS DE TEUS SEIOS,
POR ENTRE MIL VOLUTAS DE INCONSCIÊNCIA,
ASSIM EU VOGO, MEUS BRAÇOS EM CRUZ,
PARA ABRAÇAR-TE, EMBALDE TEUS RECEIOS.
TIORBA IV
ERA A TIORBA UM TIPO DE ALAÚDE,
PORÉM MAIS LONGO, DE COMPRIDO BRAÇO,
A SER ACALENTADA NUM ABRAÇO,
DELA TIRANDO O MEIGO SOM QUE ILUDE.
FOI IGUALMENTE CHAMADA ARQUIALAÚDE,
COM DOZE CORDAS DE SEMELHANTE TRAÇO,
NUM EMARANHADO A ATRAPALHAR O PASSO,
DESAFIO PRONTO A UM INTERPRETE MAIS RUDE.
LEMBRAVA A TÁBUA DO ITALIANO PERFUMISTA,
COM O FORMATO EM QUE MOÍA CADA ESSÊNCIA:
ALGUÉM ALI NOTOU CERTAS VINHAS ESTIRADAS,
PENSANDO LOGO EM MUSICAL CONQUISTA,
QUE EXECUTOU A GOLPES DE PACIÊNCIA,
ATÉ EXPOR SUAS NOTAS ENCANTADAS.
TIORBA V
E ASSIM, NOS LAIVOS DA IMAGINAÇÃO,
PERCEBEREI COMO CORDAS TEUS CABELOS
E OS TANGEREI EM MÍSTICOS DESVELOS
COMO O INSTRUMENTO DA MAIS PURA PERFEIÇÃO
QUE VEJO EM TI QUAL ESTOJO DE PAIXÃO:
SÃO DOZE VEIAS COMO DOZE SELOS,
CORDAS VOCAIS EM DOZE CANTOS BELOS
QUE APENAS TOCA QUEM SOUBER TER DEVOÇÃO.
E NISSO TUDO NEM MOSTRO ATREVIMENTO,
POIS CERTAMENTE NUNCA A MIM VERÁS,
PELO MENOS NESTES PLANOS MATERIAIS
MAS POR ONÍRICO QUE SEJA O JULGAMENTO,
ENTRE TEUS BRAÇOS ME RECEBERÁS
PELOS VIRENTES PRADOS SIDERAIS.
TIORBA VI
OU, QUEM SABE, SERÁS TU QUE ME IMAGINES
E ME DESEJES, QUAL TIORBA, DEDILHAR
AS DOZE CORDAS DO ANTIGO MEU PENAR,
RETALHADAS NO ARCABOUÇO DE MEUS VIMES.
EM TEU SONHO SERÁS TU QUE ME FASCINES,
FEITO DE SOMBRA E LUZ PARA AMANHAR,
ENTRE FUMAÇA MINHA FIGURA A IMAGINAR,
QUE NOS TEUS BRAÇOS, QUAL INFANTE, NINES.
DONZELA-TIORBA, DAMA DE MISTICISMO,
TAL QUAL POSSA SER OUSADO MEU DESEJO,
PERFEITO POSSA IMAGINAR TEU BEIJO,
FEITO DE LUZ E SOM DE ROMANTISMO,
NAS BREVES LINHAS QUE TE ESCREVO AGORA
MEU PORVIR ESCRAVIZADO AO TEU OUTRORA!...
BRADICINESIA I – 31 AGO 16
NESSA PRIMEIRA VEZ QUE DEZ SONETOS
FIZ NUM SÓ DIA, EM DELÍRIO E DESVARIO,
PROVEI O ORGULHO DE UM ANIMAL NO CIO,
PEQUENO ORGASMO DERRAMADO EM TAIS AFETOS.
NÃO ENTENDI, NESSA OCASIÃO, QUE TAIS EFEITOS,
TRIUNFOS SIMPLES DE MANHÃ DE ESTIO,
SE FOSSEM REPETIR AO CABO E AO FIO
DESSES ANOS SEGUINTES E INDISCRETOS.
JULGUEI ENTÃO QUE MÉRITO MEU FOSSEM,
DESLUMBRADO POR TAL REALIZAÇÃO
E NÃO APENAS POR CAPTAR DA INSPIRAÇÃO
DE POETAS MORTOS QUE ENTÃO EM MIM REMOCEM
E QUE ME OLHARAM COM CONDESCENDÊNCIA,
QUANDO JULGUEI SER MINHA A SUA POTÊNCIA...
BRADICINESIA II
EM OUTROS VEJO A TRISTE LENTIDÃO,
CHAMADA ÀS VEZES DE BRADICINESIA,
NESSE VAGAR QUE ENVOLVE SUA POESIA
PELA FALTA DE CONSTANTE INSPIRAÇÃO.
E AINDA VEJO O QUANTO APLICARÃO
PARA REUNIR A MINÚSCULA VALIA,
TANTO QUANTO SEU ESTRO PERMITIA
E A VAIDADE COM QUE O PUBLICARÃO!...
E COMPARANDO O HODIERNO COM O ANTANHO,
INVERSA BRADICINESIA EU AVALIO,
QUE FOI SENDO DERROTADA PELA IDADE,
POIS CADA ANO MAIS ME AUMENTA O GANHO,
QUE O PROGRESSO DOS SINTOMAS CONTRARIO
NO INCREMENTO DE MINHA FACILIDADE...
BRADICINESIA III
NA VERDADE, É UM MALIGNO SINTOMA,
QUE DIFICULTA, POUCO A POUCO, A VIDA,
MAIS QUE O TREMOR A QUE PARKINSON CONVIDA,
CUJO CONTROLE, ÀS VEZES, SE RETOMA.
MAS A BRADICINESIA É INVERSA SOMA,
PARA TODA RADIDEZ A DESPEDIDA,
O MENOR MOVIMENTO TORNA EM LIDA,
ATÉ O SIMPLES VIRAR NO LEITO EMBROMA.
PARA BANHAR-SE, COMER OU SE VESTIR,
DA OPERAÇÃO MENTAL O ENCADEAMENTO,
NUMA PERDA DE POTÊNCIA PROGRESSIVA,
TAL QUAL DA VIDA ESTIVESSE UM A FUGIR,
PERDIDO NA INDOLÊNCIA MAIS SEDIÇA,
QUAL CAMINHANTE EM AREIA MOVEDIÇA.
BRADICINESIA Iv
POR ISSO EXISTE UMA CERTA CRUELDADE
NESSE TÍTULO QUE ACIMA EU ESCOLHI,
UMA CERTA EMPATIA QUE PERDI,
OU MESMO FALTA DE SENSIBILIDADE.
NO MEU ORGULHO, DESDÉM, QUIÇÁ VAIDADE,
COM QUE COMPARO A LENTIDÃO QUE VI
COM A RAPIDEZ QUE HOJE MOSTRO AQUI,
UM TANTO ACIMA DO NORMAL DA HUMANIDADE.
MAS NESSE INSTANTE MAIS PERCEBO A PROTEÇÃO
QUE ME CONFERE A ESPIRITUALIDADE,
PELO QUE HOJE AGRADEÇO, EM HUMILDADE.
MINHA LUTA É O OPOSTO DE TODA A LENTIDÃO,
QUANDO ME ESFORÇO PARA FECHAR A ECLUSA
DA INSPIRAÇÃO QUE ATÉ DE MIM ABUSA...
CANÇÃO PARA TI 1 – 1º Srt 2016
Como folha de espada na bainha,
Meu grito fica preso na garganta;
Sem que o escutem, a ninguém espanta:
Nenhum rancor nos outros abespinha.
Mas quem disse que o desejo, minha rainha?
Essas palavras que meu estro canta
Dínamo são que amor somente imanta
E que do mundo exterior nem se avizinha.
E pelas ruas só passam de raspão,
Sem quaisquer casas buscando penetrar,
Influenciando corações e mentes,
Nem vasto mundo invadindo de roldão,
Pois desconfio que só iria incomodar
Tal multidão de versos tão prementes.
CANÇÃO PARA TI 2
A ti somente é que desejo perturbar,
De tua alma o mais recôndito escaninho,
Toda a vaza agitar com meu carinho,
Teus pensamentos buscando avassalar.
Talvez arranque de ti um suspirar,
A despertar-te algum langor mesquinho,
Qualquer saudade a chamar, devagarinho,
Na qual possas meus versos ocultar.
E dessa forma, conferir-lhes vida
E revestir-lhes de carne o arcabouço,
Pelo breve tremular de teu pescoço,
No deglutir de um soluço a despedida,
Alguma veia suavemente ali a pulsar
Com esse amor que sei não me irás dar.
CANÇÃO PARA TI 3
Já tantas vezes te falei, minha doce amada,
Perdida nas planícies da inconstância,
Tão próxima de mim essa distância
Para tua alma igualmente atribulada!...
Que pela vida foi deveres desprezada,
Na busca atroz de certa substância,
Que para traz deixaste, desde a infância,
Nas páginas de lenda amarfanhada...
Assim escrevo para ti esta canção,
Para que a escutes em total segredo,
Pois foi composta para ti somente!...
Que então a possas gravar no coração,
Guardando em ti a digital deste meu dedo,
No mesmo ritmo a palpitar frequente!...
O VÍCIO DO VENTO I – 02 SET 16
Vou percorrer as linhas magnéticas
e libertar as almas penduradas,
inadvertidamente ali capturadas
em seu voo para plagas mais estéticas.
Talvez tais intenções não sejam éticas:
deveriam por si só ser libertadas
as almas em tais nodos conservadas
de morte bem diversa sendo céticas.
Pesadas foram demais para se alçar
a qualquer páramo cósmico mais terno,
mesmerizadas, talvez, pelo remorso,
comprometidas demais para flutuar,
merecedoras a se julgar do inferno,
ondas de choque a lhes curtir o dorso.
O VÍCIO DO VENTO II
Ali ficam incrustadas em penúria,
em convulsões de tremor impenitente,
periódica epilepsia inconsistente,
atravessadas de inesperada injúria,
já acostumadas aos ventos dessa incúria,
cada vulto em sua torção subitamente,
cada choque novo ordálio persistente,
que então aguardam, em singular luxúria.
Incapazes, no geral, de se mover,
como pássaros em visgo confiscados,
lábios não tendo, nem braços esticados,
apenas sombras em constante padecer,
alheias contrações achando cômicas,
sob o viés das ondas eletrônicas.
O VÍCIO DO VENTO III
Há nessas linhas fulcros de atração,
que capturam, na maior firmeza,
aquelas almas desprovidas de leveza,
que longamente para o céu não flutuarão.
E nesses nódulos e portais há perdição:
têm cintilar de singular beleza,
teus olhares a captar com estranheza,
cantos dos olhos a tremer em confusão.
Algumas mentes nesses nós capturadas
necessitam de ficar em um só lugar,
as mais tolas chegam mesmo a se
arraigar,
porém algumas, por ilações aladas,
aprendem por tais fios a navegar,
as mil vielas do planeta observadas.
O VÍCIO DO VENTO IV
Naturalmente, é uma vida vicarial,
tudo percebem por procuração,
linhas de força a lhes cortar o coração,
sempre presas a este plano terrenal,
sem que a sansara, em seu impulso
sideral
para esgotar a cada humana sensação
seja por elas percorrida em viração,
não mais que sopros de vento no final.
Inertes fazem-se em observadores,
sem o direito de sair ao fim das cenas,
mas para outras volvendo sem remanso,
apresentando alguma vez falsos fulgores,
como santos ou avatares nessas penas,
girando a teu redor sem ter descanso.
O VÍCIO DO VENTO V
Nunca se tornam verdadeiras brisas,
incapazes de teu rosto refrescar,
quase eterno o seu vício singular,
sem afetar sequer o chão que pisas.
Houve lugares demarcados por balizas,
em que os crédulos vieram adorar
aparições que ali se veem manifestar,
templos erguendo intrépidos às visas!
E justamente sobre o fulcro erguem
altar,
em que entronizam a falsa divindade,
talvez mostrando tão só viciosidade
e ali se prostram e pretendem adorar
essas pobres criaturas imperfeitas,
às próprias mágoas presas e sujeitas!
O VÍCIO DO VENTO VI
Certamente de Éolo não são crias,
mas simplesmente por ele
desprezadas,
tristes brisas ali mumificadas,
mentes e almas sem quaisquer valias,
que se condensam nas aparições que vias
ou que por outrem foram mencionadas,
tomadas por deidades encantadas,
inconsistentes vultos nessas vias.
Ventos viciados em perpétuas calmarias,
seu Hades a nutrir, particular,
algumas vezes habitando em esculturas,
veneradas por fiéis em romarias,
sem que de tantos se possam afastar,
sem conferir sequer graças impuras!
MORCEGOS DE CRISTAL I – 3 SET 16
Não existe razão para questões
Quando olhos se fundem noutros olhos,
Na multiplicação desses refolhos,
Cacos de vida saltando aos corações.
Nos olhos brilham muitas gerações,
Das circunvoluções em mil escolhos,
De nova vida buscando alguns espólios
A perpetuar em novas multidões.
Vivem vampiros em nós, benevolentes,
Que se nutrem de nossos pensamentos
E nos inspiram novos sentimentos.
Nestas medíocres rimas inconscientes
Flutuando em nós, na plena simbiose,
Cada ancestral a nos doar pequena dose.
MORCEGOS DE CRISTAL II
De fato, mais que tudo, amor nos dão,
Essa doce e irresistível armadilha,
Que de outro olhar o bote então nos
pilha,
Feito em total e desejada escravidão.
E mesmo os beijos que são nosso quinhão,
Se tornam grades de saliva que ali
brilha
E nos fazem percorrer milha após milha,
Na mesma trilha da arcana aquisição.
Ah, doce amor, que nos prendes no
passado,
Mas que julgamos ao futuro conduzir,
Quão facilmente nossa adesão nos ganhas!
Assim pensamos outro olhar ter conquistado
E o outro pensa que nos pôde seduzir,
Ambas as vistas nas mesmas artimanhas!
MORCEGOS DE CRISTAL III
Contra nós é que explodem esse amor,
Qual uma lança, azagaia ou javelina,
A projetar-se dos olhos da menina
Ou do rapaz soltando raios de calor,
Formado um fluxo do maior vigor,
Que a mente totalmente nos fascina,
A orientar-nos a total futura sina,
Dita gentil a moldar nosso pendor!
Trazendo ao menos qualquer felicidade
E temporária vastidão de benefícios
Para nossa servidão tão voluntária;
Não é um domínio isento de bondade,
Mesmo que o olhar apenas cumpra ofícios
De convocar-nos a tal missão gregária.
MORCEGOS DE CRISTAL IV
Igual morcegos adejam os desejos,
Igual morcegos... totalmente cegos,
Prazer buscando, sem saber que empregos
Fazem de nós, arcanos seus almejos,
Que a teia tecem no cristal dos beijos,
Na escuridão da noite seus afagos,
Ação precípua de alquimistas magos,
Afastando de nós o tom dos pejos.
E nesse desnudar nos escravizam
Nas armadilhas ancestrais do sexo,
Para que em nós se perpetue a raça,
Nesses complexos pendores que repisam,
De nosso egoísmo a descartar o nexo,
Numa incumbência da mais perpétua graça.
MORCEGOS DE CRISTAL V
Por isso, cuida bem de teu olhar,
Antes que venha no de outrem penetrar,
Todo o porvir de tua vida a transmutar
Em benefício de uma nova geração.
Veneno existe, de doçura singular
No contemplar gentil de cada par
Que vasto espaço consegue atravessar,
Para prender-se em completa comunhão.
Na exaltação de total magnetismo
Que referimos como sendo amor
E que, de fato, buscam encontrar:
“Abre-te, Sésamo!” do portal do egoísmo,
Que se abre para nós com estridor,
Mágico instante de mescla singular.
MORCEGOS DE CRISTAL VI
Contudo, após cumprida a sua missão,
Lançado o filho em seu cordão umbilical,
Vão afinal os morcegos de cristal
Estilhaçar-se, quando tombam pelo chão.
Também assim pode partir-se esse cordão
Que nos prendeu em tal instante divinal,
Partilhando desse coro universal
Que se renova a cada geração.
E de algum modo, mesmo que ainda vivos,
Nos reunimos à incansável multidão,
Parte de nós então se esconde nesse
olhar,
Que há de surgir em momentos mais
ativos,
Sempre que novo encantamento forjarão
Olhos perdidos nos olhos de outro
par!...
Recanto das Letras > Autores > William Lagos
brasilemversos > brasilemversos-rs > William Lagos
DECADÊNCIA & MAIS – 25/8-03/9/2016
Novas Séries de William Lagos
DECADÊNCIA
I – 9 OUT 07
Esvazio
os pulmões, em forte rufo,
que pode
ser sintoma de algo mais
ou
talvez, nem diga nada. Pois jamais
sinto
sintomas de tosse, fleuma ou bufo...
Não
sinto, em absoluto, falta de ar:
é como
se, ao contrário, ar demais
se
acumulasse em mim, talvez fatais
prenúncios,
que me possam dominar
no
futuro, outras ânsias... Talvez fortes,
porque a
idade acomete, sorrateira,
quando
menos se espera... Não é lenta,
é progressiva
e faz pequenos cortes:
retira um
pouco aqui e ali, brejeira,
muito de
leve e, aos poucos, se alimenta...
DECADÊNCIA
II – 25 AGO 2016
É bem
comum, no sexo masculino,
durante
décadas mostrar-se quase igual,
tal qual
se idade não nos trouxesse mal,
o rosto
liso, igual quando menino.
Porém,
subitamente, toca um sino
e chega o
tempo, impondo o seu ritual,
sem mais
protelação do natural
e se
mostra algum sinal, ou pequenino
ou de
repente, por efeito de doença,
ou
qualquer lástima, incômodo ou tristeza
e os anos
se revelam, de repente
e então
se manifesta a decadência,
sobre o
indivíduo mostrando sua proeza,
quando o
transforma em velho, velozmente...
DECADÊNCIA
III
Talvez,
então, lhe cause um “peripaque”,
qualquer
moléstia repentina e já mortal,
sua
exigência sendo rápida e final,
o
velho-moço sofrendo o seu ataque...
Era por
dentro que se formava o baque,
sua
mocidade tão somente artificial,
a
decadência já instalada bem fatal,
sem dar
margem ao rebate de um só saque.
Enquanto
isso, a mulher logo decai,
confundida
a juventude com beleza
e em duas
décadas, tal aparência esvai,
buscando
então os muitos artifícios,
para
burlar a má-fé da Natureza,
tão
depressa a lhe mostrar seus malefícios...
DECADÊNCIA
IV
Surgem as
rugas e lhes decaem os seios,
perdendo
a antiga firmeza original,
a
menopausa a impor seu grande mal,
do
abandono a trazer-lhe seus receios.
É então
que envida os mais potentes meios
para o
recobro da juventude artificial,
entre os
cosméticos e o hormônio natural,
a velhice
disfarçando em tais arreios...
Porém
percebe já estar perdendo a luta,
após
perder pelo sexo o interesse,
enquanto
ainda o conserva seu marido;
inventa
então a andropausa, na mais bruta
defesa
que contra alguma amante desce,
mesmo que
o par já não seja mais querido.
DECADÊNCIA
V
Na
realidade, andropausa é coisa rara
na
maioria dos homens inexistente,
mas
provocada em alguns assaz frequente,
numa
intenção que permanece clara,
que
alguma amante lhe parece coisa cara:
nem é
ciúme de seu corpo ainda presente,
mas do
dinheiro que gastar pressente,
satisfazendo
isso que chega a chamar “tara”.
Entre os
chineses, na verdade, era costume
e em
certa partes talvez hoje permaneça,
a
aquisição de alguma jovem concubina,
que a
função sexual da esposa assume,
sem que os
direitos da esposa alguém esqueça,
que
firmemente controla essa menina...
DECADÊNCIA
VI
Mas entre
nós, o costume é diferente,
apoiado
pelas leis e a religião;
se alguma
amante for tomada na ocasião,
para um
divórcio dará motivo consequente.
E do marido
os bens conserva, permanente,
bem
garantida em tal retaliação,
tudo
tomando e a cobrar mais a pensão,
pouco
deixando para a rival presente...
Da
decadência é tal ritual sobeja
causa
fatal para esse moço-velho,
que uma
repele e a outra já não beija...
Feliz de
quem se consola com sua dita
e como
velho contemplando-se no espelho,
para
nenhuma outra aventura se concita!...
DOLO I –
9 out 2007
Quando a
mulher percebe que o sorriso
muito
mais belo a deixa e sedutora,
senhora
desta arma, sem demora,
a emprega
na conquista, sem aviso,
daquele
alvo fácil... Faz que pense
que é ele
quem conquista e que domina...
A mulher,
normalmente, em cada esquina
controla
quem quiser e fácil vence,
porque é
certo que a mais ignorante
das
mulheres enrola em seu dedinho
o homem
tido por mais inteligente,
conquistado
no sorriso de um instante,
reconquistado
por natural carinho
e
escravizado por um amor potente...
DOLO II –
26 AGO 2016
Sincera
ou não, a arma é verdadeira
e a
mulher bem sabe o que deseja,
mesmo de
longe, quando seus dedos beija
e nos
assopra em vaga bem certeira!
Existe
aquela em que a arma é corriqueira,
novas
conquistas sempre a si enseja;
o
parpadear dos cílios nos adeja,
lançando
arpões como pregões de feira....
E existe
aquela que se determinou
a
alcançar o alvo único que almeja,
para essa
arma empregar com perfeição,
enquanto
o homem certamente se enganou,
pensando
ser aquele que a corteja,
quando de
fato é a presa dessa ação...
DOLO III
Com
brancos dentes cada mulher sorri,
num cintilar
de pura “refrescância”,
como
aquele comercial, hoje à distância,
que o
termo supra nos difundiu aqui...
Em tais
sorrisos eu nem sempre cri,
nem
sequer nos momentos pós-infância;
mas quem
me soube sorrir com elegância,
trouxe
lampejos dos quais nunca esqueci.
A própria
Bíblia a comentar num verso:
“Terrível
como um exército com bandeiras”,
é tal
mulher que passa e nos sorri,
na
comissura dos lábios canto inverso
daquelas
que nos olham altaneiras,
igual que
a gente nem estivesse ali!...
DOLO IV
Há outro
dolo nesta expressão contida:
pelo
canto dos olhos se abre engate
na
avaliação futura de um embate,
em
captura tantas vezes repetida!...
Em piadas
caricatas é inserida
uma
figura troglodita, quando abate
com sua
clava, a fêmea num combate,
pelos
cabelos a arrastar essa escolhida...
Mas terá
isso alguma vez acontecido?
Desenham
pregos nas claves primitivas
e um
golpe certo é bem capaz que a mate!
Acho
difícil que algo assim tenha ocorrido,
decerto
tapas, redes ou outro empate,
armas
melhores para noivas mais esquivas!
DOLO V
Mas a
mulher possui outros artifícios,
que mais
não seja, feromônios em perfume,
quando um
olhar opalescente logo assume,
na testa
adornos como frontispícios...
Os seus
cabelos no requinte desses vícios,
bem
calculados, com que o rosto esfume
ou o
alimento que prepara no seu lume,
mais a
promessa de brejeiros benefícios...
Será
então que ainda precisa do sorriso?
Pois
causa susto entre povos mais selvagens,
tal qual
se os dentes assim arreganhasse!
A face
atenta a demonstrar um pleno siso,
sempre
capaz de sugerir novas paragens,
sem que
um sorriso nela se estampasse!...
DOLO VI
Por isso
chamo “dolo” à covardia
desse
sorriso, com que sabe dominar,
na
indicação, quiçá, de seu beijar,
no
lusco-fusco do desejo que sentia...
Talvez
esteja aqui falando uma heresia,
mas há
traição mesmo ali no meigo esgar,
uma
vantagem que sabe bem aproveitar,
suas
feições revestindo de harmonia...
Pois
certamente não é simples inocente,
e
raramente me podem desmentir:
para os
tesouros do amor essa é a janela!
Arma
gentil que sempre a torna mais potente,
timidamente
ostentando o seu sorrir,
que sabe
bem a torna ainda mais bela!...
AMOR DE
CÂMARA XVII – 2007
A vida é
assim: as coisas nos coriscam
inesperadamente
e sem espera.
O destino
é armadilha, feito fera,
de olhos
ambarinos, que nos piscam,
por
detrás da folhagem, uma esfera
a que
somos atraídos, que confiscam
as nossas
intenções e os planos riscam,
nessa
emoção que um só sorriso gera...
E se
esvai, num momento, todo o tédio,
na sedução
carmesim do desatino,
sem
perceber a que ponto nos apele...
E assim
me sinto preso, sem remédio,
porque
percebo, então, ser meu destino
fazer
amor com as Sonatas de Corelli...
AMOR DE
CÂMARA XVIII – 9 out 2007
Ela
chegou, como quem nada queria:
foi-se
insinuando no meu coração,
sem
sequer me sugerir exaltação,
mas tão
somente versos e poesia...
E eu! Que
escravo sempre fui da melodia
e, em
pentagramas, grafava uma ilusão,
medíocre,
talvez, e sem paixão,
mas que
agradar aos outros conseguia...
E assim
causou-me total devastação,
tão
poderoso esse olhar, que me reluz
e minhas
pretensões fácil combate...
No mais
estranho poder da sedução,
que
dominou-me enfim... e me conduz
a amor
fazer com sonatas de Scarlatti...
HUMILHAÇÃO
I – 10 out 2007
Por
enquanto não posso para mim o teu sorriso
guardar
zelosamente, em sonho tão perfeito.
Embora
lamentar não tenha algum direito,
apenas um
lembrete fazer-te ainda preciso:
Que
tenhas outro amor, que sejas generosa,
é bem
direito teu, teu dom particular.
Concordo
que outros homens desejes abraçar:
jamais eu
negaria orvalho à pura rosa...
Porém me
dói saber que tenha alguém agora
o que não
pude ter, em gozo palpitante,
sabendo
muito bem que em nosso amor, outrora,
prazer
não recebi de ti, em meigo instante.
Tu não me
deste igual, mulher: não tive a aurora
de em ti
me derramar no orgasmo delirante...
HUMILHAÇÃO
II – 27 AGO 2016
Será que
dói de fato a humilhação
desse
desprezo que para mim mostraste?
Será
apenas saber que te entregaste
a alguém
que tenha menos nobre formação?
Que teu
sorriso, gardênias em botão,
seja
colhido, depois que mo mostraste,
por algum
mais que para mim afaste
esse
tesouro que escapou-se de minha mão?
Será que
dói, de fato, essa tristeza
de que
fui eu que não te mereci,
que foi
por própria culpa que perdi
a dupla
jóia, azul como turquesa,
que
contemplei, tão de perto, em teu olhar,
porém não
fui capaz de conservar?
HUMILHAÇÃO
III
Será que
eu mesmo, por perversidade,
mescla de
enleio e de autopunição,
para fugires
de mim dei-te razão
ou te
perdi por pura ingenuidade...?
Que tenha
sido em covardia, na verdade,
que não
soube competir pela emoção,
que um
dia pensei, em vaga exaltação,
ser minha
plena, em integralidade...?
Será,
talvez, que me julguei como inferior
àquele
que almejava o teu amor
e desta
forma, te afastei de mim...?
Será que
me entreguei a um falso orgulho,
sem me
dispor a combater o esbulho,
e
destarte te entreguei para o arlequim...?
HUMILHAÇÃO
IV
Será que
posso, realmente, discernir
quais os
motivos por trás disso tudo...?
Será que
de algum modo ainda me iludo
ter sido
eu mesmo que te deixei fugir...?
Será que
penso esteve em mim o permitir
lançar
dos dados nesse amoroso ludo...?
Será que
pude imaginar, contudo,
que outro
desfecho pudesse definir...?
Será que,
eventualmente, se eu lutasse,
o
resultado terminaria igual
e de nada
adiantaria o que fizesse...?
E se no
fundo, por mais que batalhasse,
pertencerias
mesmo a meu rival,
nessa
roda do destino que acontece...?
HUMILHAÇÃO
V
Será que
então, nas vascas do temor
de ser,
de qualquer modo, derrotado,
me
recusei a ser por ti humilhado
e não
mais me esforcei por teu amor...?
Será,
talvez, que busquei ser sofredor,
para
sentir-me assim martirizado
e as
flébeis sensações aproveitado
para ampliar
o meu poético pendor...?
Já muita
vez pensei que fosse assim,
que tal
amor derruído no passado,
que meu
desejo nesse então decapitado,
fosse
plantado dos sonetos no jardim
e
reflorisse em cantos de verbenas
na
multidão servil de meus poemas...
HUMILHAÇÃO
VI
Pois te
confesso que gozei outros amores,
mil
sorrisos que agora se misturam,
essas mil
faces que nos olhos não perduram,
que nem
recordo após mil estertores...
Rasgo a
memória, perdidos seus pendores,
esquecidos
os mil lábios que então juram,
mal
lembrados mil prazeres que me curam,
em sua
nuvem majestosa de calores...
E que
todos os mil beijos que gozei,
em uma só
e única boca se confundam,
sem que
eu esqueça aquela que não tive,
o
terciopelo dessa carne que almejei,
humilhações
que sobremodo abundam,
que matar
eu busquei, mas não contive!...
ALFORRIA
I – 11 out 2007
Tal como
encantamento se quebrasse
[ou fosse
sobre mim, então lançado],
despertei
de meu sono, descansado,
e senti
como se amor não mais cantasse,
no
interior de meu peito; e levantasse
de sobre
mim seu véu. E o olhar magoado
mirasse
em torno e um mundo renovado
dos céus
à terra de novo contemplasse.
Teu amor
dissipou-se, doce estrela...
A flor
azul totalmente emurcheceu,
despetalou-se...
E a pétala singela
que sobre
o caule ainda permanece,
perdeu o
antigo brilho... E reviveu
meu
coração vazio, em muda prece...
ALFORRIA
II – 28 AGO 16
Mas quem
disse que tal foi libertação?
Em todo
amor existe a servitude,
que seja
algo de livre nunca ilude,
se houver
amor, também existe servidão.
Não somos
donos de nosso coração
e nem
queremos ser, Deus nos ajude!
Fugir ao
amor é vã tarefa rude,
escravos
somos todos da emoção.
E se no
amor ainda livres nos sentimos,
alternativas
podendo procurar,
não é
real de amor a parceria...
Mas pelo
sexo tão só nos seduzimos,
sem
fatores mais nobres demonstrar,
enquanto
a busca ainda livre seguiria...
ALFORRIA
III
O que
sempre nos atrai é a sedução
de um
novo amor, os olhos a piscar,
essa
ânsia de invadir-lhe seu olhar,
para gozar
das delícias que ali estão,
apenas
entrevistas na ocasião,
no anseio
oculto para a raça continuar,
que bem
sabemos continua a dominar
os
julgamentos, a colorir cada emoção.
De fato,
somos falsamente racionais,
sempre
guiados, até maugrado nosso,
pelas
leis que nos impõem os cromossomos,
que não
podemos dispensar jamais
(ou que
querer dominar sequer não posso),
até esse
dia em que algures formos.
ALFORRIA
IV
É bem
verdade que as correntes desse amor
nos
libertam das prisões de nosso egoísmo,
pois quem
ama é infundido de altruísmo:
quanto se
dá, mais se ganha de valor...
Na
amorosa construção há mais calor
ou talvez
conformidade a tal modismo;
mas
certamente é o mais buscado abismo,
no qual
saltamos com algum temor!...
Não da
recusa – mas da aceitação,
ao
abdicarmos da falsa liberdade
de nos
podermos conservar em solidão;
e nessa
aceitação da servitude,
caso a
aceitemos com sinceridade,
nossa
alma alcança enfim certa virtude.
ALFORRIA
V
Criou
Platão o mito das metades:
cortados
fomos por aérea cimitarra,
que foi
brandida por divina garra,
imperfeitos
a nos fazer em arcanidades!
Mas longe
de dar-nos liberdades,
esse
corte em vasto anseio esbarra:
em vão
lançamos ao redor a amarra,
sem
alcançarmos jamais as saciedades.
É tão
estranho que se chame de platônico
esse amor
que não busca real abraço,
mas se
contenta a contemplar o traço
dos
passos ou perfume, algo de irônico!
Tal qual
houvesse até sinceridade
em
recusar encontrar-se com a metade!
ALFORRIA
VI
Isso que
amor é, de fato, encantamento,
quando
pensamos, por artes de magia,
que essa
outra metade se acharia
naquele
par que nos doma o julgamento;
e se por
meio de inesperado evento,
talvez –
ou sonho – ou voz que a gente ouvia –
é
perturbada tal feitiçaria
e dentro
em nós esmorece o sentimento,
recuperamos
essa triste liberdade
de sermos
a metade de nós mesmos,
andando
por aí como aleijados,
qual em
encanto de pura crueldade,
os
pensamentos perdidos pelos ermos,
sem que
sejamos nós mesmos alforriados!
AMOR DE
CÂMARA XIX – 2007
Há momentos
de entrega absoluta,
em que se
abre mão do ter ou ser,
na
estranha mescla de dor e de prazer,
que é a
abdicação mais resoluta
do
próprio ideal de si, por quem se escuta
a
murmurar, talvez sem perceber,
promessas
que preferiria receber,
no archote
e cálice que a paixão transmuta.
São
nessas ocasiões, de som impenetrável,
que se
percebe a outrem pertencer,
que
nos governa totalmente fé e conduta...
São tais
momentos, de ilusão inescrutável,
em que a
emoção nos compele a assim fazer
amor...
enquanto Wagner se escuta...
CRIMINALÍSTICA
I – 29 AGO 16
Em
vestígios de luz eu me transporto,
embriagado
em soma inescrutável;
cavalgo
a brisa desse imponderável
e
acima do horizonte me comporto,
as
nuvens constelares meu conforto
e a
vastidão de elétrons num amável
confabular
pelas tramas do incontável,
pelas
camadas de ozônio meu desporto.
Assim
deslizo pela atmosfera
e
deslizar no vento é meu deslize,
imagem
de mim mesmo em mil imagens,
estrato
a se irradiar na estratosfera,
inconsútil
demais que a Terra pise,
envolvido
nesse fólio de folhagens...
CRIMINALÍSTICA
II
Assim
expando todos os limites,
perturbador
da cósmica harmonia,
subversivo
a quanto ao redor via,
opositor
a quanto tu me dites,
Mãe
Natureza – espero não te irrites
com
estranhas frases feitas de ousadia,
pois
tão só imaginação te perseguia
nesses
páramos celestes em que habites.
Dentro
do cérebro não há qualquer fronteira,
por
mais que seja pelo crânio limitado,
a
mente dança nas circunvoluções,
à
dura-máter de braço dado, inteira,
da
pia-máter todo o círculo esgarçado,
a
aracnoide ludibriando há gerações...
CRIMINALÍSTICA
III
Não
se limita a mente aos parietais,
nem a
quimera é cerceada pela pele:
cavalga
Pégaso na ventania que procele,
Leviathan
a montar nos abissais;
ela
se expande à frente dos frontais
em
que o terceiro olho atento vele,
supraquiasmático
centro que revele (*)
o
mecanismo dos sonhos fantasmais.
(*) Centro controlador do sono, atrás do
meio da testa.
Mais
que traidor, o vate é transgressor
em
suas metáforas de flavor arcano:
sou
criminoso em meu mister de aedo,
aos
pés dos deuses irrequieto adorador,
minha
lira a dedilhar salmo profano
e nem
a suas advertências então cedo.
CRIMINALÍSTICA
IV
Bem
além dos estígios me projeto,
sem
que me possa conter o velho Dante;
Caronte
desafiei como hierofante, (*)
a
descrever dos humanos cada afeto,
(*) Supremo sacerdote dos Mistérios.
a
alma inteira a se tornar meu objeto,
mesmo
votado à humildade triunfante,
dentes
cerrados trauteando meu descante,
quer
seja ele sublime ou abjeto
e a
cada muro ou parede desafio:
junto
as muralhas a tombar de Jericó
toco
o shofar e não me encontro só;
no
terremoto previsto já confio,
as
pedras tombam sem ferir-me o pé,
na
mesma angústia com que venceu Josué!
CRIMINALÍSTICA
V
E tu,
gentil amiga, não esqueças:
pode
tua alma transgredir igual espaço,
pode
teu sonho conquistar cada pedaço,
sem
que da divindade nunca desças;
os
teus limites, de fato, jamais meças;
o
próprio Cristo proclamou, em manso abraço:
“Lembrai-vos,
sois deuses!” – nesse passo
de
seu sermão, a convidar que cresças,
mais
que teus pais disseram que podias
ou
que teu coração teme em silêncio,
que o
Universo é teu, caso acredites
que
muito mais há a teu alcance do que crias,
revoluteando
na fumaça desse incenso,
paredes
falsas para o mundo que hoje habites.
CRIMINALÍSTICA
VI
As
circunstâncias são apenas ilusórias;
caso
empurres as paredes, são pastosas,
sem
solidez as vastidões gasosas,
podes
transpor essas fendas peremptórias;
as
grades que encontrares são espúrias,
não
há valas de falésias perigosas,
são
só ilusões, horrendas ou formosas,
somente
um mundo de aparências desultórias;
toma,
portanto, o vento por ginete
e
emprega doces brisas como arreios,
de
tua jornada somente os sonhos freios;
enfrenta
a rocha, que se fará confete,
lança
teus dedos como serpentinas
e vem
comigo partilhar de estranhas sinas!
TIORBA I – 30 AGO 16
EM TRANSPARÊNCIA E INSUBSTANCIALIDADE
TE ENVIO MEU AMOR, ROSA DE ESPINHOS,
POR MENOS QUE RECEBA TEUS CARINHOS,
MINHALMA TE JUROU E TERÁ FIDELIDADE,
NA PULCRITUDE DA MAIS ESTRANHA QUALIDADE (*)
MEU ESPÍRITO SE ELEVA E OS SONS MESQUINHOS
QUE ME PUXAM À TERRA, AZEDOS VINHOS
EM MAIS NADA ME PERTURBAM A INTENSIDADE.
(*) BELEZA
.
ASSIM VOO PARA TI, SONORA LUZ,
EM BUSCA DE TEUS OLHOS, NUM RELANCE,
POUCO ME IMPORTA SE NÃO CORRESPONDES.
É MAIS O AMOR DE TI QUE ME SEDUZ
DO QUE TUA SIMPLES POSSE EM DOCE TRANSE
E NEM LASTIMO QUANDO AMOR ME ESCONDES.
TIORBA II
OLHA QUE AMOR É TAMBEM UMA ILUSÃO.
OUTRO ASPECTO INCONSÚTIL DESSA MAYA,
SEM FIM E SEM COMEÇO NA SUA RAIA,
NASCE NA MENTE E DESCE AO CORAÇÃO,
DO MESMO MODO QUE QUALQUER EMPOLGAÇÃO,
QUE SOBRE MIM JAMAIS TEU SANGUE CAIA,
TOMA O UNIVERSO DOS SONHOS EM TUA BAIA
NESSE CANTO INAUDÍVEL DE AUDIÇÃO..
E SENDO ASSIM TRANSPOSTO TEU LIMITE
EMPURRO A LONA PARA QUE SE AGITE
E ENTÃO INGRESSO NA TENDA DE TEU SER,
POR MAIS QUE SEJA NO FUNDO MAIS SECRETO
QUE O COSMOS TODO DE ESPLENDOR DILETO
QUE JÁ PUDE DESVENDAR EM MEU QUERER.
TIORBA III
MULHER GENTIL QUE NUNCA CONHECI,
NEM TE CONHEÇO POR IDADE OU COR,
APENAS SEI DA IMENSIDÃO DE TEU AMOR,
QUE DESDE O INÍCIO DESTE VERSO EU INVADI.
SÓ NAS VÁRZEAS DO SONHO JÁ TE VI
E NEM RECORDO DE TEUS OLHOS O TEOR
OU OS RECORTES DE TEU ROSTO SEDUTOR,
DESCONHECIDA, MAS QUE AMO DESDE AQUI.
ASSIM EU VOO PARA TI COM INSISTÊNCIA,
BUSCANDO PELO ASTRAL A DUPLA LUZ
QUE ME REVELAM OS BICOS DE TEUS SEIOS,
POR ENTRE MIL VOLUTAS DE INCONSCIÊNCIA,
ASSIM EU VOGO, MEUS BRAÇOS EM CRUZ,
PARA ABRAÇAR-TE, EMBALDE TEUS RECEIOS.
TIORBA IV
ERA A TIORBA UM TIPO DE ALAÚDE,
PORÉM MAIS LONGO, DE COMPRIDO BRAÇO,
A SER ACALENTADA NUM ABRAÇO,
DELA TIRANDO O MEIGO SOM QUE ILUDE.
FOI IGUALMENTE CHAMADA ARQUIALAÚDE,
COM DOZE CORDAS DE SEMELHANTE TRAÇO,
NUM EMARANHADO A ATRAPALHAR O PASSO,
DESAFIO PRONTO A UM INTERPRETE MAIS RUDE.
LEMBRAVA A TÁBUA DO ITALIANO PERFUMISTA,
COM O FORMATO EM QUE MOÍA CADA ESSÊNCIA:
ALGUÉM ALI NOTOU CERTAS VINHAS ESTIRADAS,
PENSANDO LOGO EM MUSICAL CONQUISTA,
QUE EXECUTOU A GOLPES DE PACIÊNCIA,
ATÉ EXPOR SUAS NOTAS ENCANTADAS.
TIORBA V
E ASSIM, NOS LAIVOS DA IMAGINAÇÃO,
PERCEBEREI COMO CORDAS TEUS CABELOS
E OS TANGEREI EM MÍSTICOS DESVELOS
COMO O INSTRUMENTO DA MAIS PURA PERFEIÇÃO
QUE VEJO EM TI QUAL ESTOJO DE PAIXÃO:
SÃO DOZE VEIAS COMO DOZE SELOS,
CORDAS VOCAIS EM DOZE CANTOS BELOS
QUE APENAS TOCA QUEM SOUBER TER DEVOÇÃO.
E NISSO TUDO NEM MOSTRO ATREVIMENTO,
POIS CERTAMENTE NUNCA A MIM VERÁS,
PELO MENOS NESTES PLANOS MATERIAIS
MAS POR ONÍRICO QUE SEJA O JULGAMENTO,
ENTRE TEUS BRAÇOS ME RECEBERÁS
PELOS VIRENTES PRADOS SIDERAIS.
TIORBA VI
OU, QUEM SABE, SERÁS TU QUE ME IMAGINES
E ME DESEJES, QUAL TIORBA, DEDILHAR
AS DOZE CORDAS DO ANTIGO MEU PENAR,
RETALHADAS NO ARCABOUÇO DE MEUS VIMES.
EM TEU SONHO SERÁS TU QUE ME FASCINES,
FEITO DE SOMBRA E LUZ PARA AMANHAR,
ENTRE FUMAÇA MINHA FIGURA A IMAGINAR,
QUE NOS TEUS BRAÇOS, QUAL INFANTE, NINES.
DONZELA-TIORBA, DAMA DE MISTICISMO,
TAL QUAL POSSA SER OUSADO MEU DESEJO,
PERFEITO POSSA IMAGINAR TEU BEIJO,
FEITO DE LUZ E SOM DE ROMANTISMO,
NAS BREVES LINHAS QUE TE ESCREVO AGORA
MEU PORVIR ESCRAVIZADO AO TEU OUTRORA!...
BRADICINESIA I – 31 AGO 16
NESSA PRIMEIRA VEZ QUE DEZ SONETOS
FIZ NUM SÓ DIA, EM DELÍRIO E DESVARIO,
PROVEI O ORGULHO DE UM ANIMAL NO CIO,
PEQUENO ORGASMO DERRAMADO EM TAIS AFETOS.
NÃO ENTENDI, NESSA OCASIÃO, QUE TAIS EFEITOS,
TRIUNFOS SIMPLES DE MANHÃ DE ESTIO,
SE FOSSEM REPETIR AO CABO E AO FIO
DESSES ANOS SEGUINTES E INDISCRETOS.
JULGUEI ENTÃO QUE MÉRITO MEU FOSSEM,
DESLUMBRADO POR TAL REALIZAÇÃO
E NÃO APENAS POR CAPTAR DA INSPIRAÇÃO
DE POETAS MORTOS QUE ENTÃO EM MIM REMOCEM
E QUE ME OLHARAM COM CONDESCENDÊNCIA,
QUANDO JULGUEI SER MINHA A SUA POTÊNCIA...
BRADICINESIA II
EM OUTROS VEJO A TRISTE LENTIDÃO,
CHAMADA ÀS VEZES DE BRADICINESIA,
NESSE VAGAR QUE ENVOLVE SUA POESIA
PELA FALTA DE CONSTANTE INSPIRAÇÃO.
E AINDA VEJO O QUANTO APLICARÃO
PARA REUNIR A MINÚSCULA VALIA,
TANTO QUANTO SEU ESTRO PERMITIA
E A VAIDADE COM QUE O PUBLICARÃO!...
E COMPARANDO O HODIERNO COM O ANTANHO,
INVERSA BRADICINESIA EU AVALIO,
QUE FOI SENDO DERROTADA PELA IDADE,
POIS CADA ANO MAIS ME AUMENTA O GANHO,
QUE O PROGRESSO DOS SINTOMAS CONTRARIO
NO INCREMENTO DE MINHA FACILIDADE...
BRADICINESIA III
NA VERDADE, É UM MALIGNO SINTOMA,
QUE DIFICULTA, POUCO A POUCO, A VIDA,
MAIS QUE O TREMOR A QUE PARKINSON CONVIDA,
CUJO CONTROLE, ÀS VEZES, SE RETOMA.
MAS A BRADICINESIA É INVERSA SOMA,
PARA TODA RADIDEZ A DESPEDIDA,
O MENOR MOVIMENTO TORNA EM LIDA,
ATÉ O SIMPLES VIRAR NO LEITO EMBROMA.
PARA BANHAR-SE, COMER OU SE VESTIR,
DA OPERAÇÃO MENTAL O ENCADEAMENTO,
NUMA PERDA DE POTÊNCIA PROGRESSIVA,
TAL QUAL DA VIDA ESTIVESSE UM A FUGIR,
PERDIDO NA INDOLÊNCIA MAIS SEDIÇA,
QUAL CAMINHANTE EM AREIA MOVEDIÇA.
BRADICINESIA Iv
POR ISSO EXISTE UMA CERTA CRUELDADE
NESSE TÍTULO QUE ACIMA EU ESCOLHI,
UMA CERTA EMPATIA QUE PERDI,
OU MESMO FALTA DE SENSIBILIDADE.
NO MEU ORGULHO, DESDÉM, QUIÇÁ VAIDADE,
COM QUE COMPARO A LENTIDÃO QUE VI
COM A RAPIDEZ QUE HOJE MOSTRO AQUI,
UM TANTO ACIMA DO NORMAL DA HUMANIDADE.
MAS NESSE INSTANTE MAIS PERCEBO A PROTEÇÃO
QUE ME CONFERE A ESPIRITUALIDADE,
PELO QUE HOJE AGRADEÇO, EM HUMILDADE.
MINHA LUTA É O OPOSTO DE TODA A LENTIDÃO,
QUANDO ME ESFORÇO PARA FECHAR A ECLUSA
DA INSPIRAÇÃO QUE ATÉ DE MIM ABUSA...
CANÇÃO PARA TI 1 – 1º Srt 2016
Como folha de espada na bainha,
Meu grito fica preso na garganta;
Sem que o escutem, a ninguém espanta:
Nenhum rancor nos outros abespinha.
Mas quem disse que o desejo, minha rainha?
Essas palavras que meu estro canta
Dínamo são que amor somente imanta
E que do mundo exterior nem se avizinha.
E pelas ruas só passam de raspão,
Sem quaisquer casas buscando penetrar,
Influenciando corações e mentes,
Nem vasto mundo invadindo de roldão,
Pois desconfio que só iria incomodar
Tal multidão de versos tão prementes.
CANÇÃO PARA TI 2
A ti somente é que desejo perturbar,
De tua alma o mais recôndito escaninho,
Toda a vaza agitar com meu carinho,
Teus pensamentos buscando avassalar.
Talvez arranque de ti um suspirar,
A despertar-te algum langor mesquinho,
Qualquer saudade a chamar, devagarinho,
Na qual possas meus versos ocultar.
E dessa forma, conferir-lhes vida
E revestir-lhes de carne o arcabouço,
Pelo breve tremular de teu pescoço,
No deglutir de um soluço a despedida,
Alguma veia suavemente ali a pulsar
Com esse amor que sei não me irás dar.
CANÇÃO PARA TI 3
Já tantas vezes te falei, minha doce amada,
Perdida nas planícies da inconstância,
Tão próxima de mim essa distância
Para tua alma igualmente atribulada!...
Que pela vida foi deveres desprezada,
Na busca atroz de certa substância,
Que para traz deixaste, desde a infância,
Nas páginas de lenda amarfanhada...
Assim escrevo para ti esta canção,
Para que a escutes em total segredo,
Pois foi composta para ti somente!...
Que então a possas gravar no coração,
Guardando em ti a digital deste meu dedo,
No mesmo ritmo a palpitar frequente!...
O VÍCIO DO VENTO I – 02 SET 16
Vou percorrer as linhas magnéticas
e libertar as almas penduradas,
inadvertidamente ali capturadas
em seu voo para plagas mais estéticas.
Talvez tais intenções não sejam éticas:
deveriam por si só ser libertadas
as almas em tais nodos conservadas
de morte bem diversa sendo céticas.
Pesadas foram demais para se alçar
a qualquer páramo cósmico mais terno,
mesmerizadas, talvez, pelo remorso,
comprometidas demais para flutuar,
merecedoras a se julgar do inferno,
ondas de choque a lhes curtir o dorso.
O VÍCIO DO VENTO II
Ali ficam incrustadas em penúria,
em convulsões de tremor impenitente,
periódica epilepsia inconsistente,
atravessadas de inesperada injúria,
já acostumadas aos ventos dessa incúria,
cada vulto em sua torção subitamente,
cada choque novo ordálio persistente,
que então aguardam, em singular luxúria.
Incapazes, no geral, de se mover,
como pássaros em visgo confiscados,
lábios não tendo, nem braços esticados,
apenas sombras em constante padecer,
alheias contrações achando cômicas,
sob o viés das ondas eletrônicas.
O VÍCIO DO VENTO III
Há nessas linhas fulcros de atração,
que capturam, na maior firmeza,
aquelas almas desprovidas de leveza,
que longamente para o céu não flutuarão.
E nesses nódulos e portais há perdição:
têm cintilar de singular beleza,
teus olhares a captar com estranheza,
cantos dos olhos a tremer em confusão.
Algumas mentes nesses nós capturadas
necessitam de ficar em um só lugar,
as mais tolas chegam mesmo a se
arraigar,
porém algumas, por ilações aladas,
aprendem por tais fios a navegar,
as mil vielas do planeta observadas.
O VÍCIO DO VENTO IV
Naturalmente, é uma vida vicarial,
tudo percebem por procuração,
linhas de força a lhes cortar o coração,
sempre presas a este plano terrenal,
sem que a sansara, em seu impulso
sideral
para esgotar a cada humana sensação
seja por elas percorrida em viração,
não mais que sopros de vento no final.
Inertes fazem-se em observadores,
sem o direito de sair ao fim das cenas,
mas para outras volvendo sem remanso,
apresentando alguma vez falsos fulgores,
como santos ou avatares nessas penas,
girando a teu redor sem ter descanso.
O VÍCIO DO VENTO V
Nunca se tornam verdadeiras brisas,
incapazes de teu rosto refrescar,
quase eterno o seu vício singular,
sem afetar sequer o chão que pisas.
Houve lugares demarcados por balizas,
em que os crédulos vieram adorar
aparições que ali se veem manifestar,
templos erguendo intrépidos às visas!
E justamente sobre o fulcro erguem
altar,
em que entronizam a falsa divindade,
talvez mostrando tão só viciosidade
e ali se prostram e pretendem adorar
essas pobres criaturas imperfeitas,
às próprias mágoas presas e sujeitas!
O VÍCIO DO VENTO VI
Certamente de Éolo não são crias,
mas simplesmente por ele
desprezadas,
tristes brisas ali mumificadas,
mentes e almas sem quaisquer valias,
que se condensam nas aparições que vias
ou que por outrem foram mencionadas,
tomadas por deidades encantadas,
inconsistentes vultos nessas vias.
Ventos viciados em perpétuas calmarias,
seu Hades a nutrir, particular,
algumas vezes habitando em esculturas,
veneradas por fiéis em romarias,
sem que de tantos se possam afastar,
sem conferir sequer graças impuras!
MORCEGOS DE CRISTAL I – 3 SET 16
Não existe razão para questões
Quando olhos se fundem noutros olhos,
Na multiplicação desses refolhos,
Cacos de vida saltando aos corações.
Nos olhos brilham muitas gerações,
Das circunvoluções em mil escolhos,
De nova vida buscando alguns espólios
A perpetuar em novas multidões.
Vivem vampiros em nós, benevolentes,
Que se nutrem de nossos pensamentos
E nos inspiram novos sentimentos.
Nestas medíocres rimas inconscientes
Flutuando em nós, na plena simbiose,
Cada ancestral a nos doar pequena dose.
MORCEGOS DE CRISTAL II
De fato, mais que tudo, amor nos dão,
Essa doce e irresistível armadilha,
Que de outro olhar o bote então nos
pilha,
Feito em total e desejada escravidão.
E mesmo os beijos que são nosso quinhão,
Se tornam grades de saliva que ali
brilha
E nos fazem percorrer milha após milha,
Na mesma trilha da arcana aquisição.
Ah, doce amor, que nos prendes no
passado,
Mas que julgamos ao futuro conduzir,
Quão facilmente nossa adesão nos ganhas!
Assim pensamos outro olhar ter conquistado
E o outro pensa que nos pôde seduzir,
Ambas as vistas nas mesmas artimanhas!
MORCEGOS DE CRISTAL III
Contra nós é que explodem esse amor,
Qual uma lança, azagaia ou javelina,
A projetar-se dos olhos da menina
Ou do rapaz soltando raios de calor,
Formado um fluxo do maior vigor,
Que a mente totalmente nos fascina,
A orientar-nos a total futura sina,
Dita gentil a moldar nosso pendor!
Trazendo ao menos qualquer felicidade
E temporária vastidão de benefícios
Para nossa servidão tão voluntária;
Não é um domínio isento de bondade,
Mesmo que o olhar apenas cumpra ofícios
De convocar-nos a tal missão gregária.
MORCEGOS DE CRISTAL IV
Igual morcegos adejam os desejos,
Igual morcegos... totalmente cegos,
Prazer buscando, sem saber que empregos
Fazem de nós, arcanos seus almejos,
Que a teia tecem no cristal dos beijos,
Na escuridão da noite seus afagos,
Ação precípua de alquimistas magos,
Afastando de nós o tom dos pejos.
E nesse desnudar nos escravizam
Nas armadilhas ancestrais do sexo,
Para que em nós se perpetue a raça,
Nesses complexos pendores que repisam,
De nosso egoísmo a descartar o nexo,
Numa incumbência da mais perpétua graça.
MORCEGOS DE CRISTAL V
Por isso, cuida bem de teu olhar,
Antes que venha no de outrem penetrar,
Todo o porvir de tua vida a transmutar
Em benefício de uma nova geração.
Veneno existe, de doçura singular
No contemplar gentil de cada par
Que vasto espaço consegue atravessar,
Para prender-se em completa comunhão.
Na exaltação de total magnetismo
Que referimos como sendo amor
E que, de fato, buscam encontrar:
“Abre-te, Sésamo!” do portal do egoísmo,
Que se abre para nós com estridor,
Mágico instante de mescla singular.
MORCEGOS DE CRISTAL VI
Contudo, após cumprida a sua missão,
Lançado o filho em seu cordão umbilical,
Vão afinal os morcegos de cristal
Estilhaçar-se, quando tombam pelo chão.
Também assim pode partir-se esse cordão
Que nos prendeu em tal instante divinal,
Partilhando desse coro universal
Que se renova a cada geração.
E de algum modo, mesmo que ainda vivos,
Nos reunimos à incansável multidão,
Parte de nós então se esconde nesse
olhar,
Que há de surgir em momentos mais
ativos,
Sempre que novo encantamento forjarão
Olhos perdidos nos olhos de outro
par!...
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