terça-feira, 2 de abril de 2019



A LUZ NA ESCURIDÃO – 29 MAIO 2018
A LENDA DE PERSÉPHONE – WILLIAM LAGOS
(Em parte um Spin-off de página e meia em prosa inglesa de Rachel Pollack)




A LUZ NA ESCURIDÃO – 29 MAIO 2018
LEGENDÁRIO – 30 MAIO 2018
CONFIAR DESCONFIANDO – 31 MAIO 2018
REVELAÇÃO – 1º JUNHO 2018

A LUZ NA ESCURIDÃO I – 29 MAIO 2018

A história de Perséphone ou Proserpina
é realmente de origem muito antiga,
há nos Sumérios e Hititas certa liga
dos elementos que o mito nos ensina.

Mas é a versão dos Helenos a mais fina
e com Líbera raptada em biga
contou-se entre os Etruscos, a que siga
legenda igual que aos Romanos se destina.

O fato é que no hemisfério norte
a chegada dos invernos é brutal,
até o ensejo de cada primavera:

ressurge a vida, superada a morte
da neve e gelo da época hibernal,
que no verão e até o outono persevera.

Sendo a um tempo deusa da agricultura
e a Rainha do Hades, Proserpina
ou Perséphone, para quem em grego opina,
muito embora, para a história ser mais pura,

Hades é o nome que entre nós perdura,
mais para Érebo e Tártaro se inclina
e os Campos Elíseos, sobre que domina
o deus Plutão, respeitado sem ternura,

conjuntamente pelos povos italianos,
Volscos, Oscos, Tuscos e Veientes;
contudo o Orco era mostrado em Roma,

túnel no Fórum, em que os velhos Romanos
lançavam sangue em ofertas bem frequentes
as sombras propiciando em tal redoma.

Tambem os Gregos a chamavam de Koreia,
deusa padroeira dos festins de primavera,
que em longas danças a fertilidade gera,
mescla confusa de inocência e de epopeia,

provavelmente de cidades sendo a deia,
para depois a unificarem como mera,
porém potente divindade austera,
que por diversos meses a assembleia

dos seres vivos para a morte abandonava;
mais do que hoje a então reverenciam
como arquétipo para todos os mortais,

que em reencarnar muito pouco se falava;
somente alguns a quem os deuses escolhiam
transformar em estrelas, em flores ou caudais.

Era filha de Demeter ou de Ceres,
a padroeira das colheitas de cereais
e de Júpiter ou Jove ou outros mais,
sincretizados, igualmente que hoje queres

santos cristãos e de umbanda, dois halteres
das mesmas forças sobrenaturais
e a quem supliques dotes divinais
e por cuja proteção também esperes.

Para os Helenos, filha era de Zeus
com esta Demeter de antiga adoração,
provavelmente entre os Pelasgos encontrada,

a quem louvavam como o Grande Deus
e sobre o Olimpo tinha sua mansão,
na qual a raros humanos dava entrada.

Já de Líber esta Líbera era a esposa,
arcanas divindades camponesas,
mas Proserpina superara as velhas deusas,
tomando o nome e a força portentosa

e com Ceres cerimônia bem suntuosa,
celebrada nos templos, sobre as mesas,
à Primavera sacrificando presas
no princípio de Abril, colar de rosa

no pescoço desses pobres animais,
talvez o cheiro do sangue a disfarçar,
mas que diziam chamar, com seu perfume,

a deusa arcaica das flores e cereais,
sua proteção destarte a invocar,
que contra climas maus lá se presume.

A LUZ NA ESCURIDÃO II

Assim as Cerealia celebravam
ou os Ludi Cerealis de atletismo,
mas em que danças demarcavam o batismo
dos campos com o sangue que regavam.

As práticas agrícolas, afirmavam,
Proserpina é que ensinara, sem modismo,,
e a honravam com grande preciosismo
e a cada ano os campos consagravam.

A lenda era muita vez reencenada
nas sazonais festividades da Vindima,
quando a chamavam de Libéria, muito amada,

como até hoje a Festa da Uva é celebrada ,
mesmo sem dar à deusa a mesma rima,
embora a gente fique ainda embriagada!...

Em Agosto festim havia misterioso,
exclusivamente frequentado por mulheres,
cujos rituais a Proserpina e Ceres
não permitiam a homens; tenebroso

era o destino de qualquer curioso
que se atrevesse a interferir nesses misteres
e nem ao menos depois achá-lo esperes,
só se sabia extremamente perigoso,

pois o intruso só desaparecia,
sem se jamais saber seu paradeiro,
feroz segredo entre as celebrantes,

a quem terrível maldição punia,
caso o Mystério parcial ou por inteiro
fosse contado a não-participantes!

Não que os homens o tentassem descobrir,
sendo temida essa festa popular
em zona agrícola, os camponeses a evitar
qualquer suspeita de ali se introduzir!

Mas é melhor para a Hélade fugir,
cujos poetas de talento singular
os velhos mitos foram amenizar,
sem de seus padres a permissão pedir.

É claro que há mais de uma versão,
desde a velha e imemorial Teogonia
de Hesíodo, que velhas lendas incluiu,

dos deuses afirmando a geração,
numa mescla de respeito e de elegia,
a que a posteridade repetiu.

Dizem que Hades, rei dos mortos, era solteiro,
nenhuma deusa o queria desposar,
não só por entre as sombras habitar,
mas por temor de Hécate rasteiro;

fora dos mortos a senhora primeiro,
filha do Titã Perseis que, por azar,
durante a guerra com os deuses foi ajudar,
Uranos ou Chronos, com golpe certeiro,

no Tártaro a foi lançar, desabitado
por quaisquer seres humanos, pois ainda
não os haviam criado e, portanto,

ninguém à escuridão fora lançado,
Hécate presa ali, em ira infinda,
fugindo oculta nas obras de seu manto.

E no seu ódio a Fórquis se juntou,
Caribdis a gerar e ao monstro Scylla,
também da Hidra e de uma vasta fila
de criaturas do mal, com que povoou

o mundo primitivo e que lançou
contra os humanos, no veneno que destila;
depois uniu-se a Áctis, que a asila,
com quem Circe e Medeia, feiticeiras, se gerou!

Porém cansado de tais estrepolias
o deus da Terra, Zeus, uma outra vez
lançou-a no abismo e um cão de três cabeças,

de nome Cérbero, pôs de guarda nessas vias,
que na escultura de Alkamenos ainda vês,
mantê-la presa fazendo ao deus promessas.

A LUZ NA ESCURIDÃO III

Lá presidia aos encantos e à magia,
os mortos conservando na prisão;
de duas Hécates, porém, se faz afirmação:
a Hécate Simples, que aos partos presidia,

divindade lunar, que igualmente protegia
os viajantes em sua peregrinação
e os marinheiros que no mar estão,
os caçadores e os rebanhos que se via;

A Tríplice Hécate sendo muito diferente,
com três cabeças sobre um corpo só
ou com três corpos e uma só cabeça

ou com três corpos e três cabeças, igualmente,
unidas pelas costas, sem ter dó
de qualquer ser que sobre a Terra cresça!

Altares tinha em cada encruzilhada,
sacrifícios celebrados com terror,
a propiciar-lhe o místico pendor
e em Mystérios igualmente homenageada;

era-lhe um cão a vítima imolada,
como a Trívia invocado o seu favor,
para feitiços, veneno ou outro horror,
a ela a sombra a ser recomendada.

A Hécate Simples tinha forma bem humana,
dois archotes a carregar sendo mostrada,
não totalmente propícia, que a floresta

ou a seara incendiava com sua flama,
mas sobre a pira a carne incinerada,
a alma do morto a receber com festa...

A Hécate Tricéfala de sua parte pretendia
dos mortos se tornar mãe amorosa,
mas no Tártaro presidia portentosa,
sombras fugindo a cada vez que ela surgia

e que até ser coisa boa se dizia,
porque as sombras, nessa terra tenebrosa,
nada lembravam da vida mais formosa,
nem de nada que de triste acontecia

e seu terror lhes avivava o pensamento,
por um momento aos deuses invocavam
e o mais breve alívio então achavam,

até de novo perder discernimento,
naquela terra de constante esquecimento,
com os asfódelos de que se alimentavam. (*)
(*) Flores amarelas que só nasciam no mundo inferior

Ora, após Chronos ter sido derrotado,
sendo ele mesmo ao Érebo banido,
tinham três deuses irmãos se resolvido
a repartir entre si o mundo achado;

Zeus, sendo o vencedor, autorizado
a escolher seu domínio preferido
o orbe terrestre por ele o escolhido,
o ar e o mar entre os irmãos sorteado.

Teve Posêidon a sorte dos oceanos,
para Hades sobrando assim os ares,
mas Éolo dos Ventos era muito poderoso:

“O ar é meu e as nuvens com seus danos!”
Cabendo a Hades, então, nesses azares,
tornar-se o rei do mundo tenebroso!

Os seus domínios os irmãos não repartiam,
mas a Hades, pouco a pouco, consolaram:
“Todos os seres que em vida se acharam,
após a morte, para teu reino partiriam!”

“Permanentes em teus ermos ficariam...”
E tantas coisas mais argumentaram,
que a tríplice partilha conservaram;
para Hades não somente os humanos iam,

mas cada planta que perdeu a brotação,
os animais que nas selvas morrerão
e os peixes do mar irão também.

“A morte para ali os heróis detém,
toda a beleza que nosso mundo tem,
contudo os mortos para nós não voltarão!”

A LUZ NA ESCURIDÃO IV

Assim Hades desceu por um vulcão,
no qual o deus Hefesto presidia,
a quem a terra subterrânea pertencia,
da cepa olímpica também tendo a condição.

Também aqui se encontra dissensão:
que casou com Afrodite a maioria
dos poetas, com certeza, afirmaria,
porém existe uma outra sugestão:

que foi Hécate que o aspecto tomou
dessa deusa do amor e o desposou,
mas sem gerar com ele descendência,

que a forma dela percebeu sob o agasalho
e a expulsou de seu vulcão com forte malho,
para o mundo abstrato, em impotência!

Mas uma vez reinstalada nesse inferno,
afirmou Hécate a deusa ser do amor,
um avatar de afrodisíaco favor,
cada sombra a proteger do fado eterno!

Por se julgar senhora desse Averno,
vendo Hades, ofereceu-lhe seu calor,
que a rejeitou com desprezo e com fervor,
a semideusa a lhe nutrir ódio superno!

Tão logo Hades no trono se firmou,
protegido pelas sombras dos Titãs,
de Hécate recebeu a sujeição,

pois até Chronos e Uranos ameaçou
libertar contra ela – ameaças vãs,
porém Hécate aceitou a submissão!

Contudo Hades confrontá-la não queria
e entre as sombras concedeu-lhe liberdade;
qual a deusa que teria a insanidade
de um matrimônio contrair que a afrontaria?

Hades por séculos então se queixaria
ao irmão Zeus por sua soledade;
para namoros sem ter dificuldade,
mas ninfa ou musa nada sério aceitaria!

E finalmente, em Perséphone pôs o olhar:
“A minha sobrinha até agora não casou,
quem sabe ordenas que seja minha consorte?”

Mas Deméter, sua mãe, foi recusar:
“Minha filha até hoje me ajudou,
eu não consinto que desça para a morte!”

“Ela é uma deusa, não poderá morrer!”
Em vão os três irmãos argumentaram,
que o próprio Hades era vivo lhe mostraram...
“Porém progênie jamais poderá ter!”

“Não pode a vida no Tártaro crescer!”
Sem convencê-la, tampouco a obrigaram,
mas a Hades sutilmente consolaram:
“Não é preciso, de fato, a convencer...”

“Há outros meios para a noiva conseguir;
não consentimos, mas não vamos proibir
seu casamento, se na Terra não estiver...”

Hades tomou essa não-proibição
como consentimento ser e permissão
e planejou como alcançar o seu mister.

Um dia Perséphone achava-se a colher
belas flores com suas aias e donzelas,
extremamente formosas muitas delas,
mas só a deusa quis Hades escolher,

a sua sobrinha, que lhe devia pertencer
e de seu reino escancarou cancelas,
arrebatando a jovem dentre elas,
nas profundezas do Tártaro a esconder.

Alguns dizem que vinha numa biga,
duas sombras de cavalos a puxar,
outros que em Cérbero é que viria montado;

ainda outros que foi uma quadriga,
com quatro sombras sendo mais fácil raptar,
das companheiras o terror assegurado!

A LUZ NA ESCURIDÃO V

Não obstante, no seu reino tão profundo,
com carinho, a soube cortejar,
consentindo finalmente o desposar,
sem violência e sem estupro imundo;

se o fizera, a Zeus veria iracundo;
mesmo em espécie de incesto familiar,
a sua sobrinha deveria respeitar,
até alcançar consenso mais jocundo.

Mas quando Deméter ouviu o acontecido,
em desespero, a Zeus foi protestar,
mas este disse que era um fato consumado;

não desejava ver seu reino invadido,
legiões de mortos ter de derrotar,
reforçados ao morrer qualquer soldado!

Cheia de angústia, Deméter protestou:
“Você se esquece de que ela é a Primavera!
Por quantos anos ficará à espera,
durante inverno que nunca terminou?”

Sem ameaças, contudo, se afastou
e logo o inverno sobre a Terra gera,
antes do outono, terrível como fera!
De novo Zeus a Deméter convocou:

“Por que impede que o calor nos torne?”
“Eu já lhe disse, meu querido irmão,
que eu apenas governo a brotação.”

“Mas quem ordena ao solo que se amorne
é minha filha e a quentura da estação
não se restaura, a não ser que ela retorne!”

Zeus percebeu que isto era verdade,
mas preferindo então contemporizar,
as deidades dos campos foi chamar,
que à primavera dessem continuidade.

“Grande deus, tentaremos sua vontade
obedecer, mas onde forças encontrar
se a primavera não quiser voltar;
já há sete anos desta imensa frialdade...”

Então, com seu poder de deus superno,
chamou a Hades, exigindo devolvesse
Perséphone, a Primavea indispensável.

“Caso contrário, jamais de teu Averno
consentirei que tua sombra retornasse:
meu próprio reino tornaste miserável!...”

Viu-se Hades obrigado a obedecer:
não pretendia lançar mortos contra os vivos!
Mas Perséphone e ele, em firmes crivos,
se haviam amado e jurado pertencer...

Ora, ele à esposa sempre quis satisfazer
e como ela lamentasse os dias festivos,
a um jardim, flores e troncos redivivos,
lhe concedera o poder de conceber...

E gentil sombra lhe cedera em jardineiro,
todo o trabalho mais pesado a executar,
embora, de fato, o poder da Primavera

o frio da treva vencesse bem ligeiro;
árvores de fruta começavam a medrar,
após os sete anos nessa esfera!

Muito triste, se foi Perséphone despedir
de seu jardim e do humilde jardineiro.
“Sem a senhora, tudo vai secar ligeiro
e como as demais sombras vou dormir...”

“Mas veja essa romã, já a refulgir,
com duzentas frutinhas por inteiro!
Antes de ir, queira provar, primeiro,
algumas delas... antes do frio as desnutrir...”

Assim Perséphone comeu sete sementes
dos bagos rubros dessa romãzeira,
a sensação de tornar-se prisioneira

nela crescendo desde esse entrementes;
mas o marido em sua biga a transportou;
logo no mundo superior já se encontrou!

A LUZ NA ESCURIDÃO VI

O resultado percebeu-se de imediato,
já a neve a derreter com rapidez;
o ar a se amornar e, em curto mês,
brotavam relva e flor em desacato!

Mesmo onde não chegara a haver de fato,
tudo crescendo, na maior desfaçatez;
mesmo em paredes e telhados verde vês,
frutas e flores nas árvores do mato!

Mas já Perséphone se sentia enfraquecer,
mesmo sendo por Deméter amparada
e finalmente, foi-lhe perguntado:

“Algum fruto das trevas foi comer?”
“Não pode ser, que lá não brota nada!”
Mas recordou o jardineiro do seu lado...

Asclépios, o médico, sendo consultado,
esse Esculápio, como o conhecemos,
logo falou: “Foi isso que tememos:
nunca por ela será o Tártaro deixado!”

Porém Hades declarou não haver pecado!
“Foi o jardineiro.  Romã juntos comemos,
com sete bagos um adeus nos demos,
sete sementes de seu reino assombrado!”

Assim Deméter foi forçada a consentir,
por quatro meses dela se despedir,
a cada ano, quando nos vem o inverno,

e então retorna para seu próprio trono,
muitas sombras despertando de seu sono,
que na sua ausência continuaria eterno!

Porém existe também outra versão,
uma história mais romantica e dolente;
não houve rapto de cunho repelente,
mas uma coisa muito mais do coração.

Hades sempre a contemplava com paixão,
vendo a sobrinha a colher, alegremente,
flores do campo, a lastimar frequente
não receber do casamento permissão.

Na superfície poder só tinha escasso
e se mostrou como sombra num rochedo,
Perséphone observando, fascinada,

mas antes de discernir-lhe qualquer traço,
as flores fez girar em torno ao dedo,
com as cores vivas ficanoo perturbada.

Pensou ter sido tão só imaginação,
depois da sombra ter desaparecido,
no dia seguinte, depois tendo surgido,
no mesmo ponto, igual aparição.

E no terceiro dia, outra ocasião,
a sombra negra já tendo percebido,
que seu olhar constante havia atraído,
tomando forma humana à perfeição.

Era um homem, agora alto e muito belo,
seu rosto e corpo a tomar coloração,
nele a perder-se em contemplação.

No seu olhar a ver igual desvelo,
seu rosto rubicundo, bem corado,
nas suas mãos um tremor descontrolado!

Em sendo deusa, ainda era adolescente
e no outro dia, saiu sem nem comer;
Deméter se assustou, vendo-a correr,
indo atrás dela, num temor crescente.

Mas Perséphone era ligeira, realmente;
Deméter, ao chegar, só pôde ver
como sua mão ela dava ao estranho ser,
por entre as rochas a sumir rapidamente.

A jovem deusa deparou-se com uma escada,
composta por centenas de degraus,
que os dois foram descendo de mãos dadas.

E ao alcançar o fim da caminhada,
de um invísivel rio transpondo vaus,
sentiu suas costas com leveza acarinhadas.

A LUZ NA ESCURIDÃO VII

A criatura o rosto lhe tocou,
suas sobrancelhas e suas faces rosadas,
depois seus lábios, frutas delicadas,
e finalmente, a boca lhe beijou!

E quando os lábios e a língua lhe entregou,
suas emoções totalmente dominadas,
as próprias células do corpo  apaixonadas,
seu coração, em delírio, consagrou!

“Quer ser minha noiva?” – o homem perguntou.
Nenhuma dúvida em responder sentindo,
“Serei tua noiva, sim, eternamente!”

E o casamento então se consumou,
muitas vozes ao seu redor ouvindo,
quando enrre as sombras percebeu estar presente!

Sombras, sem dúvida, mas não estavam mortas,
pois murmuravam, cheias de alegria;
uma falou e logo outra repetia,
como gotas de licor em mil retortas,

“Ès Luz na Escuridão e o sono abortas!...”
aumentando, jubilosa, a gritaria
e nos seus próprios braços percebia
brilho dourado a desvendar escuras portas.

E de seu corpo inteiro então pulsava
essa centelha de luz na escuridão:
por onde andava, tudo se acendia!

Era Hades, seu tio, que a contemplava,
com grande orgulho mesclado de paixão
e por seus vastos salões a conduzia...

E contemplando as mil faces famintas
pela alegria que só dela manava,
compreendeu que seu marido amava,
mas que sentia emoções nada distintas

por essas faces, antes indistintas,
que sua presença então encorajava
e pelas sombras também se enamorava,
sua palidez pintando com suas tintas.

Foi dessa forma que se tornou rainha
e embora Hécate se quisesse rebelar,
para o espaço mais profundo foi banida,

na obumbração a se enfuriar sozinha,
somente sombras de monstros a apoiar,
ante Perséphone a multidão reunida!

E desse modo, sete anos se passaram,
amor perfeito de felicidade,
por entre os mortos a espalhar bondade,
que quase em vivos então se transformaram.

Mas apesar do amor que partilharam,
berço feliz de sua masculinidade,
permaneceu em esterilidade,
sem filhos ter do ardor que conquistaram...

Mas lá em cima longo inverno se instalara
e a Mãe Deméter chorava sem parar,
as mãos torcendo em constante lamentar;

vezes sem conta, nesse tempo, suplicou,
contudo Zeus nem sequer a consolou:
“Não é o destino de sua filha se casar?”

E finalmente, acabou por se zangar:
“Na verdade, por que reclama de sua sorte?
Melhor marido não teria do que a Morte,
sempre constante, eternamente a conservar!”

Porém Deméter não se podia consolar,
lamentações a uivar de grande porte,
até que Zeus determinou-lhe o corte:
“Sua gritaria insensata vai parar!”

Mas realmente, o frio não decorria,
por sete anos sem haver seara,
secos os caules, cada animal morria,

ou se ocultava em sua hibernação,
fome terrível toda gente se depara,
que a humanidade era quem mais sofria!

A LUZ NA ESCURIDÃO VIII

Deméter, mesmo ao silêncio compelida,
não desistia internamente de carpir
e das liras foi a primeira construir
com uma casca de tartaruga falecida.

Em tendões sete cada nota percebida,
de animais que morriam ao dormir,
toda perdida a intenção de resistir,
toda a paisagem de neve revestida...

E nessa lira, de tais mortes nascida,
começou a tanger em hesitação:
“Quando voltar, de novo as flores se erguerão.”

“Acordará cada árvore adormecida,
virá o renovo para cada plantação...
Volta, minha filha, ao coração ferido!”

Perséphone por seu canto foi chamada,
verso após verso, cada vez mais atraída,
no ditirambo toda comprimida,
para o mundo superior foi raptada!

Sua mãe ouvindo clamar, desconsolada,
em uma sombra de luz já contraída,
na multidão uma aflição sofrida,
dos braços do marido arrebatada!

No último instante, Hades abriu o peito,
seu coração a pular como romã,
quando alguns mortos tomaram as sementes

e no momento em que deixava o leito,
em sua boca as enfiaram com afã,
porém desfez-se em centelhas resplendentes!

De novo estava parada em pradaria,
mil outras flores já cresciam ao redor,
queria Deméter abraçá-la com fervor,
mas a lástima em suas vistas então via!

“Minha filha, o que tanto te angustia?”
“Minha mãe, pelos vivos tens amor,
Mas para os mortos eu dou todo o meu calor!
Serão de Hécate, com sua bênção fria!”

Deméter se arrependeu profundamente,
Hades subiu para a Terra, em agitação,
todos três a chorar profusamente...

Deméter disse: “Por acaso, algo comeste,
nesse reino de perpétua escuridão?”
“Meu marido me abriu seu coração!”

“Sete sementes brotaram de seu peito
e na minha boca foram colocadas,
que engoli, sem serem mastigadas...
Sofreu assim a refeição algum defeito?”

Hades mostrou de amor seu grande preito,
mas de Deméter não foram assim frustradas
as esperanças de ver ressuscitadas
todas as vidas a que tinha direito.

E com sorriso de amor e de tristeza,
com carinho abençoando aos dois amantes:
“É necessário que voltes a este mundo.”

“Mas quatro meses te darei, sem incerteza,
nos quais retornarás, igual que dantes,
a esse reino por que tens amor profundo!”

E é por isso que, uma vez por ano,
rebrota a Terra em cada primavera;
à vida torna cada planta e cada fera,
o alimento recupera o ser humano,

por oito meses, para então volver o dano
do frio, do gelo, da neve que aqui impera,
enquanto as sombras adormecem qual quimera,
mas sem sofrer de novo o sono insano.

Só em quatro meses por ano chega o inverno,
mas para as sombras chegam força e emoção,
num parcial tipo de ressurreição,

embora sempre permaneçam nesse inferno,
têm alegria e não pleno esquecimento,
até o dia de seu final recolhimento...

LEGENDÁRIO I – 30 MAIO 2018

Por que escrevo tantos contos de fadas
e não os torno sequer açucarados,
como desenhos nas Tevês mostrados?
É que ali vejo violências programadas,

séries de monstros na tela apresentadas,
ali surgem mesmo mortos acordados,
sendo os vivos por eles devorados,
para deixar as criancinhas assustadas,

nesse costume de despertar o atavismo,
esses temores que nos vêm da antiguidade,
quando aos mortos enterravam bem no fundo,

quando o terror do escuro era um truísmo,
vampiros e zumbis em quantidade,
trazendo a lama de um cemitério imundo!

LEGENDÁRIO II

“E por assim se multiplicar a iniquidade,
resfriará o amor no coração de muitos.” (*)
talvez por trás existam os intuitos
de ao homem corromper com mais maldade!
(*) Mateus 24:12

Cenas de sexo condenam-se, é verdade,
mas a toda violência dão indultos,
nos videogueimes rancores vem ocultos
por toda a vida de animal ou humanidade.

Se o jogador morrer, já reinicia,
permanecendo a sensação de impunidade,
ao se matar qualquer adversário,

que o aplicativo outra vez se ligaria,
tornam figuras na mesma qualidade,
em nova fase de assassínio perdulário!

LEGENDÁRIO III

Não é de admirar que, com frequência,
rapaz ou homem meio desequilibrado
seja por jogo digital influenciado,
encontre armas e, cheio de imprudência,

cometa algum massacre sem leniência
e após decida morrer suicidado;
talvez o jogo possa ser reiniciado,
são falsas mortes, sem dispor de permanência!

Assim, prefiro escrever contos de fadas,
ou as histórias das Santas Escrituras
(não que estas sejam totalmente puras!),

Porém à luz só trago coisas encantadas,
os meus arquétipos muito mais gentis
do que essa invasão de coisas vis!

LEGENDÁRIO IV

E então o mito a refazer de Proserpina
ou de Perséphone, que ontem digitei,
por entre os mortos por certo eu ambientei,
mas sem quimera qualquer mais assassina!

Alguma figura mitológica se inclui
responsável pelo mal e a revelei,
porque o bem, só por contraste, eu sei
vai-se instilar na criança pequenina!

Sem o escuro, não se percebe a luz,
sem a doença, não compreende-se a saúde,
só com a tristeza entendemos a alegria,

Mas às crianças ou namorados enfim reluz,
um fim feliz que tranquilidade escude,
despida a morte do terror que a revestia!

CONFIAR DESCONFIANDO I – 31 MAIO 2018

“No passado eu já te dei meu coração,
bem antes de alcançar os teus abraços,
mas por favor, não o faças em pedaços,
se não desejas lhe dar aceitação!...”

Vive o sincero na luz dessa emoção,
ao contemplar a beleza nos teus traços,
na esperança de mais firmes laços,
para à esperança dar ressurreição!

É bem verdade que existem os malvados,
que só do amor querem tirar proveito,
belas mentiras em frases sem defeito,

no seu olhar serpentino mais agrados:
toma cuidado a quem dás a tua confiança,
que existe mesmo pérfida criança!

CONFIAR DESCONFIANDO II

É mais seguro só se dar uma fatia
do coração, com certa desconfiança,
qualquer tristeza do passado na lembrança,
por teu calor, talvez memória fria!

Mas também pode ocorrer que se iludia
quem só desdém a seu redor alcança,
quem só rancor a seus vizinhos lança,
alguém sua alma no passado lhe feria!

É bem possível que a pessoa maliciosa
um dia teve real ingenuidade,
em um terceiro a encontrar maldade,

a se tornar depois mais suspeitosa,
sem nunca inteiro entregar seu coração,
que foi fatiado em qualquer outra ocasião!

CONFIAR DESCONFIANDO III

Prefiro eu mesmo demonstrar confiança,
até que prova tenha que a desminta,
sem a revestir de obscura tinta,
a relação desbotando de bonança!

Veja Perséphone, de um amor sem desconfiança
por criatura que a sociedade pinta
como sendo maldosa e que ardilosa finta
empregou para alcançar a sua esperança!

Que tanta vez quem feio nos parece
possui de fato um coração de ouro,
sete sementes de amor para te dar!

Enquanto outrem, que tão belo vê-se,
só pretende, ao roubar o teu tesouro,
de seu próprio coração nada te dar!

REVELAÇÃO I – 1º de Junho de 2018

Mais de uma vez eu já considerei
não poder me dar bem com Diderot:
mais de uma vez o filósofo afirmou:
“O homem será livre, quando o último rei

com as tripas do último padre enforcarei!”
Ou essa ação talvez tão só recomendou
a algum carrasco e ele mesmo se negou
a algo fazer mais que ditar lei!...

Mas acontece que me julgo monarquista,
ainda leal à Dinastia de Bragança
e certamente, sem ser espiritista,

em outras vidas minha crença insista,
na Divindade a deitar minha esperança,
que o ceticismo em nada me conquista!

REVELAÇÃO II

Mas se quiser reconhecer toda a verdade,
reencarnação é tachada de heresia;
só do corpo ressurreição se afirmaria
no dia final, em que toda a humanidade

será julgada em total finalidade
por Christos Pantocrátor, em harmonia;
só uma vez o ser humano morreria,
algum destino para sofrer na eternidde!

Dante Alighieri, em sua Divina Comédia,
pintou um inferno sem consideração
de qualquer graça e a negar todo o perdão.

Mas o Credo Niceno, sem tragédia,
fala dos mortos final ressurreição.
tendo de corpo espiritual o galardão!

REVELAÇÃO III

E como vimos, ao ler sobre Proserpina,
essa Perséphone helena, na verdade,
os mortos vivem pela eternidade,
num mundo em que a sombra só domina.

Quando a presença divinal fascina,
com tal centelha de luminosidade
que as sombras ressuscitam sem maldade,
mas sem da Terra retornar à sina!

Diderot era cético e um ateu,
pela república apenas idealista,
participando como enciclopedista

dessa obra singular que concebeu,
mas eu sou crente no futuro meu,
nessa esperança que sempre me prendeu.

REVELAÇÃO IV

Mas que importa, se a morte for o fim?
Há muitos séculos já diziam os Romanos
que nunca a encontrariam, sem enganos:
quando vier a nos tomar, enfim,

já nos não acharemos no Porfim
e enquanto ainda sofrermos desenganos,
não chega a morte para nós humanos,
que entre nós encontro algum existe assim.

Mui certamente eu não temo a morte,
seja o que for que depois me ocorra,
ou caso haja somente a escuridão,

fico curioso de qual seja a sorte,
nesse momento em que afinal eu morra,
desse mistério encontrando a solução!

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