O
PASTOR DE LOBOS
WILLIAM
LAGOS – 12/16 JUNHO 2018
Versão
poética sobre conto do Thesouro da Juventude
Pastor
de Lobos – 12 junho 2018
Índole
– 13 junho 2018
Impermanência
– 14 junho 2018
Esforço
– 15 junho 2018
Precauções
– l6 junho 2018
O PASTOR DE LOBOS I
Havia dois irmãos, que
tinham recebido
um rebanho de ovelhas
como herança;
ao mais velho, chamar
de Tosco costumavam
e o mais moço era o
Meigo, por contraste;
lã produzia o rebanho,
que lhes baste,
pomar e horta tinham
também, que lhes afaste
a necessidade de ter o
rebanho reduzido.
Não eram ricos, mas
viviam em abastança;
na estação as ovelhas
esquilavam,
vendiam a lã ou
agasalhos fabricavam.
Ambos viviam nas faldas da montanha,
a boa distância de qualquer aldeia;
Tosco afirmava ser o dono do rebanho;
por onde ia, andava sempre armado,
com uma adaga, garrucha e seu cajado,
geralmente a se mostrar mal-humorado;
ao esquilar, sua ânsia era tamanha
que raspava contra a pele, coisa feia;
era verão e época do amanho,
mas cada ovelha desnudava em tal assanho!
Já Meigo, a merecer
seu apelido,
sempre deixava certa
raiz na lã.
Tosco dizia: “Vou
descontar a diferença
da tua parte!” Porém
Meigo ria,
que a renda toda para
o cofre do outro ia!...
Tosco entendia e logo
retorquia:
“É só o legado que
temos recebido,
precisamos juntar
prata com afã,
somos solteiros. Você
acaso não pensa
que a nossa solidão é
muito intensa?”
Eu sou mais velho e
vou casar primeiro,
mas vais ter parte
também da nossa renda;
é boa a lã que nos
fornece cada ovelha
e agora é mesmo tempo
de calor,
nem sentem frio, eu
lhes faço até favor!”
Dizia Meigo: “Mas sou
eu o cuidador,
você só pensa em
ganhar mais dinheiro,
mas eu que trato
qualquer que espinho ofenda,
por isso deixo a raiz
ficar parelha,
é o meu cuidado que
sua saúde espelha!”
“Se qualquer uma se ferir, a gente come!
Alguma tem de sobrar para o churrasco!
Belos cobres eu consigo lá na aldeia,
mas não me dão grande consideração;
dizem as moças que eu sou um grosseirão,
mas quando virem bom dinheiro no surrão,
esse apelido que me deram logo some
e não preciso mais ver cara de asco!
Pois não pretendo casar com mulher feia,
nem preguiçosa, pois vai ter de cerzir meia!”
“Ora, eu também
pretendo me casar,
aqui em cima é mesmo
solitário!
Cuido da horta, do
pomar, faço comida...”
“Eu também faço, dia
sim e dia não!”
retorquiu Tosco. “E
até tenho boa mão,
mas me interessa é
cuidar da criação;
mais árvores de fruta
eu vou plantar;
ali na encosta há um
bosque muito vário,
por mais que lenhe,
não damos de vencida,
aumenta sempre e a
pastagem é reduzida!”
O PASTOR DE LOBOS II
“Tendo mais cobres,
até posso contratar
para nos dar ajuda, um
lenhador,
fazer carroça, comprar
um cavalinho...
A gente vende lenha
para o inverno...
Eu posso não ser lá
muito terno,
mas não sou nenhum
diabo lá do inferno!
Nosso futuro estou
sempre a planejar,
largas terras deixou
nosso genitor,
não pense nunca que
com você seja mesquinho,
não obstante, você ainda
é um rapazinho!”
“Depois que eu estiver estabelecido,
com boa esposa para nos cuidar,
tudo vai ser muito mais confortável;
não vou ter de dormir mais só com pelego!
E o nosso pai já estava quase cego:
a lã nos olhos me incomoda, não te nego,
cheio de felpas, meu olhar ardido!
Por isso temos de muito trabalhar,
você vai ver que será muito agradável:
a diferença, com mulher, será notável!”
“E mais adiante, você
casa também!
Tenho certeza de que
arranja noiva fácil!
Você não é o Meigo das
meninas?
Quando me ajuda a
carregar a lã,
mesmo suado e sujo
desse afã,
com essa boca larga
feito rã,
com as meninas bate
papo muito bem!
Não me parece que
sejas nada grácil,
não faço ideia do
jeito que as fascinas,
não há de ser pelas
tuas roupas finas!”
Tudo isso Meigo ouvia
e não falava;
reconhecia Tosco ser
trabalhador
e embora em nada sendo
carinhoso
depois da morte dos
pais, o havia cuidado,
dado roupa, protegido,
alimentado
e à sua maneira, até o
havia educado;
do seu método na
esquila discordava,
mas pelo irmão sentia
grande amor,
só duvidava que agora
fosse generoso
e não gostava que
insinuasse ser vaidoso!
Por muito tempo haviam vivido os dois em paz,
nessa choupana que fora de seus pais,
mas um verão chegaram mercadores,
que desde a grande cidade viajavam
e toda a lã que podiam, ali compravam,
para uma fábrica de tecidos que montavam;
Tear Mecânico, que trabalho melhor faz
do que as rocas e os fusos habituais
e pela lã de Tosco mostravam bons favores,
pagando muito bem os tais senhores!
Surgiu daí a desgraça
das ovelhas!
Mais lã querendo no
momento da tosquia,
Tosco esquilava até
não poder mais,
mas era Meigo que as
feridas tratava;
raras vezes algum
bicho se pisava
e sangue mesmo, por
certo não jorrava!
Porém Meigo apertava
as sobrancelhas,
ao ver o jeito que
cada qual tremia,
sentindo pena dos
pobres animais,
mas com Tosco já
discutira por demais!
O PASTOR DE LOBOS III
Tosco dizia: “Este
rebanho é meu,
a casa é minha, eu sou
dono da pastagem,
és meu irmão, fui eu
que te criei,
portanto, fica quieto
e me obedece,
se estás com pena, te
ajoelha a fazer prece,
pede mais lã! Quem sabe, dos céus desce!”
Mas sempre Meigo vasto
esforço dispendeu,
aos ovinos protegendo
com coragem:
As moscas dia e noite
espantarei,
berne ou bicheira eu
não permitirei!
E porque fosse a pastagem abundante,
ou porque Meigo o cuidasse muito bem,
foi o rebanho aumentando lentamente...
Mas ocorreu que em um certo verão,
crescesse a lã com tanta prontidão
que Tosco repetiu a tosação!
Para Meigo foi coisa até inquietante,
mas noite a dentro percorria também
as campinas, cortando atentamente
cada espinho ou cardo firmemente!
E até mesmo as pedras
recolhia,
para evitar que a
tropilha se ferisse;
Tosco igualmente,
tinha pena de abater,
mas insistia em
repetir as tosas!...
Os dois caçavam
coelhos e raposas
para comer e as peles
mais formosas,
com cuidado, em um
telheiro ele curtia.
Se um mercador o seu
trabalho visse,
certamente o compraria
com prazer,
por um valor bem mais
alto a revender!
As economias iam
aumentando,
mas, de repente, o
rebanho diminuía!
Sumiam primeiro as
ovelhas mais tosadas
e embora os dois as
vigiassem com cuidado,
pensando que alguém as
havia roubado
e Tosco olhasse os
vizinhos, desconfiado,
em lugar algum as
foram encontrando!...
Com alguns, ele até
mesmo discutia
nas propriedades por
ele inspecionadas,
porém nenhuma delas
encontradas!
Meigo passava já noites em claro
e Tosco andava pelos campos ao redor,
sofrendo troça e muita zombaria,
outros pastores tendo muita inveja
do bom dinheiro que sua lã lhe enseja
e se alegravam que sua sorte esteja
menor que antes, sem receber amparo
do Conselho da Aldeia ou de mercador;
só diziam que Tosco deveria
um cachorro arranjar que o ajudaria!
Mas isso é coisa que
Tosco não queria,
porque um cachorro
precisava de comer
e alguma ovelha abater
precisaria:
se para si e o irmão
ele o evitava!
De algum lobo ou urso
desconfiava,
mas nem sequer rastro
de qualquer achava
e volta e meia, outra
desaparecia,
de alguma forma que
não podia compreender;
até com Meigo ele, às
vezes, discutia
e acusações infundadas
lhe fazia!
O PASTOR DE LOBOS IV
“Você está ficando
doido, meu irmão?
Onde eu poria uma
ovelha que roubasse?”
Tosco engolia, mas não
se desculpava
e ao ver mais
diminuído seu rebanho,
de acusações crescia o
seu assanho,
cada verão via minguar
seu ganho;
Meigo ofendia-se com a
acusaçao:
“Não seja idiota,
Tos...” “Ora, me esquece!”
“Até você já quase me
chamava
pelo apelido horrível!”
– o outro reclamava.
Mas como os dois irmãos muito se amassem,
Meigo o amor demonstrando abertamente,
Tosco o mostrando só à sua maneira,
nunca a uma briga de fato iriam chegar,
embora às vezes mal pudessem se encarar:
era um enigma grande demais para aceitar...
“E se as ovelhas a montanha escalassem,
as suas esquilas evitando, finalmente...?”
“Ora, é impossível por essa ribanceira,
só se fosse alguma cabra trepadeira!...”
Por outro lado, o
rebanho diminuindo,
ficava o pasto cada
vez mais abundante
e outros zagais mais
aproveitadores,
de mansinho, começavam
a invadir;
depressa Tosco os ia
perseguir
e eles tiravam suas
ovelhas, a sorrir...
Desesperado e já se
consumindo,
Tosco guardava as
ovelhas cada instante,
Meigo aumentava mais
os seus labores
na hora e no pomar,
seus nutridores...
Finalmente, quando o
inverno já começa,
somente três ovelhas
lhes restavam
e Tosco quis fazer
outra tosquia;
Meigo logo protestou
que estava frio,
tosquiar agora era
contra o passadio,
porém Tosco ofendeu-se
no seu brio
e foi buscar sua
tesoura em toda a pressa!
Então Meigo notou como
trepavam
as três ovelhas pela
penedia,
nessa parede que até
lisa parecia!
Mas Tosco já voltava com um saco
e na mão sua tesoura de esquilar,
quando Meigo apontou na direção:
“É por ali que as ovelhas vão sumindo!”
“Seu pateta! Não vê que estão
fugindo!”
Em correria as foram perseguindo,
mas não acharam na penha um só buraco!
Em vão tentaram algum caminho achar
e as três fugidas no topo logo estão,
mas encontrar a sua vereda foi em vão!
Os dois voltaram muito
desanimados...
“O que podemos nós
fazer agora?”
“Talvez na safra
alguém vá nos empregar...”
“Algum dos outros
criadores da região?
Não seja tolo! Uns
invejosos todos são,
Se lhes pedirmos, até
nos correrão!
E nem nascemos para
sermos empregados!”
“Quem sabe de gastar
chegou a hora?”
“De modo algum! Não vou nada gastar!
Custou-me muito meus
cobres ajuntar!”
O PASTOR DE LOBOS V
“Bem,” disse Meigo,
“então só resta um jeito:
com o sol claro da
manhã se procurar,
que essas ovelhas não
subiram por magia!”
“Falou Tosco: “Para
mim, foi maldição!
A bruxaria foi a nossa
perdição!
Como subir por esse
enorme paredão?”
“Querido irmão, não leve
tão a peito,
os travesseiros nos
vão aconselhar,
alguma senda é certo
que haveria,
caso contrário, como
ovelha subiria...?”
Enquanto os dois uma sopa tomavam,
falou Tosco: “Recordo que Papai
contou existir no alto da montanha
um rebanho de vasta proporção
e até pensara aumentar sua criação;
um dia, subira com toda a precaução
por umas frestas que na falda estavam,
com grande esforço até o alto vai,
até um areal de proporção estranha:
nunca sofrera decepção tamanha!”
“Mas pode ser que
agora haja capim,”
disse Meigo. “Senão, nossas ovelhas
não estariam fugindo
para lá!
Escute bem: na aldeia,
certo dia.
conversei com uma garota
que dizia
ter escutado de sua
avó que lá havia
o Velho da Montanha
com um rebanho assim.”
“Isso é conversa de
mulheres velhas!”
“Pode até ser, mas
hoje vimos já
as três ovelhas a
subir para acolá!...”
“Pode o tal rebanho
gigante ser só lenda,
mas nossos bichos eram
bem verdadeiros!
Se foram para lá, bom
pasto deve haver
e nós já tínhamos
coisa de duzentas!”
“Duzentas e oito, se
em boa conta atentas!”
disse Tosco. “Ovelhas mais nojentas!
Como foram descobrir a
tal de fenda?
Bichos ingratos! Churrascos bem certeiros
eu teria feito para
carne boa comer,
se não quisesse só o
rebanho proteger!”
Meigo pensou: “Proteger queria a lã!”
Mas foi lavar os pratos e a panela,
para depois ir-se deitar, tranquilamente.
Na sua cama, já Tosco ressonava
e ao nascer do sol se levantava
e do pomar maçãs logo arrancava.
“Acorde, irmãozinho, coma a sua maçã!
Se fenda existe, conseguiremos vê-la!”
E os dois partiram imediatamente,
aproveitando a luz do Sol Nascente...
E na verdade, oculta
estava a fenda
por uma moita de
grossos espinheiros!
Muito difícil, porém,
esse caminho,
mas por ali os dois
foram galgando,
em uma raiz ou pedra
se agarrando,
levaram horas, mas
enfim foram chegando,
com muito esforço, ao
planalto dessa lenda:
só areal e pedras
cobriam os terreiros!
“Perdemos nosso tempo,
bom maninho,
aqui não medra sequer
um pastozinho...”
O PASTOR DE LOBOS VI
“Espere, irmão, há
rastros nessa areia!”
Eram as marcas de
muitas ovelhas,
sugerindo que adiante
havia pastagem;
muito embora
estivessem bem cansados,
foram os dois se
apoiando nos cajados,
um tufo ou moita sendo
já encontrados...
E a luz do sol, a
seguir, já incendeia
um largo renque de
oliveiras velhas
e do outro lado,
mudava-se a paisagem,
um pasto verde, mas de
branca mancha a imagem.
“Por que seguir?” disse Tosco.
“Aquilo é neve!”
“Não,” falou Meigo. “Olhe bem, são animais!”
Já começavam um som de flauta a ouvir
e logo enxergaram um rebanho imenso...
Tosco agarrava a sua adaga, tenso;
chegando perto, na cabeça a fazer censo:
“Estamos ricos! Mil sacos de
lã deve
produzir este rebanho e até mais!...”
“Mas não são nossas,” disse Meigo, sem sorrir.
“Com tanta lã, não há ninguém a conduzir!”
Guardou a adaga e a
tesoura de esquilar
na sua mão já de
imediato aparecia.
“Irmão, por favor, não
são as nossas,
você não vê que têm
cabeça preta?
Tosco com isso nem
sequer se inquieta,
só a ambição seu
raciocínio afeta:
“Ora, apenas a lã branca
eu vou tosar,
mas não trouxe nenhum
saco, porcaria!”
“Irmão, não é coisa
que aqui possas!”
“Não vou perder essas
lãs assim tão grossas!”
Mas novamente a flauta
se escutou
e do meio do rebanho o
seu Pastor,
lentamente, veio em
sua direção,
deixando Tosco bem
desapontado...
“Meus amigos, o que
procuram deste lado?”
falou um velho, de
cafetã e encapuçado.
“As minhas ovelhas...”
– Tosco balbuciou.
“Estas são minhas, meu
caro senhor!”
“Elas fugiram para
cá!... Ou então...”
“Então o que?” –
Falou, austero, o ancião.
De acusá-lo de ladrão não se atreveu.
“De que raça as suas ovelhas, meu senhor?”
Tosco reconheceu serem Merino.
“Pois as minhas, como vê, são Caracul...
Decerto as suas estão mais para o sul,
há muito espaço sob o céu azul!...”
Meigo então a altercação interrompeu:
“Não precisa de um bom esquilador?”
Tosco falou: “Sou o tosador mais fino,
não deixo sequer um chumaço pequenino!”
Disse o zagal: “As
minhas eu tosquio,
mas somente quando
houver necessidade
de protegê-las contra
o excesso de calor;
porém aqui, no alto da
montanha,
não medra o cardo,
espinho não se amanha,
não é precisa
esquilação tamanha,
especialmente porque
faz bastante frio.
Você tosquia com a
mesma intensidade?”
“Eu sou menos
insistente, meu senhor,”
disse Meigo. “Sou
prudente tosquiador!”
O PASTOR DE LOBOS VII
“Mas o melhor
esquilador sou eu!”
insistiu Tosco. “Deixe que eu experimente!”
“Conforme disse, das
ovelhas minha é a tosquia,
mas eu tenho outro
rebanho, realmente,
que até posso
compartir com outra gente,
desde que seja de
esquilar prudente.”
“Corto mais raso,
então!” – Tosco se ofereceu.
“Pois vou deixar que
no início tente,
para então ver o
quanto bem faria.
Com a lã cortada seu
trabalho pagaria...”
Tosco insistiu ser capaz de trabalhar;
iniciou o velho a tocar a melodia
para chamar os outros animais.
“Mas estão longe, só de noite chegarão,
enquanto isso, faremos refeição.”
tirou azeitonas e queijo de um surrão.
“Não se surpreende por carne não lhe dar?
Eu sou o Velho da Montanha e cada cria
de meu rebanho respeito por demais,
elas só morrem de mortes naturais.”
“Também as nossas só
raro é que abatemos,”
falou Tosco. “As
mortas não dão lã!”
Meigo notou o franzir
das sobrancelhas
do pastor velho. “Eu as trato com carinho,
não deixo que se
percam no caminho,
nem que se enredem em
cardos ou espinho,
normalmente, apenas
coelhos nos comemos,
tomamos sopas e o
pomar produz maçã...
Sacrificamos só ovelha
muito velha
ou que morrera atacada
por abelha...”
Chegou a noite e a Lua
despontou;
ainda longe, apareceu
o outro rebanho;
serem somente ovelhas
negras pareciam,
mas ao chegarem perto,
que surpresa!
Era alcateia de lobos,
com certeza,
mais de duzentos,
língua solta e vista acesa!
Tosco ao vê-los, logo
se apavorou,
correu depressa de
rebanho tão estranho!
“Estas ovelhas esquilar
nem tentariam?”
Falou o velho – e seus
olhos lhe sorriam...
“Não,” disse Meigo, “não parecem ser ferozes,
eu me disponho a fazer essa tosquia.”
Falando mansamente, foi chamando
os lobos um por um, tranquilamente;
um a um se aproximou, muito paciente,
deixando os pelos lhe cortar bem rente,
mas não naquelas tosquias atrozes
com que Tosco pelar ovelhas pretendia;
mas cada lobo aos poucos foi contando,
enquanto seu pelo negro ia cortando...
Duzentos e oito lobos
no total...
Seria apenas uma estranha
coincidência?
“Não tenho sacos onde
pôr a lã...”
“Não seja por isso,”
logo respondeu
o pastor velho. De sua roupa apareceu
o suficiente para toda
a que colheu.
Tosco pensou em
ajudá-lo, no final,
mas cada lobo rosnou, com impaciência,
assustado, pulou Tosco
feito rã:
“Eu não fui feito para
tal afã!”
O PASTOR DE LOBOS VIII
Mas com os focinhos os
lobos ajudaram
e Meigo encheu os
sacos, um por um.
“Você além de covarde,
é preguiçoso,”
o Velho da Montanha
comentou.
“Não são ovelhas,”
Tosco protestou,
“Foi armadilha que
você me armou!”
“Outros antes já aqui
me desafiaram
e sem castigo não
deixei nenhum!”
Disse a Meigo: “Você é
bom e generoso,
além da lã, dou-lhe o
rebanho portentoso.”
“Pode levá-lo para a sua pastagem!”
“Mas de que jeito vou descer pela montanha?
Já foi difícil para mim subir sozinho!”
“Pois eu lhe mostrarei por onde andar...
Mas e você: não quer os bichos aceitar?”
Disse Tosco: “Não irei nunca lobos pastorear!”
“Eu aceito,” disse Meigo com coragem,
“Mas onde carne para alcateia tamanha?”
“Eles comem apenas relva, rapazinho!
Siga com eles, que achará o caminho!...”
Meigo acolheu a ordem
com prudência,
mas assim que começou
a pastorear,
cada lobo negro, para
sua surpresa,
em branca ovelha
foi-se transformando!
De imediato, foi Tosco
protestando:
“Mas são as minhas!
Você estava me enganando!”
“Meu rapaz, recusou
minha incumbência,
nenhum direito mais
pode afirmar!
Mas vai ficar aqui
comigo, com certeza,
até que aprenda a agir
com mais nobreza!”
Meigo entendeu que não
devia discutir
e foi seguindo até a
beirada do rochedo,
quando à sua frente se
abriu caminho plano!
Foi descendo na maior
facilidade;
no lombo dos
carneiros, na verdade,
prendeu os sacos de
mais densidade
e nessa noite, em sua
cama foi dormir,
do irmão Tosco com
pena do degredo,
mas a cada um seu
destino, sem engano!
Esperaria o retorno de
seu mano!
A contragosto, Tosco se foi submetendo,
aprendendo a cuidar dos animais
por amor e não mais pela tacanha
ambição de só juntar dinheiro.
Ao pastor foi-se afeiçoando bem ligeiro,
igual que um pai, severo e justiceiro,
dos projetos anteriores se esquecendo ,
em sua tarefa entretido por demais:
ano após ano vasto rebanho amanha
até tornar-se o novo Velho da Montanha!
Mas completados sete
anos de espera,
o jovem Meigo acabou
por se casar
com aquela jovem de
quem fora o namorado.
Sua choupana
aumentaram, certamente
e o rebanho foi
crescendo, lentamente;
filhos chegaram qual
bênção crescente...
“Se meu irmão
voltasse, quem me dera!
Metade do que eu tenho
iria lhe dar!
Mas não os filhos que
tenho do meu lado
e nem você, meu
tesouro bem-amado!...
ÍNDOLE I – 13
JUN 2018
“Quem é bom de
natural, ouve mais bem que mal”
não que à
inveja ou à malícia seja imune,
mas olha as
coisas por diferente lume,
procura apenas
da bondade o bom sinal.
Só o luminoso
toma a si por seu fanal,
por
desconfiança fácil não se pune,
qualquer
calúnia espera que se esfume,
o lado bom
sempre buscando no final,
Mas nem por
isso demonstra ingenuidade:
fornece um
crédito apenas de confiança,
até encontrar
ali prova em contrário,
e então
defende-se com engenhosidade,
a sua bondade
o induz à tolerância,
mas nem por
isso se torna um perdulário!
ÍNDOLE II
Quem procura
enganá-lo se arrepende,
pois não é
tolo quem demonstra caridade;
embora pronto
a perdoar a inimizade,
de um falso
amigo a natureza aprende.
Com
inteligência emocional contende
ao ver o mal,
com exata habilidade,
não por
vingança, mas retribuindo em igualdade,
sem outra vez
confiar em quem o ofende.
É claro que,
na injusta sociedade,
como ovelha se
disfarça muito lobo,
porém segunda
vez não dá confiança!
E o outro
perde sua oportunidade:
tudo pensado,
é o verdadeiro bobo,
que nunca mais
dele igual ajuda alcança!
ÍNDOLE III
Contudo, é
raro encontrar-se tal pessoa;
igual no amor,
qualquer um se ressabia
e de outro
relacionamento, desconfia:
pena de amor
coisa frequente e mesmo atoa!
Mas lá no
fundo, a natureza ainda é boa
e busca achar
nos outros simpatia,
mas em sua
lábia outra vez não cairia
e sua
confiança anterior já não mais doa!
Seria tão bom
mais gente haver assim!
A maioria não
é ma, só indiferente,
somente alguns
são dominados pela inveja;
mas quando
encontra alguém com alma afim,
já pensa mesmo
ser coisa surpreendente,
que amor,
confiança ou amizade enseja!
IMPERMANÊNCIA i – 14
JUN 18
“Não há mal que sempre
dure,” afirma o adulto.
“nem existe bem que um
dia não se acabe.”
A vida é feita de
transitoriedade
e até mesmo um
assassino ganha indulto!
E quando alguém na
igreja rende culto,
bem raramente é um
carola que se babe,
seu rosário a dedilhar
com falsidade,
à divindade um
verdadeiro insulto!
Só que, em geral, tem
medo do castigo,
desde criança a ouvir
falar do inferno,
pedindo ao padre
perdão de seus pecados;
traz bem real a
esperança do perigo:
ninguém deseja queimar
no fogo eterno,
que sempre dura para
os condenados!
IMPERMANÊNCIA II
E quem na vida
encontra só o prazer,
chega a ter mesmo
alguma desconfiança
de que oscilem os
pratos da balança,
sua alegria a
derreter-se no sofrer!
Supersticiosa essa
noção de algo dever
para Deus, em
pagamento de bonança,
o Bem e o Mal
enrolados numa trança
bem raro o dado mostra
os pontos que se quer!
E como a vida é um
“toma lá, dá cá”,
igual que ocorre em
nosso “Parlamento”,
tal gente pensa que também deve pagar,
senão a Deus, a alguma
imagem que lá está,
suas promessas a fazer
ao santo bento,
como um negócio que se
deseja completar!
IMPERMANÊNCIA III
Que o bem acabe um dia
é racional,
do mesmo modo que
termina muita dor,
de qualquer
preocupação cessa o temor,
vai-se a alegria neste
mundo temporal.
Tudo transita de modo
natural:
Papai Noel é o grande
contador,
as travessuras
registrando com ardor,
por que seria
diferente o divinal?
E existe até quem tema
de verdade
qualquer momento de
maior felicidade,
nessa certeza de que
tudo passa,
sem perceber que não
existe punição
nessa mensagem central
da religião:
que a salvação nos vem
só pela Graça!
ESFORÇO I – 15 JUN
2018
“Quem é coxo, parte
cedo”,
senão em seu destino
chega tarde;
quem for veloz, que um
pouco mais aguarde:
de se atrasar, decerto,
não tem medo!
Mas quem nas próprias
falhas põe o dedo,
não confia que a
rapidez o guarde;
começa antes, sem
fazer alarde,
enquanto o outro
permanece quedo.
A velha fábula da
lebre é conhecida,
que derrotada foi pelo
jabuti;
é bem verdade que este
trapaceou,
cada etapa do trajeto
percorrida
por outro jabuti que
estava ali!
Não obstante, a lebre
descansou...
ESFORÇO II
Nem todo o jovem mais
inteligente
conseguirá na vida
triunfar,
se do labor não julga
precisar,
resultados a obter
naturalmente,
enquanto quem se sabe
deficiente
dedicará mais tempo a
estudar;
e mais tarde, quando
tiver de trabalhar,
tudo fará para seguir
em frente.
No seu espírito terá
sempre presente,
mesmo que coxo não o
seja realmente,
que coisa alguma lhe
cairá no colo,
mas com esforço pode
até voar,
enquanto aquele de
fácil caminhar
dificilmente se alçará
do solo!
ESFORÇO III
Nada é simples assim,
naturalmente,
que existe aquele de
nascimento nobre,
muitos mais a nascer
em berço pobre
e tantos outros em lar
indiferente;
do mesmo modo que
algum inteligente,
tantos talentos sua
mão recobre
que enfim não sabe
para que lado dobre:
podendo tudo, nada
pode realmente.
Mas o pobre viaja de
metrô,
enquanto o rico parte
de automóvel
e logo encontra um
engarrafamento!
Chega primeiro quem
cedo levantou
e o outro chega a
passar horas imóvel,
por mais veloz que lhe
seja o pensamento!
PRECAUÇÕES I – 16 JUN 18
“Quem não quer fazer esforço,
rola mais que algum caroço!”
“Quem na parede não firma a mão certeira,
vai descendo até o fundo da ladeira!”
“Quem não economiza quando é moço,
na velhice só come um ruim almoço!”
“Quem se contenta em dormir sobre uma esteira,
Vai acabar sem ter eira nem beira!...” (*)
(*) Pátio ou telhado
De ditados deste tipo há quantidade,
que alguém se esforce sempre incentivando,
de fato, bons conselhos sem maldade,
mas em geral por experiência do fracasso,
filhos e netos assim aconselhando
quem nunca soube na vida dar bom passo!
PRECAUÇÕES II
Outro ditado antigamente aconselhava
a quem quer que ouvidos lhe daria,
que conselho, sendo bom, ninguém te dava,
porém por bom dinheiro venderia!
E tantas vezes esse brocardo ouvia
algum esperto que muito bem pensava,
que acabava por abrir Consultoria,
em que a troco de dinheiro te ajudava!
Mas na verdade, ajudava era a si mesmo,
pretendendo possuir mais experiência
e qualquer coisa te impingindo a esmo!
Em concorrência com um bom profissional,
que ouviria teu pedido com paciência,
depois te dando a solução mais natural!
PRECAUÇÕES III
Pois é preciso saber com quem se trata:
a cartomante lê o baralho sobre a mesa;
a quiromante lê tuas palmas com certeza;
em uma bola de cristal futuro cata!
Mas raramente é profecia exata
e tanto consultor falsa proeza
te leva a empreender, com boa despesa:
azar daquele que a tal conselho acata!
Mas vai ao médico, se tens uma doença,
para um imposto, consulta um contador,
ao construir, contrata um arquiteto,
que um agrônomo à boa pastagem te convença
e só um advogado será bom consultor
se de um processo te tornares o objeto!
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