AMOR DE MONSTRO
William Lagos, 13-22/7/2018
AMOR DE MONSTRO (III) ... ... ... 13 JUL 2018
LADRÃO DE SOMBRAS (VI) ... ... ... 14 JUL
2018
VOZ DOS MORTOS (VI) ... ... ... 15 JUL 2018
DESTINO SEM FORÇA (IV) ... ... ... 16 JUL
2018
RETALHOS (III) ... ... ... 17 JUL 2018
QUADRO DE ESCOL (III) ... ... ... 18 JUL 2018
PANÓPLIA EM PERSPECTIVA (III) ... ... ... 19
JUL 2018
EMOÇÕES EM PERSPECTIVA (III)) ... 20 JUL 2018
TEMOR EM PERSPECTIVA (III) ... ... ... 21 JUL
2018
CONSUMIDOR EM PERSPECTIVA (III) ... ... ...
22 JUL 2018
AMOR DE MONSTRO I – 13 JUL 18
Existe amor de cunho monstruoso,
em que um romântico se engaja inermemente
paixão e fúria em alternação pungente,
de quem se sabe o alvo de impiedoso
relacionamento, quando amor é deleitoso,
mas a amante não é digna do agente,
gestos vulgares, em empatia é deficiente,
rasa em misericórdia, em caprichoso
praticar da mais sutil, mais infinita
quebra de fidelidade, incapaz de nos trair,
que com frequência o finge, a reluzir
numa beleza em que o descaso grita,
que para o amor de monstro nos desperta,
com o mesmo charme de uma chaga aberta.
AMOR DE MONSTRO II
Não obstante, que consegue ser formosa,
com seu espírito ágil e inesperado,
corajosa a sugerir falso pecado,
assume riscos de forma até afrontosa,
para manter o amor em dadivosa
inflamação, algo jamais sendo encontrado
em uma amante de pendor domesticado,
numa armadilha de possessão airosa,
desde a adolescência engajada em ideologia,
mas que a abandona, tendo a mente aberta
e assim recebe com gentileza estranhos,
inicialmente pudica, se abriria
na exploração sexual da descoberta,
em seu desdém dos mais arcanos lanhos.
AMOR DE MONSTRO III
Impulso súbito e obscuro demonstrando
em sadomasoquismo, abertamente,
sua constante crueldade pertinente,
a quem a ama quase sempre desprezando,
vaidosa e impudente o dominando
aos seus caprichos constante tão somente,
perfura a alma fazendo-se de indulgente,
quando segura de quem vai maltratando.
É no entretanto, neste amor de feiticeira,
surpreendemente sincera no que faz
e nisto está seu charme ao qual amamos,
mesmo na entrega, firme e interesseira
no amor de monstro com que nos satisfaz,
se por incúria mulher assim buscamos!...
LADRÃO DE SOMBRAS I – 14 JUL 18
Não existe sombra permeio à escuridão,
a coleante negrura a parecer ser
tua,
que se projeta contra a parede
nua,
é apenas de uma luz a obstrução!...
Há cerca de cem anos, numa animação,
o Gato Félix lutava contra a sua,
até do céu descer esperto grua,
que a roubava para sua alimentação!
E o Gato Félix, sentindo-se espoliado,
subiu na árvore em que havia
pousado,
querendo o seu prejuízo ressarcir;
O grua resistiu só por quadrinhos,
deixando a sombra, cheia de
furinhos,
junto com a sua, no instante em que fugiu!
LADRÃO DE SOMBRAS II
Para o grua, até mesmo foi vantagem:
sem a sua sombra, voando contra o
sol,
nada no solo denunciava o
parassol,
podia os peixes agarrar qual fosse aragem.
Mas quando de acasalar veio a passagem,
as gruas fêmeas acordadas no
arrebol,
viam o grua sem vestir seu
cachecol
de sombra negra e arrepiavam da paragem!
Então passava o Gato Félix, arrastando
atrás de si a sombra desse grua,
como disfarce de sua sombra esfarrapada;
e no seguinte repelão, desceu voando,
a própria sombra no bico inteira
e nua,
deixando ao gato tão só sombra furada!
LADRÃO
DE SOMBRAS III
Há
muito tempo a sombra causa espanto;
igual que alma a julgavam os antigos,
suas
duas sombras, manes sempre amigos
que
a todos acompanham feito um manto.
E
quando a morte provocava o pranto
daqueles que os amavam e aos jazigos
urnas de cinzas colocavam nos abrigos,
não
mais suas sombras a ver em qualquer canto,
mandavam
esculpir os seus penates,
alguns em bustos, outros em estatuetas,
um
dos manes ali vivendo no interior,
mas
quando archote diante duma abates,
a outra sombra ao teu redor projetas,
que
então se move tal como em estertor.
LADRÃO
DE SOMBRAS IV
Um homem
sem sombra nos descreveu Chamisso:
Peter Schlemihl, por bolsa mágica, vendeu
a sua sombra a estranho ser que apareceu:
“Sua
alma não quero, contento-me com isso...”
“Sua
sombra linda guardo em fideicomisso,
mas o ouro de minha bolsa é todo seu,
de sombras gosto, é um capricho meu,
não
se surpreenda por agradar-me disso...”
E
o pobre Schlemihl, em alemão, “Pateta”,
fechou o negócio, sem saber do resultado,
em
toda parte a conduzir vida secreta,
qualquer
um que o encontrasse desconfiado:
“Você é um vampiro e quer pregar-me treta,
vá
embora logo ou senão será espancado!...”
O LADRÃO DE SOMBRAS V
A “Mulher sem Sombra” é uma ópera de Strauss,
não o autor de operetas, porém um
drama sério;
mas talvez até pareça um
despautério
essa canção que foi composta em dias maus
por Jacques Biel, a afundar-se por degraus,
quase até um amaldiçoado cemitério:
“Serei sombra de tua sombra”, em
canto etério;
“Serei sombra de teu cão!” – a uivar au-aus!
Que o transportavam à mais amarga humilhação
a que descende um amante em sua
paixão;
Gilbert Bécaud e Aznavour o repetiram,
em Ne me quitte pas! –
belíssima canção,
que me parece agradou quantos a
ouviram,
por melodia e de um desdém na descrição.
LADRÃO DE SOMBRAS VI
Fred Chappell criou Astolfo, esse ladrão
que aprendera a roubar a sombra
alheia,
nenhum remorso por espoliação tão
feia,
para vender depois, sem compaixão,
algumas vezes por encomenda ou comissão;
de alguma forma, atrelava-lhe uma
peia,
ou com faixas de sua sombra a
outra arreia,
a negociá-la onde encontrasse precisão.
Bem que eu queria poder sair de madrugada
para encontrar qualquer sombra
esquecida,
que pudesse guardar dentro em caixinha;
no sol de estio a expor, bem esticada,
sobre a cabeça, a proteger a
minha saída:
para afastar-me do calor bem me convinha!
VOZ DOS MORTOS I – 15 JUL 2018
Escuto a voz dos mortos diariamente,
se bem não sofra de esquizofrenia,
ou que a alguma assombração se permitia
ingressar em paranóia impertinente;
a explicação é bem pedestre, realmente,
no aparelho de som um disco giraria
e após captada pela fonografia,
a voz dos mortos se espalha pelo ambiente.
Destes CDs e LPs tenho milhares,
alguns deles contam bem setenta anos,
substitutos do anterior Setenta e Oito;
e seleciono desses mortos os cantares,
se bem não sejam de fato sons humanos
estes aos quais no escritório sempre acoito.
VOZ
DOS MORTOS II
Contudo,
escravo da imaginação,
sempre
que ouço, penso algo de arcano,
que
afinal, foi falecido ser humano
que
ali deixou um fragmento de emoção.
Até
que ponto eles se libertarão,
ennanto
a voz é repetida, sem engano,
de
algum calabouço mais profano,
no
qual fragmentados ainda estão?
Mais
do que as vozes, escuto coração
a
bater nessa placa que o contém;
permeio
às capas encontrará abrigo
ou
são as grades de insólita prisão?
E
quando à luz o velho disco vem,
Faço-lhe
bem ou serei seu inimigo?
VOZ
DOS MORTOS III
Até
que ponto me torno seu verdugo,
se
no aparelho o ponho a se girar?
Será
que ao pobre estarei a torturar,
enquanto
um fragmento seu alugo?
As
suas riscas um pouco mais enrugo,
quando
a agulha as percorre sem parar
ou
quando a luz os vêm descompassar,
igual
que traça, gafanhoto ou brugo?
E
ainda duvido se lhes faço o bem
ou
se os transformo em auditiva refeição
quando
os invoco para essa semivida,
um
ogro ou trasgo sendo ali também
quando
os incluo em neuralização,
parte
deles por meu cérebro assumida!
VOZ
DOS MORTOS IV
Mas
não pretendo pará-los de escutar,
nem
às orquestras de cem participantes,
por
uns minutos vivos como dantes,
no
meu egoísmo os vou executar,
até
mesmo o próprio verbo a confirmar
que
alguma coisa os fere em tais instantes,
guardada
a vida em momentos triunfantes,
para
dos ritmos não mais se escapar;
que
seja um lêiser o som a desvendar,
será
que dói mais ou menos que uma agulha,
por
digital interferência tudo brilha,
ou
ao contrário, vou minha vida partilhar,
um
leve traço mostrando de altruísmo,
enquanto
os puxo de seu antigo abismo?
VOZ
DOS MORTOS V
Porém
existe questão mais intrigante:
o
que farão quando estão ali escondidos?
Entre
as capas estarão adormecidos
ou
numa ânsia quiçá desesperante?
São
três mil discos nesta longa estante,
centenas
nem sequer foram ouvidos,
outros
foram muitas vezes repetidos
e
nem eu sei se viverei o bastante
para
todos neste ritmo escutar,
pois
quando gosto de certa gravação,
a
ponho a repetir talvez semana,
enquanto
deixo tantas mais a esperar,
em
silenciosa e gentil suplicação,
com
a qual minha ânsia por igual se irmana.
VOZ DOS MORTOS VI
Houve um tempo em que regia meu coral,
com frequência a cantar composições
por mim escritas em numerosas ocasiões,
gravado em fita esse som espiritual,
minha própria voz qual solista triunfal,
todas sujeitas a iguais devastações,
quando o fogo as lançou às solidões,
em um monturo de carvões perda total.
E se eu pudesse, tudo recobraria
e gostaria de escutar o que morreu,
trinta anos atrás, mesmo a voz que se perdeu
não sendo a mesma, por não mais treinar;
e assim eu penso que um cantor ressuscitado,
talvez anseie outra vez ser escutado!...
DESTINO SEM FORÇA I – 16 JUL 2018
Escreveu Verdi “A Força do Destino”,
bela ópera, de excelente melodia,
que no passado tanta vez ouvia,
desde os tempos em que fui menino;
(já abandonei esse morto pequenino),
em alguns anos, outro de mim morria,
enquanto a vida um novo assumiria,
com seu trabalho a compor um novo hino.
Dessa ópera tenho várias gravações
que a rodar coloco eventualmente,
a me causar prazer, mas não surpresa,
também gravada nas imaginações,
em minha cabeça a escutar eventualmente
recitativo ou ária que ali se encontra presa.
DESTINO SEM FORÇA II
Embora ali dois irmãos, em harmonia,
cantassem versos de ódio e de rancor,
alvos que foram de um destino esmagador,
seu contraponto criticado em ironia,
a melodia que tanta vez ouvia
nunca em mim provocou qualquer temor
de algum destino assim perseguidor,
que minha própria insanidade conduzia.
Alguma vez, certamente, em desatino,
permiti que as circunstâncias me domassem,
mas em geral, o que fiz, eu fiz consciente;
não houve em mim a força do destino
nas encruzilhadas que se me deparassem,
uma escolhi, talvez pouco presciente.
DESTINO SEM FORÇA III
Quiçá no aguardo de um desfecho diferente,
(mas por destino digo apenas direção,
até que ponto me daria condução
esse caminho que escolhi consciente).
Não é possível refazer nosso presente,
mas sempre escolha se apresenta em ocasião
e a cada instante se toma decisão
ou então se a deixa passar, indiferente.
Mas sempre é tolo quem se deixa carregar,
para mais tarde queixar-se do destino,
resultado somente da indolência,
não nos assiste sorte e nem azar,
somente os dentes desse pente fino,
nos interstícios inelutável consequência.
DESTINO SEM FORÇA IV
Mas quem decide qual portal transpor,
serás tu mesma, por razão consciente,
porém tua vida será sempre diferente
conforme o santo que monta em teu andor;
há numa senda o permanente amor,
por outra a sua ausência permanente;
em qualquer uma tocaia está presente,
na seguinte, tua vitória e teu louvor.
E então, se fazes escolha ponderada,
essa vereda te levará à glória,
tua decisão terá porém de ser veloz,
que a indecisão nunca te leva a nada
e se não governares a tua história,
chega o destino como teu algoz!
RETALHOS
I – 17 JULHO 2018
Eu
vou gravar meu sonho mais perfeito
na
madrepérola de uma concha branca
que
a hemorragia de meu sonho estanca
o
nácar que roubei do oceano ao leito;
com
estilete a quimera de meu peito
será
composta em permanente tranca,
não
deixarei que a gravação se faça manca
buril
governo e de sovela trago o jeito.
Será
cuidada e lenta essa escultura,
deixar
não posso que se rache o material,
só
de uma concha disporei até o final,
que
de minhalma retalhei, sob tortura,
em
abalone meu presente a transformar
no
sonho inteiro que nele irei gravar.
RETALHOS
II
Essa
concha de minhalma é personal
e
não a posso adquirir de ninguém mais,
como
não ganho os sonhos dos demais,
minha
concha de neurônios informal,
até
que invista sobre ela o capital
de
tantos anos mais ou menos materiais,
suas
gravações sendo semidigitais,
na
antiga máquina perfeita e cerebral.
Nela
executo de um ritual celebração,
alguma
poeira escapando-se em retalho,
sempre
que posso, a aspiro novamente,
que
não se perca nesta encarnação
que
ao coração esculpo, talho a talho,
formando
um sonho real e permanente.
RETALHOS
III
Eu
gravo em mim a alameda da poesia,
sobre
meu peito a música estelar,
nos
meus ossos um perfume singular
que
um dia roubei do passado que me espia;
eu
gravo em mim a vida que morria
e
cada quadro que provém do secular,
cada
escultura de origem milenar,
dos
velhos mestres cada tapeçaria;
eu
gravo em mim cada livro que já li,
cada
filme de um cinema ou na tevê,
tudo
faz parte de meu bivalvo sonho
e
se acaso em tessitura me perdi,
mesmo
nos erros, há certeza que se lê,
nesses
retalhos que em meu labor componho.
QUADRO DE ESCOL I – 18 JUL 18
É com gotas de sangue que desenhas
cada minúcia do quadro de tua vida,
como pincel, do coração cada batida,
como tinta, os lamentos que resenhas,
como verniz, as alegrias que contenhas,
nesse teu peito sem ser interrompida,
por um momento, a procissão garrida
das imagens que em teu olhar empenhas.
Naturalmente, nem todas trazem paz,
fechar teus olhos, porém, é hipocrisia,
para teu íntimo, contudo, outras escolhes
e desse quadro que teu viver perfaz
apagar podes toda e cada zombaria,
com o próprio sangue com que a tela molhes.
QUADRO DE ESCOL II
Talvez rabisques algum detalhe mal
com grossas riscas imperfeitas de carvão,
na tábula rasa em que se encontrarão
de teus primeiros anos a inicial
tentativa de transpor o material
para o interior de tua cerebração,
despectiva talvez do coração,
mas firme o ritmo de teu espiritual;
nenhum artista já nasceu famoso,
sua habilidade só aos poucos conseguiu,
por experiência de erro e tentativa
e assim teu quadro será tão formoso
quanto a tua aplicação o permitiu
a técnica a desenvolver em carne viva.
QUADRO DE ESCOL III
Talvez menciones tua mediocridade:
“Que poderia sobre a tela desenhar?
Nada recordo para ali gravar...”
Ou, ao contrário, num assomo de vaidade,
achar tudo que é teu preciosidade,
que para sempre se deva preservar,
mesmo que apenas reuniste em teu furtar
o que outrem realizou, em falsidade...
Mas não importa: são as gotas de teu sangue,
são as batidas de teu coração,
cada detalhe foi impresso por tua mão,
tornando cada desaponto mais exangue
e tua alegria enriquecida de emoção,
porque esse quadro é perfeito, pois é o teu!
PANÓPLIA
EM PERSPECTIVA I – 19 JUL 2018
A
rua alarga durante a caminhada.
Árvores
crescem, pessoas a aumentar,
Tudo
percebo assim se transformar
Na
proporção em que dou cada passada.
Aos
poucos vejo toda a casarada
Ir
assumindo bem maior lugar,
As
tijoletas se ampliam sem cessar
Enquanto
malho com os pés toda a calçada.
E
ali no alto, há mudança ainda maior:
Crescem
as aves, encolhem, estacionam,
Já
diminuem coisas que ultrapassei,
Estreita
a rua, a gente está menor,
E
enquanto paralelepídos ressonam,
Meus
próprios passos escuto farfalhar!
PANÓPLIA
EM PERSPECTIVA II
Naturalmente,
tudo é ilusão de ótica,
As
coisas e as pessoas são constantes,
Os
meus olhos, porém, são hesitantes
Para
avaliar em sua visão estereocópica;
Não
vejo as coisas, afinal, somente a fótica
Dessa
luz que se reflete em mil instantes,
A
tornar as superfícies mais vibrantes,
Delas
retiro a escuridão mais gótica...
Tão
fácil é me achar centro do mundo!
Tudo
ao redor varia de tamanho,
Somente
meu formato é permanente!...
Mas
após dar suspiro mais profundo,
Meus
próprios pés perdem aspecto tacanho
Quando
os ergo até do olhar a frente...
PANÓPLIA
EM PERSPECTIVA III
Fico
a pensar: se é minha perspectiva
Que
reavalia a cada proporção,
Isso
que a mim parece agitação
Pode
de fato ser bem menos ativa;
Afinal,
se a mente reaviva
Tantos
eventos que por aqui estão
Algo
me diz que bem diversos são
Da
percepção na mente minha conviva
E
a luz do sol, a seca, a carestia
Tudo
depende do cristal com que se as via,
De
mim depende até a nuance do luar!...
Mas
se eu morrer, a vida continua,
Ante
outros olhos irá crescer a rua,
Que
nunca mais eu poderei mudar!
EMOÇÕES
EM PERSPECTIVA I – 20 JUL 18
Entremeados
de ti, meus dias pequenos
São
o constante esquecer de tua existência,
Lugar-comum,
talvez, mas que potência
Têm
tuas ausências nos meus dias serenos!
Em
tal tranquilidade de venenos,
Penso
de ti esquecer em minha demência
E
o faço tantas vezes que a paciência
Até
se esgota e quer deixar por menos.
Mas
preciso de ti perto de mim;
Ao
pé de mim não preciso te lembrar,
Nem
te esquecer em minhas noites frias
E
é só por isso que te escrevo assim:
Quero
que venhas junto de mim ficar,
Grandes
tornando meus pequenos dias...
EMOÇÕES
EM PERSPECTIVA II
Aqui
se muda toda e qualquer perspectiva,
És
tu que podes me fazer crescer
Ou,
ao contrário, inteiro me encolher
Ante
tua vista a contemplar-me altiva!
Quando
estás perto, crescerei na tua oitiva,
Quando
estás longe, só posso emudecer;
Quando
estas perto, em vigor posso viver,
Quando
estás longe, se torna mais furtiva
Toda
a emoção que brota do meu peito;
O
meu riacho começa a ressecar,
Pois
não se encontra sua fonte à cabeceira,
Mas
à vazante, em teu olhar perfeito,
Todo
o meu sangue de teus lábios a pingar,
Sou
perspectiva que vem de ti inteira!
EMOÇÕES
EM PERSPECTIVA III
Porque
de fato, é a mim mesmo que convenço
Que
só usufruo de um mínimo lamento,
Pois
de teus lábios sopra todo o vento
E
a esse brilho de teus olhos só pertenço.
Mas
que fazer, se não posso ser infenso
À
tua perspectiva em meu alento,
Somente
a ti nessa prisão atento,
À
distância me encolho e nada penso,
Nessa
inversão de meu solipsismo,
Perto
de ti meu ser somente existe,
Mesmo
que o mundo exista material,
Porém
me sinto, quiçá por romantismo,
Igual
pequena ave sem alpiste,
Ai
de mim! Se não me vês, sendo irreal!
TEMOR
EM PERSPECTIVA I – 21 JUL 18
As
flores que no mundo tu desflores,
Permanecem
aninhadas na memória,
Suas
pétalas cinzentas qual escória,
Quais
amores cinzentos que deflores.
As
folhas que na vida tu desfolhes
Espalhadas
pea brisa peremptória,
Os
poemas espalhados sem ter gloria,
Os
amores sem glória que refolhes.
Das
flores todas recordas mais espinhos,
Das
folhas o borrão preso nos dedos,
Dos
amores só a ausência de carinhos;
Do
que perdeste guardas mais os medos
De
perfurares nas flores teus dedinhos
Ou
de perderes nas folhas teus segredos.
TEMOR
EM PERSPECTIVA II
Mas
não sou medo para que me temas,
Nem
são meus dedos pontiagudo espinho;
Destas
minhas hastes só brotará carinho,
Destes
meus caules razão sequer que gemas,
Nestes
meus lábios não há falsos lemas,
Neste
meu coração só há escaninho,
Em
que te possas recolher por um pouquinho,
Depois
voltar a esse barco que hoje remas,
Diante
de ti me sinto um girassol
Ou
mais exatamente, um heliotrópio,
Avioletado
quando brilhas no arrebol
E
assim eu giro ao redor destes teus dedos,
Qual
amapola a destilar-me ópio,
Só
num sorriso de troça teus segredos.
TEMOR
EM PERSPECTIVA III
Por
meu amor só te desejo confortar,
Mesmo
que tenhas me deixado para trás;
Razão
de medo nenhuma se perfaz,
Antes
me vês neste idêntico penar
Àquele
que no antanho foste-me causar,
Muito
embora só te deseje a paz,
Em
minhas sementes sempre morarás,
Meu
fado interno constante a dominar.
E
assim procedo ante tuas tratativas,
Colhendo
flor para depois despetalar,
Colhendo
folhas ali para amassar,
Que
eu ainda procedo a tentativas
De
que minhas flores venhas a abençoar
E
que minhas folhas recebam teu folhear.
consumidor em perspectiva 1 – 22 jul 18
já no final está meu adoçante,
mas enquanto encontrar algum restinho
seu sangue vou pingar, devagarinho,
sem compaixão sentir um só instante;
já no final cada emoção radiante
desse amor que abandonou-me no caminho;
sacudo a cauda igual pobre cãozinho,
não sei ladrar em súplica constante
sobre a emoção que vejo quase extinta,
mas que preciso saborear gota após gota;
não me desfaço do frasco de perfume,
enquanto aspiro a solidão no peito
de uma saudade em abundante quota,
até um final instante de azedume.
consumidor
em perspectiva 2
o
adoçante finalmente se acabou,
sendo
o frasco lançado em recipiente;
por
outro igual e igualmente transparente
o
seu lugar sobre a mesa se ocupou;
contudo
amor em mim não terminou,
esta
emoção não se acaba facilmente
e
nem existe uma coleta permanente,
que
o caminhão do amor nunca passou...
e
embora pareça a alma estar vazia
dessa
emoção que antes eu sentia,
lá
no fundo permanece a trepidar
e
para mim continuarás a ser a mesma,
inda
que a angústia me percorra como lesma,
de
meu viver cada momento a devorar!
consumidor em perspectiva 3
nunca amor se evola simplesmente
quando o frasco de perfume se quebrou,
persiste o olor que na mente se instalou,
num azedume de vinagre permanente,
pois quem consume o amor onipresente
bem facilmente pode nele se viciar,
muito difícil sua adição se terminar,
amor um vício de ardor adstringente;
continuarei assim consumidor,
mesmo sofrendo por sua retirada,
cada sintoma delicioso de sofrer,
ainda quando se consuma morto amor,
esse desdém é tal qual carícia amada,
que inexistente ainda irá permanecer.
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