A PARIDEIRA & MAIS
William
Lagos
FACETAS
XXI – A PARIDEIRA I – 15 JUL 2006
Bondosa
é essa mulher que quer a raça
expandir
em seu ventre; ter filhos, se pudesse,
uma
dúzia ou mais, tal se quisesse
povoar
o mundo, após uma desgraça...
porque
através da história, mães tiveram
seus
filhos às dezenas; com paciência,
largas
famílias criaram, descendência
que
até hoje perdura e assim quiseram
transmitir
os seus genes e os do amante,
por
julgarem-nos dignos de renovo;
e
no renovo, o mesmo julgamento
acharam
digno de renovar constante,
ao
verem vida em cada rosto novo
que
trouxeram ao mundo desatento...
A
PARIDEIRA II – 29 SET 13
Na
maioria, o instinto material
vence
de longe a autopreservação.
Muita
mulher esvaiu, por ocasião
de
qualquer parto, todo o sangue corporal.
Um
tempo houve em que a febre puerperal
matava
dessas mães a multidão;
os
próprios médicos traziam em sua mão
as
bactérias que lhes causavam tanto mal,
antecâmara
da morte o hospital;
Pasteur
não introduzira a assepsia,
saíam
mortas como em linha de montagem.
Szemmelweiss
o responsável, afinal,
que
inspirou ao francês o que fazia,
após
lutar com tremenda desvantagem.
A
PARIDEIRA III
Pois,
de fato, era a própria iatrogenia
que
causava a difusão da infecção;
nem
se falava em higiene na ocasião:
era
a vontade de Deus que se cumpria!...
E
desse modo, além das dores que sofria,
cada
mulher que se arriscava à parição
nesses
antros sem qualquer assepção
só
por acaso dali viva ainda saía!...
Ou
então, quem morria era o nenê,
depois
de tanto cuidado e sofrimento,
justamente
nas famílias da cidade...
Atarefado
o capelão, então se vê
batismo
rápido, logo após o nascimento,
para
ao diabo impedir a voracidade!
A
PARIDEIRA IV
Então
diziam serem as camponesas
mais
fortes que as mulheres cidadãs:
davam
à luz crianças bem mais sãs
e
ainda viviam a enfrentar novas proezas,
nas
costas carregando as indefesas
crianças,
seus rostinhos em véus de lãs,
para
a ceifa ou a colheita ainda louçãs,
sem
que as febres as tomassem por suas presas.
Raras
famílias há hoje numerosas.
Há
uma teoria de que a fertilidade
se
desenvolve na razão inversa
do
consumo de proteínas saborosas
e
que a fome favoreça, na verdade,
uma
nova geração assim dispersa.
A
PARIDEIRA V
Dizem
também que fluxos migratórios
têm
influência sobre o populacional;
os
que deixaram a pátria original
e
se instalaram em novos territórios
tendem
assim a se tornar mais expansórios,
mas
os nativos contrariam o natural;
as
estatísticas confirmam, bem ou mal,
a
imposição dos impulsos restritórios.
Esse
é um fenômeno bastante conhecido,
pela
genética, porém, pouco explicado:
não
deveria ser o oposto, justamente?
Não
tem motivo físico o ocorrido.
São
reações emocionais ou descuidado
Raciocínio
muito mais inconsequente?
A
PARIDEIRA VI
Existe
grande pressão da sociedade
para
a festa, o consumo e a elegância.
A
gravidez é uma contrária instância
a
qualquer demonstração dessa vaidade.
Passou-se
o tempo em que a maternidade
era
o maior orgulho e o amor da infância,
o
ideal materno em poderosa lança,
que
se brandia com a maior nobilidade.
Hoje
se pensa mais é nas despesas,
com
educação, crescimento e os mil perigos
que
decorrem de escolher mal os amigos.
Mas
talvez haja no fundo outra tristeza,
a
mãe de muitos sentindo a zombaria
de
quem mais pode fazer quanto queria...
SONHADURA I – 30 SET 13
Há sonhos e há sonhos.
Há os da noite
e os diurnos, que se chamam devaneio;
também há sonhos que se sonha permeio,
enquanto da vida se enfrenta o açoite.
Há sonhos ainda aos quais se dá acoite,
os sonhos buscados na vida por meio
de qualquer esperança ou de vago receio,
os sonhos chamados ao som de um aboite.
Há sonhos diários, que se chama de sonhos,
porém são desejos que muitos partilham,
são ânsias concretas e bem materiais.
Que sonhos são estes, que gostos bisonhos,
que ao serem contados os outros perfilham,
nutrindo em si mesmos outros sonhos iguais?
SONHADURA II
Os sonhos concretos bem sonhos não são,
são antes desejos tornados em planos;
se vingam na vida ou se são desenganos,
não importa, são tato ao alcance da mão.
Os sonhos concretos no mundo aqui estão,
que sabes sonhá-los e buscar com afanos,
de há muito bordados em galas e panos:
estão por aí, todos vêm no que dão.
Tão logo o triunfo teus sonhos coroe,
perdeu-se completa a razão desse sonho:
só pode sonhar-se o que nunca se toca;
e quando o esforço realidade lhes doe,
somente se alcança o concreto tristonho
e o nada intangível de novo se evoca.
SONHADURA III
Existe outro sonho, por trás das pestanas,
que vês perpassar, sem ter rédea ou controle,
apenas flutuando ao sabor desse fole
de cada respiro em que ao sonho te irmanas.
O teu devaneio bem pouco profanas,
que o anseio consciente não orienta nem bole,
só o cérebro aceita a si mesmo que role,
girando e trocando suas imagens arcanas.
Se acaso procuras orientar tais imagens,
no esforço consciente da influência vazia,
desfazem-se logo as que estavam ali,
às vezes consoante tuas próprias miragens,
porém essa escolha é total zombaria,
desejo de gelo espelhado por ti.
SONHADURA IV
Há sonhos ainda que a mente aquilata,
com pleno cuidado, ao longo dos anos;
de novo, não sonhos; de fato, são planos,
em firme alicerce que o mundo dilata.
Madeira se enxerga, ao ver qualquer mata,
condomínios erguidos onde há moradias,
a mina já aberta nas rochas que vias,
colheita já pronta no prado sem data.
São sonhos que levam a galgar a montanha,
a abrir continentes para a exploração,
a cruzar impertérrito as águas do oceano;
no sonho o poder, no sonho a tamanha
arrancada da guerra, na plena ambição
da glória e domínio de tudo que é humano.
SONHADURA V
E sonhos existem de aroma gentil:
há sonho expandido na literatura,
um outro nas telas de cor e pintura,
mais um sobre a pedra gravada a buril.
Há sonhos de aguardo do amor juvenil,
há sonhos de escape na música pura
ou de coleção, que por mal ou lisura
se faz aumentar em protesto viril.
São sonhos de fato, enquanto sonhados,
enquanto não surgem no material plano,
castelos no céu, nas águas, na areia,
sem busca de ganhos nos seus resultados,
com leve ironia de tudo que é humano,
que dirá da ambição que a mente incendeia...
SONHADURA VI
E ainda há esses sonhos que em tudo se expandem,
num véu luminoso de tal sonhadura;
no céu se condensam, qual geada bem pura
cristais a formar, que aos poucos se agrandem.
São sonhos de anil, de ouropel semeadura,
os grãos de granizo no solo se escandem.
Imergem na terra as raízes que mandem
e em breve a folhinha se ergue em verdura.
São esses os sonhos que nutro, em cuidado
e espalho nos ares, qual bom semeador:
igual à parábola, dependem do solo.
São sonhos de versos que tenho espalhado:
que os tome e devore quem for comedor
ou então os proteja no acalanto do colo.
AS MIL MADONAS I – 1º OUT 13
Nossa Senhora da Ponte Quebrada,
Roga por nós e pelos pecadores
Que creem em ti, os pobres e os opressores,
Pregando louvores que não te dão nada...
Igual que os antigos deuses, tens morada
Num ponto do Nordeste, os teus favores
Distribuindo aos devotos, com pendores
De peregrinos, que marcham pela estrada
Em busca de tuas graças... Porém eu,
Entre essas deusas modernas e as antigas,
Prefiro aquelas dos ancestrais romanos.
Pois contrariam o deus cristão-judeu
E suas presenças para mim não são amigas
Nesses santuários com muito menos anos...
AS MIL MADONAS II
Naturalmente, só existe uma Madona,
Reverenciada em centenas de atributos;
Algumas consolam das dores e dos lutos,
Outras padroeiras de uma vasta zona.
Umas carregam sob dosséis de lona,
Ou em andores de enfeites mais argutos,
Traços finos têm algumas, outros brutos,
Como essas tantas que o barroco assim
detona.
Umas de joias de ouro e de colares
Ou arrecadas de diamante (ou marcassite?),
Num esplendor que dentre os olhos fica...
Como Zêuxis falou das singulares
Imagens de Minerva ou de Afrodite:
“Quem não faz bela, sabe fazer rica!...”
AS MIL MADONAS III
Não acredito na sinceridade
De padres da cidade ou do interior,
Que criam Madonas de pálido fervor,
Desconhecidas até então da humanidade.
Não conseguindo um cargo, é bem verdade
Em um santuário de tradição e mais valor
Como os da Aparecida, em seu vigor,
Novas inventam por comercialidade...
Aqui mesmo em minha terra, tão pequena,
Mas com lugar para nomear dois padroeiros,
São Sebastião e a Santa Auxiliadora,
Resolveram expandir mais essa cena
E ali proclamam seus cantos pegureiros
No tal Santuário da Conquistadora!...
AS MIL MADONAS IV
Até parece que a Santíssima Trindade
Tomou agora para si outra associada:
A Virgem-Mãe, em grande bênção agraciada
E agora existe a Divina Quadridade!...
Consegue o povo entender essa verdade
Nos seus terços e na novena consagrada:
De que a Trindade está sendo descartada
Por esse símbolo de gentil maternidade?
Quem é que ganha com essa vasta adoração?
É Deus, é a Igreja, ou será essa Madona
Que ante o Arcanjo mostrou tanta humildade?
Por que fatiá-la em tão grande profusão,
Que a ignorância, sem pensar, entona,
Pondo de lado a verdadeira divindade?
AS MIL MADONAS V
São os retratos da Grande-Mãe antiga,
Deusa do sexo e da fertilidade,
Retransplantada para a amerindade,
Da carruagem cristã a firme auriga.
E em cada ponto que o pagão bendiga,
Foi instalada, em lugar da divindade,
Mais fácil de entender que essa Trindade:
Três Pessoas numa só – estranha liga!...
Existe bênção nesse sincretismo?
É a ação benigna do Consolador?
Assim o Paráclito manifesta Seu Amor?
Ou
foi tão só algum malabarismo
Contra
a Escritura, que nos diz assim:
“Ninguém
virá ao Pai, senão por Mim?”
AS MIL MADONAS VI
Se aqui a temos misturada a Iansã
Ou a Iemanjá, de origem africana,
Em Ponte Quebrada era a Iara desumana
Que ao viandante dava a sina mais malsã.
Pois lá na Europa se fez a Virgem irmã
De tanta deusa de inspiração romana
Da
celta divindade e até germana,
Para
incutir no povo a fé cristã!...
Não admira que hoje exista uma cantora
Que
em pseudônimo tanta gente adora...
Não
a mãe pura de um deus encarnado,
Porém a mãe sexual da agricultura,
Em
seus rituais de fecunda semeadura,
Sendo
a Trindade, afinal, posta de lado!...
Estagirita 1 – 2 out 13
Tenho pouco viajado, pois mais quedei-me preso
nos labirintos do labor e gastos;
não sobrou tempo ao contemplar dos pastos
que se divisam através do vidro teso
das janelas de um veículo em que, ileso,
encare o mundo em tais prazeres castos;
esses quilômetros que se percorrem bastos,
na direção oposta ao nosso peso...
Pois correm para trás, para o passado,
enquanto eu pulo, insensível, ao futuro,
imóvel a mover-me pela estrada.
Igual que a alma o mundo abandonado
deixa aos poucos para trás, nesse seguro
sepulcro da memória em revoada...
Estagirita 2
Quiçá eu tenha, de fato, viajado
muito mais que a maioria dos humanos;
minha mente abrange os imortais arcanos,
junto ao mais simples detalhe do cercado.
Pelos livros que li, fui ampliado:
fui ao Sol e voltei, sem sofrer danos,
fui ao centro da Terra, em firmes canos,
já partilhei do futuro e do passado.
Mais do que os livros, a mente se expandiu
a contemplar os mundos paralelos,
a alfombrar e alternativa do possível;
e em tais expedições, corri o fio
da agrimensura de todos os alelos,
no pêndulo oscilante do invisível.
Estagirita 3
Quem viaja, na maioria retorna
e traz consigo imagens e lembranças;
pode gabar-se após essas andanças,
a martelar da inveja na bigorna...
mas o favor da mente o peito amorna:
ficam tristezas mescladas de esperanças:
os dissabores relatam-se em bonanças
ou a alegria em igual desgosto torna...
Isso que ocorre a tantos viandantes,
depositar de lento esquecimento,
é o resultado de um desgaste natural,
pois só lembramos as lembranças dantes
e reinventamos os acontecimentos
em plena realidade artificial...
Estagirita 4
Também comigo é assim: remonto em versos
o que ocorreu e o jamais acontecido;
larga estrutura, afinal, tenho erigido,
quais palácios de cupins no chão dispersos.
Trago comigo o que vi – sonhos conversos,
bem mais reais que o espaço percorrido;
o tempo é meu, que tenho amortecido
em meus fulgores puros ou perversos.
Mas não trouxe somente – pois deixei
algo de mim onde quer que perlustrei,
mesmo que fosse tão só no imaginário;
e assim me construí, nesses oceanos,
nas pradarias de ocelotes planos,
cujas garras coagulam meu fadário.
RETRATO I – 03 OUT 13
Parece no jardim feita de sol,
Tão clara a luz que dela se irradia,
Tão loura e bela no passo que seguia,
Qual luz furtiva de minúsculo farol.
As sombras em sua carne, num crisol
Não se detêm, mas seguem em sua via,
Nuvem pequena que no céu surgia,
Durante a madrugada e no arrebol.
Quando caminha, ondula lentamente,
Olha de esguelha, fingindo não notar,
Nunca seu alvo parece acompanhar,
Mas seu olhar o sonda, permanente,
Até o momento de emitir um som
Igual a campainha, em meigo tom.
RETRATO II
Enormes as pupilas que me assombram,
Mais verdes que de ouro em seu piscar,
Seu rosto vagamente triangular,
Macias orelhas que sua face ensombram.
A sombra como caudas que lhe alfombram,
Ombros estreitos, quadris a salientar,
Nesse meneio que é quase um deslizar,
Madeixas louras que o pescoço cubram.
Mostra na boca minúsculos dentinhos,
Para o mais delicado mordiscar,
A voz em um contralto modular,
Lançando apelo para seus vizinhos...
Como esta bela fêmea é sedutora!
Como assedia a quem menos se enamora!
RETRATO III
Às vezes, fixa o espaço, vagamente,
Igual que visse o ondular das fadas;
Dá de ombros, então, para esses nadas:
Seu interesse é muito complacente!...
Repassa um cheiro de pecado redolente,
Os parceiros a chamar em tais alçadas,
De sílfide o ardor, maçãs aladas,
Seu feromone clássico e frequente.
Mas quando a vítima se mostra mais incauta,
O bote dá-lhe em fauces de serpente:
Ninguém escapa depois que ela se engata!
Feroz bichana aqui tempos em pauta,
Ninguém se torna a ela indiferente,
Quando projeta sua atração de gata!...
SADDHUs I – 04 OUT 13
EXISTEM POR AÍ FAQUIRES NUMEROSOS
O MUNDO A PERCORRER DE BARBAS LONGAS
O FRIO A ENFRENTAR EM CURTAS TANGAS,
SADDHUS E MONGES DE GESTOS MAJESTOSOS.
O POVO ASSISTE SEUS PRODÍGIOS PODEROSOS,
CONSTANTE REPETIR DO FIO DAS LENGALENGAS;
A MURMURAR SEGREDOS DE IONIS E DE LINGAS,
PROEZAS EXECUTAM DE GINASTAS PORTENTOSOS.
DIZEM QUE ALGUNS FICAM TOCANDO FLAUTA,
ATÉ PUXAREM UMA COBRA DA CESTINHA;
OUTROS PREFEREM MESMO CORDAS ENCANTAR;
POR ELAS SOBEM, A COMPLETAR A PAUTA
DE SEU MAGICAMENTO E NO ALTO DA CORDINHA
CONSEGUEM MESMO SUMIR E SE APAGAR!...
SADDHUS II
NÃO SEI QUE TIPO PRATICAM DE MAGIA,
MAS CERTAMENTE SÃO MESTRES DA ILUSÃO;
CRÊ A ASSISTÊNCIA EM SUA DESAPARIÇÃO,
ENQUANTO A COBRA DA CESTINHA ALI VIGIA.
NÃO VÁ ALGUÉM SUSPEITAR DE FANCARIA
E AO CÂNHAMO ESTENDER A PRÓPRIA MÃO,
POIS CAI O YOGUI COM UM TRAMBOLHÃO:
PERDE-SE ASSIM TODA A VÃ FEITIÇARIA!...
OU PEGA A COBRA A CESTINHA COM OS DENTES
E ONDULA À RODA, EMPÓS CONTRIBUIÇÕES,
OS OLHOS FUZILANDO A QUEM LHAS NEGA!...
E QUEM RESISTE AO PEDIDO DA SERPENTE?
MOEDA E CÉDULAS REVOAM NAS OCASIÕES,
ATÉ QUE O YOGUI DO ASTRAL SE DESAPEGA!
SADDHUs Iii
NAS FANTASIAS DO ORIENTALISMO
MUITOS COMPÕEM PARA SI AS RELIGIÕES,
NESSE CONSOLO DAS REENCARNAÇÕES
FOGE-SE ÀS CHAMAS FEROZES DO INFERNISMO!
E NESSA TRANSCENDÊNCIA DO MODISMO,
SE ENCONTRA ÓPIO EM TODAS CONFISSÕES;
NO FUTEBOL SE DROGAM MULTIDÕES,
SE APEGAM OUTROS MAIS AO COMUNISMO...
DE FATO, A CADA UM A TRANSCENDÊNCIA
QUE O ATRAI, DE FATO, QUE MERECE!
O TRIBALISMO ATRAI AS PROCISSÕES
NA MARCHA COMPASSADA DA CADÊNCIA,
VELHOS RITUAIS DE TANTAS RELIGIÕES
DISPENSANDO A PUREZA DE UMA PRECE!
TERMAS I – 5 OUT 13
Em minha mania de tomar banho diário,
agarro o sabonete e lavo tudo!
Sob o chuveiro fico assim desnudo:
tiro até o boné meu proprietário!...
Pois ele tem, em seu jeito atrabiliário,
o vezo de obrigar-me a usá-lo, como escudo,
verão e inverno, e dele só me iludo
quando me ponho a dormir em sonho vário.
Bonés eu uso desde meus três anos:
era pequeno demais para chapéu,
mas meu cabelo não ficava no lugar,
minha pobre mãe nos esforços mais insanos
para acalmar o meu rebelde véu
e nem assim conseguia me pentear!...
TERMAS II
Cortavam-me o cabelo em escovinha
ou nesse austero corte militar
(então “cadete” era o seu denominar),
mas sempre um fio ou dois rebeldes tinha...
Tudo espreitava ao longo da testinha...
Quando saía, minha mãe fazia obrigar
a ter um pente na bolsa, para me ajeitar,
mas dava o vento e o topete logo vinha...
Mesmo obediente, em certas coisas fui teimoso:
nunca deixei me aplicassem “brilhantina”
ou qualquer outro produto fixador...
Sempre em minha pele senti o toque desgostoso
de qualquer goma, loção, tisana fina,
mesmo o creme de barbear me dava horror!
TERMAS III
Foi assim que a fazer barba aprendi
diretamente passando o aparelho,
quase sempre sem sequer usar espelho,
contra a pele e até sem água procedi.
Só lavo o rosto no momento em que despi
cada pelinho e igual a um escaravelho
ficar bem liso...
Mesmo já bem velho
mal provam rugas que já envelheci.
Verdade é que o rosto me emoldura
uma faixa de barba esbranquiçada,
por um bigode a boca acompanhada...
Mas jurar posso, sem qualquer perjura,
que tomo banho diário, raramente
me deixando dissuadir da ação frequente.
TERMAS IV
Também por isso, me recuso a borrifar
sobre minha carne qualquer desodorante,
nem loção após a barba ou hidratante,
só o sabonete meus cabelos a lavar...
Por certo tempo, me convenceram a usar
xampus de efeito mais condicionante,
mas descobri, para desgosto impante,
que meus cabelos faziam desabar!...
Por isso hoje, eu louvo o sabonete
e somente a suas carícias eu me entrego:
quem toma banho sempre, cheira bem!...
Enquanto inspiro pela rua esse bufete
desodorado, com que tanto me arrenego,
dos que o borrifam, sem tomar banho também!
EXCURSÕES I – 6 OUT 13
A chuva inunda a cidade e, então, meu pés
viram barquinhos a demandar o rio!
Desço à sarjeta, com calor ou frio,
sem me curvar do vento aos cafunés!...
A água se espalha dos tetos e sopés,
mas como capa protege-me meu brio.
A sola de meus pés é quilha e lio,
percorro as ruas por praças e por sés!...
Não uso abrigo e tampouco guarda-chuva,
o meu boné me serve de sombrinha,
para equilíbrio os meus braços estendo.
Bocas de lobo me servem como luva,
minha barba faz-se remo, vela e linha
e sobre as poças singro e as marés fendo!...
EXCURSÕES II
Antes, porém, de meu final mergulho,
eu percorro o cristal de mil vitrinas;
em cada gota que escorre, novas sinas,
as trovoadas a filtrar qualquer barulho.
Meu velejar é rápido e me agulho
em cada interstício das marinas;
toda a cidade é um lago, em que meninas
comem bolinhos de barro sem engulho.
Vejo meliantes nadando nas calçadas,
pelos sacos de muamba sopesados,
ou escorregando na lama dos pecados...
E vejo guardas, de fardas empapadas,
carregando suas redes e gaiolas,
os mil repuxos empregando como molas.
EXCURSÕES III
Mas quem a festa faz são
pescadores,
utilizando como iscas seus botões;
nas esquinas arpoando tubarões,
que barbatanas comprarão os grãos-senhores.
E nas praças descem ágeis mergulhões,
no suicida devorar de nadadores,
os chafarizes entupindo-se de amores
e com velas apagadas, procissões.
Será que posso ser um barco de papel
nesta minha fantasia assim pluvial?
Ou só consigo mesmo chapinhar...?
Formam-se poças de girinos, como gel
e eu só fico, como é bem natural,
por detrás da vidraça a imaginar...
arruelas
breve orgulho do
que fui
sem ter dor de não
ser mais
mil mentiras
imortais
lembrança morta se
alui
em luminares subliminares
curto verso se
conclui
breve inveja do que
sou
descartado para um
lado
meu desejo já
apagado
pela lástima em que
estou
contaminado por canto alado
que me aleijou
nessa marcha
hierática eu me insiro
sem concluir o que
escrever queria
todo verso a
escandir em zombaria
breve descarte do
que a mão mais pretendia
sou apenas um
escriba no meu giro
longas sentenças em
nefelibatismo
mas as sílabas se
colam e se encaixam
métrica e ritmo
furiosamente baixam
rima e cesura
prontamente enfaixam
tornando a volição
em automatismo
mais rancor do que
serei
solenoides do
ademais
serão díodos jamais
no circuito
encontrarei
marechais e
castiçais
que nem eu
entenderei
mais temor do que
seria
que do corte do
fracasso
que repetição do
abraço
minha mente
ferveria
contrapasso marca-passo
e jamais
tripudiaria
TARÂNTULAS I – 8 OUT 13
ESTRELAS PISCAM DE ABORRECIMENTO
ENQUANTO FECHO OS OLHOS AO REGAÇO
CUJO FERVOR JUNTO A MIM BATE EM
COMPASSO
NO CHEIRO PAPOULAR DO MOVIMENTO.
TALVEZ QUISESSEM OS ASTROS, EM
PORTENTO,
DE CADA DIA MEU MARCAR O PASSO,
A CONTROLAR-ME LÁ DO ALTO ESPAÇO,
MAS NÃO ACEITO UM TAL ABRANDAMENTO.
FAÇO O QUE QUERO, SEMPRE QUE POSSÍVEL
E A MULTIDÃO DO REPETIDO SE ENTRETECE
SEM QUE NADA SE RENOVE NA INDOLÊNCIA,
NO PLURAL DE MEUS ATOS EXAURÍVEL
NA TARANTELA QUE O CORAÇÃO ESQUECE
ENQUANTO ARANHAS PISCAM DE
IMPACIÊNCIA.
TARÂNTULAS II
NÃO POSSO ASSIM POSSUIR ESTRELA-GUIA
QUE ME SEJA PESSOAL E PERTINENTE;
POR QUE RAZÃO ME SERIA DEPENDENTE
UM ASTRO-REI QUE EM VASTIDÃO LUZIA?
SE A MULTIDÃO DA GENTE ASSIM CRESCIA,
É MUITO POUCA ESTRELA, REALMENTE,
PARA SER VISTA NO CÉU LUMINESCENTE
A OLHO NU, PELO LONGE EM QUE SURGIA.
E QUE ME IMPORTA, QUANDO ESTRELAS
PISCAM
DA ATMOSFERA POR QUALQUER CAPRICHO
SE MEU DESTINO NÃO PODEM EMPANAR?
IGUAL GALINHAS PELOS ARES CISCAM
E NÃO ME SERVEM PARA QUALQUER
FETICHO,
NÃO MAIS QUE NUVENS O CÉU A ALGODOAR.
TARÂNTULAS III
MAS SEM DÚVIDA ERA ESTRANHA ESSA SUA DANÇA
TARANTELAR, QUANDO SE CRIA ESTAREM FIXAS
E HORÓSCOPOS SE ESCREVIAM, EM PROLIXOS
ALFARRÁBIOS COM LEGENDAS DE ESQUIVANÇA.
EXISTE HOJE A TARANTELA DA ESPERANÇA
NA ESTRUTURA DAS NOVAS INTERNETES,
QUE DOS CÉUS SE DERRAMAM, QUAIS CONFETES,
A COMPELIR A DECISÕES QUALQUER CRIANÇA.
POIS NESSES GALHOS DE ÁRVORES BINÁRIAS
PISCAM DESTINOS COMO BOLAS DE NATAL
ENQUANTO ESTRELAS “TIRITAM À DISTÂNCIA”,
AQUECIDOS POR ESCOLHAS MULTIFÁRIAS,
QUE OS FADOS CHICOTEIAM, EM SEMINAL
BROTAÇÃO DOS MIL DIAS DA INCONSTÂNCIA.
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