quarta-feira, 12 de julho de 2023


 

 

FLORES SEM SEMENTE I – 13 JUNHO 2023

(Darlene Gloria, bela e controversa)

 

Nesta hora branda em que ninguém me chama,

depois de tantos problemas neste dia,

em busca saio empós tola fantasia,

sem buscar reunião de amigos que me aclama;

então me estendo solitário sobre a cama,

gasto o cansaço após toda a energia,

a suspirar em falsa calma fugidia

pela ausência incolor da meiga dama

que queria em meus braços neste instante,

mesmo em sua ausência escuto melodia,

pego uma história qualquer em que não cria,

e me transporto a mundo bem distante,

enquanto espero o sonho em fim de tarde,

enquanto de emoção minha mente arde.

FLORES SEM SEMENTE II

 

O tempo diariamente nos desgasta

através de seus mortíferos momentos,

cada um que passa engole pensamentos,

cada um apressa de nossa vida o basta;

o tempo diariamente nos afasta

de uma plena efusão dos sentimentos,

são deglutidos por novos julgamentos,

no escorrer lento de alvacente pasta.

O tempo é essa lava fria que escorrega,

sem pressa, em melancólica ladeira,

matando a cada instante outro talvez

e sem pressa, com seu abraço nos apaga,

até chegar à cachoeira derradeira,

cada gélido minuto por sua vez.

FLORES SEM SEMENTE III

 

Novo soneto de amor fazer queria, 

mas nada vem.  Meu coração magoado

cicatrizou-se.  Meu corpo, de pecado,

nem sequer pensa.    A mente de folia

não tem prazer.  A alma, em melodia

nem sonha agora.  Antes, anestesiado

vejo o meu ser.  De amor atribulado

ou satisfeito se foi toda a elegia. 

Portanto, não farei o tal soneto,

pois não sinto desejo ou inspiração

e qualquer verso de amor soará inútil,

talvez  porque não tenha amor secreto

e busque apenas esse fantasma da ilusão

de uma mulher, tão real quanto inconsútil.

 

FLORES SEM SEMENTE IV – 14 JUNHO 2023

 

Meus olhos se embaciam, se contemplo

a vida à frente, por tempo demais;

inda me sinto imbricado no jamais,

de que o passado é o irreal exemplo.

Posso pensar no futuro como o templo

dos meus anseios e de muitos mais,

tornados verdadeiros, naturais,

nesse porvir que de pensar retemplo.

Pouco importa se o passado foi ditoso

ou infeliz: é o reino de minha morte,

sepultado para sempre no intangível,

ou que o presente embaçado seja airoso

ou humilhante, que logo muda a sorte

e este presente também se apaga no indizível.

 

 

FLORES SEM SEMENTE V

 

Foi esse beijo social que me osculaste

(essa coisa que hoje é tão comum),

mas que causava espanto em qualquer um

no tempo antigo, com igual desgaste

de uma reputação, sem que hoje baste

para mais nada que um lugar-comum.

(Não são beijos de amor que se dá a algum,

são mais bicadas com que alguém se afaste).

Mas comentaste: que perfume bom

estás usando hoje!  É de bom-tom,

para explicar-me fiquei em atropelos:

(Jamais uso perfume, só é o sabonete

       que pelos fios da barba se intromete,

tal qual escorre pelos meus cabelos...)

FLORES SEM SEMENTE VI

 

Há muita gente que se desaponta

quando percebe ser desobediente

esse que achava seu servo onipotente,

que governar inteiramente conta...

Mas, de repente, percebe que desponta

de uma forma totalmente diferente

o tal criado de força permanente,

cuja obediência revela pouca monta...

É então que lhe negam a existência,

porque viram frustradas ordenanças

e transformado em lata o ouropel!

Nessa atitude plena de impaciência,

não se revelam melhores que crianças

que descobriram não haver Papai Noel!

 

FLORES SEM SEMENTE VII – 15 JUNHO 2023

 

Passada a dor, só fica a anestesia,

que a revolta há muito adormeceu.

Nada mais quero do que já foi meu,

porém perdeu para mim toda a harmonia.

Queria ao menos guardar a nostalgia,

porém nem isso me resta.  Enfraqueceu

a ponte da saudade e se encolheu,

em notas mudas, a flor da melodia.

Contudo ainda queria ter saudade,

ou sentir ódio, sequer algum rancor

que me fizesse bater forte o coração,

porém agora só me resta a sanidade

de perceber que quando morre o amor,

a dor se apaga na fumaça da ilusão.

FLORES SEM SEMENTE VIII

 

Ao te sentires só, momento asado,

olha ao redor de ti.  Contempla as flores

que vivem sob o sol.  Não têm amores,

porém vicejam, sem príncipe encantado,

nos prados e jardins.  Seu decantado

esplendor não é páramo de ardores,

nem abraçam uma a outra em seus verdores,

nunca abandonam o lugar enraizado,

enquanto chegas, sem peias, aonde queres,

talvez ali depositando a tua sementes,

ou pelo menos, a marca de teus passos...

Pois enterra a solidão onde quiseres,

talvez brote em teu sono em sons dolentes,

talvez te minta os botões puros dos abraços...

FLORES SEM SEMENTE IX

 

Asilado de ti, abri meu ventre

e lá guardei meus olhos de tristeza.

Já não consigo enxergar qualquer beleza

por esse mundo em que, talvez, me adentre,

desprovido de olhos.   Não estás

onde te possa ver, nesse vazio

que outros chamam de mundo, nesse rio

que carregou os teus passos e não traz

de volta para mim qualquer fração.

As outras passam e deixam seu perfume:

tapo as narinas, sem querer nada aspirar,

que não se aninhe outro amor no coração,

a combater esse meu feroz ciúme,

de quem consegue, ainda cego, te enxergar! 

 

FLORES SEM SEMENTE X – 16 JUNHO 2023

 

A vida é espessa e a mortalha dessa bruma

só pode ser rompida a golpes de cinzel;

a vida é virgem velha, cujo mel

só pode agora ser fruído com verruma,

que fure lentamente suas defesas; ruma

de percalços e armadilhas sem quartel,

mas que se enfrenta, sem pensar no fel

que nos deixa na boca e em que se esfuma

toda esperança de haver facilidade..

A virgem velha quer até ser convencida

por quem a busque sem desanimar,

que seja ao menos pela curta veleidade

de quem conquista e é levado de vencida,

quando sua última vitória o executar...

FLORES SEM SEMENTE XI

 

O que fazer, então, quando se impõem

esses sonetos que fazer sequer eu quero,

fracos desejos por que nem espero,

as exigências que se me interpõem?

Então me entrego, tal qual musas dispõem

e em suas cem novas palavras deblatero,

ou de alegria ou de destino fero

e pouco a pouco as energias se repõem.

Assim escrevo tão só para o porvir,

quiçá engavete um sonho mais secreto,

ante o qual tantos têm a precedência,

sem de fato pela flor nunca insistir

que guardaria o meu estame mais dileto,

em um impulso de pura ambivalência.

FLORES SEM SEMENTE XII

 

Pois tantas vezes os redigi sem mais pudor,

foram pistilos os corações de mil donzelas,

feias algumas e outras tantas belas,

sem a intenção de expor-lhes meu amor;

só nestes versos semeio todo o meu calor,

neles registro a polvadeira das estrelas,

ao firmamento contemplo só por vê-las,

sem insistir em sua visão por meu vigor.

Não espalharei por aí semente à toa,

irresponsável em sua plena veleidade,

só pelo vácuo espalharei meu dom potente,

por mais que sinta que o coração me roa,

por me embalar nas ilusões da falsidade,

enquanto esparzo minhas flores sem semente.

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