terça-feira, 20 de setembro de 2022


 

 

AMOR DE CÂMARA I

(Brenda Blethlyn, atriz britânica,

presentemente a detetive em "Vera")

 

Sou auditivo: a música me atrai

imensamente; e me prende a atenção,

a ponto tal, que mesmo na emoção

de um beijo de amor é o som que me distrai

 

E sigo a melodia em todos seus compassos,

a orquestração, figuras, a harmonia...

É meu primeiro amor...  A nostalgia

faz-me até esquecer de quem nos braços

 

eu tenha no momento.  E o sexo

é diluído no gozo da elegia,

torna-se palha arrastada pela melgar... (*)

(*) Ferramenta agrícola,

 

É no silêncio que o amor encontra nexo...

Quem mais que tu assim me induziria a

fazer amor ao som de Lorde Elgar...?

 

 

AMOR DE CÂMARA II

 

Amor, eu te busquei intensamente.

Foste, acima de tudo, um dom presente,

em cada verso meu, em cada ponto

que breve conduziu-me ao desaponto.

 

Por nunca te possuir, embora a alma,

internamente, em tresloucada calma,

pusesse ardentemente a teu serviço:

meu peito renascido, a mente e o viço,.

 

totalmente inclinados para ti.

Mas foi obra de um dia, tão somente;

sorriste uma só vez, nesse inclemente

 

ardor, que não sentiste qual senti.

E agora te esqueci, por mais que chames...

Que estou fazendo amor ao som de Brahms.

 

AMOR DE CÂMARA III

 

Cantando te encontrei e fiz meus versos;

também fizeste os teus, inda que poucos.

Os meus foram suaves, foram roucos,

foram altivos, humildes, nos diversos

 

concatenares de amor inesperado;

paralelismos de amor subcutâneo;

transmigrações de ardor tão subitâneo,

quanto é funesto o amor avassalado.

 

E assim me vejo em música envolvido.

Quando te abraço é como uma canção,

que, em melodia estranha, poucos ouvem.

 

Meu corpo inteiro faz-se diluído...

E até parece que dissolve o coração

fazer amor ao som de Van Beethoven...

 

AMOR DE CÂMARA IV

 

A melodia foi meu amor primeiro.

Depois veio a poesia, de iludido.

Ou, realmente, meu coração ferido

poderia transportar-se, por inteiro,

 

ao propalar da arte requerido.

Mas encontrei teu abraço derradeiro,

fui teu escravo e a música, ligeiro,

abandonei, mas sempre condoído.

 

Que nesse orgasmo eu gero a mim de novo,

imerso assim nas garras da ilusão,

pois nesse amplexo, eu sinto-me infiel.

 

E é por isso que procuro, num renovo,

para não desfatiar meu coração,

fazer amor aos acordes de Ravel...

 

 AMOR DE CÂMARA V

 

O que eu desejo, aquilo que mais busco

é alguém que não somente me compreenda,

mas que caminhe pela mesma senda

e que meu braço ampare ao lusco-fusco.

 

Alguém que pense em mim com mais carinho

do que até hoje tive.   Amor estranho

que me faça sentir, como de antanho,

ser meu cajado e a luz no meu caminho...

 

Porque aquilo que busco, eu não perdi,

e até o que não buscava, consegui,

embora seja muito mais o quanto quero...

 

Não é um amor comum, que assim espero.

Anseio um grande ardor, que então me ensine

A amor fazer... ao som de Bononcini...

 

AMOR DE CÃMARA VI

 

Os homens se combatem, fazem guerras,

ao passo que as mulheres, por vaidade,

competem mutuamente, sem piedade,

umas e outros por épocas e terras...

 

Mas quando o homem combate com a mulher,

uma derrota ao outro; e o outro vence,

nessa junção dos corpos, que convence

ser das batalhas a que mais se quer...

 

Quando teu corpo noutro se emaranha:

uma vitória em que jamais se ganha,

uma derrota em que jamais se perde...

 

Que a adversária então nos acompanha,

no mesmo galardão que enfim se herde:

fazer amor com a música de Verdi.

 

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