O FADO DA AQUIESCÊNCIA I – 13
SET 22
(Lillian Roth, uma das sete primeiras atrizes
do cinema mudo hollywoodiano).
Até que ponto eu sonharei o
sonho
ou até que ponto pelo sonho sou
sonhado?
Será o teu sonho em que sou
imaginado,
o meu poder sobre esse sonho algo
bisonho?
Até que ponto ao porvir eu me
proponho,
nada mais sendo que o refletir de
meu passado?
Até que ponto esse vulto do meu
lado
sonha a quimera em que agora me
reponho?
Quem sabe é o sonho que a nós
dois sonhou,
em algum capricho pleno de
erotismo:
não sonho a ti e nem tu sonhas a
mim,
mas é esse sonho que a nós dois
criou,
para sua própria decoração e
solipsismo,
estátuas vivas em seu domínio
enfim...?
O FADO DA AQUIESCÊNCIA II
Se eu fosse um sonho, decerto
pensaria
ser bem real nesse mundo do
sonhado,
meu julgamento quiçá muito
apressado,
que igual à realidade eu
sentiria...
Se eu fosse um sonho, como
saberia
que por outrem fora tão só
imaginado,
concebido em algum peito
mal-amado,
que como príncipe do sonho me
acharia.
Se eu fosse um sonho, decerto
julgaria
ser o senhor desse páramo
encantado,
nosso encontro qual um sonho meu
seria,
na pretensão de um sonho bem
formado,
que à própria criadora lançaria
olhar de posse, qual a tivesse
imaginado!
O FADO DA AQUIESCÊNCIA III
Porém sem margem de dúvida,
acontece
que nas andanças pelo mundo do
sonhar,
cedo ou mais tarde a ti vou encontrar,
quando a alegria no meu peito
desce,
quando o domínio de meu sonho
cresce
e em suavidade te vejo a me
encontrar,
teus olhos brilham desse modo
singular,
que me provoca um amor que nunca
cesse.
Então te sinto qual resposta à
minha prece,
mas será que só existe Oneiros a
controlar
esse mundo amoroso que me
aquece?
Que então te vejo e sonho o teu
perfume,
chegas num beijo pleno a me
abraçar,
meu coração na lamparina de teu
lume.
O FADO DA SUBMISSÃO I – 14 SET
22
Muita palavra é puro palanfreado,
repetições somente e sem
sentido,
mas repetidas, emprenham pelo
ouvido,
muito soneto sendo apenas
soneteado,
que espalho pelo vento em
descampado,
até as alturas de majestoso
olvido,
até as cavernas de cada amor
perdido,
até as planuras do mar de ódio gelado.
Cada soneto, à sua maneira, é
deus alado,
águia e condor nos píncaros da
glória,
pardal pequeno debicando a
própria história,
cada soneto por si mesmo
apaixonado,
pela delícia do som que traz sua
lavra,
pelo orgulho com que tragou cada
palavra.
O FADO DA SUBMISSÃO II
Já fui teu pai em outra redação,
eu te amei pura, mas
incestuosamente,
durante o parto teu eu fui
presente,
contracenando com tua própria
gestação.
Cada poema tem sua própria
geração
e a mim envolve em adultério
ardente,
a influenciar-me em seu fervor
potente,
seja o que for que pretenda sua
emoção.
Do mesmo modo que chego a
suspeitar
que eu seja apenas um fragmento
de teu sonho
ou que o onírico a ambos nos
surpreenda,
algumas vezes então me flagro a
imaginar,
se é o poema que julgo que
componho
ou é o sentido do verso que me
engendra.
O FADO DA SUBMISSÃO III
Porque a palavra não é apenas
palavreado
em cada verso marchetado num
quarteto,
é sempre-viva em seu poder
secreto,
é sempre-morta tão logo o verso
completado.
Nem o soneto se limita ao
soneteado,
não só de me inspirar brando
objeto,
pois me recobre debaixo do seu
teto
e a mente oprime em fragor de
trombeteado.
Nesses momentos, eu me ponho a
suspirar,
ao perceber-me como algo de
invisível,
tão transitório como o sonho do
impossivel,
puro reflexo de um soneto a me
criar,
que me transporta do abstrato
até o concreto,
minha própria alma apenas linha
de um soneto.
O FADO DO DIABRETE I – 15 SET 2022
Pode mesmo dar impressão de uma tolice,
mas os Poltergeister requerem minha
crença,
talvez não passem mais do que sabença,
talvez se movam sem que a gente aviste.
Nenhum Poltergeist pretenderá ser
triste,
será um serzinho que se diverte sem ofensa,
sua intervenção uma surpresa intensa,
quando o efeito some e já não mais existe.
Não me diga que nunca reparou
que um objeto diante de si desaparece,
sem que adiante em toda parte procurar?
Mas de repente, no lugar em que o deixou,
lá está ele, tal qual se nunca cesse
sua permanência onde de novo o foi achar?
O FADO DO DIABRETE II
Algumas vezes vou a tesoura procurar,
que fica em cima da mesa, juntamente
com lupas, pinças, material frequente,
que em filatelia é meu costume utilizar.
Mas onde está a tesoura, onde a achar?
pois me sumiu do lugar certo, simplesmente,
mas ando à roda, a pesquisar, de descontente:
por acaso a coloquei em outro lugar?
E não a encontro sobre a escrivaninha,
em prateleira não está, nem nos balcões:
por acaso a guardei numa gaveta?
Quando me canso, quase escuto risadinha:
lá está ela, sem sombra de ilusões,
quem foi que a fez tão inacessível e secreta?
O FADO DO DIABRETE III
Com outras coisas acontece por igual,
mas que máscara as terá feito invisíveis
e então erguesse tais capas incríveis:
lá estão à vista, em seu pouso habitual!
O Poltergeist não me deseja o mal,
só tempo rouba em suas ações risíveis,
na insegurança de situações imprevisíveis,
que logo abranda de maneira natural...
E não me diga que nunca lhe ocorreu
a intensa busca por algo desejado,
que apenas poderá ser encontrado
quando a procura de outra coisa aconteceu:
ali está sua fita métrica ou a sua agulha,
brilhante e clara, sem causar mais bulha!
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