sábado, 10 de setembro de 2022


 

 

DESTINO DE RÉU I – 4 SET 22

(Leni Riefenstahl, atriz e produtora 

dos filmes de propaganda do Terceiro Reich)

 

No pomar das magoadeiras enforco meus sonetos,

Como lanternas japonesas coloridas,

Cada soneto a demarcar perdidas vidas,

Que já pousaram em seus galhos mais diletos.

 

Nas magoadeiras frutificam desafetos,

De cada ramo pendem ilusões perdidas,

Em cada flor, há lembranças esquecidas,

Alimentando beija-flores ou insetos.

 

As magoadeiras nós mesmos que plantamos

E cultivamos em almácego e mudinhas,

Regadas foram por nós as sementinhas

 

E no pomar em redes nos deitamos,

Enquanto as mágoas crescem ao redor,

Cada lágrima a dar frutos com vigor.

 

DESTINO DE RÉU II

 

No pomar das magoadeiras, a aflição

Cresce em luxúria para nos atormentar,

Num acalanto de tristeza a resultar,

Mas as regamos sem por nós contemplação.

 

Que nada ocorre ao acaso da ocasião,

Mas de nossas decisões vimos brotar,

Nós decidimos como melhor pavimentar

Essas trilhas a percorrer sem compaixão.

 

Quem mais do que nós mesmos a magoar,

Mesmo que a outrem busquemos a culpar,

Na realidade, só cada um é responsável,

 

Bem mais que Deus nos possa castigar,

Por seu desígnio tremendo e imponderável,

Será a nós mesmos que vamos sentenciar.

 

DESTINO DE RÉU III

 

As magoadeiras são de nossa geração,

Cada tristeza que na mente ocorre,

Cada humilhação que lépida percorre,

É falha nossa e de nossa criação.

 

Porque a si mesmo não se dá perdão

E por mais que a promessa nos acorre

E o Testamento da Graça nos discorre,

Só existe alívio temporal na comunhão.

 

Nos embalamos bem mais na inquietação,

Nesses galhos de magoadeiras pendurados

As lanternas japonesas somos nós,

 

Sem a nós mesmos dar absolvição,

Em nossos corações já condenados

E por nós mesmos enforcados nesses nós.

 

DESTINO DE VAU I – 5 SET 22

 

Quem fica, fica sem saber porquê,

Ficou ficando, ficando a sós consigo,

Quiçá por medo, por medo do perigo,

Talvez na espera, espera o não-sei-quê.

 

Quem parte, parte em busca do que vê,

Foge da alma, da alma seu abrigo,

Sem ter razão, razão a que não ligo,

Qualquer motivo assim, que assim se dê.

 

Mas quando toma, toma ainda esperando

Que tudo esteja, esteja como era,

Por mais que saiba, saiba que não é.

 

Porque sua vida, a vida vai passando

E nunca fica – fica, quem nos dera!

Tal qual um rio, um rio que não dá pé.

 

DESTINO DE VAU II

 

No rio da vida, a vida sobrenada,

Se não se cuida, cuida o rio por ela

E desce o vale, o vale da procela,

Com tanta coisa, coisa já arrastada.

 

Vemos a margem, a margem apressada,

Que não espera, na espera mais singela,

O rio não passa, mas passa por janela,

Por cada porta, cada porta para o nada.

 

E como é em tudo, tudo nos escapa,

Correndo firme, firme para trás,

Não somos nós que fugimos desse após.

 

Ficam os sátiros, com risos à socapa

Sem nos lançar sequer anzol capaz

De intervalar nossa marcha para a foz.

 

DESTINO DE VAU III

 

E assim ficamos, ficamos sem notar

Que na verdade é em nada que ficamos,

Que rio abaixo nos abalançamos

E que ficamos de fato, sem ficar.

 

Mas nesse vau partimos sem parar

E sem cuidado ao futuro nos lançamos

Ou é o porvir com que nos abraçamos,

Que as redes lança para nos pescar.

 

Porque da vida tomamos sem tomar,

Antes a vida, que tudo de nós tome

E do futuro necessite que nos dome,

 

Na obra incessante de nos enganar,

Que a gente pensa que ficar, ficou,

Mas quando nota, só percebe que passou.

 

DESTINO DE RETORNO I – 6 SET 22

 

Quem parte, parte para nunca mais,

Quando retorna, retorna diferente,

É outra gente que reencontra a gente,

Traz novas rugas, traz rugas demais.

 

Quem fica, fica os tempos naturais,

A própria face em face descontente,

A própria marca em marca indiferente,

Se demudou, se demudou para o jamais.

 

Aclimatou-se a seu clima individual,

Quando percebe, percebe ao se espantar

Quanto mudou, mudou noutra pessoa,

 

Tornou-se amigo, mas amigo desleal,

Que vê de novo, de novo a contemplar,

Mas de quem lembra tão só a voz que soa.

 

DESTINO DE RETORNO II

 

Na verdade, esse que um dia partiu

Não mais retorna, nem mesmo para si,

Não mais o rosto que em outro espelho eu vi,

Noutro semblante que ali se refletiu.

 

Essa máscara que de amiga me sorriu

É bem mais velha da que antes conheci,

Não é leal ao que fui quando parti,

Somente a voz melíflua que mentiu.

 

Pois mesmo quando nos olhamos diariamente,

Sem dar grande atenção a tal semblante,

A pouco e pouco a imagem se transforma,

 

Mas é como se notasse, de repente,

A nova marca que persiste doravante

Ou a cabeleira que em grisalha já se torna.

 

DESTINO DE RETORNO III

 

Que aquele que já fomos, já partiu

E para nós não tornará jamais,

Traídas todas as lembranças naturais.

Ano após ano que para nós sumiu.

 

Esse que fomos, só dentro persistiu,

Aprisionado em seus tendões colaterais,

Pelas plaquetas em galhetas perpetuais,

Por que a surpresa antes a face que se viu?

 

Ficou o mundo imutável por acaso?

Mais que este corpo que nos aprisionou,

O globo inteiro ao redor se transmutou

 

E só me posso mostrar sorriso raso,

Para ver se antanho ali reconhecia,

Do que partiu no carrossel da nostalgia.

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