quarta-feira, 21 de setembro de 2022


 

 

URGIR  I    [20-8-80]

(Clara Bow, atriz do cinema mudo, inspiração

disneyana par Clara Cow, a Clarabela).

 

Eu bem quisera, sabes?  Quisera ser feliz,

        Teu nome descrever, em lágrimas de giz,

        Na carne meiga e pura, bem fundo ao coração,

Que tem te amado tanto e tanto bem te quis.

 

Eu bem quisera, sabes?  Quisera ser fiel,

        Teu nome descrever, em ráfagas de mel,

        Na mente a entretecer bem fundo da ilusão,

Prender-te em diadema airoso e sem quartel.

 

Eu bem quisera, sabes?  Porém tão curta é a vida...

        Nós nos vimos tão pouco e o tempo de vencida

Vai nos levando aos poucos os dias que inda temos.

 

Eu te quisera tanto!  E as horas se alvoroçam,

        Os dias são falazes, os meses quase troçam,

Outro ano já se foi e quase nem nos vemos...

 

URGIR II

 

E que vamos fazer do tempo derradeiro?

        Tu sabes que é possível que nunca nos amemos!

        Por tolo que pareça a tempos mais amenos,

Para nós dois quão raro a amor nos entreguemos...

 

Já neste fim de século, um gosto alvissareiro

        Bem que nos poderia alívio dar à vida!

        Ou te parece assim ser coisa de somenos

Que os meses vão passando sem dar a amor guarida?

 

Quem sabe quanto tempo teremos no futuro?

        É bem possível mesmo que deuses desumanos

Te estejam inspirando esse hesitar tão duro...

 

A renovar assim rituais tão suburbanos,

        Enquanto se divertem, ocultos no jamais,

Até que amor se mostre a nós tarde demais...?

 

URGIR III      (24-4-10)

 

Nem todo o amor tardio, tarde nos chega;

       Talvez nos chegue até cedo demais,

       Se não estamos dispostos a portais

Cruzar no mar que incerto se navega...

 

Essa certeza com que amor nos cega

       Pertence à mocidade.  Sempre mais

       Se alimenta a prudência e seus torçais

Trançam-nos fios a que a gente mais se apega.

 

É mais difícil desprender-se desses fios,

       Da multidão das coisas materiais,

Do que do amor cessado de existir.

 

A gente fica a pesar os novos cios

       Contra os confrontos lançados no jamais

E perde o novo amor por desistir.

 

URGIR IV

 

Pois valerá, afinal, tanta mudança,

       A pura azáfama dessa agitação,

       Dessa aventura que acelera o coração

E brilha em nós qual raios de esperança?

 

Será que o egoísmo dos tempos de criança

       Não pesa mais na grande decisão,

       Quando esses bens de longa duração,

Sopesam mais nos pratos da balança?

 

Um novo amor é lindo, mas se sabe

       Que outros amores, enterrados no passado,

Por serem grandes, mais se desgastaram.

 

E quando terminar o que mal cabe

       Em nossa mente e ficarmos desterrados,

Sem tantas coisas que do amor novo nos tiraram?

  

URGIR V – Concluído a 16 set 2022

 

Se te contar, bem sei não acreditas,

       Porque se passa no mundo tanto mal:

       Nós não descemos por um só canal,

Pois nos meus olhos raramente fitas.

 

A tal separação, és tu que nos incitas,

       Apagando impiedosa o bom fanal,

       Que este mundo tornaria em manancial,

Transformando as folhas secas em benditas.

 

São florações matutinas ou noturnas,

       Porque assim tal magia brotaria,

Se a teu redor meus braços se encontrassem,

 

Transformando em fulgor as taciturnas

       Mágoas do mundo, que se renovaria,

Se nossas mentes sem pudor se entrelaçassem.

 

URGIR VI

 

Não é que eu tenha escolhido a solidão:

       Foste tu que escolheste, mesmo perto,

       Transformar meu desejo num deserto

E guisar-me, lentamente, o coração.

 

Para essa ausência, encontro-me desperto,

       Não porque queira nutrir-me de ilusão,

       Quem me recusa a plena brotação

És tu, mulher...    Meu peito em sangue aberto

 

Sempre está para ti, mas não me abraças:

       A pouco e pouco trocaste por limalha

O ouro cintilante que luzia na bateia...

 

E foi assim que revesti-me de couraças,

       Para não mais me queimar nessa acendalha

De um desfecho azinabrado de epopeia.

 

URGIR VII

 

E o que fazer, se todo o meu urgir

       Só resultou em água de barrela,

      Sapatinhos não levei à cinderela,

Que a pudesse desse modo seduzir...

 

Nada de príncipe se mostrou em meu urdir,

       Tinha a esperança de dominar donzela,

       Rapunzel pretenciosa em sua janela,

Bela Dormente que continua a dormir...

 

Pois sempre fui mais Rumpelstiltskin,

       Um pobre anão amarelado e ambicioso,

Mas que a palha transformava em fios de ouro

 

E minha princesa não me enxergou, por fim,

       Viu somente o exterior menos ditoso

E somente originou em mim desdouro...

 

URGIR VIII

 

Eu reconheço que talvez a solidão

      Que remanesce em minha alma interna,

      Foi pura escolha minha sempiterna,

Para das penas de amor dar descrição.

 

Mesmo que seja bem capaz de indiscrição

       E descrever cópula carinhosa e terna,

       Em termos materiais de ação externa,

Sem precisar das tristes penas da paixão.

 

Sei descrever com detalhes cada beijo

       Que já guardei nas arcas da memória,

As sensações de prazer de cada ensejo,

 

Sem revelar-me assim como isolado,

       A suplicar quiçá por leve adejo,

Para outros versos inserir na vida inglória...

 

URGIR IX – 17 set 2022

 

Deste modo, é só o capricho desta vida

       Que nos afasta um da outra realmente,

       Não certa ânsia por amor plangente,

Nem descrição pungente de ferida...

 

Porque o que traz minhalma consumida

       Não é esse tua ausência permanente,

       Mas o correr dos dedos, sensualmente,

Pelas lembranças de ventura concedida...

 

Certo lastimo o que não tenha agora,

       Mas o que traz constante inspiração

É o movimento carinhoso de tua mão

 

Sobre minha carne no fugaz outrora

       E a sensação que tua língua me produz,

A perpassar sobre meus lábios nus.

 

URGIR X

 

Assim, se descrevi a ânsia antiga

       E sugeri nunca ter sido satisfeita,

       Foi mais sedícia, a bênção imperfeita

Que tornar-te permanente eu não consiga.

 

Nem tanto a ausência da palavra amiga,

       Que de fato sob a carne mais se ajeita,

       Tranquila fonte da bênção mais aceita,

Tão escorreita como velha intriga...

 

Cada palavra de amor não mais que ponte

       Para na boca colar palavra nova,

Onde há suspiros sem estalar de beijo.

 

Porque mais vale a saliva dessa fonte,

       Em mim formando a saliva que renova

Do que mil versos conducentes a esse ensejo.

 

URGIR XI

 

O que recordo é nosso amor carnal,

       Esses beijos nos seios e no algures,

       A tua boca no membro que segures,

A minha boca na prenda mais sensual.

 

O que eu recordo é nosso amor sexual,

       Mais que as palavras soltas no nenhures,

       Esse ritmo constante em que depures

Orgasmo mútuo em brilho imaterial...

 

O que me inspira é a forma de tuas mãos

       E a tua pele de rósea transparência,

A carnação percorrida palmo a palmo...

 

Dessas lembranças brotam minhas canções

       E não de juras de imensa transcendência,

Contra esse ventre em cujo ardor me acalmo.

 

URGIR XII

 

E desse modo, que importa? Não esqueço

       O roçagar da carne doce e morna

       Contra minha própria carne, que se torna

Totalmente submissa a teu apreço...

 

O que me inspira é a lembrança que padeço,

       O que me envolve é o calor que a mente enforna

       O que me espanta é o assomar que informa

Dessas mil vezes que relembrar eu peço...

 

Esses momentos de cristal no meu urgir,

       Revestidos do fulgor de diadema,

Tua boca morna com lábios de tiara,

 

Tantas mil vezes recordados ao dormir,

      Vastos instantes de memória clara,

Consciência pura de tua ausência que envenena.

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