URGIR I [20-8-80]
(Clara Bow, atriz do cinema mudo, inspiração
disneyana par Clara Cow, a Clarabela).
Eu bem quisera, sabes? Quisera ser feliz,
Teu nome descrever, em
lágrimas de giz,
Na carne meiga e pura, bem
fundo ao coração,
Que tem te amado tanto e tanto bem te quis.
Eu bem quisera, sabes? Quisera ser fiel,
Teu nome descrever, em
ráfagas de mel,
Na mente a entretecer bem
fundo da ilusão,
Prender-te em diadema airoso e sem quartel.
Eu bem quisera, sabes? Porém tão curta é a vida...
Nós nos vimos tão pouco e
o tempo de vencida
Vai nos levando aos poucos os dias que inda temos.
Eu te quisera tanto! E as horas se alvoroçam,
Os dias são falazes, os
meses quase troçam,
Outro ano já se foi e quase nem nos vemos...
URGIR II
E que vamos fazer do tempo derradeiro?
Tu sabes que é possível que
nunca nos amemos!
Por tolo que pareça a tempos
mais amenos,
Para nós dois quão raro a amor nos entreguemos...
Já neste fim de século, um gosto alvissareiro
Bem que nos poderia alívio
dar à vida!
Ou te parece assim ser coisa
de somenos
Que os meses vão passando sem dar a amor guarida?
Quem sabe quanto tempo teremos no futuro?
É bem possível mesmo que
deuses desumanos
Te estejam inspirando esse hesitar tão duro...
A renovar assim rituais tão suburbanos,
Enquanto se divertem, ocultos
no jamais,
Até que amor se mostre a nós tarde demais...?
URGIR III (24-4-10)
Nem todo o amor tardio, tarde nos chega;
Talvez nos chegue até cedo demais,
Se não estamos dispostos a portais
Cruzar no mar que incerto se navega...
Essa certeza com que amor nos cega
Pertence à mocidade. Sempre mais
Se
alimenta a prudência e seus torçais
Trançam-nos fios a que a gente mais se apega.
É mais difícil desprender-se desses fios,
Da
multidão das coisas materiais,
Do que do amor cessado de existir.
A gente fica a pesar os novos cios
Contra
os confrontos lançados no jamais
E perde o novo amor por desistir.
URGIR IV
Pois valerá, afinal, tanta mudança,
A pura azáfama dessa agitação,
Dessa
aventura que acelera o coração
E brilha em nós qual raios de esperança?
Será que o egoísmo dos tempos de criança
Não pesa mais na grande decisão,
Quando
esses bens de longa duração,
Sopesam mais nos pratos da balança?
Um novo amor é lindo, mas se sabe
Que outros amores, enterrados no passado,
Por serem grandes, mais se desgastaram.
E quando terminar o que mal cabe
Em
nossa mente e ficarmos desterrados,
Sem tantas coisas que do amor novo nos tiraram?
URGIR V – Concluído a 16 set 2022
Se te contar, bem sei não acreditas,
Porque se passa no mundo tanto mal:
Nós não descemos por um só canal,
Pois nos meus olhos raramente fitas.
A tal separação, és tu que nos incitas,
Apagando impiedosa o bom fanal,
Que este mundo tornaria em manancial,
Transformando as folhas secas em benditas.
São florações matutinas ou noturnas,
Porque assim tal magia brotaria,
Se a teu redor meus braços se encontrassem,
Transformando em fulgor as taciturnas
Mágoas do mundo, que se renovaria,
Se nossas mentes sem pudor se entrelaçassem.
URGIR VI
Não é que eu tenha escolhido a solidão:
Foste
tu que escolheste, mesmo perto,
Transformar meu desejo num deserto
E guisar-me, lentamente, o coração.
Para essa ausência, encontro-me desperto,
Não
porque queira nutrir-me de ilusão,
Quem me
recusa a plena brotação
És tu, mulher... Meu peito em sangue aberto
Sempre está para ti, mas não me abraças:
A pouco
e pouco trocaste por limalha
O ouro cintilante que luzia na bateia...
E foi assim que revesti-me de couraças,
Para
não mais me queimar nessa acendalha
De um desfecho azinabrado de epopeia.
URGIR VII
E o que fazer, se todo o meu urgir
Só
resultou em água de barrela,
Sapatinhos não levei
à cinderela,
Que a pudesse desse modo seduzir...
Nada de príncipe se mostrou em meu urdir,
Tinha a esperança de dominar donzela,
Rapunzel pretenciosa em sua janela,
Bela Dormente que continua a dormir...
Pois sempre fui mais Rumpelstiltskin,
Um pobre anão amarelado e ambicioso,
Mas que a palha transformava em fios de ouro
E minha princesa não me enxergou, por fim,
Viu somente o exterior menos ditoso
E somente originou em mim desdouro...
URGIR VIII
Eu reconheço que talvez a solidão
Que remanesce em minha alma interna,
Foi pura escolha minha sempiterna,
Para das penas de amor dar descrição.
Mesmo que seja bem capaz de indiscrição
E descrever cópula carinhosa e terna,
Em
termos materiais de ação externa,
Sem precisar das tristes penas da paixão.
Sei descrever com detalhes cada beijo
Que já guardei nas arcas da memória,
As sensações de prazer de cada ensejo,
Sem revelar-me assim como isolado,
A
suplicar quiçá por leve adejo,
Para outros versos inserir na vida inglória...
URGIR IX – 17 set 2022
Deste modo, é só o capricho desta vida
Que nos afasta um da outra realmente,
Não certa ânsia por amor plangente,
Nem descrição pungente de ferida...
Porque o que traz minhalma consumida
Não é
esse tua ausência permanente,
Mas o correr dos dedos, sensualmente,
Pelas lembranças de ventura concedida...
Certo lastimo o que não tenha agora,
Mas o
que traz constante inspiração
É o movimento carinhoso de tua mão
Sobre minha carne no fugaz outrora
E a sensação que tua língua me produz,
A perpassar sobre meus lábios nus.
URGIR X
Assim, se descrevi a ânsia antiga
E sugeri nunca ter sido satisfeita,
Foi
mais sedícia, a bênção imperfeita
Que tornar-te permanente eu não consiga.
Nem tanto a ausência da palavra amiga,
Que de fato sob a carne mais se ajeita,
Tranquila fonte da bênção mais aceita,
Tão escorreita como velha intriga...
Cada palavra de amor não mais que ponte
Para
na boca colar palavra nova,
Onde há suspiros sem estalar de beijo.
Porque mais vale a saliva dessa fonte,
Em mim formando a saliva que renova
Do que mil versos conducentes a esse ensejo.
URGIR XI
O que recordo é nosso amor carnal,
Esses beijos nos seios e no algures,
A tua
boca no membro que segures,
A minha boca na prenda mais sensual.
O que eu recordo é nosso amor sexual,
Mais que as palavras soltas no nenhures,
Esse
ritmo constante em que depures
Orgasmo mútuo em brilho imaterial...
O que me inspira é a forma de tuas mãos
E a tua pele de rósea transparência,
A carnação percorrida palmo a palmo...
Dessas lembranças brotam minhas canções
E não
de juras de imensa transcendência,
Contra esse ventre em cujo ardor me acalmo.
URGIR XII
E desse modo, que importa? Não esqueço
O roçagar da carne doce e morna
Contra minha própria carne, que se torna
Totalmente submissa a teu apreço...
O que me inspira é a lembrança que padeço,
O que me envolve é o calor que a mente
enforna
O que
me espanta é o assomar que informa
Dessas mil vezes que relembrar eu peço...
Esses momentos de cristal no meu urgir,
Revestidos do fulgor de diadema,
Tua boca morna com lábios de tiara,
Tantas mil vezes recordados ao dormir,
Vastos instantes de memória clara,
Consciência pura de tua ausência que envenena.
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