sexta-feira, 5 de janeiro de 2018





NEUSA TÂNIA ÁVILA ALVES BRANCO

O texto abaixo me foi enviado pela Neusa Tânia em 28 de março de 2006 e contém o que ela diz ter sido o único poema que escreveu para o Wayne, o qual teria publicado o texto no Correio do Sul, à revelia dela, motivo por que nunca mais escreveu, segundo ela afirma.

Esta noite um homem vai sentar pesadamente em sua poltrona e pensar.    
Não que seja pesado
ou mesmo esteja cansado.
Ele vai apenas isso: sentar pesadamente.
Ele se sente...pesadamente.

E vai pensar porque precisa fazer um poema.
Um poema que talvez preferisse adiar.
Que veio aparentemente rápido demais.
Mas tem um compromisso marcado com o momento
desde o dia em que - por sua vez -
nasceu.
Porque afinal, não tem feito mais que rimar, ritmar e escandir;
polir, riscar, construir dia-a-dia,
na neblina do papel, o contorno incerto da poesia.

Por qualquer coisa
que se promete
que se nega
que se chega.
Que se faz palavra e canção.

Esse homem talvez não queira trabalhar
apesar da convenção a ser respeitada.
Talvez o tema o deprima
e o poema deva dizer de alegria, perpetuação, continuidade.

É que o homem está só em sua poltrona
cômoda e acolhedora como um útero
a centenas de quilômetros da alegria,
da perpetuação, da continuidade
que se fazem.
Está só com a folha que recebe sua sobra.
Na busca de imagens, os olhos preguiçam lentos
no paralelar de linhas,
pela penumbra curva de uma cabeça pensativa.

E dizer que este homem fez palavras de tudo o que viu.
Principalmento do que não viu.
Facilmente.
Fluidamente.
E não vê, neste momento, nem a alegria,
nem a perpetuação, nem a continuidade.

Pois que invente.
Poetar é mentir o real.
Ele que minta no papel de penumbra
que está nascendo outra vez.
Que seus olhos estão se fecundando de luz
que seus membros abrem-se em liberdades desconhecidas
que seus pulmões agridem vigorosamente o mundo
que sons estranhos excitam uma quase-cnsciência
que frases nunca ditas se estão gerando
que a vida assume o direito de ser.

Este homem não sabe como o tempo passou.
A palidez do papel contaminou seus cabelos.
Vai ser avô, não tem como voltar.

Mas o poema que conscientemente vai mentir será
a coisa mais humana que jamais fez;
e o neto será, como todos os demais
a criança mais linda que jamais houve.

Por isso
         esta noite um homem vai sentar cuidadosamente
         em sua poltrona macia
         e - pelo espaço que o separa dos seus
         e pelo tempo que o separa de si -
         vai sentir.

 Release Date: 28/3/2006

Vestido ¾ Neusa Tânia Ávila, July 25, 2006  

De teus poemas vesti-me
sem perceber que o fazia
e, verso a verso, espartilho,
laços atados em seda,
botões pequenos de rimas
forrados por velhos temas,
vi-me presa na armadilha
de ter vestido poemas.

Como pele sobre a pele
a cada botão fechado,
mais que a alma se rebele,
tem o corpo suspirado
por mais tecido de sonho,
mais abandono de lemas
mais castigo –  a que me oponho –
por ter vestido poemas.

Tão inconsútil tecido
a descer pelo meu corpo,
tal elixir não queria
para o meu desejo morto.
Tão mais fácil era a vida,
sem estertores, problemas
de lealdades, tecida
sem ter vestido poemas.

A PAVANA FOR ELOÍ 

Quem saberá do riso
que o vento arrancou de Eloí?
Quem contará da dança
tonta nas pernas de Eloí?
Quem falará da noite
bêbada e solta em Eloí?
Quem saberá da folia
que congelou Eloí?
Ou da tonteira gostosa
do balbucio, da besteira,
da asneira livre nos lábios
condenados de Eloí?
Da porta a que não se chega,
da imensidão da calçada,
da chave que não se encontra,
do companheiro cansado
mais bêbado que Eloí.
Do alarma que não se deu
quando seu corpo caiu;
quando oculta na alegria
morte rodou Eloí
em dança de giro lento,
gelo, o sangue de Eloí.

Orquídeas busquei na noite
no abrigo das samambaias
para plantá-les na sombra
das têmporas de Eloí.

Embriagada na vida
entontecida de morte
tratavam-na de ressaca
derramava-se Eloí,
 pela madrugada a fora 
se foi morrendo Eloí.

Flores escuras da noite
fui colher do meu jardim
rosas mais quentes do orvalho
que as mãos frias de Eloí.

Em seu ventre, um broto morto
virgem de sol e de dia
não vingou da agonia
da embriaguez de Eloí.
Quem vai nascer do gelado
ventre quieto de Eloí?

Quem rirá da piada muda
entre os dentes de Eloí
pronta a rolar na calçada
como o corpo de Eloí?

Quem aleitará este filho,
prisioneiro em berço frio
cristalizado em promessa
nas entranhas de Eloí?
Orquídeas molhei na noite
derramada em ventania
para plantar sobre os olhos
mal fechados de Eloí.

 THEREFORE WAYNE’S POEM WASN’T THE ONLY BUG IN THE ROSEBUSH. 

Quintilhas do querer ser                     

Eu queria um nome claro
vogais vibrantes de cor
sons que fizessem supor
tudo aquilo que não paro
de querer ser, mas não sou.

De fonemas bem abertos
meu nome se vestiria;
 como de gazes coberto,
transparências de alegria
num despudor colorido.

Nome limpo de cristal
que se quebrasse na língua
como vidraça que estala
e em pedaços se respinga
por sobre a pedra vadia.
 4/21/2006

Nº 1  ¾ Neusa Tânia Ávila Alves Branco 1972  

Eram milhares deles, transformando tudo.
Vi-os no seio quente da terra
em todos os caminhos
mesmo os que não existiam.

Nome não tinham
embora todas as bocas da terra
os chamassem com todas as palavras conhecidas.
Perto de mim eram poucos
mas as vozes onipresentes contavam-me coisas
de todas as coisas.

Sabiam que, de meus olhos, a inveja os flagelava,
mas compartilhavam comigo a água, o pão, a terra
                    Mas não eram bons.
Em seus olhos múltiplos cantava o sonho de todas as águas:
o verde sonolento dos poços nas matas,
o ocredourado mar das manhãs de ressaca,
o impressionismo azul dos lagos nas montanhas
o castanho morno dos pantanais,
o negrume intenso das águas ao luar.
                    Mas não eram puros.
Não havia para eles o longe ou o perto.
Cobriam com seu vôo, inteiro o universo
e voltavam e, em átimos, partiam para outra vez voltar.
Na esteira de seu vôo os mundos se irisavam.
                    Mas não eram anjos.
Tudo podiam em meio às coisas vivas ou inertes.
Em mundos planos e angulares,
explodiam intensas curvas paranóicas;
em espaços inertes de branco e preto
aroirisavam a luz;
em universos minerais, por quase brincadeira,
possuíram pedras e as fecundaram.
                    Mas não eram deuses.

Carne como eu,
ossos, cálcio, sangue como eu,
como eu, presença e ausência... como eu.
Mas criavam o verso, a cor, a forma,
oriso, a vida, o pranto.
O sonho mais ilimitado e absurdo
era o seu descanso, o sono bom e amigo.

Mas não eu.
Deserdada da cor, da forma, da palavra
recolhia as sobras de seus versos para enganar a fome,
os restos de suas tintas para iludir a sede,
o inerte de suas criaturas para acalmar o sexo.
Marcada, eu e meus iguais pelo desejo
vendo a vida girar sobre si mesma
em criação constante, magnífica, insatisfeita,
sem poder jamais alcançar-lhe o ritmo,
pulsar com ela no mais total panteísmo
criando verso ou cor ou forma.

Nós, que temos lá no fundo ser
a pungente consciência do belo e da harmonia,
sem poder expelir, como eles fazem,
a miragem sequer deste incêndio
que consome: brasa, chama, labareda intensa,
porque interna;
cinza fria, sombra amargurada
quando externa.
Esta implosão de sensações interminável
esta fome de moldar o próprio espírito
fora da linha estreita que vai
das mãos à boca
e da boca aos olhos,
esta impotência, irmãos, cristalizou-me a alma,
carbonato rígido, diamante empedernido:
Ah! Podem eles dar-me a água, o pão, a terra
que não os amo mais.

O nosso nome é homens e mulheres.
Mas eles são poetas.
 4/27/2006

BALADA DE AGORA (22/9/66)             

Olha,       
           não sou aquela
            dos risos claros
            que ouvias;
           sou sóbria e triste  e
            meu riso espouca
            na dúvida.
            Fiz minha imagem
            buscar os olhos
           que tinhas;
            e a sombra vaga
            molhou teus sonhos 
           em dúvida;
            e tento ainda
            salvar o mito
            que vias
            mas nada posso
            e faço tudo
            de dúvida. 

Dearest
This nineteen sixty six reborn goes to your after nap.¾ Neusa Tânia, 5/7/2006

Mansidão

Nem sonhos nem mágoas.
Apenas, curvas serenas
no espelho das águas.

Noite de inverno
Sombra dolorida /acena: estende-se na / terra envelhecida.

Ao decolar
Sorriso que esboço / (pois o chão foge); depois, / o céu será nosso.

Looping
Como um turbilhão / vem, extático, o instante em / que o céu vira chão.
Neusa Tânia, 06/12/2006 – haikus from the sixties, she says.

Serenata

Suave, a noite encanta: / na alfombra feita de sombra, / um homem que canta.

 And this? I didn't mark them, but they are so few and so small...

Diamante

 Fulgores internos. / Flamas, infinitas chamas / de fogos eternos.


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