NEUSA TÂNIA ÁVILA ALVES BRANCO
O texto abaixo me foi enviado pela
Neusa Tânia em 28 de março de 2006 e contém o que ela diz ter sido o único
poema que escreveu para o Wayne, o qual teria publicado o texto no Correio do
Sul, à revelia dela, motivo por que nunca mais escreveu, segundo ela afirma.
Esta
noite um homem vai sentar pesadamente em sua poltrona e pensar.
Não
que seja pesado
ou
mesmo esteja cansado.
Ele
vai apenas isso: sentar pesadamente.
Ele
se sente...pesadamente.
E
vai pensar porque precisa fazer um poema.
Um
poema que talvez preferisse adiar.
Que
veio aparentemente rápido demais.
Mas
tem um compromisso marcado com o momento
desde
o dia em que - por sua vez -
nasceu.
Porque
afinal, não tem feito mais que rimar, ritmar e escandir;
polir,
riscar, construir dia-a-dia,
na
neblina do papel, o contorno incerto da poesia.
Por
qualquer coisa
que
se promete
que
se nega
que
se chega.
Que
se faz palavra e canção.
Esse
homem talvez não queira trabalhar
apesar
da convenção a ser respeitada.
Talvez
o tema o deprima
e
o poema deva dizer de alegria, perpetuação, continuidade.
É
que o homem está só em sua poltrona
cômoda
e acolhedora como um útero
a
centenas de quilômetros da alegria,
da
perpetuação, da continuidade
que
se fazem.
Está
só com a folha que recebe sua sobra.
Na
busca de imagens, os olhos preguiçam lentos
no
paralelar de linhas,
pela
penumbra curva de uma cabeça pensativa.
E
dizer que este homem fez palavras de tudo o que viu.
Principalmento
do que não viu.
Facilmente.
Fluidamente.
E
não vê, neste momento, nem a alegria,
nem
a perpetuação, nem a continuidade.
Pois
que invente.
Poetar
é mentir o real.
Ele
que minta no papel de penumbra
que
está nascendo outra vez.
Que
seus olhos estão se fecundando de luz
que
seus membros abrem-se em liberdades desconhecidas
que
seus pulmões agridem vigorosamente o mundo
que
sons estranhos excitam uma quase-cnsciência
que
frases nunca ditas se estão gerando
que
a vida assume o direito de ser.
Este
homem não sabe como o tempo passou.
A
palidez do papel contaminou seus cabelos.
Vai
ser avô, não tem como voltar.
Mas
o poema que conscientemente vai mentir será
a
coisa mais humana que jamais fez;
e
o neto será, como todos os demais
a
criança mais linda que jamais houve.
Por
isso
esta noite um homem vai sentar cuidadosamente
em sua poltrona macia
e - pelo espaço que o separa dos seus
e pelo tempo que o separa de si -
vai sentir.
Release
Date: 28/3/2006
Vestido ¾ Neusa Tânia
Ávila, July 25, 2006
De teus poemas vesti-me
sem perceber que o fazia
e, verso a verso, espartilho,
laços atados em seda,
botões pequenos de rimas
forrados por velhos temas,
vi-me presa na armadilha
de ter vestido
poemas.
Como pele sobre a pele
a cada botão fechado,
mais que a alma se rebele,
tem o corpo suspirado
por mais tecido de sonho,
mais abandono de lemas
mais castigo – a que me
oponho –
por ter
vestido poemas.
Tão inconsútil tecido
a descer pelo meu corpo,
tal elixir não queria
para o meu desejo morto.
Tão mais fácil era a vida,
sem estertores, problemas
de lealdades, tecida
sem ter
vestido poemas.
A PAVANA FOR ELOÍ
Quem saberá do riso
que o vento arrancou de Eloí?
Quem contará da dança
tonta nas pernas de Eloí?
Quem falará da noite
bêbada e solta em Eloí?
Quem saberá da folia
que congelou Eloí?
Ou da tonteira gostosa
do balbucio, da besteira,
da asneira livre nos lábios
condenados de Eloí?
Da porta a que não se chega,
da imensidão da calçada,
da chave que não se encontra,
do companheiro cansado
mais bêbado que Eloí.
Do alarma que não se deu
quando seu corpo caiu;
quando oculta na alegria
morte rodou Eloí
em dança de giro lento,
gelo, o sangue de Eloí.
Orquídeas busquei na noite
no abrigo das samambaias
para plantá-les na sombra
das têmporas de Eloí.
Embriagada na vida
entontecida de morte
tratavam-na de ressaca
derramava-se Eloí,
pela madrugada a fora
se foi morrendo Eloí.
Flores escuras da noite
fui colher do meu jardim
rosas mais quentes do orvalho
que as mãos frias de Eloí.
Em seu ventre, um broto morto
virgem de sol e de dia
não vingou da agonia
da embriaguez de Eloí.
Quem vai nascer do gelado
ventre quieto de Eloí?
Quem rirá da piada muda
entre os dentes de Eloí
pronta a rolar na calçada
como o corpo de Eloí?
Quem aleitará este filho,
prisioneiro em berço frio
cristalizado em promessa
nas entranhas de Eloí?
Orquídeas molhei na noite
derramada em ventania
para plantar sobre os olhos
mal fechados de Eloí.
THEREFORE WAYNE’S POEM
WASN’T THE ONLY BUG IN THE ROSEBUSH.
Quintilhas do querer ser
Eu queria um nome claro
vogais vibrantes de cor
sons que fizessem supor
tudo aquilo que não paro
de querer ser, mas não sou.
De fonemas bem abertos
meu nome se vestiria;
como de gazes coberto,
transparências de alegria
num despudor colorido.
Nome limpo de cristal
que se quebrasse na língua
como vidraça que estala
e em pedaços se respinga
por sobre a pedra vadia.
4/21/2006
Nº
1 ¾ Neusa Tânia Ávila Alves Branco 1972
Eram
milhares deles, transformando tudo.
Vi-os
no seio quente da terra
em
todos os caminhos
mesmo
os que não existiam.
Nome
não tinham
embora
todas as bocas da terra
os
chamassem com todas as palavras conhecidas.
Perto
de mim eram poucos
mas
as vozes onipresentes contavam-me coisas
de
todas as coisas.
Sabiam
que, de meus olhos, a inveja os flagelava,
mas
compartilhavam comigo a água, o pão, a terra
Mas
não eram bons.
Em
seus olhos múltiplos cantava o sonho de todas as águas:
o
verde sonolento dos poços nas matas,
o
ocredourado mar das manhãs de ressaca,
o
impressionismo azul dos lagos nas montanhas
o
castanho morno dos pantanais,
o
negrume intenso das águas ao luar.
Mas
não eram puros.
Não
havia para eles o longe ou o perto.
Cobriam
com seu vôo, inteiro o universo
e
voltavam e, em átimos, partiam para outra vez voltar.
Na
esteira de seu vôo os mundos se irisavam.
Mas
não eram anjos.
Tudo
podiam em meio às coisas vivas ou inertes.
Em
mundos planos e angulares,
explodiam
intensas curvas paranóicas;
em
espaços inertes de branco e preto
aroirisavam
a luz;
em
universos minerais, por quase brincadeira,
possuíram
pedras e as fecundaram.
Mas
não eram deuses.
Carne
como eu,
ossos,
cálcio, sangue como eu,
como
eu, presença e ausência... como eu.
Mas
criavam o verso, a cor, a forma,
oriso,
a vida, o pranto.
O
sonho mais ilimitado e absurdo
era
o seu descanso, o sono bom e amigo.
Mas
não eu.
Deserdada
da cor, da forma, da palavra
recolhia
as sobras de seus versos para enganar a fome,
os
restos de suas tintas para iludir a sede,
o
inerte de suas criaturas para acalmar o sexo.
Marcada,
eu e meus iguais pelo desejo
vendo
a vida girar sobre si mesma
em
criação constante, magnífica, insatisfeita,
sem
poder jamais alcançar-lhe o ritmo,
pulsar
com ela no mais total panteísmo
criando
verso ou cor ou forma.
Nós,
que temos lá no fundo ser
a
pungente consciência do belo e da harmonia,
sem
poder expelir, como eles fazem,
a
miragem sequer deste incêndio
que
consome: brasa, chama, labareda intensa,
porque
interna;
cinza
fria, sombra amargurada
quando
externa.
Esta
implosão de sensações interminável
esta
fome de moldar o próprio espírito
fora
da linha estreita que vai
das
mãos à boca
e
da boca aos olhos,
esta
impotência, irmãos, cristalizou-me a alma,
carbonato
rígido, diamante empedernido:
Ah!
Podem eles dar-me a água, o pão, a terra
que
não os amo mais.
O
nosso nome é homens e mulheres.
Mas
eles são poetas.
4/27/2006
BALADA
DE AGORA (22/9/66)
Olha,
não sou aquela
dos risos claros
que ouvias;
sou sóbria e triste e
meu riso espouca
na dúvida.
Fiz minha imagem
buscar os olhos
que tinhas;
e a sombra vaga
molhou teus sonhos
em dúvida;
e tento ainda
salvar o mito
que vias
mas nada posso
e faço tudo
de dúvida.
Dearest
This nineteen sixty six reborn
goes to your after nap.¾ Neusa
Tânia, 5/7/2006
Mansidão
Nem
sonhos nem mágoas.
Apenas,
curvas serenas
no
espelho das águas.
Noite
de inverno
Sombra
dolorida /acena: estende-se na / terra envelhecida.
Ao
decolar
Sorriso
que esboço / (pois o chão foge); depois, / o céu será nosso.
Looping
Como
um turbilhão / vem, extático, o
instante em / que o céu vira chão.
Neusa Tânia, 06/12/2006 – haikus from the sixties, she says.
Serenata
Suave, a noite encanta: / na alfombra feita de sombra,
/ um homem
que canta.
And this? I didn't mark them, but they
are so few and so small...
Diamante
Fulgores internos. / Flamas, infinitas chamas / de fogos eternos.
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