imensa flor &+ - Antigas séries de william lagos
IMENSA FLOR
Formosa flor a flor que me
confronta,
orquídea rósea, fresca,
perfumada,
antúrio multicor, flor delicada,
luz que seduz em verdadeira
conta.
O meu encanto ao vê-la sempre
monta,
de pétalas fragrantes, cor de
fada,
sem sépalas talvez, mas
encantada:
a Natureza inteira em doce
afronta.
Como é gentil tal flor, que
apenas vejo,
sem que a possa colher,
inesperada,
enquanto o vento agita o
coração,
essa visão da flor escancarada
ao toque apenas, talvez único
beijo,
exposto ao sol, idêntico
botão...
SIMULACROS I
Não vivemos isolados neste
mundo;
nossas ações sempre trazem
conseqüências:
modificamos os palcos, as
seqüências
e até afetamos o caráter mais
profundo
daqueles que nos cercam,
dependendo
da intensidade com que os
confrontamos
ou do perjúrio com que os
influenciamos
a reagir perante nós, podendo
deste modo influenciar até o
cenário
em que estamos inseridos;
avatares
somos nós todos, feitos
similares
a todas as ações que executamos;
e assim vemos nos rostos o
fadário
do passado virtual que
vivenciamos.
SIMULACROS II
Quer na vida real, quer na
virtual,
todos somos simulacros, sem
motivo:
avatares os 'bots, nunca o vivo
ser material em seu sofrer real;
neste viver apenas contextual,
desfeito em pixels, como um ser
votivo,
cortado em bits, apenas redivivo
sobre uma tela sem pendor
carnal;
portanto, evita a tua fotografia
espalhar pelos ares, pela rede,
no elástico esticar de um
telefone;
ou mais ainda, na antena que
esfuzia
e via satélite a espalha e ao
mundo cede,
na irrealidade de um implante em
silicone!
SIMULACROS III
Saio em busca dos fantasmas,
simulacros do passado:
são sessenta, lado a lado,
mais os cinco em que me pasmas.
Nessa tua ausência, me espasmas,
testemunha do pecado,
só na intenção alcançado,
no assombro que não me orgasmas.
Nessa tua ausência te esperam
sessenta e cinco fantasmas,
no plasma dos embaraços...
Teus próprios fantasmas geram,
na multidão das missivas,
sem encontrar teus abraços...
MOLDADURAS I
Até que ponto podes ter certeza
de que todo esse passado que
recordas
realmente ocorreu? Ou, se concordas,
com uma fímbria de ti, uma
esperteza
que se passa por real e cuja
empresa
é a de substituir outro passado
que não te agrada? Um tempo descuidado
em que essa mônada não estava
acesa,
mas embaçada, desvão de uma
memória,
apenas advertida, a qual
queremos
que saia à luz, para a outra
dominar?
Assim se passa toda a nossa
história:
lembramos muito mais o que perdemos,
que nosso eu verdadeiro e
singular.
MOLDADURAS II
De tanto repetirmos tal mentira,
até para nós mesmos se reveste
de foros de verdade; e dentro
deste
cenário enganador que nos revira
passamos a viver caracteres
diversos dos antigos que já fomos:
convencemos a nós próprios; e
nos pomos
como um exemplo real, estranhos
seres
que impomos lentamente aos
circunstantes,
depois de superpostos a nós
mesmos:
somos assim, porque assim
modificamos
o que fomos um dia; e delirantes
fantasmas nos tornamos,
ensimesmos,
com que o mundo e nossa mente
dominamos.
MOLDADURAS III
Eu buscarei apenas, neste
instante,
desencadear meus novos avatares,
se algum de fato corresponde a
esgares
da personalidade de outro
avante.
Eu nem mais sei qual a mônada
constante
ou qual portal me trouxe a estes
buscares.
Não foi a sorte apenas, mas
estares,
que transformaram momento
enregelante,
em que deixei atrás meu velho
plano.
Foi minha alma que em novo corpo
entrou
ou outra alma que de mim se
apoderou?
Serei ainda, ao fim de tudo,
insano?
Este mundo de outrem conquistei
ou tudo isso é ilusão e só
sonhei?
INVÓLUCROS
Eu olho em torno a chama dos
amores
que não são meus e sei de sua
leveza;
não têm sequer raízes, com
certeza:
amores simples, saibro de
estertores.
Amores satisfeitos em sexores,
nada mais que o apelar da
natureza:
novas centelhas da mesma vela
acesa,
peles vazias buscando novas
cores.
E eu sou escriba, estou
emaranhado
nesses conluios, que passo a
ponderar
e que depois registro,
peregrino.
É quando mais inútil sinto o
fado
dos momentos que fico a
registrar
do amor vulgar da gente sem
destino.
PSEUDÓPODOS
Como pétalas recaem no meu rosto
os beijos do silêncio, toques
leves
de aurora descarnada, beijos breves
sobre meus olhos e pômulos têm
posto.
Etérea a musa, seus ossos em
desgosto
tornados pó, ardentes como as
neves,
sintetizaram as cores que não
deves
imaginar sem que à loucura
exposto
te apresentes. São névoas que se
infletem
em verde e negro de veleiros
lépidos:
sussurram de minha boca o verso
posto.
São cantos babuínos, quase
fétidos,
sentenças que se esparzem e
derretem,
cacos de sonhos a escorrer do
rosto...
HONESTIDADE I
Às vezes, os alheios sentimentos
malferir não queremos e
escondemos
os nossos próprios, nem sequer
queremos
expor honestamente os
pensamentos
que nos vão pelo cérebro, os
momentos
em que um conselho seria, pelo
menos
mais indicado para afastar
venenos
da insídia de terceiros, dos
eventos
que podem afetá-los; bem maior
é a dor que sofrem, passados
alguns dias,
do que o conselho simples que
pensamos,
mas não lhes demos, fugindo a
tal rigor
dessa confrontação, com
covardias
ferindo muito mais a quem
amamos.
HONESTIDADE II
Melhor então é retirar a pedra
do caminho e falar sem mais
rodeios:
talvez com tato, talvez por
outros meios,
mas arrancar esse engano que já
medra
no coração do amigo e dizer
claro,
enquanto tal problema só começa,
o jeito de evitá-lo, se depressa
não se tomar consciência desse
amaro
desdouro que se encontra à sua
espera;
por isso, a honestidade é
necessária,
mesmo que traga estranha
consequência,
pois sem advertir, maior é a
esfera
que só se ampliará e a
multifária
mágoa maior em toda a sua potência.
SIMULACROS IV
Eu me lanço pela rede,
espatifado:
cacos de mim flutuam na
alvorada,
outros se perdem pela madrugada,
sou apenas estruturas, digitado
em pixels e bytes, desventrado,
nem sequer uma película
prateada.
Quem me reconstituirá noutra jornada,
ou ficarei para sempre
desfocado?
Porém sou luz a nível
eletrônico:
são fractais de mim mesmo que te
envio,
apenas quanta pálidos de gelo.
Talvez me possa refazer biônico:
fantasma feito de meu próprio
cio,
intangível e ausente de
desvelo...
SIMULACROS V
É por isso que hoje envio para
ti
retalhos de mim mesmo em vã
poesia:
frangalhos que deixei na
penedia,
remisso dom de tudo o que senti,
pois cada verso que te remeti
foi parte de meu ser em
salmodia:
destarte em ti lancei a minha
folia,
na escada sem degraus que
percorri,
incapaz de tocar-te dentro ao
peito,
apenas sons vazios, quais
filigranas:
manchas d'água só visíveis
contra a luz,
sem que tivesse, afinal,
qualquer direito,
porque no amor a mim jamais te
irmanas
e em teu sorriso o carinho se
reduz...
FUNGOS
Depois, que adianta? Nem mais tenho ocasião
de rever essa pilha de rascunhos
em que registro de minha vida os
cunhos
e há quatro meses cresce sem
vazão. (+)
Quando retorno ao verso antigo,
num serão,
nem mais recordo o dia em que
meus punhos
garatujaram as frases nos
abrunhos
que me arranharam dor no
coração.
São penas tão antigas,
repassadas,
ultrapassadas, vazias,
esquecidas,
que nem sequer me acordam
emoção.
Poemas magros, pobres,
ressequidos,
juntando polvadeira, amarelados,
como fibras mofadas de ilusão.
(+) Escrito pela metade de março
de 2007. De lá para cá, os quatro meses
viraram 24. Bill.
Recanto das Letras > Autores >
William Lagos
Nenhum comentário:
Postar um comentário