QUATRO FÁBULAS DE LA FONTAINE:
versão poética de william lagos
O CÃO GULOSO I -- 5 out 2017
Era uma vez um cão muito ambicioso
que sua comida jamais queria repartir
e até a enterrava, para não a dividir
com qualquer outro cão mais pretensioso.
Ele julgava cada osso um fabuloso
tesouro, que roía até dormir,
patas em cima, para nunca permitir
que o roubasse rival mais ardoroso!
É claro que gostava do tutano
e preferia que carne ainda tivesse...
Se outro cão encontrasse, ele rosnava
como um resmungo de feroz tirano,
até que o outro do desejo se esquecesse
e assim comendo sozinho ele ficava!
O CÃO GULOSO II
Mas certo dia, passando sobre ponte,
com belo osso preso nos seus dentes,
latindo sempre, para espantar valentes,
viu outro cão parado nessa fonte!...
Grande e mau como ele, num reponte,
rosnando alto! E nos seus
beiços quentes
mantinha um osso de tamanhos surpreendentes,
petisco grande que sua gula mais remonte!...
E começou suas presas a mostrar,
mas lá embaixo já o outro fez igual...
Quer o meu
osso, mas não me vai tirar!
Quem sabe o
dele eu possa então ganhar?
Com a boca cheia, ladrava mal e mal:
também o outro se estava a arreganhar!
O CÃO GULOSO III
E tanto o cusco assim se enfureceu
que acabou em ladridos, ferozmente;
abriu o focinho e o osso, infelizmente,
em queda livre, para o rio desceu!
E o outro cão
já não tinha mais o seu!
Os dois acuavam de forma impertinente,
nenhum dos ossos percebendo visualmente,
pois sob as ondas o osso se perdeu!
E com um pulo, nas águas se lançou,
mas a iguaria já descera na corrente
e não se via mais sequer o outro cão!
Desapontado, enfim raciocinou:
Mas era eu
mesmo, não outro diferente!
Perdi um
osso, mas aprendi uma lição!
A GALINHA E A ESPIGA I -- 6 OUT 2017
Certa galinha espiga inteira achou
e como era bastante empreendedora,
pensou: Vou plantar meu
milho agora!
E bem depressa seus amigos convidou.
Com o galo, o pato e o ganso ela falou:
"Quem me ajuda a roçar por uma hora?"
Todos disseram precisarem de ir embora
e então a pobre galinha se esforçou
e deixando a espiga escondidinha,
foi debicando toda e qualquer erva daninha,
até arranjar um terreno de plantio...
Mas a terra estava dura e ela pediu:
"Quem me ajuda a escavar esta terrinha
até estar pronta para plantar a hortinha...?"
A GALINHA E A ESPIGA II
Mas foi o galo tão só cacarejar,
o pato espadanando na lagoa,
o ganso só ciscando numa boa:
"Temos mais coisas com que nos ocupar!"
Assim a galinha precisou bicar
a terra inteira debaixo da garoa,
os seus amigos só passeando à toa:
pobre galinha, de trabalho a se matar!
Depois pediu: "Quem vem agora me ajudar
a plantar cada grão em sua covinha?"
"Por que não come logo a espiga, sua tolinha?"
Ela sabia o que queria... e o solo foi cavar,
abrindo as covas com assiduidade,
três grãos soltando com regularidade!
A GALINHA E A ESPIGA III
Depois, ela pediu: "Vamos limpar,
para o milho poder crescer bem alto e forte!"
Mas de novo não teve melhor sorte:
nenhum amigo decidiu-se a lhe ajudar...
E quando veio a hora de apanhar,
dando um saco de milho de bom porte,
nenhum de novo veio ajudar no corte:
teve sozinha de tudo carregar!...
Transportou tudo para a sua cozinha,
colocando o milho novo na panela,
bem trancadinha lá no fundo de sua toca!
Sentindo o cheiro, veio a turma depressinha,
mas ela disse: "Fiz sozinha a obra bela,
e hoje sozinha vou comer a minha pipoca!"
A GALINHA DOS OVOS DE OURO I -- 7 OUT 17
Um certo dia, ao chegar ao galinheiro,
um lavrador percebeu estranho brilho...
Será que
pingou chuva em grão de milho?
Logo ficou muito espantado esse granjeiro!
Pois era um ovo de ouro no poleiro!
Montou a cavalo, da vereda tomou o trilho,
recomendando muito firme para o filho:
"Guarde bem essas galinhas no terreiro!"
E na cidade, logo vendeu o ovo de ouro,
comprando uma porção de mantimentos,
contando tê-lo achado na floresta!...
Já no outro dia, encontrou novo tesouro:
comprou um cavalo, roupas, implementos,
juntou a família e fizeram uma festa!
A GALINHA DOS OVOS DE OURO II
E assim foi, durante uma semana,
até que veio a guarda e confiscou
a maior parte dos ovos que ele achou:
"A prefeitura da floresta é a soberana!"
"Vamos ter de nos mudar com breve gana!"
falou para a mulher: "A guarda nos roubou
quase tudo que no poleiro se encontrou!
Se não entrego, me botariam em cana!..."
Disse a mulher: "Pois olhe dentro da galinha,
que ela deve ter no papo muito ouro!
Em algum lugar pelo mato andou ciscando!"
Não descobriram o local de onde ela vinha,
nem a origem de um tão vasto tesouro,
por mais que o ponto andassem procurando!
A GALINHA DOS OVOS DE OURO III
E vendo mesmo que deveriam se mudar,
o camponês conversou com sua mulher,
decidindo não esperar mais dia sequer,
mas a pobre galinácea esquartejar!...
E depois de a avezinha degolar,
procuraram no seu papo, mas sem ver
e nas suas tripas foram remexer,
sem sequer uma pepita ali encontrar!
Voltou a guarda e os artigos que comprara
levou consigo, dizendo ser o imposto
e o casal ficou assim sem a galinha
e sem as coisas que antes alcançara,
no desaponto do maior desgosto,
perdido assim até o pouco que antes tinha!
A PELE DO URSO I -- 8 OUT 17
Um caçador, durante a primavera,
notou os rastros de um urso na floresta.
Disse à mulher: "Vamos fazer a festa!
Muito dinheiro se encontra à nossa espera!"
"Eu vou caçar depressa aquela fera
e a carne nós salgamos dessa besta
e a pele inteiramente que então resta
vamos curtir, que grande preço gera!"
Disse a mulher: "Vai-nos dar muito dinheiro?"
"Ora, se vai! Podem
fazer um bom casaco
ou, quem sabe, um grosso cobertor!"
"E assim compramos boas coisas bem ligeiro!"
"Os meus sapatos já estão num caco!"
"E os meus também! Já nem me dão calor!"
A PELE DO URSO II
"Só que não posso matar o urso a tiro,
que vai fazer feio buraco no pelame
e nem a flecha ou lança que o inflame,
enquanto o cabo com cuidado eu giro!"
"Tenho cuidado a cada vez que miro,
mas se furar já nos acaba com o reclame;
vai ser difícil consertar, caso se dane!
Com a adaga é complicado, mas me viro!"
"Querido, não vai ser muito perigoso?"
"Não vou negar. Para
evitar esse perigo
uma armadilha vou tentar -- mais vagaroso,
"vai dar trabalho, mas não sou um preguiçoso!"
E assim abriu uma cova funda e fez abrigo:
pensava ao urso dar destino tenebroso!...
A PELE DO URSO III
Então ficou a esperar pelo animal
e quando o urso, enfim, apareceu,
viu a armadilha, recuou e se escondeu...
E o caçador, em decisão fatal,
tentou matá-lo com a adaga no final
e do buraco à sua frente se esqueceu!
Pisou em falso e na cova se perdeu,
pedindo ao urso: "Não me faça mal!"
Mas riu-se o bicho: "Ora, eu não como gente
e o seu casaco não tem nada de belo!...
Naturalmente, posso rasgá-lo em postas..."
"Mas que lhe sirva de lição, seu imprudente!
Nunca fará outro casaco com meu pelo,
enquanto ainda o tiver sobre minhas costas!"
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