ARANDELAS I (9/2/2009)
(Revisado 26/4/2022)
Meus versos são um ramo de salgueiro,
forjado em prata e sangue de emoções,
em luz cristalizadas; minhas canções
trazem sabor de lima e pessegueiro.
Pelos meus dedos a lavanda flui,
em poemas de anil, no quaradouro:
a luz do sol arrebata meu tesouro,
mas ao som da madrugada, ele reflui.
À luz da aurora é um pássaro canoro,
que prefere empoleirar-se em ataúde:
a chama esfria e o gorjear empalidece.
Ficam metáforas a gotejar no bebedouro
e a cadência dos amores não me ilude
quando me acordo e a luz mais me entristece.
ARANDELAS II
Estiro a alma, como estiro a vida,
a cada vez que recebo a inspiração:
de suas narinas coletei respiração,
que acumulei e em meus lábios dei guarida,
como forja de amores, repetida,
uma vez mais, em total desolação,
que os dois sabemos jamais satisfação
encontrará na expiração perdida.
Estiro a alma, que se esfaz ao vento
como um elástico e me aproximo dela:
tem os olhos castanhos minha donzela,
por mais azul que lhe seja o sentimento.
E assim, mantenho aberta minha janela
para acolher no meu seu pensamento.
ARANDELAS III
Existe um gato no fundo do retrato,
branco no corpo e, na cabeça, preto,
gato de rua, acostumado a treta,
mesmo não sendo retrato desse gato,
que só entrou na foto, de gaiato:
vivia aqui metido, atrás de teta,
e minha paciência bem depressa injeta
a presença desse gato, triste fato...
É até possível que tenha já morrido:
a foto tem dois anos; neste agora
o gato maula não tem mais aparecido...
Depois que me cansei, se foi embora,
quem sabe já encontrou onde é querido,
e se disponham a jogar comida
fora...
ARANDELAS IV
As arandelas eram postas nas parreiras
enquanto as cepas eram bem fininhas;
tinham um bojo no meio e duas abinhas,
para atacar as formigas cortadeiras
ou outros predadores das videiras:
punha-se água e as formigas,
pobrezinhas!
Não se animavam a cruzar essas tirinhas,
pois em tal líquido se afogariam,
certeiras.
Não tenho mais parreiras no quintal,
nesta casa só medra a romãzeira,
junto às dezenas de flores e de arbustos,
predileção de minha dona, que, afinal,
é a senhora do lar e a jardineira
e ainda me rega os sonhos mais
vetustos...
ARANDELAS V – 27/4/2022
Segundo lembro, os troncos engrossavam
e as arandelas, no final, partiam;
a essa altura, porém, já reluziam
os grossos cachos de uvas que nos
davam.
Era somente enquanto não medravam
que as arandelas aos troncos protegiam;
eram frágeis então e assim sofriam
quando as gavinhas cedo lhes podavam.
Não sei se ainda se empregam arandelas,
pois atenção constante requeriam,
sendo a água renovada a cada dia,
antes que os inseticidas, em procelas,
facilmente aos formigueiros destruíam,
sempre que alguém outro carreiro
percebia.
ARANDELAS VI
Existe hoje em dia um movimento
contrário aos agrotóxicos, no total,
defendendo a plantação mais natural
das hortaliças que serão nosso alimento.
Desse modo, quiçá um novo julgamento,
mais uma vez as arandelas, afinal,
faça empregar no combate perenal
dessas formigas em numeroso regimento.
De fato, em uma vitrina de ferragem
vi expostos artefatos de alumínio,
bem parecidos com as antigas arandelas;
ou então de zinco, para idêntica visagem,
sem recorrer diretamente ao assassínio
desses insetos ou de pragas mais
singelas...
ARANDELAS VII
Só imagino o trabalho que teria
o viticultor de vastíssimos vinhedos,
caso lhe fossem proibidos os segredos
de agrotóxicos para as uvas de sua
cria...
Dizem que há cepas resistentes, em
magia,
que se conservam com seus brotos ledos,
que de algum modo portentoso de
bruxedos
possam formigas espantar com garantia!
Talvez se empreguem hoje mais
transgênicos
que possuam, em seus códigos genéticos,
para as pragas naturais a repulsão,
bem melhores que os enxofres e
arsênicos,
empregados com efeitos mais mefíticos
sobre operários a cuidar da plantação.
ARANDELAS VIII
Mas também nós arandelas empregamos
para a defesa de nossos descendentes
ou para a cura da desdita dos doentes
e são esses artifícios que hoje usamos
e assim protegem aqueles a que amamos,
antibióticos e antivirais potentes,
ou antifúngicos, que impedem as
frequentes
infestações de parasitas nos humanos.
Em nossas casas temos água corrente,
não é preciso ir buscar em poço ou lago
e a luz elétrica nos conserva os
alimentos.
São arandelas ao redor da gente,
da civilização o grande afago
e da ciência os efeitos quais portentos.
ARANDELAS IX – 28/4/2022
Sempre que escuto sobre a vida natural,
em oposição à vida nas cidades,
fico a pensar em tais bestialidades,
de quem não sabe história no total!...
Toda essa gente que ainda vive em
matagal,
sofrendo efeitos de mais mortalidades,
são trinta e poucos anos suas idades
e logo morrem de maneira igual
que os animais a vaguear na natureza:
muito mais duram esses dos zoológicos,
que hoje proíbem nos circos mais
famosos,
que os preservavam com muito mais
certeza
do que os soltos no mato. São ilógicos
os que pretendem ser com eles
generosos!
ARANDELAS X
São arandelas assim nossas cidades,
nossa ciência e até a literatura,
a religião, ao conservar-se pura,
a ciência com suas múltiplas verdades
e a tecnologia sem opacidades,
efeitos diretos da teoria obscura
e até nossos esgotos, que à lonjura
lançam as fezes das humanidades,
porque estamos rodeados de inimigos
e não somente parasitas biológicos,
que o próprio ar que respiramos mata.
As arandelas nos protegem dos perigos
espirituais dos profetas mais ilógicos,
a instrução transformando em casamata.
ARANDELAS XI
Alguns só agem por superficialidade;
a maioria, porém, por ambições,
na intenção de controlar as multidões
com lemas vazios mas de simplicidade;
do mesmo modo que inventadas religiões,
são os políticos em aleivosidade,
com palavras de ordem, sem verdade,
com que buscam manejar as emoções.
De certo modo, me recordam desse gato
empoleirado nas paredes do quintal,
sempre na espreita por nossa distração,
para entrar mansamente, bem pacato,
como quem nada quer de material,
para roubar de nossos gatos a ração!
ARANDELAS XII
Lobos profetas em aventais de ovelha,
cuja boca nos idealiza um novo céu,
mas cuja língua, num garboso véu
percorre a terra e à de um lobo se
assemelha,
que em cada canto do social assim se
espelha,
aos incautos lançando o seu arpéu,
engazopando facilmente ao povaréu
e aos jovens distribuindo um falso mel de
abelha,
com seus lemas em demagogia de ocasião,
agitando até em igreja ou futebol,
suas palavras seduções simples e belas,
mas que somente vem-nos trazer corrupção,
pura luz negra a projetar de seu farol,
enquanto racham nossas velhas
arandelas...
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