domingo, 8 de maio de 2022


 

 

DANÇA DAS CORES I – 2 MAIO 22

 

Vieram as cores para mim cantando,

sobre meu peitoril pousa a garança,

que era esquecida, mas que hoje já se cansa

de tantas vezes que a vêm lembrando.

Qual cogumelo a rebrotar num bando,

foi a garança mesclada de esperança,

verde e laranja em toda a sua pujança,

em dez pequenas gotas transformando.

 

Há muito desprezaram as primárias

e até mesmo as cores secundárias,

o arco-íris já avistei reformatado,

mas a garança se assentou no peitoril

e me acordou com seus pipilos mil,

qual toutinegra de romance recordado.

 

DANÇA DAS CORES II

 

O azul feito ciano hoje é nuvem de cobalto

e até mesmo se espalhou em minha camisa;

com tal mudança, já nem sei aonde pisa

meu pobre pé irrequieto de ressalto;

usava calças negras de basalto,

mas agora um certo azul sua fibra alisa:

lápis-lazuli ou blau ali se gisa,

bem diverso do anil que está no alto.

 

Há alguns meses eu sofri operação

em meus dois olhos, contra a miopia,

companheira fiel de minha existência

e sinto um toque de azul em permeação

de cada laivo de cor que me assistia,

até o incolor já revelando essa potência.

 

DANÇA DAS CORES III

 

Mas hoje as cores não mais se limitaram

a me pingar no olhar a sua vaidade,

também escuto a sua vivacidade,

em minhas cocléias as cores penetraram;

o meu quiasma as nuances reforçaram,

também as cheiro com certa liberdade,

sinto no tato a sua imensa variedade,

tais sons azuis meu paladar tocaram.

 

Fico enleado em tal caleidoscópio,

as cores valsam quais tésseras pequenas

e em movimento, tornam-se mais plenas;

sinto-as no cérebro qual como em periscópio

e minhas meninges veem tonalidades,

em que me assomam alegrias ou saudades. 

 

DANÇA DOS ESPANTOS I – 3 MAIO 2022

 

Busco na vida achar algo de catártico,

a enfrentar diuturnamente as emoções,

que se atropelam em seus grossos batalhões

e me recobrem com seu frior antártico;

as longitudes se revelam desde o ártico

e as latitudes em formato de canções,

versos esparsos a enxamear-me em multidões,

são como abelhas nesse zumbir quártico.

 

E sendo insetos de asas altaneiras,

não se dão ao trabalho de buscar

razões gramáticas para o seu cantar,

porém me espantam ao manobrar, brejeiras,

os élitros rebrilhando à luz do sol,

as capas de quitina iguais a um parassol.

 

DANÇA DOS ESPANTOS II

 

Ou é a vida, ao contrário, que me busca,

como fonte de catarse iluminada,

a cada instante a fazer-se jubilada,

nessa batalha de ardores que me ofusca;

com verdes emoções ela me embosca,

com emoções garança entrelaçada,

toda a vida justaposta e entreliçada,

como o saibro da terra envolto em tosca.

 

E se me ponho a picareta a manejar,

querendo me adonar de seu vigor,

já de nenhuma emoção encontro o nó;

crescem raízes no peito a vicejar,

não só a catarse de todo o desamor,

mas o rancor de nunca ficar só.

 

DANÇA DOS ESPANTOS III

 

E fico assim em catarses constelado:

buscavam Gregos, em centenas de tragédias,

como associar-se além de suas comédias,

numa implosão de ardor santificado;

mas não me sinto só ali identificado,

não é o clímax que chega até minhas sédias,

porque me alço em mil tragicomédias,

sou pelo tédio e o temor manipulado.

 

Descompassado meu poema aqui está,

mas qual compasso acompanhará o teu?

Qual a catarse que a ti mesma expande?

Qual simpatia de amor te alcançará,

quando teu verso já nos ares se perdeu,

nessa explosão que a catarse fez tão grande?

 

DANÇA DAS COMPANHIAS I – 4 MAIO 2022

 

Amor nunca vem só.  É acompanhado

por entusiasmo ou desapontamento,

por momentos de vitória ou desalento,

amor que brada ou amor sempre calado.

Amor é feito das escolhas do passado,

em um novelo de total deslumbramento,

que num instante de inepto portento

explode pleno em teu corpo dominado.

 

Amor é o Ouroboros giratório,

que não teve começo e não tem fim:

não foi em ti que se iniciou assim,

não se limita à expressão de um oratório,

amor nos cria, mas a seguir devora

e nos surpreende quando chega a hora.

 

DANÇA DAS COMPANHIAS II

 

Amor é o cumprimento do passado,

que em tua vida limitou seu comprimento,

caso não saia de ti qualquer rebento:

só em ti floresce, se envigora e é abandonado;

pois vive em ti enquanto for acalentado,

mas não te surge pelo sonho de um momento,

porém conquista para o teu padecimento,

quando te enche desse instante alcandorado.

 

Amor que fica, jamais sendo esquecido,

mesmo se em nada foi correspondido

e se reflete em quaisquer farpas de amor,

porque esse eros de teus pais já foi herdado,

nas gerações há milênios tem crescido,

e noutras mil brotará com seu vigor.

 

DANÇA DAS COMPANHIAS III

 

Mas traz consigo uma coorte de emoções,

a digladiar-se entre si por seu efeito,

amor tua alma dobra e tem sujeito,

a dominar-te quaisquer outras sensações

e se da vida aguardas por dominações,

por mais que busques nela alheio preito,

ele a recobre qual manto no teu leito,

com suas revoltas e suas revelações.

 

Amor nunca vem só.  E a nostalgia,

mesmo se foi em total correspondido,

ainda se alberga no instante da explosão,

nessa saudade de inesperada companhia

daquele espanto que jamais foi repetido,

que ainda se encontra de tua alma num desvão.

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