DANÇA
DAS CORES I – 2 MAIO 22
Vieram
as cores para mim cantando,
sobre
meu peitoril pousa a garança,
que
era esquecida, mas que hoje já se cansa
de
tantas vezes que a vêm lembrando.
Qual
cogumelo a rebrotar num bando,
foi
a garança mesclada de esperança,
verde
e laranja em toda a sua pujança,
em
dez pequenas gotas transformando.
Há
muito desprezaram as primárias
e
até mesmo as cores secundárias,
o
arco-íris já avistei reformatado,
mas
a garança se assentou no peitoril
e
me acordou com seus pipilos mil,
qual
toutinegra de romance recordado.
DANÇA
DAS CORES II
O
azul feito ciano hoje é nuvem de cobalto
e
até mesmo se espalhou em minha camisa;
com
tal mudança, já nem sei aonde pisa
meu
pobre pé irrequieto de ressalto;
usava
calças negras de basalto,
mas
agora um certo azul sua fibra alisa:
lápis-lazuli
ou blau ali se gisa,
bem
diverso do anil que está no alto.
Há
alguns meses eu sofri operação
em
meus dois olhos, contra a miopia,
companheira
fiel de minha existência
e
sinto um toque de azul em permeação
de
cada laivo de cor que me assistia,
até
o incolor já revelando essa potência.
DANÇA
DAS CORES III
Mas
hoje as cores não mais se limitaram
a
me pingar no olhar a sua vaidade,
também
escuto a sua vivacidade,
em
minhas cocléias as cores penetraram;
o
meu quiasma as nuances reforçaram,
também
as cheiro com certa liberdade,
sinto
no tato a sua imensa variedade,
tais
sons azuis meu paladar tocaram.
Fico
enleado em tal caleidoscópio,
as
cores valsam quais tésseras pequenas
e
em movimento, tornam-se mais plenas;
sinto-as
no cérebro qual como em periscópio
e
minhas meninges veem tonalidades,
em
que me assomam alegrias ou saudades.
DANÇA
DOS ESPANTOS I – 3 MAIO 2022
Busco
na vida achar algo de catártico,
a
enfrentar diuturnamente as emoções,
que
se atropelam em seus grossos batalhões
e
me recobrem com seu frior antártico;
as
longitudes se revelam desde o ártico
e
as latitudes em formato de canções,
versos
esparsos a enxamear-me em multidões,
são
como abelhas nesse zumbir quártico.
E
sendo insetos de asas altaneiras,
não
se dão ao trabalho de buscar
razões
gramáticas para o seu cantar,
porém
me espantam ao manobrar, brejeiras,
os
élitros rebrilhando à luz do sol,
as
capas de quitina iguais a um parassol.
DANÇA
DOS ESPANTOS II
Ou
é a vida, ao contrário, que me busca,
como
fonte de catarse iluminada,
a
cada instante a fazer-se jubilada,
nessa
batalha de ardores que me ofusca;
com
verdes emoções ela me embosca,
com
emoções garança entrelaçada,
toda
a vida justaposta e entreliçada,
como
o saibro da terra envolto em tosca.
E
se me ponho a picareta a manejar,
querendo
me adonar de seu vigor,
já
de nenhuma emoção encontro o nó;
crescem
raízes no peito a vicejar,
não
só a catarse de todo o desamor,
mas
o rancor de nunca ficar só.
DANÇA
DOS ESPANTOS III
E
fico assim em catarses constelado:
buscavam
Gregos, em centenas de tragédias,
como
associar-se além de suas comédias,
numa
implosão de ardor santificado;
mas
não me sinto só ali identificado,
não
é o clímax que chega até minhas sédias,
porque
me alço em mil tragicomédias,
sou
pelo tédio e o temor manipulado.
Descompassado
meu poema aqui está,
mas
qual compasso acompanhará o teu?
Qual
a catarse que a ti mesma expande?
Qual
simpatia de amor te alcançará,
quando
teu verso já nos ares se perdeu,
nessa
explosão que a catarse fez tão grande?
DANÇA
DAS COMPANHIAS I – 4 MAIO 2022
Amor
nunca vem só. É acompanhado
por
entusiasmo ou desapontamento,
por
momentos de vitória ou desalento,
amor
que brada ou amor sempre calado.
Amor
é feito das escolhas do passado,
em
um novelo de total deslumbramento,
que
num instante de inepto portento
explode
pleno em teu corpo dominado.
Amor
é o Ouroboros giratório,
que
não teve começo e não tem fim:
não
foi em ti que se iniciou assim,
não
se limita à expressão de um oratório,
amor
nos cria, mas a seguir devora
e
nos surpreende quando chega a hora.
DANÇA
DAS COMPANHIAS II
Amor
é o cumprimento do passado,
que
em tua vida limitou seu comprimento,
caso
não saia de ti qualquer rebento:
só
em ti floresce, se envigora e é abandonado;
pois
vive em ti enquanto for acalentado,
mas
não te surge pelo sonho de um momento,
porém
conquista para o teu padecimento,
quando
te enche desse instante alcandorado.
Amor
que fica, jamais sendo esquecido,
mesmo
se em nada foi correspondido
e
se reflete em quaisquer farpas de amor,
porque
esse eros de teus pais já foi herdado,
nas
gerações há milênios tem crescido,
e
noutras mil brotará com seu vigor.
DANÇA
DAS COMPANHIAS III
Mas
traz consigo uma coorte de emoções,
a
digladiar-se entre si por seu efeito,
amor
tua alma dobra e tem sujeito,
a
dominar-te quaisquer outras sensações
e
se da vida aguardas por dominações,
por
mais que busques nela alheio preito,
ele
a recobre qual manto no teu leito,
com
suas revoltas e suas revelações.
Amor
nunca vem só. E a nostalgia,
mesmo
se foi em total correspondido,
ainda
se alberga no instante da explosão,
nessa
saudade de inesperada companhia
daquele
espanto que jamais foi repetido,
que
ainda se encontra de tua alma num desvão.
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