BICO, BICO, SURUBICO I – 8 MAI 22
Passou o moda do bico da chaleira,
é bem verdade que caía com frequência,
por jato quente a ser forçada essa potência
da água fervente de que era hospitaleira.
Só imagino se, durante a vez primeira,
James Watt a contemplasse com paciência,
sem da tampa se erguer tendo a experiência,
qual a força que nos seria sobranceira...
pois que seria de nós sem o vapor
que deu início à Revolução Industrial,
seria hidráulica ou mecânica essa atuação,
como os Gregos e Romanos, com vigor
movimentavam até autômatos no final,
potente a força de sua civilização!...
BICO, BICO, SURUBICO II
Os Romanos, mesmo com certa violência
exterminando uns aos outros nessas guerras
civís com que abrangiam tantas terras,
construíam para durar em sua potência.
Seus aquedutos, erigidos com paciência,
num desnível de quilômetros de encerras,
de um metro ou menos, a descer das serras,
o fluxo da água constante em descendência.
E pela força hidráulica, eram capazes
de realizar os feitos mais incríveis,
mesmo alguns que não sabemos repetir;
ou em sua mecânica sempre audazes,
máquinas de cerco que pareciam impossíveis,
imensas rampas para cidades invadir!
BICO, BICO, SURUBICO III
Também os Gregos tinham seus segredos,
como uma espécie de napalm primitivo,
de sua composição registro esquivo,
que projetavam tais como penedos.
A provocar os mais tremendos medos,
os campos incendiados nesse crivo
e a própria água recoberta desse ativo
princípio, infelizes a queimar nesses enredos.
Ou Arquimedes manobrando seus espelhos,
a luz do Sol empregando com que incinerava
naus inimigas, quando mais perto as divisava...
tantos mistérios desses povos velhos,
sem que o vapor sequer utilizassem,
muito embor certamente água esquentassem...
BICO, BICO, SURUBICO IV
Assim devemos ao bico da chaleira
da Revolução Industrial a
inspiração,
a água fervente pela queima do carvão,
engrenagens a mover desta maneira.
Já não se emprega o vapor sobremaneira,
a eletricidade ocupou sua posição,
mesmo queimando-se nas usinas o carvão,
há o empuxo do vento e a solar esteira.
E a chaleira atual mal assobia
mas quando ferve, sua água se derrama
e a cor transmuda do fogo numa chama,
mas se não fosse o seu bico, quem diria
que o esperto inglês pensasse no vapor,
como fonte para a vida e seu calor?...
PALAVRAS
IMPRECISAS I – 9 MAIO 22
Do
deserto das palavras mais além,
onde
floresça indescritível emoção,
sinto
o calor a luzir no coração,
sem
que o consiga descrever, porém.
A
emoção do amor que sente alguém
não é
a mesma em alheia formação,
cada
qual enche de ar o seu pulmão,
ninguém
respira igual que outro ninguém.
Algum
de nós pretende até saber
o que
sentem os demais na intimidade,
mesmo igual
sempre diversa a humanidade,
mas as
palavras ajudam no viver
e
assim se afirma conhecer saudade
que em
qualquer outro se possa perceber.
PALAVRAS
IMPRECISAS II
Pois
todos temos os mesmos sentimentos
e ao
mesmo tempo somos todos diferentes,
de uma
descrição real são impotentes
quaisquer
termos que mascarem seus portentos.
Nossas
palavras são mais impedimentos
no
descrever das emoções subjacentes;
não
são as mesmas que percorrem outras mentes,
cada
um de nós tem seus próprios julgamentos.
Como
posso descrever com real fidelidade
aquilo
que sentes com palavras minhas?
Teus
sentimentos são presos em bainha
e
minhas palavras da maior sinceridade
são só
mentiras se pretendem descrever
teu
coração, sem que o possa conhecer.
PALAVRAS
IMPRECISAS III
Quando
qualquer menina se faz moça
e seu
corpo se transforma totalmente,
como
ter a pretensão de ler sua mente
ou a
emoção que se azeda ou que se adoça?
Apenas
posso recolher na própria roça
o que
plantei e que sentia inicialmente,
que em
boa parte esqueci perfeitamente,
só a
memória da lembrança é que se esboça.
Sei
bem o muito que escreveram a respeito
todos
esses que se arrogam o direito
de ler
a mente de outro ser qualquer;
porém
sou homem e neste tempo meu presente,
se mal
recordo o que senti adolescente,
como
interpreto o real sentir de uma mulher?
SONHOS TRANSMUTADOS I – 10 MAI 22
Quando menino, o mundo interpretava
dessa forma que o afirmavam para mim,
maculados meus sonhos sendo assim
pelas palavras que outrem me lançava.
E quando adolescente me tornava
e livros lia como um mandarim,
acotovelaram-se sonhos de arlequim
e os de criança destarte abandonava.
O tempo escorre sem qualquer remanso,
pouco sonhei que enfim se realizou,
fiquei contente por me sobrar algum
e hoje o peito afinal se conformou,
não mais que satisfeito em seu descanso,
estrangulando os sonhos, um a um.
SONHOS TRANSMUTADOS II
Quando era jovem, procurei realizar
sonhos mais fortes e de plena duração,
a certos deles dediquei toda a atenção,
que os realizara cheguei mesmo a pensar.
Mas à medida em que o tempo vi passar
sendo tomado por ideais em turbilhão,
fui percebendo a falsidade da emoção
de minhas quimeras sem de fato as realizar.
Todos os sonhos transmutaram-se de cor,
alguns deles simplesmente esmaecidos,
enquanto outros pelo exterior fortalecidos
e tendo embora usufruído amor,
nunca foi de fato o amor com que sonhara,
mas outro amor que enfim me conquistara...
SONHOS TRANSMUTADOS III
Porque é o corpo que domina o meu sonhar,
igual teu corpo a dominar o teu,
em tantas coisas com que te acometeu,
em tantas outras que não vês chegar.
Mudam-se os sonhos ao se realizar,
perdem arestas, se quebra o caduceu,
cada momento alguma coisa se perdeu,
foste forçada a te adaptar.
Pois nem ao menos se consegue perceber
como um sonho vai sendo descascado
ou mesmo o cerne a ser posto de lado;
o corpo leva cada sonho a se perder
e impõe em ti suas próprias sensações,
sob a máscara sorrateira de emoções.
SONHOS TRANSMUTADOS IV
E desta forma, na vida acinzentada,
nos conformamos com a bonificação,
enquanto os sonhos sofrem conversão,
cada esperança a tornar-se nuançada;
talvez seja até bom que essa alvorada
dos leves sonhos da primeira gestação,
ao meio-dia, desfeita a cerração,
sejam vítimas de certeza desgarrada.
Os sonhos que se tem no entardecer
serão maduros ou só mais conformados?
Os iniciais infelizes ou esquecidos,
já não conseguem no final permanecer
e hoje sonho apenas sonhos pequeninos,
tão diferentes dos sonhos dos meninos!
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