sexta-feira, 13 de maio de 2022

 

 

BICO, BICO, SURUBICO I – 8 MAI 22

 

Passou o moda do bico da chaleira,

é bem verdade que caía com frequência,

por jato quente a ser forçada essa potência

da água fervente de que era hospitaleira.

 

Só imagino se, durante a vez primeira,

James Watt a contemplasse com paciência,

sem da tampa se erguer tendo a experiência,

qual a força que nos seria sobranceira...

pois que seria de nós sem o vapor

que deu início à Revolução Industrial,

seria hidráulica ou mecânica essa atuação,

como os Gregos e Romanos, com vigor

movimentavam até autômatos no final,

potente a força de sua civilização!...

 

BICO, BICO, SURUBICO II

 

Os Romanos, mesmo com certa violência

exterminando uns aos outros nessas guerras

civís com que abrangiam tantas terras,

construíam para durar em sua potência.

 

Seus aquedutos, erigidos com paciência,

num desnível de quilômetros de encerras,

de um metro ou menos, a descer das serras,

o fluxo da água constante em descendência.

E pela força hidráulica, eram capazes

de realizar os feitos mais incríveis,

mesmo alguns que não sabemos repetir;

ou em sua mecânica sempre audazes,

máquinas de cerco que pareciam impossíveis,

imensas rampas para cidades invadir!

 

BICO, BICO, SURUBICO III

 

Também os Gregos tinham seus segredos,

como uma espécie de napalm primitivo,

de sua composição registro esquivo,

que projetavam tais como penedos.

 

A provocar os mais tremendos medos,

os campos incendiados nesse crivo

e a própria água recoberta desse ativo

princípio, infelizes a queimar nesses enredos.

Ou Arquimedes manobrando seus espelhos,

a luz do Sol empregando com que incinerava

naus inimigas, quando mais perto as divisava...

tantos mistérios desses povos velhos,

sem que o vapor sequer utilizassem,

muito embor certamente água esquentassem...

 

BICO, BICO, SURUBICO IV

 

Assim devemos ao bico da chaleira

da Revolução Industrial  a inspiração,

a água fervente pela queima do carvão,

engrenagens a mover desta maneira.

 

Já não se emprega o vapor sobremaneira,

a eletricidade ocupou sua posição,

mesmo queimando-se nas usinas o carvão,

há o empuxo do vento e a solar esteira.

E a chaleira atual mal assobia

mas quando ferve, sua água se derrama

e a cor transmuda do fogo numa chama,

mas se não fosse o seu bico, quem diria

que o esperto inglês pensasse no vapor,

como fonte para a vida e seu calor?...

 

PALAVRAS IMPRECISAS I – 9 MAIO 22

 

Do deserto das palavras mais além,

onde floresça indescritível emoção,

sinto o calor a luzir no coração,

sem que o consiga descrever, porém.

 

A emoção do amor que sente alguém

não é a mesma em alheia formação,

cada qual enche de ar o seu pulmão,

ninguém respira igual que outro ninguém.

Algum de nós pretende até saber

o que sentem os demais na intimidade,

mesmo igual sempre diversa a humanidade,

mas as palavras ajudam no viver

e assim se afirma conhecer saudade

que em qualquer outro se possa perceber.

 

PALAVRAS IMPRECISAS II

 

Pois todos temos os mesmos sentimentos

e ao mesmo tempo somos todos diferentes,

de uma descrição real são impotentes

quaisquer termos que mascarem seus portentos.

 

Nossas palavras são mais impedimentos

no descrever das emoções subjacentes;

não são as mesmas que percorrem outras mentes,

cada um de nós tem seus próprios julgamentos.

Como posso descrever com real fidelidade

aquilo que sentes com palavras minhas?

Teus sentimentos são presos em bainha

e minhas palavras da maior sinceridade

são só mentiras se pretendem descrever

teu coração, sem que o possa conhecer.

 

PALAVRAS IMPRECISAS III

 

Quando qualquer menina se faz moça

e seu corpo se transforma totalmente,

como ter a pretensão de ler sua mente

ou a emoção que se azeda ou que se adoça?

 

Apenas posso recolher na própria roça

o que plantei e que sentia inicialmente,

que em boa parte esqueci perfeitamente,

só a memória da lembrança é que se esboça.

Sei bem o muito que escreveram a respeito

todos esses que se arrogam o direito

de ler a mente de outro ser qualquer;

porém sou homem e neste tempo meu presente,

se mal recordo o que senti adolescente,

como interpreto o real sentir de uma mulher?

 

SONHOS TRANSMUTADOS I – 10 MAI 22

 

Quando menino, o mundo interpretava

dessa forma que o afirmavam para mim,

maculados meus sonhos sendo assim

pelas palavras que outrem me lançava.

 

E quando adolescente me tornava

e livros lia como um mandarim,

acotovelaram-se sonhos de arlequim

e os de criança destarte abandonava.

O tempo escorre sem qualquer remanso,

pouco sonhei que enfim se realizou,

fiquei contente por me sobrar algum

e hoje o peito afinal se conformou,

não mais que satisfeito em seu descanso,

estrangulando os sonhos, um a um.

 

SONHOS TRANSMUTADOS II

 

Quando era jovem, procurei realizar

sonhos mais fortes e de plena duração,

a certos deles dediquei toda a atenção,

que os realizara cheguei mesmo a pensar.

 

Mas à medida em que o tempo vi passar

sendo tomado por ideais em turbilhão,

fui percebendo a falsidade da emoção

de minhas quimeras sem de fato as realizar.

Todos os sonhos transmutaram-se de cor,

alguns deles simplesmente esmaecidos,

enquanto outros pelo exterior fortalecidos

e tendo embora usufruído amor,

nunca foi de fato o amor com que sonhara,

mas outro amor que enfim me conquistara...

 

SONHOS TRANSMUTADOS III

 

Porque é o corpo que domina o meu sonhar,

igual teu corpo a dominar o teu,

em tantas coisas com que te acometeu,

em tantas outras que não vês chegar.

 

Mudam-se os sonhos ao se realizar,

perdem arestas, se quebra o caduceu,

cada momento alguma coisa se perdeu,

foste forçada a te adaptar.

Pois nem ao menos se consegue perceber

como um sonho vai sendo descascado

ou mesmo o cerne a ser posto de lado;

o corpo leva cada sonho a se perder

e impõe em ti suas próprias sensações,

sob a máscara sorrateira de emoções.

 

SONHOS TRANSMUTADOS IV

 

E desta forma, na vida acinzentada,

nos conformamos com a bonificação,

enquanto os sonhos sofrem conversão,

cada esperança a tornar-se nuançada;

talvez seja até bom que essa alvorada

dos leves sonhos da primeira gestação,

ao meio-dia, desfeita a cerração,

sejam vítimas de certeza desgarrada.

Os sonhos que se tem no entardecer

serão maduros ou só mais conformados?

Os iniciais infelizes ou esquecidos,

já não conseguem no final permanecer

e hoje sonho apenas sonhos pequeninos,

tão diferentes dos sonhos dos meninos!

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