SINOS
DA AURORA I – 14 MAIO 22
(Clara Bow, atriz do cinema mudo)
Casos
de amor ocorrem raramente,
As
mais das vezes, são casos de calor,
Algumas
outras, mesmo casos de pavor,
Já
amor, amor, sendo coisa diferente.
Existe
amor e sem dúvida é frequente,
As
mais das vezes, tem um único sabor,
Que
a vida inteira percorre em seu odor,
Único
amor a perseguir-nos inclemente.
Talvez
segundo e haja até terceiro amor,
Que
a vida longa nos traz vicissitudes,
Mas
nos assola aquele estrondo primitivo,
Compartilhado
ou não em seu vigor,
Em
consequências de imperfeição ou rudes,
Sempre
uma parte do peito o seu cativo.
SINOS
DA AURORA II
Quiçá
o amor primeiro foi só um caso de calor,
Na
virulência de um desejo adolescente,
Que
logo desgastou-se, impermanente,
Resta
a lembrança manchada de palor.
Quer
usufruído ou que se vá pospor,
Esse
primeiro amor é onipresente,
Secreto
orgulho dominando a gente,
Esse
amor feito de escaramuça e ardor.
Ou
ao contrário, foi um caso de perigo,
Cujas
marcas levarás sempre contigo,
Qualquer
que seja o novo amor crescente,
Quando
então buscas no amor um inimigo
Ou
somente a calidez de um peito amigo,
De
um verdadeiro amor sempre descrente.
SINOS
DA AURORA III
Quiçá
o amor primeiro foi dose de paixão,
Tão
comum sendo esse amor inexperiente!
São
os hormônios a dominar a mente,
São
as enzimas a enganar o coração...
Mas
se não foi amor, tão só a ilusão
Da
carne despertada e constringente,
Sobra
um espaço para esse amor nascente,
Que
só aguardava esconso num desvão...
Que
quando chega, inteiramente te avassala
E
te leva a realizar mil desatinos,
Amor
adulto, mas com atos de meninos,
Porém
se em outro alguém amor se iguala
E
se compõe dessa troca de destinos,
Esse
é o amor que ora chegou e não se cala.
SINOS
DA AURORA IV
Creio
no amor e em seus muitos amores,
Creio
na vida gentil e no carinho,
Creio
na morte de amor qual passarinho,
Que
do ninho caiu em dissabores.
Creio
também que há tantos dessabores,
Nos
quais o amor é a pedra do caminho,
Em
que o prazer se manifesta como espinho
E
ao próprio coração roem condores.
Mas
tanta gente eu percebo por aí
Que
nos amores foi mais triste do que eu!
Pois
certas vezes houve amor que me escolheu
E
tantas vezes houve amores que perdi,
De
cada um a recordar-me o temporal,
Quando
deixei-me levar em seu caudal!
O
LÍRIO DOS CAFRES I – 15 MAIO 2022
Os
girassóis explodem em crateras,
Do
mesmo modo que o fazem asteróides,
Nos
corações a provocar rombóides,
Nesse
trajeto da sinfonia das esferas.
Os
heliotrópios têm iguais esperas,
Ficam
girando igual pálidos geóides,
Em
seu aguardo do sol, quais humanóides,
Presos
nos talos e sem escolhas meras.
Também
nós somos como girassóis
Ou
heliotrópios, dependentes de uma luz,
Seja
a do Sol, que a vida dá e tira,
Seja
o do amor em românticos lençóis,
Quais
as falenas, lamparina nos seduz
E
em tal pequeno sol nossa alma gira.
O
LÍRIO DOS CAFRES II
Adão
ficou contente ao ver Eva transformada,
Possivelmente
esperando alguns Adinhos,
Sem
dúvida tendo certeza que os carinhos
Eram
a causa de sua nudez tão ampliada.
Por
muitas vezes, em sua vida airada,
Dos
animais observara os seus caminhos,
Ou
mesmo da Serpente, escamas aos pouquinhos
Entumescer
vira ao deixá-la engravidada.
Mas
sem dúvida, o ventre da Mãe Eva
Crescia
mais que o de tantos animais,
Teria
filhotes ou quem sabe ovos poria?
À
luz da lamparina a recortar a treva,
Que
pensaria o Pai Adão nesses fatais
Momentos
em que a luz palidamente refletia?
O
LÍRIO DOS CAFRES III
Não
me recordo ter sido experimentado
Colocar
heliotrópios ao redor,
Ou
girassóis em um recipiente multicor,
Para
girar torno a um lampião iluminado.
Será
que então girariam nesse fado,
Por
um nastismo ou tropismo gerador?
Teria
Adão experimentado o esplendor
De
algum círio ante o ventre projetado
De
sua Eva, para tornar mais apressado
O
surgimento da criança em sua magia?
Quem
sabe aos gêmeos tivesse maltratado
Com
esse fogo artificial que produzia
E
assim girassem, sem o Sol ter-se mostrado,
Tal
qual um duplo planeta que nascia?
PSICOSSOMA
(Perspírito) I – 16 mai 2022
Procuro
a mim mesmo num vasto deserto,
Enquanto
meus sonhos se queimam na areia;
Cada
clarão meu sono todo ali incendeia,
Faz-se
uma adaga contra meu peito aberto.
Os
antigos Aztecas chegaram bem perto
De
buscar as quimeras que a mente ateia,
Um
coração escondido por artérias e veia,
Talvez
um sonho revelasse ao dia incerto.
A
Chac Mol era o órgão arrancado,
Sendo
de todas a mais mágica oferenda
(Por
que não rasgavam seus próprios corações?)
A
ofertar-lhe assim qualquer sonho roubado,
Gotejante
de vida a tal púrpura prenda,
A
contrair-se em derradeiras pulsações...
PSICOSSOMA
(Perspírito) II
As
vagas da vida em mornas procissões
Percorrem
meu corpo em constante magia,
Nenhum
capilar o seu tubo esvazia,
Do
corpo a regar as menores sessões.
Porém
em meus sonhos da cor de ilusões
Não
sinto o pulsar da maré que vigia,
Meu
corpo em sossego, minha mente corria
Por
mil corredores em dissipações.
Por
que o meu peito assim é vazado,
Sem
que meu coração dele seja arrancado,
Mas
busque em alhures alheio pulsar?
Meu
sono palpita, sempre entrecortado,
Em
meus labirintos constante a saltar,
Sem
que tenha a mim mesmo sequer encontrado.
PSICOSSOMA
(Perspírito) III
Mas
dentro do peito não acho um areal,
É
rubro ao contrário, qual alagadiço,
Por
entre coágulos meus passos atiço,
Sem
ver a mim mesmo no vasto caudal.
Meus
sonhos escorrem em sorriso irreal,
Meu
sono irrequieto despido de viço,
Meu
peito fechado para o arcano serviço,
Não
vêm sacerdotes com obsidiana fatal.
Apenas
eu mesmo abrirei o meu peito,
Das
veias e artérias a cortar o seu nó,
Igual
que o Nó Górdio que Alexandre rompeu.
E
em minha impudência cometo o despeito
De
hemácias trocar por versos sem dó,
Nesse
ato hemofilico que a mente me deu.
PSICOSSOMA
(Perspírito) IV
Porque
sei de certeza que um sonho rompido
Foi
ato simbólico para a vida ofertado;
Cada
vez que algum sonho é assim mutilado,
Será
sepultado em albergue escondido.
Ao
corpo da vida o holocausto é cumprido,
Até
que se canse o algoz aprestado;
Eu
sou o sacerdote, por mim violado,
O
corpo do sonho em hemoptise perdido.
Pois
na vida real holocaustos já fiz,
Ao
longo dos anos meus sonhos matei,
Para
o corpo carnal o seu sangue ofertei
Mas
na pira final cada sonho infeliz
Tornou-se
num verso em sua poeira de luz
E
em sua chama deitei-me com os braços em cruz.
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