AMOR
PERDIDO I – 4 AGO 22
(Tallulah Bankhead, musa do cinema mudo)
Não
podes esperar que em cada verso
somente
exprima minha paixão por ti;
da
prepotência desse amor não me esqueci,
porém
meu tema é, às vezes, bem diverso.
Nem
todo o ritmo vai para o amor converso,
nem
toda a rima para a ilusão perdi,
nem
toda a métrica para o beijo eu garanti,
toda
a cesura meu canto faz disperso,
pois
corta o sonho que se tem pela metade,
para
que caiba no padrão determinado
pelos
poetas que me têm influenciado.
Dante
Alighieri quis julgar a humanidade,
foram
Bocaccio e Petrarca, em puro ardor
que
me ordenaram que falasse sobre o amor.
AMOR
PERDIDO II
Assim
espero que um dia me retornes,
mesmo
depois que nos desentendemos:
que
estamos aleijados percebemos
e
ainda aguardo que para mim te adornes...
Que
teus lábios hoje frios então me amornes
no
próprio instante em que nos contemplemos,
no
olhar do outro vendo o quando já perdemos
e
desse modo, que tuas dúvidas contornes...
Tão
lamentável que o suspiro de um momento
seja
armadilha para um tal padecimento:
sem
ti um vácuo percebo no meu peito,
mas
não te posso buscar, que não conheço
onde
te encontras, sei apenas que padeço,
por
ti ansiando, sem ter qualquer direito.
AMOR
PERDIDO III
Quando
as palavras se rebolcam pelo chão,
quais
poltergeister seu zombar demonstram,
nos
sobem pela perna e enfim encontram
o
ventre, o umbigo e enfim, o coração.
Tantas
palavras pronunciadas sem noção,
que
tanto se atropelam e recontram,
nossa
vaidade e orgulho reencontram,
já
alguma cólera a cortar respiração.
Não
somos nós que discutimos nesse então,
tais
como vírus, em nós se multiplicam,
se
fortalecem, nossos pulmões dominam,
fértil
adubo para a exasperação
e
então a gente fala o que não quer,
cada
palavra a ofender como quiser!
AMOR
PERDIDO IV
Não
fomos nós que então nos apartamos,
as
minhas palavras más por ti subiram,
indecentes,
teu corpo inteiro viram,
mais
do que a pele que tanto acariciamos.
Na
carne entraram com todos seus reclamos,
rancor
e ódio dos lábios explodiram,
novas
palavras de raiva produziram,
para
tombar de novo ao solo em maus afanos...
Então
subiram por minhas pernas igualmente,
para
do ventre apartar todo o desejo,
tão
só a malícia em meus lábios a ficar
e
à maneira de um esgrimista inexperiente,
manipular
não soube tal ensejo,
para
meu próprio coração vir perfurar!
AMOR
INCERTO I – 5 AGO 2022
Onde
andarás, mulher desconhecida,
A
quem sempre eu amei e nunca disse?
Talvez
temesse que de mim se risse,
Talvez
temesse me aceitasse comovida...
Onde
andarás, mulher reconhecida,
Que
embora um dia ao coração atice,
Igual
deixei, sem que beijo lhe pedisse
E
se passou das sendas de minha vida?
Certamente,
isto faz parte de minha lida,
Que
me nutrisse de tantos desencontros,
Que
me faltasse o tempo para encontros,
Enquanto
a dama real, nos braços tida,
Me
preenchesse todo o tempo disponível
E
outro amor nem sequer me fosse crível...
AMOR
INCERTO II
Muito
difícil manter amores paralelos:
Não
se pode servir bem a duas senhoras,
Salvo
furtando de cada algumas horas,
A
contemplar da outra os seios belos...
Ninguém
pode habitar em dois castelos:
Mesmo
os reis mais poderosos dos outroras,
Somente
em um ficavam, até as esporas
Cravar
em seu afã por mais apelos...
Mas
o tempo dispendido nesses braços
Roubava
o tempo que deveria ser gasto
Em
outros braços igualmente apaixonantes;
Mesmo
de noite, na confusão dos traços,
Mesmo
um amor que se guardasse casto,
Sempre
do outro furtava alguns instantes...
AMOR
INCERTO III
Eu
realmente tive amores simultâneos,
Com
grande esforço a manter algum secreto
Desse
outro por quem tinha amor dileto:
Corpos
macios em beijos sucedâneos..
Eram
mentiras de acordes arpejâneos,
Não
que negasse a existência de um afeto
Que
nem fora indagado. Era o incompleto
Do
tempo a oscilar entre dois crânios,
Cada
qual mais amoroso e mais gentil,
A
pele lisa e rosa em seu semblante,
Até
fazer-se a negação mais delirante,
Correndo
o risco da perda tão sutil
Dessa
confiança marejada de ciúme,
Nesse
amor doce marchetado de azedume...
AMOR
PRÓPRIO I – 6 AGO 2022
Algumas
vezes, a contemplar meu rosto,
de
saturnino aspecto flambante,
fico
a pensar que Plutão é triunfante
sobre
meu velho mentor, o deus do mosto;
fico
a pensar, às vezes, ao sol posto,
se
já sou sombra pelo Orco errante, (*)
um
fantasma incorpóreo, ignorante,
mas
conservando da vida o pleno gosto...
talvez
por isso é que estuo nessa esteira,
nesse
adiamento de realizações,
nessas
promessas cumpridas no jamais
e
como Tântalo, permaneço à beira
de
água e fruto imune às orações,
que
tanto busco e nem alcanço mais!
(*)
A terra dos mortos, segundo os Romanos.
AMOR
PRÓPRIO II
Planos...
Que planos? Eu guardo na memória
a
abundância de planos mal traçados,
quando
me ergo para dias atribulados,
traçando
planos macios, de pouca glória...
são
planos escorreitos, sem história,
sobre
as labores a serem completados
ao
longo desses dias ressecados,
planos
apenas para afastar a escória
para
um lado, para expor a minha cabeça
ao
titilar do vento, ao som do sol,
emergindo
da caliça e da mortalha,
mas
não consigo, por mais forças que peça,
prender
os planos condensados no arrebol,
todo
o meu ouro a se tornar em palha...
AMOR
PRÓPRIO III
Se
algum dia eu tirar a loteria,
me
servirá tão só de tratamento
para
as mazelas deste meu tormento,
não
tem valor quanto demais se adia;
é
inútil esperar, dia após dia,
que
se cumpra a esperança do momento,
quando
ela voa em brando movimento
e
nos larga para sempre em desvalia.
Ai,
eu tenho vários álbuns de esperanças,
coladas
com charneiras cuidadosas,
do
mesmo modo que em filatelia...
Sempre
é possível descolar bonanças,
sem
se afinar as margens mais preciosas
dessas
mortas esperanças que se cria...
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