terça-feira, 16 de agosto de 2022


 

 

A QUARTA BUSCA I – 11 AGO 2022

 (Pola Negri, o par romântico de Rodolfo Valentino)


No oceano da noite eu sonharei contigo,

o tempo todo te supondo nos meus braços

e se na onirosfera mal distingo os traços,

embora em outro rosto, eu sei estás comigo.

 

No oceano da noite eu firmarei os laços

que te prendam a mim e te darei abrigo

nessa túnica talar em que me ligo,

junto de mim a preencher amplos espaços.

 

Eu sei que dormes enquanto durmo eu

e assim presumo vogares junto a mim,

iguais portais  a percorrer assim,

quando teu cérebro em cochilo adormeceu,

quando meu próprio ressonar então embebes

e pelas ondas de teu sonho me percebes...

 

A QUARTA BUSCA II

No oceano do leito em que adormeço

contemplo de viés os teus cabelos.

Para ti guardo todos meus desvelos,

enquanto pela insônia ainda padeço.

 

Mais do que nunca então o sono peço,

que não mergulhes em mil estranhos selos,

pouco me importa que sejam sonhos belos,

ainda te busco até que desfaleço.

 

Não quero que em teus sonhos vás dançar

nos braços de qualquer outro fantasma,

mas sei dormiste e eu não dormi ainda...

Sabe-se lá na onirosfera milenar,

qual será a aparição que então te pasma

e então te ilude com qualquer miragem linda?

 

A QUARTA BUSCA III

No oceano do amor há pesadelos

de que vás desfrutar de outros abraços,

mesmo que apenas nos sonhos mais madraços:

de que sonhes só comigo sinto zelos!

 

Fortes impulsos que nem sei contê-los,

meus próprios sonhos eu parto em mil pedaços,

que te procurem na vastidão desses espaços,

até que possas finalmente percebê-los.

 

Que em tal instante de contração fugaz

abandones qualquer vulto que venha te acenar

e só te deixes prender junto de mim,

em sonho mútuo que destarte se perfaz,

pelas planícies de quimeras a passar,

em nosso amor quadriculado de arlequim...

 

A QUINTA BUSCA I – 12 AGO 2022

 

Minha alma é cheia de mil petit-pois; (*)

em cada ponto um olhar nela se cravou,

em cada ervilha há uma estrela que brotou

e a seu redor matéria escura se achará.

(*) Pronunciado “petipoá”.

 

Minhalma é um manto solto ao deus-dará,

não foi meu coração que  a controlou,

nem o meu cérebro que a dominar deixou,

alma irrequieta que por tudo buscará.

 

Mas sem ater-se ao jugo corporal,

pouco lhe importa satisfação sensual

e nem sequer um pendor espiritual;

o que ela busca é mais do que o desejo,

somente em si a sustentar cada lampejo,

 sem limitar-se a um singular adejo...

 

A QUINTA BUSCA II

 

Minhalma é o manto de veludo qeu recobre

cada intervalo do céu ao derredor,

de cada astro a receber brilho maior,

queimados círculos por seu calor de cobre.

 

Mas permanece livre o tecido que ainda sobre,

como uma tela  a conservar o seu calor,

por orifícios sua luz gentil expor,

que atravessam minhalma em jura dobre. (*)

(*) Juramento falso.

 

mas estes fulcros estelares te iluminam,

enquanto eu passo igual que tempestade,

porém da terra me vêm novos ressaltos,

que na camada inferior tão só se afirmam,

sem profundos alcances na verdade,

sem que as estrelas percebam tais assaltos.

 

A QUINTA BUSCA III

 

Iguais pingentes as luzes vêm da Terra,

de cada olhar endereçado a mim,

cristais de gelo ali pendendo assim,

estalagmites nas cavernas de minha serra,

 

que a força de minhalma firme encerra,

estalactites inversas em jardim,

lágrimas pálidas de odorifico jasmim,

os ventos a enfrentar em longa guerra.

 

Minhalma assim transita em luz de estrela

e ainda adsorve a cada incrustração,

num imenso burel que tudo abarca,

que cada olhar da Terra fere e marca,

em seu conjunto da maior feiúra bela,

concretada em sua magia de ilusão.

 

A SEXTA BUSCA I – 13 AGO 2022

 

A luz do sol me circundou os dedos,

feito contorno de ouro ao derredor,

então a palma da mão perdeu sua cor,

silhueta negra por momentos quedos.

 

A mão se foi virando em gestos ledos,

o fogo brando a percorrê-la sem ardor,

logo apenas uma risca desse auror

da eminência hipotenar mostra os segredos. (*)

(*) A parte da palma oposta ao polegar.

 

Assim meu pulso girando permaneço

e essa fagulha que queimou a janela

vai perpassando cada ponto de minha pele.

Cansou-se o braço. A luz tem novo apreço,

indo pintar da  parede a lisa tela,

enquanto o cobertor meu punho sele...

 

A SEXTA BUSCA II

 

Fui ao fogão buscar lasca de fogo

que guardar possa dentro do casaco;

cortei a labareda naco a naco:

placidamente submetida ao rogo.

 

Guardei-a em minha lanterna, logo-logo,

e o que sobrou depositei num saco,

sobre o tapete deixei cair um caco,

entranhado nos desenhos nesse afogo.

 

Não guardo fogo na palma de minha mão,

igual que vi fizeram os feiticeiros:

não deixa espaço para nada mais!

Nas algibeiras as brasas se acharão,

em que seus brilhos se desfarão ligeiros,

tristes migalhas que já não queimam mais.

 

A SEXTA BUSCA III

 

Brilha-me menos o fogo em dia claro,

com a invasão solar trava disputa,

a radiação a derrota em força bruta,

mal e mal permanece no meu faro.

 

Possui a flama um certo gosto amaro,

seu crepitar nas cocleias só se escuta,

mas cada pálpebra seu cintilar refuta,

sem permitir nas íris seu reparo.

 

Porém me atrevo a fitar cada fogueira,

especialmente quando a brasa cresce

e mal me atrevo a contemplar o Sol;

somente da silhueta a breve esteira

que nos contornos de minha palma desce

e então se afasta ao transitar desse arrebol...

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