NO
FIO DO PÊNDULO I – 23 AGO 22
(Johnny Weissmüller e Frances Gifford,
"Tarzan" e "Jane")
na
minha sala há um relógio em oito,
marcas
castanhas tem no mostrador,
marcas
de dedos em dáctilo cinzor,
dedos
perdido para a vida e o coito;
uma
vez por semana eu vou, afoito,
a
cumprir o meu dever de servidor,
dar
corda em tal relógio com fervor
e
seus ponteiros para o girar açoito.
sempre
tenho cuidado, mas, talvez,
a
cada vez que giro a velha chave,
na
superfície deixe algum deeneá,
qual
tanta mão já no passado o fez,
restos
de pele que nem o tempo lave,
restos
de dedos que ninguém encontrará...
NO
FIO DO PÊNDULO II
chega
outra vez mais um fim de semana,
porém
descanso para mim não há,
se
alguém visita, decerto me achará
neste
labor que tanto me reclama,
na
atual época em que tanto se ufana
o
valor do lazer, eu passo a
mais
me esforçar, julgo até que poderá
ser
bom para a saúde, mais que a fama
propalada
por tantos consultores,
de
que um tempo de ócio é necessário,
para
manter o equilíbrio corporal;
criei
tarefas a despertar os meus ardores,
enquanto
música escuto em canto vário
e
até penso que o descanso me faz mal!
NO
FIO DO PÊNDULO III
que
importa mais, a hora fugidia
ou
a corda com que conservo a hora?
é
por meus dedos que o ponteiro implora
ou
são meus dias que a chave quereria?
não
se trata de amor nem de folia,
é
apenas cada instante que descora,
corda
não desse, o tempo iria embora
ou
é o tempo que em mim corda daria?
amo
talvez o seu meigo tiquetaque,
a
estalar-me os dedos em chamado,
mas
se não cumpro meu dever marcado
o
seu contar dos anos sofre um baque
ou
é meu tempo que me foi determinado
mais
veloz a me escorrer para o passado?
NO FIO DO TEMOR I – 24 AGO 22
vinte e quatro de agosto é um dia
aziago,
na frança foram massacrar os
huguenotes,
os seus vizinhos a dar-lhes cruéis botes,
pelos seus bens cada assassino a ter
o pago.
e no brasil tampouco o mal do dia
apago,
que de getúlio vargas os tristes
lotes
foram cortados, em suicídio que
denotes,
do “mar de lama” a subtrair-se ao
lago.
porém de fato o velho foi “suicidado”,
de forma alguma a alvejar seu
coração
no estranho ângulo por que passou a
bala.
outro episódio que entre nós foi
abafado,
vendido ao povo qual bruta ilusão,
mas a verdade veio à tona e não se
cala!
NO
FIO DO TEMOR II
em
minha terra também houve um acidente,
a
queda aziaga de um certo aeroplano,
sua
fuselagem sofrendo total dano,
dos
passageiros sequer um sobrevivente.
não
sei que mancha traz o dia presente,
se
é tudo acaso ou resultado de algum plano,
talvez
capricho de um demiurgo insano
ou
do mundo no controle já indolente.
porém
confesso hoje nada ter sofrido,
no
dia temível que de novo se repete,
setenta
e nove vezes contemplado;
sabe-se
lá que parca tenha rido,
qual
a norna que meu fio ainda projete,
sem
à sua irmã entregar a ser cortado!
NO
FIO DO TEMOR III
é
meu desejo sincero que tampouco
algo
de mau neste dia te ocorreu,
mas
pelo mundo tanta gente hoje morreu,
tantos
sofreram, algum menino ficou rouco,
seus
temores a alguém deixaram louco,
em
seu volante alguém adormeceu,
em
seu leito de dor alguém sofreu,
sabendo
ter de sofrer por mais um pouco!
talvez
não seja, afinal, um dia aziago,
mais
que todos os demais dias de um ano,
tanta
lástima pelo mundo distribuída...
mas
tanta gente ganhou hoje algum afago,
tanta
alegria experimentou algum humano,
tantos
momentos de esperança nesta vida!
NO
FIO DA SANSARA I – 25 AGO 22
muito
de mim ficou perdido no passado,
capturado
no atoladouro da memória,
que
nem se pode queixar da vida inglória,
foi
deixado para trás e está atolado.
tanto
de mim que ficou abandonado
nessa
ausência permanente e peremptória,
o
que eu recordo é tão só desfeita escória
do
que fui antes e já não pode ser chamado,
porque
uma coisa é lembrar do que já fui,
outra
diversa é revivê-lo no presente,
pois
quanto lembro é só imagem desbotada,
que
apenas de relance torna e flui,
numa
figura opaca e quase ausente,
não
mais que a minha foto acinzentada!
NO FIO DA SANSARA II
no devashan serei aconselhado
a escolher um futuro
conveniente;
de nada posso afastar-me,
realmente,
cada ato humano deverá ser
praticado;
posso escolher o caminho a ser
trilhado,
nele seguindo enquanto for
vivente,
não terei culpas por um ato
indiferente
ou até maligno que me foi
determinado.
a escolha é minha, mas nada
posso rejeitar,
“porque tudo quanto é humano me
pertence”,
como afirmou-nos aretino em
tempos idos;
só nutro culpas se o caminho
recusar,
quando a força da sansara
onipresente
me levará os atos repetir por
mim perdidos.
NO
FIO DA SANSARA III
segunda
vez então retornarei,
para
cumprir a descurada obrigação;
não
um destino, porque foi minha opção,
a
qual por mais desagradável cumprirei.
mas
se o dever outra vez recusarei,
meu
espírito ao asurashan convocarão,
onde
escolha pior ainda me imporão
e
finalmente ao fado escuro curvar-me-ei.
ali
acharei as versões espirituais
dos
animais que cumpriram seu caminho,
encaminhados
para sofrer a vida humana,
na
qual hão de persistir por muito mais,
ante
a noção do tempo em desalinho
e
a percepção final que a nós irmana.
NO
FIO DA SANSARA IV
ninguém
te força a acatar esta doutrina,
se
a aceitares é que já foste preparada
por
longo ciclo de vida reencarnada,
no
tubo esguio forjado por tua sina;
mas
lembra sempre, não foi bênção divina
e
nem castigo por falta realizada;
por
tua escolha foi a senda combinada,
és
responsável pelo fruto dessa mina,
que
poderá ser grafite ou ser carvão,
mui
raramente a brilhar feito diamante,
mas
não te queixes, pois foi escolha tua:
prendas
humanas em ti se cumprirão,
sem
ser desdita ou triunfo dominante,
não
mais que a vida é gume e espada nua.
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