REAÇÕES
I – 14 AGO 2022
(Sarah Bernhardt, teatro clássico)
Um
idiota qualquer quis comparar
Os
seus cabelos a um esfregão de aço!
Cabelos
brancos, mas de mimoso traço:
Quem
direito lhe deu de assim falar?
Por un amigo de infância se tratar,
Nem
por isso que se porte qual madraço,
Somente
a mim pertence tal espaço
E
certamente não me canso de a elogiar.
Falou-me
ela que não foi nada romântico,
Mas
o romantismo deve ser apenas meu;
Esse
infeliz assim se intrometeu
No
que devia ser meu exclusivo cântico!
E
logo quem nessa tolice peca:
Tem
a cabeça qual uma espuma seca!
REAÇÕES
II
Um
outro idiota, num dia de verão,
Quando
cobriu seus cabelos com chapéu,
Chamou-a
de bruxa, numa ofensa ao léu,
Sem
ter qualquer motivo e sem razão!
Tais
desabonos nos vêm e já se vão,
Mas
de ofendê-la jamais eu fui o réu,
Não
há quem queira mais sob este céu,
É
a feiticeira do meu coração!
Reconheço
que um certo tempo houve,
Em
que fazia as lâmpadas estourar
E
até a certos aparelhos mal causou,
Mas
sobre isso há um poder que louve:
Soube
minha própria mente acariciar,
No
amor irrequieto com que me conquistou...
REAÇÕES
III
Os
anos se passaram e no entretanto
Ainda
a vejo deitada nua no sofá:
Melhor
lembrança para mim não há
Que
esta esquiva memória que ainda canto.
A
sua própria nudez era seu manto,
Envolta
assim num véu de Xangrilá,
O
Paraíso Achado no seu corpo está,
Mulher
completa e senhora de meu pranto,
Que
não costumo chorar pela tristeza,
Antes
por coisas que me permeiem de doçura
E
assim desfilo os instantes do passado,
Não
porque se me escaparam com presteza
Mas
por lembrança que é santa e quase pura,
Nesse
imenso turbilhão do relembrado!
DEVOÇÕES
I – 15 AGO 2022
Ela
sempre é mostrada bem coberta,
Somente
pintam o seu rosto e suas mãos;
Não
se menciona tivesse alguns irmãos,
Nem
que se apresentasse em hora incerta;
Contudo
a veste deveria ter aberta,
A
fim de amamentar nos peitos sãos
Esse
criança sem ter desejos vãos,
Porém
que recebeu de mente alerta.
Poucos
de fato na ocasião reconheceram
De
que forma originou-se o nascimento,
Julgaram
antes que fosse algo normal;
Somente
aos poucos é que alguns o perceberam,
Justamente
por ser impossível esse evento,
Que
só por fé se reconhece virginal.
DEVOÇÕES
II
Mas
quando o Filho a Jerusalém subiu,
Bendizeram
os peitos que O amamentaram:
“Bendito
o ventre e o corpo que o gestaram,
Bendita
seja a vagina em que surgiu!”
Esse
canal macio que o conduziu
Quando
no mundo dons Seus depositaram,
Muito
mais que uma criança O revelaram,
Foi
o Verbo feito carne que se viu!
Não
obstante, dos homens a malícia,
Com
a qual corromperam o sacerdócio,
Sentiu
temor de um parto assim sagrado,
Vendo
no corpo da mulher a impudicícia,
Nas
litanias a disfarçar seu ócio
E
o dom viril que a eles foi negado!...
DEVOÇÕES
III
Mas
que tremenda coisa é a Encarnação!
Não
que virginal pudesse ser o nascimento:
Vezes
frequentes um semelhante evento
Entre
os antigos mesmerizou a imaginação.
Mas
o milagre dessa arcana concepção
Era
um mistério de carnal conhecimento,
De
origem física manava esse portento,
Marduk
ou Zeus ordenavam tal paixão!
Mas
essa mulher foi tomada por Palavra,
Não
por carne ou por sêmen, mas por som
E
nas suas trompas tocou ária semelhante;
Na
partitura dessa sidérea lavra,
Deus
criou o Verbo e viu que era bom,
Mais
do que a luz que forjara em prévio instante.
DEVOÇÕES
IV
Ela
é a mãe, mas não pode ser mulher!...
Tomás
de Aquino, em sua misoginia,
Se
contradiz no divino que anuncia,
Pois
não tem ventre, nem umbigo tem sequer.
Tão
grande a mágoa que seu temor requer,
Que
qualquer forma corporal lhe negaria
E
pelos séculos permanece essa agoria,
De
uma virgem, mas que mãe deverá ser.
E
no entretanto, esse vulto sobre a cruz
É
apresentado quase em total nudez,
Por
ser a epítome do humano masculino!
Mesmo
de tanga, esculpem a Jesus,
Nos
crucifixos que em toda parte vês,
Com
certa gana de partilhar igual destino!
CANÇÕES
I – 16 AGO 22
Falou
Gardel sobre a mulher vencida...
Teriam
então validade as Argentinas?
Formam
suas peles tais camadas finas
Que
se desgastam ao longo de sua vida?
Será
têm bula com sua data requerida,
Limitando
em poucos anos as suas sinas.
Duas
ou três décadas após serem meninas,
Marcado
o tempo da mulher ser consumida?
Gardel,
é claro, se referia à derrota,
A
essa perda lamentável da esperança,
Enquanto
as ondas de novas gerações
Trazem
a graça que nela já se embota;
Que
se renova, talvez, numa criança,
Mas
quantas passam ser dar luz a embriões?
CANÇÕES
II
Já
é lugar comum se mencionar
A
luz difusa de qualquer bordel,
As
rugas a disfarçar em tom de mel,
No
meretrício mais triste e singular;
Gardel,
à sua maneira de cantar,
Nos
compassos de um tango mais rebel,
Quase
sempre em conclusão de fel,
Com
tal mulher queria simpatizar,
Rechiflao
en su tristeza,
lamentando
Que
tão veloz se passasse a juventude
E
já os homens não a buscassem mais,
Nesses
versos de amargura contemplando
Igual
destino que a todos nos ilude
E
que ninguém pode iludir jamais!
CANÇÕES
III
Porém
percebo, através da simpatia,
Certo
desprezo por aquela que baseou
A
sua vida em festas, que tantos conquistou,
Enquanto
de seu próprio sangue se nutria,
Que
certamente a menarca lhe traria
Essa
atenção para o que lhe determinou
A
Natureza, que de fato a destinou,
Para
trazer novos humanos, aos quais cria;
Mas
após a menopausa, ela igualmente,
Descarta
essa mulher, por transitória
Capacidade
de manter reprodução,
Só
lhe demosntra um pequeno dom clemente,
Sua
descendência e sua família um ostensório
E
a validade de mais longa duração...
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