MAMÃE TERRA IX
Cada um deles com alguns sacos
saía
e Pudovkin indagou o que faziam.
“Levam a mercadores encomendas
em troca das oferendas que
traziam.
Dez vezes o preço cada um deles cobraria...”
“Mas o povo tem fome, ele não
sabe?”
“Todos os animais lutam pelo que
lhes cabe,
morrem muitos, outros seguem em
suas sendas...”
“Mas não
são animais, são seres humanos...”
“As
criaturas vivas gozam de felicidade
enquanto
são vivas; em seu morrer, porém,
dão a
outras a vida em sua bondade;
felicidade
há assim todos os anos...”
Veles em
longos pergaminhos anotava,
enquanto
os filhos depressa despachava...
Logo a
velhinha adormeceu também...
Só depois
disso, ele notou Pudovkin...
“Há muito
tempo que hóspedes não temos.”
Ergueu-se
diante dele, um ser imenso,
com quatro
metros ou mais em seus extremos,
sem contar
os chifres ou a longa causa assim.
Bateu com
ela no chão, em grande estrondo;
Blotski e
Ivanov de pé se foram pondo...
“Quem é
você?” – indagou Blotski, já tenso.
“Será possível que vocês já me
esqueceram?
Estão perdidos a adorar o Cristo
Branco?”
“Não esquecemos,” falou rápido
Pudovkin.
“Sois o grande dragão deste
barranco,
o Deus do Inverno, que os
mercadores adoraram.”
“Deuses não há no mundo
pós-Revolução!”
disse Ivanov. “E tampouco algum dragão,”
falou Blotski, que era atrevido
até o fim...
MAMÃE TERRA X
Veles os fitou, com grande
intensidade
e os dois de imediato se
encolheram.
“Vocês adoram o Deus Lênin e o
Deus Marx.”
Fez um sinal e os dois
adormeceram.
“Já esqueceram o seu Cristo, na
verdade,
contudo a senda encontraram até o
Inferno...
Passam os deuses e permanece o
Inverno:
cubro de branco suas cidades e
seus parques...”
“Agora
acorde, mulher, quero jantar!”
A Mãe
Papoula se ergueu, rapidamente,
e foi aos
fundos, decerto até a cozinha,
trazendo
logo um grande assado quente
e uma
mesa, nos próprios pés a caminhar...
O Inverno
engoliu tudo, com prazer,
a Pudovkin
nem migalha a oferecer,
que até da
mão o esticar ele continha...
E com a
ponta da cauda ele espancava
a pobre
velha, para que andasse mais depressa.
Pudovkin a
interceder por ela se atreveu.
“Este é
meu reino, filho, não se esqueça!
Seu avô a
suas macieiras não podava?
Agora
toque a sua zhaleika para mim;
o deus dos
músicos esqueceu que sou assim?”
Pudovkin,
muito depressa, obedeceu...
Depois que o Inverno sentiu-se
satisfeito
e escutara sua música à vontade,
quis seu hóspede faminto
interrogar:
“A que vieram aqui? Fale a verdade!...”
“Nosso Comandante achou ter o direito
a alguma coisa que à nossa Causa
ajudará
e que somente por aqui
encontrará...”
“E qual é a Causa que pretendem
implantar?
MAMÃE TERRA XI
“Nossa Causa é a justiça da
Revolução,
para os egoístas e autoritários
derrubar,
a fim de dar a todos parte igual:
toda a riqueza redistribuir após
juntar!”
“Mas que há de novo em tal
redistribuição?
Eu redistribuo a riqueza todo o
tempo...”
“O senhor comercia, desculpe o atrevimento,
nós redistribuiremos, de uma
forma natural...”
“Isso é
impossível,” afirmou o Inverno.
“Será como
plantar trigo sem ter sol;
o que a
terra me dá, eu dou à Terra;
o camponês
trabalha desde o arrebol
e dá seu
corpo, após o descanso eterno;
com a
Terra eternamente comerciamos;
nada nos
dá, se a ela nada damos;
mesmo seu
sangue, vocês dão durante a guerra.”
“O que
queremos, com todo o respeito,
é dar a
cada um o quanto precisa
e tomar
dele só o que pode produzir...”
“Cada boi
come a erva da terra em que pisa;
por que o
boi parado poderia ter direito
ao mesmo
pasto que o boi trabalhador?”
“Porém
falamos de homens, meu senhor:
Todos
iguais com igual direito a se nutrir...”
“De forma alguma!” – protestou
Veles Inverno.
“Os homens são, muito ao
contrário, diferentes.
Há grandes homens e uma vasta
maioria
que não vale mais do que ratos descontentes,
como seus dois companheiros em
meu Inferno!”
Ivanov e Blotski, em grandes
ratos transformados,
dormiam no chão, a roncar, bem
abraçados...
“Cansei, Mamãe!... Dê ao
flautista hospedaria!”
MAMÃE TERRA XII
A velha o conduziu, muito
cansada,
até uma alcova, à beira do salão
e lhe indicou uma cama e
cobertores;
sentindo a fome a lhe roer o
coração,
deu-lhe um pacote, Folha de
Flandres estanhada: (*)
“Meus filhos o encontraram no
outro inverno;
você fez bem em não comer nada no
Inferno,
coma a ração de seu Tchernov sem
temores...”
(*) Folha metálica de estanho,
hoje substituída por alumínio.
Logo a
fome se foi e um vasto calor
percorreu-lhe
todo o corpo de repente.
A velha o
acariciou. “Você recorda...
Seu avô me
tratou sempre fielmente.
Não lamente
sua morte. Seu amor
está
comigo e me traz felicidade;
nunca se
esqueça de que só eu sou a verdade;
logo virá
a primavera, que me acorda...”
Tocou-lhe
a testa, com grande carinho:
“Vocês
hoje têm estranhos pensamentos...”
“O que
pensamos é acabar com a opressão
dos pobres
por esses ricos sem lamentos...”
“Vocês
inverteram todo o meu caminho:
são os
pobres que aos ricos mais oprimem...”
“Como
assim?” “São os que mais consomem.
Os ricos
guardam para sua manutenção...”
Pudovkin já não mais podia entender,
porém lembrou de que seu avô
guardava
a produção de toda a aldeia nos
celeiros
e nos invernos, pouco a pouco,
ele a entregava;
e os mercadores de longe iam
trazer...
Se não houvesse alguém para guardar,
nem existisse quem quisesse comerciar...
E adormeceu, entre sonhos
lisonjeiros...
MAMÃE TERRA XIII
Quando acordou, já no meio da
manhã,
ouviu o barulho de tanques e
soldados;
a tropa inteira o negro túnel já
cruzara.
Mamãe Papoula, com passos
apressados,
lhes trazia o pão e o sal, em
grande afã;
Tchernov, com um tapa, virou a
sua bandeja.
“Não somos tontos em comer o que
se enseja
aqui no Inferno, que a estes dois
tolos transformara!”
Mandou
agarrar a Blotski e a Ivanov,
enquanto
tirava uma seringa de um estojo,
aplicando
em cada um deles injeção...
“Viraram
ratos! Vocês dois só me dão nojo!”
De novo
humanos, cada um deles se move.
“Vou os
dois guardar para meu julgamento;
em breve
teremos um bom fuzilamento...
Vimos um
morto... E do flautista, a situação?”
“Aqui,
Camarada!” – falou Pudovkin.
“Pelo
visto, recusou-lhes a comida...
E foi
vocês que nos marcou o caminho?”
“Sim,
Comandante! Marquei a senda devida,
a sua
missão eu cumpri até o fim...”
“E onde se
esconde, afinal, essa serpente?
Se não a
matar, para mim é indiferente,
foi a você
que vim buscar, Velha do Ancinho!”
Pudovkin se encolheu com o
tratamento:
Era o que os popes para a Mãe Terra usavam!
Mas Mat Zyra Zemlya em nada protestou
(Mamãe Terra Úmida, os muzhiks a chamavam) (*)
e Tchernov a segurou, com
atrevimento...
Só então a caverna iniciou a
tremer
e cem cobras começaram a
aparecer:
do chão e do teto cada uma ali
chegou!...
(*) Camponeses.
MAMÃE TERRA XIV
E se reuniram no centro do salão,
compondo novamente o Deus
Inverno,
com quatro metros de altura a se
mostrar,
escamas verdes e prata em seu
externo,
os soldados já a recuar, em
confusão.
Mas Tchernov, ao contrário, lhe
mostrou
um amuleto, que do capote
retirou,
com o símbolo do raio a
rebrilhar!...
“Você ousa
mostrar aqui esse sinal!?
Justamente
no interior do meu salão?...”
“Eu não
apenas trago este amuleto,
estou, de
fato, sob a sua proteção
e vim
buscar a sua esposa natural.”
“Ela é
minha durante todo o inverno;
há entre
nós antigo pacto eterno,
na
primavera a entregarei a seu afeto!”
“Primavera
ou outono, pouco importa,
eu vou
levá-la para fazer verão;
o ano
inteiro irá crescer o alimento
e nunca
mais virá a neve em profusão,
pois seu
poder o meu amuleto corta!...”
“Perum não
tem qualquer poder aqui;
sob as
raízes do mundo me escondi:
só a
entregarei ao chegar o seu momento!”
“Hoje as coisas mudaram, deus
antigo!
Vou criar a vida sem o seu
consentimento
e não poderá impedir-me mais
agora!...
Não percebeu o meu procedimento:
forte herbicida eu carreguei
comigo
e ao redor das raízes derramamos
da árvore mágica que no alto
encontramos,
que já estará bem morta, sem
demora!...”
MAMÃE TERRA XV
Tchernov tirou do bolso uma
bateria
que havia inventado, em formato
de maçã,
e num instante, apertou ali um
botão:
Veles Inverno encolheu-se como
rã.
“Que fez comigo?” Sob a descarga ele gemia
e logo em seguida começou a
desmanchar,
cem serpentes no assoalho a
agonizar.
“Mulher!” – ainda gritou, em
confusão.
Mas Mat Zemlya dormia... E Veles se desfez,
enquanto o
grande salão apodrecia...
Tchernov
acordou a Mamãe Terra
e logo com
ela na alcova se escondia.
A
soldadesca inquieta, por sua vez,
ao verem
as paredes a rachar,
mas tinham
ordens e precisavam de esperar:
Tchernov
os comandava nessa guerra!...
Após
algumas horas, retornaram
Tchernov e
uma linda moça nua,
verde na
pele, nos olhos e cabelos,
que de
energia e força então estua.
Todos os
olhos se arregalaram,
mas ela
chegou até Pudovkin.
“O que ele
fez, para deixá-la assim?”
“Nada
importa! Retomei os meus desvelos...”
“Ele me diz que posso ficar com
meu Perum
o ano inteiro e assim será sempre
verão!”
“Mas quando, então, a senhora irá
dormir?”
“Ele me disse que não terei mais
precisão:
Verão e Inverno serão apenas um
e as colheitas nos kolkhozes crescerão (*)
eternamente e com sangue as
regarão,
para que a Terra sempre possa se
nutrir!”
(*) Granjas coletivas.
MAMÃE TERRA XVI
Tchernov então mandou aos três
prender:
“Começaremos com um breve
julgamento;
para à Terra fornecer rega
inicial,
precisaremos de um bom
fuzilamento!”
“Não!” – disse a Terra –
“primeiro dança vou ter
E meu flautista irá tocar a
melodia!
Sem essa dança, a primavera não
se cria!”
“Dance, então!” – disse Tchernov,
afinal...
“Então
toque, volynshtchik, de uma vez!” (*)
E Pudovkin
então pôs-se a tocar
a melodia
suave do degelo,
as notas
simples do primeiro despertar;
mas ao
poucos, métrica mais rápida fez
e a
Primavera batia os pés no chão,
vasto
tremor a percorrer todo o salão,
dançando a
jovem no ritmo mais belo...
(*)
Flautista
Mas quanto
mais depressa ela dançava,
surgindo
no ar aroma a trigo e flores,
o largo
teto começou a desabar,
os
soldados a gritar, em seus temores.
Tchernov
em vão para a interromper gritava,
Pudovkin
em ainda mais rápida melodia
e logo o
salão totalmente derruía,
Tchernov e
a tropa inteira a sepultar!...
Pudovkin acordou-se num relvado,
por sob a sombra de árvores em
flor;
numa tontura, ergueu-se
lentamente...
Mas quanto tempo transcorreu daquele horror?
Não enxergava a colina em
qualquer lado.
Assim terminam esses sonhos de conquista...
Ora, Tchernov nunca foi um bom comunista!
A um deus antigo ele adorava, realmente!...
EPÍLOGO
Começou a caminhar, sem ter destino:
vestia-se agora como um simples camponês
e a jovem nua apareceu-lhe ao lado...
“Seus companheiros morreram, como vês,
mas a você eu salvei, meu pequenino...
Vá para longe e fuja desta guerra,
procure o leste, a Rússia é vasta terra,
na primavera você será abençoado...”
“De fato, Veles se encontra satisfeito:
tem muitos espíritos para seus escravos...”
“Quer dizer, então, que não morreu?”
“Claro que não. Os velhos deuses
eslavos
à eterna vida conservam seu direito...
Mas este ano eu terei longa primavera
e um longo verão também me espera:
Lá nos céus, já meu Perum me recebeu...”
“Contudo, um dia, voltará o Deus Inverno;
sempre haverá esta alternativa,
para que a Terra trabalhe e adormeça;
santo é o Inverno; também santo é o Verão.
Vá para o leste, onde o labor é eterno
e lá achará boa terra em que plantar...”
Partiu dançando. Igual que o avô, a
hei de desposar,
pensou Pudovkin, no breve dia em
que eu pereça!...
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