sábado, 13 de agosto de 2022


 

 

PRIMEIRA BUSCA I – 7 AGO 2022

(Gloria Swanson, antes do Technicolor)

 

Fui procurar meu coração e não o achei,

só das raízes encontrei uns filamentos,

de artérias e veias somente os tegumentos,

que o retirassem aos poucos eu deixei.

Não me roubaram, pois não te negarei

que às retiradas dei meus consentimentos,

foi por prazer, mesmo entre alguns tormentos:

nada restou no dia em que o busquei...

 

As minhas hemácias, coitadas, se embolaram,

os leucócitos a conservar a percussão,

sem permitir às plaquetas plena ação,

que os jatos de sangue não se coagularam,

ao perpassar pelo vácuo da caverna,

sem coração, presa em sua espera eterna...

 

PRIMEIRA BUSCA II

 

De algum modo, ainda consigo persistir,

mesmo vazio de uns poucos sentimentos,

fica meu fígado a percutir portentos,

em seu trabalho os rins podem consentir;

mas o que é estranho, como posso concluir,

é que meu cérebro controle tais eventos,

mesmo sem coração, os pulmões têm seus alentos

e assim que eu viva consigo me iludir...

 

Porém não posso outra vez me enamorar,

as minhas angústias se desvaneceram,

sou governado tão só por tirocínio:

outras mulheres posso ainda admirar,

mas as ansiedades por elas se perderam

e só concebo as paixões do raciocínio...

 

PRIMEIRA BUSCA III

 

Porém o que mais fere neste instante,

é saber que entreguei meu coração,

fatia por fatia, sem ter precaução,

para mais de uma face deslumbrante;

não foi apenas por paixão mui delirante,

tive camada após camada de ilusão,

minhas fibras arranquei sem explosão,

cada uma presenteada num instante...

 

E realmente, nem sei se elas guardaram,

tais belas faces rubicundas de rubor,

se por acaso as conservam num cofrinho;

só sei dos lábios com que as bafejaram

em seus momentos transitórios de calor,

meu coração a mastigarem com carinho...

 

SEGUNDA BUSCA I – 8 AGO 2022

 

Eu só te vi uma vez, bem de repente,

mas foi profunda a impressão que me causaste:

em meu olhar uma praga tu deixaste:

essa tua imagem gravada firmemente.

Julgo ter sido para ti indiferente,

nesse relance com que me miraste,

de meu rosto nem sequer te recordaste,

foi por segundos que o viste simplesmente...

 

Mas o teu rosto jamais sumiu de mim,

ficou queimado em minhas ondas cerebrais,

mesmo que nunca te encontrasse uma vez mais

e que tua imagem real fugisse assim:

o que eu recordo é a imagem de tua imagem,

quiçá não sendo mais que sombra de miragem....

 

SEGUNDA BUSCA II

 

Mas essa imagem bem profundo me marcou,

não que sequer buscasse te seguir,

nem que a mim mesmo pudesse admitir

até que ponto o teu semblante me encantou;

não foste mais que um momento que passou,

que em mim findar nao pude conseguir,

dentro de mim vejo tua face a reluzir,

de teu olhar o brilho enfim me incinerou...

 

Não sei teu nome e nem te conheci,

só sei que foste apoteose e formosura,

sem que jamais conseguisse te esquecer;

como é estranho ter alguém que me sorri,

dentro da alma, em majestade pura,

infinitude que só em mim possa viver...

 

SEGUNDA BUSCA III

 

Porque esse rosto, mais belo que uma atriz,

não foi o rosto que então eu vi passar,

mas com os anos foi-se transformar

naquele ideal que desde então eu quis,

que tal perfeita imagem eu que fiz,

sua menor falha eu pude nivelar,

talvez de quadros em parte a conformar,

meio aquarela e meio flor de giz...

 

Contudo, da ilusão não me envergonho,

porque a mulher real nunca foi minha,

talvez o fora em outra encarnação:

que a construí com retalhos do meu sonho,

jamais da alma tornada minha rainha,

somente apenas do pulsar do coração...

 

TERCEIRA BUSCA I – 9 AGO 2022

 

De certo modo, meus sonetos são diário

dos humores de minha vida transcorrida,

tantos labores já levados de vencida,

tantas esperas de um sabor atrabiliário,

que na verdade, este escrito multifário

só revela do inconsciente a despedida,

o consciente a surpreender nessa incontida,

feroz eructação de um canto vário...

 

Mas mesmo assim, revelando em que sentido

se volve o meu pensar, quando de Apollo

eu busco a inspiração para minha quota

de vinte hinos por semana, quando olvido

aqueles gritos que brotam de meu colo,

na ânsia inútil de mudar a externa rota...

 

TERCEIRA BUSCA II

 

Não é verão, bem percebo – e no entretanto,

entremeiam-se os dias outonais,

nem me afetarem primaveras sazonais,

neste ano em que dos céus escorre o pranto,

quando os trovões e raios no seu canto

se alternaram em sinfonias tropicais,

monções tivemos e tornados por demais,

do que a memória me deixe lembrar quanto...

 

Uma das poucas vantagens do verão,

tanto quanto me concerne, é que eu podia,

nos dias de brilho, ver em torno bem melhor,

mas por enquanto não me veio a sensação

de que essa luz a meu redor forte luzia,

nem que um ocaso se tornasse bem maior...

 

TERCEIRA BUSCA III

 

Pois vou cantar missa de réquiem para mim,

regendo um belo coro de fantasmas,

na catedral que consagrei para os miasmas

das gerações que me precedem para o alfim;

antífonas e oratórios eu regerei assim:

serão longos os ensaios em que pasmas

ficarão as gargantas; em que orgasmas

esse prazer inútil por que vim...

 

Mas meus espectros não sofrem laringite,

nem maceram os dorsos em seu bancos,

podem cantar pela inteira madrugada;

e é por isso que meus mortos tal convite

aceitam facilmente em sonhos brancos

das longas missas conduzindo ao nada...

 

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