HORAS
ATRELADAS I – 10 FEVEREIRO 2003
(Farrah Fawcett e Cher)
Vejo
minhas horas passando de vestido,
de
salto alto, bem emperiquitadas,
caras
ao alto, de batom e maquiadas,
da
mais recente moda o orgulho tido,
bolsas
de griffe, um ombro desvestido,
outras
com alças, meio desmazeladas,
dos
sutiãs a aparecer, desembragadas,
satisfeitas
em seu andar descontraído.
Como
são tolas essas hors do meu dia!
Umas
às outras querendo superar,
já
que a hora só se veste para as horas,
não
para o homem que curioso espia,
enquanto
vê a sua vida se escoar
e
as horas todas partem sem demora!
HORAS
ATRELADAS II – 10 fevereiro 2023
Passam
as horas por mim dia após dia
e
inutilmente as busco acariciar,
mas
calmamente se vão desnovelar,
como
se um gato as cortasse em cirurgia,
parte
a hora atrás de hora em correria,
mais
do que eu ela corre ao terminar,
no
seu instante final busco-a agarrar,
mas
já é uma hora nova que surgia.
Iguais
mulheres sedutoras de vaidade,
as
horas me contemplam de passagem,
pelo
canto de seus olhos a burlar;
por
mais ousado seja eu em ansiedade,
elas
se escoam como água de barragem,
quando
a comporta se permite devassar.
HORAS
ATRELADAS III
Contudo
as horas se dão inteiramente,
em
um ato de amor ilimitado,
nada
me negam de seu corpo oureado,
porém
se entregam de forma impermanente
e
então se esgotam de maneira permanente,
de
cada hora o pleno beijo desgastado,
cedem
seu ventre por instante aferventado
e
então se vão, sem fervor mais persistente.
Mas
enquanto aqui estão, são amorosas,
bem
mais do que me foi qualquer amante,
que
só me deram, afinal, parte de si,
com
sua higiene e cuidados caprichosas,
trocas
de roupa a renovar constante,
cortes
do tempo que com elas convivi.
HORAS
ATRELADAS IV
Porém
as horas não conversam com amigas
e
nem sequer adquirem celular,
não
vão às compras indumentária a renovar,
nem
se aprimoram na rede das intrigas;
são
horas nuas, sem usar meias nem ligas,
cada
minuto em que perduram a me ofertar,
mesmo
que em sono eu as vá desperdiçar,
mesmo
que a vida as transforme em inimigas.
Mas
como a eclusa aberta em algum canal,
as
horas sobem a um nível superior
durante
os fiéis minutos que me afagam
e
depois descem para algum local,
sem
que eu possa saber qual o valor,
do
que roubaram de mim quando se apagam.
TATUAGENS
ATRELADAS I – 11 fevereiro 2003
Eu
vi a borboleta aprisionada
no
ombro belo de tola mulher,
tatuada
a borboleta, que sequer
pode
mover as asas, condenada
apenas
a viver meio afogueada
pelo
suor e calor desse mister,
de
ser adorno, só porque a outra quer
ter
um enfeite nessa ilusão tatuada!
Como
dever suspirar a borboleta,
só
ao mover de outro corpo condenada,
dessa
que a aprisionou em desatino!
Inconsciente
de se tornar prisão secreta,
que
a mantenha num grilhão aprisionada,
como
tatuagens nos ombros do destino!...
TATUAGENS
ATRELADAS II – 11 fevereiro 2023
Talvez
seja porque já sou velho demais
e
tatuagens fossem só coisas de piratas
ou
de marinheiros ou as marcas ingratas
dos
condenados em presídios federais.
Em
mulheres não eram coisas naturais,
esse
talhos de facas caricatas,
sobre
a epiderme demarcando datas,
como
em fazendas as marcas de animais.
Mesmo
em homens, são coisa de selvagens,
características
de tribos primitivas,
estranha
a moda de tão estranho adorno,
relho
marcado em medíocres personagens,
sem
melhor forma de afirmações esquivas,
quais
cicatrizes de incêndios sem retorno.
TATUAGENS
ATRELADAS III
Essas
marcas na carne das mulheres
honestamente
apenas me repelem,
que
algum desejo sobre mim congelem,
por
que se mutilar em tais misteres?
Será
que julgam que com esses quefazeres
alguns
parceiros para o amor apelem,
ou
que suas individualidades então selem,
como
se fossem anúncios de prazeres?
É
claro que os costumes... acostumam.
Com
tal frequência a se encontrar tatuagens,
muitos
homens até pensam que apreciam
esses
espectros que sobre elas se esfumam,
suas
exigências de sacrificiais visagens,
mas
na verdade só com eles se viciam.
TATUAGENS
ATRELADAS IV
De
certo modo a pobre borboleta,
sobre
a epiderme assim agrilhoada,
alguma
vida tem da derme transportada,
cruzando
os poros em dotação secreta.
Mas
sendo assim, percebe-se incompleta,
pois
nada era, antes de ser tatuada,
mas
agora que se encontra assim atuada,
não
pode alçar-se para a luz dileta.
Só
o suficiente para ser consciente
de
que não passa de um borrão de tinta,
seu
movimento tão só o do muscular,
um
tanto viva, sem se tornar vivente,
sem
entre flores esvoaçar em finta,
nascida
morta e sem poder voar.
AURORAS
ATRELADAS I – 12 FEVEREIRO 2003
Morna
é a Aurora quando chega o estio,
vem
aquecer-nos contra a negra chama
que
crepita para o oeste como lama,
na
qual o sol pareça estar com frio;
eu
contemplo tal Aurora e então me rio,
onde
os dedos cor-de-rosa dessa dama,
são
filetes de luz só que derrama,
entremedos
de negro, fio a fio...
Depois
a noite aos poucos vai recuando,
as
estrelas assopra, uma a uma,
algumas
bruxuleiam, mas retornam,
enquanto
a Aurora, num impulso, vai silvando,
de
toda a luz de prata então se esfuma,
dourados
brincos com que os céus adornam.
AURORAS
ATRELADAS II – 12 fevereiro 2023
Mais
fria é a Aurora, após a longa madrugada
dos
dias do inverno em flébil desconsolo,
nossa
expectativa a dispensar em dolo,
pálido
o sol que então brilha na alvorada
e
que se aquece com medo, um quase nada,
durante
as horas que correm em rebolo,
um
sol meio sub-aquático, com seu motivo tolo,
no
qual a Aurora treme, um tanto enregelada.
Mas
é apenas o mais breve esse dilúculo,
logo
se expande, mas sem nos dar calor,
o
Sol tirita e busca o seu crepúsculo,
que
ao invés de aquecer, suga da terra
qualquer
resquício mais cálido em vigor
e
logo se esconde para além da serra.
AURORAS
ATRELADAS III
Eu
pessoalmente amo mais o frio
e
quando me surge a Aurora de verão
já
me vou encolhendo de antemão,
sou
atormentado por qualquer estio;
durante
o inverno, exerço pleno brio
e
até me sinto de melhor coloração,
para
o Sol dolente estendo braço e mão,
no
corpo e cérebro a me crescer em cio.
Enquanto
no verão me escondo mais,
evitando
de expor pernas e braços;
já
o fazia, mesmo antes de saber
de
suas ações e seu queimor fatais,
da
radiação que calcinaria meus traços,
toda
a minha pele a torturar com seu poder.
AURORAS
ATRELADAS IV
Diante
da Aurora de outono me prosterno,
ou
reverente ante o fulgor primaveril,
nada
de estranho, afinal, é bem viril
amar
os períodos em que o calor é terno,
que
parta a Aurora do estio a seu inferno,
que
não me queime aguda em seu buril,
que
não dilacere minha pele de esmeril,
porém
que o frio não me pareça eterno.
E
que provoca espanto, se busco achar virtude
no
termo médio, aqui e em tudo o mais?
Essa
Aurora de verão nunca me ilude,
triste
a mostrar-me seu efeito derradeiro,
se
me dissolve quase por inteiro,
chegado
a Sol a seus pináculos fatais!
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