quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023


 

 

NOMENCLATURAS I – 13 FEV 23

(Faye Dunaway, época de ouro de Hollywood)

 

Antigamente se chamava “gaia”

A uma expressão alegre no semblante,

À visão de uma paisagem deslumbrante,

À luz do arco-íris que do céu nos caia.

 

Hoje se chama de preferência Gaia

Ao orbe que habitamos, cintilante

De azul e verde, em véu que nos encante,

Um turbilhão de nuvens em sua raia.

 

Também se diz que Gaia é aquela deusa

Que chamavam de “Géia” antigamente,

De que o prefixo “Geo” a ciência toma;

Mas se hoje em dia tal palavra a gente endeusa,

Tão balbuciada pela turma indiferente,

Gaia Placídia tem seu túmulo ainda em Roma.

 

NOMENCLATURAS II

 

E sendo “alegre” um sinônimo de “gaio”,

Adquiriu “gay” conotação diversa;

Tal acepção para mim é controversa

E na Parada Gay jamais eu saio.

 

Nem esvoaço pelo céu igual que o gaio,

Um belo pássaro de coloração conversa,

Os mais comuns sendo azuis em sua dispersa

Plumagem... se não voo, então não caio...

 

Gay também foi muitas vezes sobrenome,

Bem conhecidos o cientista Gay-Lussac

Ou o Gay Lord da cavalaria andante,

Mas a atual nomenclatura isso consome,

Como se o químico tocasse um atabaque

Ou o cavaleiro dançasse delirante!

 

NOMENCLATURAS III

 

No transcurso do tempo tudo se transforma:

Os inexperientes que julgam ser melhores

Ficam julgando os seus predecessores,

Mediante os termos de sua presente forma.

 

Um pretensioso a história até reforma,

Pretendendo estabelecer os seus pendores

Sobre os mortos, a viver então outros valores,

Com impunidade seu prestígio assim extorna.

 

Gaia Placídia de um césar enviuvou,

Logo a seguir com um outro se casou,

Que da Germânia chegara a conquistar;

Seu cenotáfio ainda hoje é visitado,

Mas que seu nome não seja vilipendiado

Por descendente que de seu ventre foi brotar.

 

ILUMINURAS I – 14 FEV 2023

 

Como um raio de plena escuridão

No inverso do espelho me contemplo:

Em conivência com a sombra me retemplo,

Fulgor inverso de estrelas em botão.

 

Não me percebo como a luz em reflexão,

Da sementeira da luz a ser o exemplo,

Sem essa luz me torno até mais amplo,

Ainda sou eu em meu imerso coração.

 

Dentro de mim sou totalmente escuro,

Não obstante, ainda sou eu inteiro,

Não me mesclo com a treva a que me abeiro,

Pelos meus órgãos eu me gotejo puro,

Gotas de ônix em minha carne correm,

Como esponja de universos que me adornem.

 

ILUMINURAS II

 

Mas não se pense que por ser escuridão,

Torno-me o oposto da luz que em ti habita,

As minhas artérias são rubroclara fita,

Meus nervos de cintilante expectação.

 

Há em mim a própria luz em reflexão:

Se não houver um reflexo que me incita,

Minha própria pele em ébano se agita,

Meu próprio antropoverso é o galardão.

 

Mas nem ao menos os meus olhos brilham

Contra essa mácula que me envolve o externo,

Mastigo o mundo com meus dentes baços,

Meus dedos incolores tudo ensilham,

Meu calor próprio a desventrar o inferno,

Em que domino por minha própria negridão.

 

ILUMINURAS III

 

E como a luz ausente não me ofusca,

Ofusco eu mesmo o negror em torno a mim,

Sou a fonte da luz negra e o mundo assim

É iluminado pela treva que em mim busca.

 

Minha energia em fotossíntese é fosca,

Como uma fenda na indumentária do jasmim;

Eu sou carvão misturado em caolim,

O meu carbono em superfície tosca.

 

Mas o mais negro carvão, quando ativado,

Demonstra ter em si seu próprio fogo

E em pederneira meu fogo é atrelado

E então me queimo, luz inversa a produzir,

Como um altar a desfazer-me em rogo,

Sem ver a luz, mas conseguindo reluzir.

 

AQUISIÇÃO I – 15 FEV 23

 

Eu já nem sei o que aprecio mais,

Se a chance de encolher-me no meu canto

Ou ter um lenço para secar meu pranto

Feito da saia de uma mulher do cais.

 

Há momentos em que o sexo é mais santo

Que as penitências e rezas naturais,

Entremeadas de sempres e jamais,

Em que a nudez é disfarçada por um manto.

 

Na verdade, que diferença faz

Pagar a um padre ou a outro sacerdote

Pela ferrugem de uma absolvição?

Ou acaso pensas que o dízimo que dás,

Que fará falta para teu próprio dote

Irá a Deus subornar por Seu perdão?

 

AQUISIÇÃO II

 

Não tenho mérito para alcançar a salvação,

Maiores sejam as boas-ações que faça:

É dote exclusivo que sobre nós perpassa,

Qualquer que seja nossa malversação.

 

Somos somente depositários de uma graça,

Que nos foi dada em pura comunhão,

Uma só vez, numa perfeita dotação,

Por sacrifício que a todos nos abraça.

 

Ficou bem claro nas Santas Escrituras

Que mérito algum possui um confessor,

Mas só pertence ao sublime doador,

Os donativos em dotações impuras,

Pois falta alguma te poderão lavar,

Somente a fé as tuas culpas apagar.

 

AQUISIÇÃO III

 

Bom é lembrar que os apóstolos antigos

Não recebiam da Igreja pagamento,

Cada um a conquistar seu mantimento,

A trabalhar ou confeccionar alguns artigos.

 

Um fabricava tendas para abrigos,

Outro pescava em seu cometimento,

Um tinha na troca de moedas seu talento,

Carpinteiros ou pedreiros seus amigos.

 

Nenhum deles a receber qualquer salário

Da eclésia antiga.  Foram só os sucessores,

Bem menor mérito a ter como pregadores,

Que passaram a cobrar emolumento vário,

Mas só para si mesmos, sem garantir a aquisição

Do dom gratuito de uma arcana salvação.

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