NOMENCLATURAS
I – 13 FEV 23
(Faye Dunaway, época de ouro de Hollywood)
Antigamente
se chamava “gaia”
A
uma expressão alegre no semblante,
À
visão de uma paisagem deslumbrante,
À
luz do arco-íris que do céu nos caia.
Hoje
se chama de preferência Gaia
Ao
orbe que habitamos, cintilante
De
azul e verde, em véu que nos encante,
Um
turbilhão de nuvens em sua raia.
Também
se diz que Gaia é aquela deusa
Que
chamavam de “Géia” antigamente,
De
que o prefixo “Geo” a ciência toma;
Mas
se hoje em dia tal palavra a gente endeusa,
Tão
balbuciada pela turma indiferente,
Gaia
Placídia tem seu túmulo ainda em Roma.
NOMENCLATURAS
II
E
sendo “alegre” um sinônimo de “gaio”,
Adquiriu
“gay” conotação diversa;
Tal
acepção para mim é controversa
E
na Parada Gay jamais eu saio.
Nem
esvoaço pelo céu igual que o gaio,
Um
belo pássaro de coloração conversa,
Os
mais comuns sendo azuis em sua dispersa
Plumagem...
se não voo, então não caio...
Gay
também foi muitas vezes sobrenome,
Bem
conhecidos o cientista Gay-Lussac
Ou
o Gay Lord da cavalaria andante,
Mas
a atual nomenclatura isso consome,
Como
se o químico tocasse um atabaque
Ou
o cavaleiro dançasse delirante!
NOMENCLATURAS
III
No
transcurso do tempo tudo se transforma:
Os
inexperientes que julgam ser melhores
Ficam
julgando os seus predecessores,
Mediante
os termos de sua presente forma.
Um
pretensioso a história até reforma,
Pretendendo
estabelecer os seus pendores
Sobre
os mortos, a viver então outros valores,
Com
impunidade seu prestígio assim extorna.
Gaia
Placídia de um césar enviuvou,
Logo
a seguir com um outro se casou,
Que
da Germânia chegara a conquistar;
Seu
cenotáfio ainda hoje é visitado,
Mas
que seu nome não seja vilipendiado
Por
descendente que de seu ventre foi brotar.
ILUMINURAS
I – 14 FEV 2023
Como
um raio de plena escuridão
No
inverso do espelho me contemplo:
Em
conivência com a sombra me retemplo,
Fulgor
inverso de estrelas em botão.
Não
me percebo como a luz em reflexão,
Da
sementeira da luz a ser o exemplo,
Sem
essa luz me torno até mais amplo,
Ainda
sou eu em meu imerso coração.
Dentro
de mim sou totalmente escuro,
Não
obstante, ainda sou eu inteiro,
Não
me mesclo com a treva a que me abeiro,
Pelos
meus órgãos eu me gotejo puro,
Gotas
de ônix em minha carne correm,
Como
esponja de universos que me adornem.
ILUMINURAS
II
Mas
não se pense que por ser escuridão,
Torno-me
o oposto da luz que em ti habita,
As
minhas artérias são rubroclara fita,
Meus
nervos de cintilante expectação.
Há
em mim a própria luz em reflexão:
Se
não houver um reflexo que me incita,
Minha
própria pele em ébano se agita,
Meu
próprio antropoverso é o galardão.
Mas
nem ao menos os meus olhos brilham
Contra
essa mácula que me envolve o externo,
Mastigo
o mundo com meus dentes baços,
Meus
dedos incolores tudo ensilham,
Meu
calor próprio a desventrar o inferno,
Em
que domino por minha própria negridão.
ILUMINURAS
III
E
como a luz ausente não me ofusca,
Ofusco
eu mesmo o negror em torno a mim,
Sou
a fonte da luz negra e o mundo assim
É
iluminado pela treva que em mim busca.
Minha
energia em fotossíntese é fosca,
Como
uma fenda na indumentária do jasmim;
Eu
sou carvão misturado em caolim,
O
meu carbono em superfície tosca.
Mas
o mais negro carvão, quando ativado,
Demonstra
ter em si seu próprio fogo
E
em pederneira meu fogo é atrelado
E
então me queimo, luz inversa a produzir,
Como
um altar a desfazer-me em rogo,
Sem
ver a luz, mas conseguindo reluzir.
AQUISIÇÃO
I – 15 FEV 23
Eu
já nem sei o que aprecio mais,
Se
a chance de encolher-me no meu canto
Ou
ter um lenço para secar meu pranto
Feito
da saia de uma mulher do cais.
Há
momentos em que o sexo é mais santo
Que
as penitências e rezas naturais,
Entremeadas
de sempres e jamais,
Em
que a nudez é disfarçada por um manto.
Na
verdade, que diferença faz
Pagar
a um padre ou a outro sacerdote
Pela
ferrugem de uma absolvição?
Ou
acaso pensas que o dízimo que dás,
Que
fará falta para teu próprio dote
Irá
a Deus subornar por Seu perdão?
AQUISIÇÃO
II
Não
tenho mérito para alcançar a salvação,
Maiores
sejam as boas-ações que faça:
É
dote exclusivo que sobre nós perpassa,
Qualquer
que seja nossa malversação.
Somos
somente depositários de uma graça,
Que
nos foi dada em pura comunhão,
Uma
só vez, numa perfeita dotação,
Por
sacrifício que a todos nos abraça.
Ficou
bem claro nas Santas Escrituras
Que
mérito algum possui um confessor,
Mas
só pertence ao sublime doador,
Os
donativos em dotações impuras,
Pois
falta alguma te poderão lavar,
Somente
a fé as tuas culpas apagar.
AQUISIÇÃO
III
Bom
é lembrar que os apóstolos antigos
Não
recebiam da Igreja pagamento,
Cada
um a conquistar seu mantimento,
A
trabalhar ou confeccionar alguns artigos.
Um
fabricava tendas para abrigos,
Outro
pescava em seu cometimento,
Um
tinha na troca de moedas seu talento,
Carpinteiros
ou pedreiros seus amigos.
Nenhum
deles a receber qualquer salário
Da
eclésia antiga. Foram só os sucessores,
Bem
menor mérito a ter como pregadores,
Que
passaram a cobrar emolumento vário,
Mas
só para si mesmos, sem garantir a aquisição
Do
dom gratuito de uma arcana salvação.
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