TEMOR NAUSEABUNDO I – 26 JAN 2010
É difícil compreender a própria mente,
enquanto a carne domina firmemente,
em hormonal esplendor, a inteira chama,
na qual pensamos como sendo a vida,
nessa conduta enzimática incontida,
em que o corpo manifesta e nos reclama,
de modo a controlar inteiramente
mesmo o que a si julga um ser inteligente.
Nada mais que lençóis de adrenalinas,
as múltiplas monções das endorfinas,
que nos acabam controlando cada ação,
enquanto a gente se ilude no pensar
em julgamento com o qual determinar,
quando é somente um refluxo de emoção!
TEMOR NAUSEABUNDO II – 26 jan 2023
E é mais difícil compreender a emoção
que nos pareça parcialmente sem noção,
por que sentimos um tão forte baque
no que se mostre desprovido de
sentido;
ainda quando por ciúme acometido
ou no temor de que algo nos ataque,
é inteligível uma tal exaltação
ou a ansiedade de buscarmos proteção.
Mas quando é um temor intangível que
nos vem,
igual premonição de um mal além,
por que tal coisa nos ataca
incontrolada?
E quando a causa de tal coisa se
procura,
somente uma razão se encontra impura
na quintessência túrgida do Nada.
TEMOR NAUSEABUNDO III
Segundo dizem, é a alma da mulher
que mais frequente elabora esse
mister,
que uma suspeita no futuro premoniza
e de fato igualmente ouvi dizer
que o homem pode somente algo temer,
enquanto a mulher tem certeza do que
a visa;
tão só suspeita poderá um homem ter,
mas a mulher saberá quanto prever.
Não sei se é assim. No fundo de minha
mente
prendi os temores na minha jaula de
defeitos,
a minha maldade qual pecado igual
assente;
mas se acaso me vier premonição,
em geral hoje escuto seus preceitos,
por meio dela regulando cada ação.
TEMOR NAUSEABUNDO IV
Há muito tempo pequena voz escuto,
que me adverte: “Para ali não vai!”
e se a descuro, algum mal recai,
não suficiente para me causar luto,
mas o bastante para me trazer
insulto:
quando a vozinha me avisou: “Não
sai!”
da última vez que lhe descurei o
estai,
um cachorro me mordeu sem mais
indulto!
Assim a escuto agora. Ou é preguiça,
não vou à farmácia ou ao
supermercado:
Vou deixar para amanhã, é mais
seguro.
Especialmente quando enfrento a liça
desse calor estival desordenado,
que ao sair à rua me atinge como um
muro!
PSICOSSOMA I – 27 JAN 23
A tampa do piano abandonado
virou pista de skate
para as moscas,
perdeu-se o brilho nas superfícies foscas,
e nem sequer enxergo-lhe o teclado,
que há muito já deixou de ser tocado
pelos meus dedos, perante muitas toscas
necessidades de mundéus e roscas:
quando o trabalho cessa, estou cansado.
E no entretanto, o milagre se renova
a cada vez que lhe levanto a tampa,
partem meus dedos em nova melodia,
logo a destreza em seu correr se escova
a morta música se ergue de sua campa,
qual um toque de condão que ressurgia!
PSICOSSOMA II
Com mais frequência hoje são meus
netos
que se aventuram a no piano batucar,
raras vezes sequer mesmo a dedilhar,
mas são meu sangue e os toques são
diletos;
em raras vezes lhes toco meus afetos,
canções antigas que antes pude
decorar
ou que de ouvido busco ainda
decifrar,
meus dedos a zumbir no teclado como
insetos.
Ou então mais lentos, quando nota
escapa,
antes que enfim eu decifre a melodia,
mas não a possa de imediato
controlar,
sem escrevê-la antes nesse mapa
dentro da mente em que aprisione a
harmonia
que os dedos possam ali sempre tocar.
PSICOSSOMA III
Menos ainda irei tocar um violino;
de fato, esse instrumento que
comprei,
que um segundo adquirido há tempos
dei,
para minha neta em carinho pequenino,
ao me dizer, com sua voz clara de
sino,
que pretendia seu toque puro
desvendar.
Às vezes, vem-me o impulso de tocar,
porém nem sei se sequer recordo o
tino.
Porque instrumentos requerem atenção,
não só de tempo, mas sugam energia
e meus braços hoje cansam facilmente;
sabe-se lá quanto à poesia dou vazão,
redijo ao menos três sonetos cada
dia,
teclas e cordas a abandonar impunemente.
FOGO INCOLOR I –28 JAN 2023
Quando partiu, eu me senti vazio,
literalmente oco, em grande parte;
do que havia em minhalma, vi destarte
afastar-se empós dela com meu cio.
Quase não lhe falei nada, mal um pio,
dela já tive na vida o que me farte.
pois já me havia decidido dar descarte,
que o amor sensual matara a sangue frio.
Mas quando assim se foi, em revoada,
partiram vinte ilusões, em correria
e me deixaram sem assim sentir mais nada;
pior ainda, partiram-me escondidas,
que amor fui procurar onde o escondia
e apenas encontrei saudades ressequidas.
FOGO INCOLOR II
Que não me entendam mal, está comigo
e se dispõe, com frequência, a
conversar,
até seus lábios permite-me beijar
e ainda segura minha mão em gesto
amigo;
porém o amor carnal não mais consigo,
declarou firme, sem nada negociar,
que seu corpo não pretendia mais me
dar,
que seu ventre transformara num
jazigo.
E desse modo ela partiu, sem ir
embora,
que muitas décadas passaram, mas
passado
não está o desejo que ainda sinto
dela;
não é mais jovem, transformada já em
senhora,
que permanece constante do meu lado,
mas para arroubos de amor seu peito
gela.
FOGO INCOLOR III
O que fazer, se após a menopausa
veem somente no amor velho uma folia,
já descartada em função da biologia
e então criaram essa ficção da
andropausa,
que de tantas ‘traições’ se torna a
causa,
quando uma outra amor do corpo oferecia,
mas é traição que a cônjugue
ofenderia,
a decorrência de uma ação que ela
descasa?
Nem todos são assim, eu sou fiel,
porque acredito na afinidade
espiritual
e diariamente faço amor nos versos,
porém às minhas saudades dou quartel,
ela presente, mas ausente do ritual
que faz dois corpos em um só
conversos.
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