quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023


 

 

PÉTALAS DE GIZ I – 29 JAN 2023

(Nastassija Kinski)

 

de meus rascunhos as letras extraviadas

buscam silentes o som de teus ouvidos,

todos os versos a querer-se proferidos

pela tua boca de graças mastigadas.

 

de meus cartões as emoções descompassadas

buscam somente de teus lábios os ruídos,

de tuas cocleias os sons incompreendidos, (*)

pela caliça de teus olhos condenadas.

(*) Os dois núcleos auditivos cerebrais.

 

voam sem rumo pelo ar atoleimadas,

sem pouso e sem destino, sem poleiro,

na busca de uma teia em que se enleiem,

vivas apenas ao serem emboscadas,

mesmo sendo de um casulo o paradeiro,

enquanto aguardem veneno em que se ateiem.

 

PÉTALAS DE GIZ II

 

são mil cartões de tudo aproveitados,

na maioria vácuos de medicamentos,

que seriam em polução pulverulentos,

maculados por minhas riscos marchetados.

 

mesmo a ser diversamente interpretados,

em seus papiros de embalsamamentos,

algo se grafa permeio aos tegumentos,

quaisquer estojos de vastidões borrados.

 

alguns ficam durante décadas na espera,

até que um dia algo me disponha, enfim,

a transportá-los para meu computador,

enquanto outros têm diferente esfera,

dispostos logo em mirra e benjoim,

mais por dever que por qualquer sopro de amor.

 

PÉTALAS DE GIZ III

 

porém foi dito já vezes sem conta

que tais palavras que na mente foram vivas,

ao serem registradas, não são divas,

somente letras a quem a vida afronta.

 

mortas estão em cada texto que reponta,

até o momento em que vistas permissivas

as disfarcem por capricho em semprevivas,

um tempo a lhes guardar de qualquer monta.

 

semprevivas se guardam em vasinhos,

mas os versos que escrevi vão ao quiasma,

para ser lidos e por ele interpretados,

porque de há muito abandonei os pobrezinhos

e tão apenas se outra mente os plasma,

volvem às teias para serem devorados.

 

PÉTALAS DE AFANO I – 30 JAN 2023

 

mais de uma vez ansiei por terminar

estas ladeiras de versos sem consciência

ou a própria vida sem reminiscência,

ainda não sei por que sigo a continuar.

 

poderia de uma missão ou de gesta te afirmar,

por isso passo a maltratar a tua paciência,

mas não existe pretensão na deiscência

da antera, que irá somente se espalhar.

 

não há uma ideologia a se imiscuir,

nem religião, sequer idolatria,

por mais de tal teor tenha falado;

nem a vaidade de a outrem me exibir:

qual a vaidade que uma rosa mostraria

perante o olhar que a tenha contemplado?

 

PÉTALAS DE AFANO II

 

não que me julgue semelhante a rosa,

nem que me oculte sob véu de violeta;

no que redijo não há missão secreta,

nem alguma exaltação mais orgulhosa.

 

não sou sequer uma sombra pundorosa

que se oculte no desvão de qualquer greta

e se dissolva na luz, sempre que a afeta

no momento da descoberta escandalosa.

 

mas qual é a flor que se abre por carinho

ou por orgulho ou mesmo por inveja?

cada flor quando sua época está pronta

abre seu pólen e trescala sobre o linho

da pradaria ou sobre vaso em que hoje esteja,

até que venha um inseto em seu pesponto.

 

PÉTALAS DE AFANO III

 

assim costuro os versos por minha vez,

não que planeje o qual é redigido,

são-me enviados, sem que me ache preferido,

por isso tantos tem tal diversa tês.

 

eu simplesmente escrevo isso que lês,

sem ter pensado em quebrantar o olvido,

nem que meu nome venha a ser reconhecido,

somente importa é esse tempo que me dês.

 

ou antes o dês a quem soprou-me o verso,

que eu apenas rascunhei em pura pressa,

para depois pixelizar no digital,

não mais que meu cansaço aqui disperso

de esternutar a hemorragia espessa,

sem intenção de fazer bem ou querer mal.

 

PÉTALAS DE SOMBRA I – 31 JAN 2023

 

toda minha vida é uma sombra, reconheço,

sombra de sombra quando é registrada,

mais sombra ainda quando já é enviada

e honestamente quase tudo em breve esqueço.

 

mas é a essa sombra que de teu rosto peço

dês breve instante de surpresa desgastada,

não mais que o tato na pele acidulada,

só um breve instante de tua face acesso.

 

sombra de sombra totalmente imaterial

é cada verso que digitei crucificado:

somente após ter seus cravos arrancado

poderá assumir qualquer coisa de imortal;

enquanto é verso é sombra sem ter vida

e só na morte alcançará qualquer guarida.

 

PÉTALAS DE SOMBRA II

 

nesta ilusão que percorres diariamente

é a sombra apenas ritualizada obstrução,

a ausência de luz sem haver escuridão,

que segue adiante impura totalmente.

 

nada há na sombra a ser subjacente,

não está gravada em muro de mansão,

nem na areia da praia em brotação,

foge tão logo quão se faz presente.

 

mas essa sombra que te encobre a luz

é mais real que esse código numérico

todo espalhado por nichos de memória,

que só se insere nesses programas crus,

sem qualquer ódio, sem mostrar nada de histérico,

nos alfanúmeros da afirmação peremptória.

 

PÉTALAS DE SOMBRA III

 

e nenhuns versos serão sombra de mim,

nem sequer sombra do rascunho que escrevi,

nem do esforço com que a cópia redigi,

nem os confetes que extraí de algum perfim.

 

não são a lâmina em que inscrevi assim,

somente a parte com com o verso destruí

e nem sequer uma sombra ai inseri,

a luz perpassa por tais círculos enfim.

 

nada mais são que rija tecnologia,

que em outra máquina buscará sua tradução,

sombra de sombra o inventário do que são,

sinais velozes sobre a tela que se cria,

visões mesquinhas provocadas por botão,

sequer a sombra de cinérea fantasia.

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