PÉTALAS DE GIZ I –
29 JAN 2023
(Nastassija Kinski)
de meus rascunhos as
letras extraviadas
buscam silentes o
som de teus ouvidos,
todos os versos a
querer-se proferidos
pela tua boca de
graças mastigadas.
de meus cartões as
emoções descompassadas
buscam somente de
teus lábios os ruídos,
de tuas cocleias os
sons incompreendidos, (*)
pela caliça de teus
olhos condenadas.
(*) Os dois núcleos
auditivos cerebrais.
voam sem rumo pelo
ar atoleimadas,
sem pouso e sem
destino, sem poleiro,
na busca de uma teia
em que se enleiem,
vivas apenas ao
serem emboscadas,
mesmo sendo de um
casulo o paradeiro,
enquanto aguardem
veneno em que se ateiem.
PÉTALAS DE GIZ II
são mil cartões de tudo aproveitados,
na maioria vácuos de medicamentos,
que seriam em polução pulverulentos,
maculados por minhas riscos marchetados.
mesmo a ser diversamente interpretados,
em seus papiros de embalsamamentos,
algo se grafa permeio aos tegumentos,
quaisquer estojos de vastidões borrados.
alguns ficam durante décadas na espera,
até que um dia algo me disponha, enfim,
a transportá-los para meu computador,
enquanto outros têm diferente esfera,
dispostos logo em mirra e benjoim,
mais por dever que por qualquer sopro de amor.
PÉTALAS DE GIZ III
porém foi dito já vezes sem conta
que tais palavras que na mente foram vivas,
ao serem registradas, não são divas,
somente letras a quem a vida afronta.
mortas estão em cada texto que reponta,
até o momento em que vistas permissivas
as disfarcem por capricho em semprevivas,
um tempo a lhes guardar de qualquer monta.
semprevivas se guardam em vasinhos,
mas os versos que escrevi vão ao quiasma,
para ser lidos e por ele interpretados,
porque de há muito abandonei os pobrezinhos
e tão apenas se outra mente os plasma,
volvem às teias para serem devorados.
PÉTALAS
DE AFANO I – 30 JAN 2023
mais de
uma vez ansiei por terminar
estas
ladeiras de versos sem consciência
ou a
própria vida sem reminiscência,
ainda
não sei por que sigo a continuar.
poderia de
uma missão ou de gesta te afirmar,
por isso
passo a maltratar a tua paciência,
mas não
existe pretensão na deiscência
da
antera, que irá somente se espalhar.
não há
uma ideologia a se imiscuir,
nem religião,
sequer idolatria,
por mais
de tal teor tenha falado;
nem a
vaidade de a outrem me exibir:
qual a
vaidade que uma rosa mostraria
perante
o olhar que a tenha contemplado?
PÉTALAS DE AFANO II
não que me julgue semelhante a rosa,
nem que me oculte sob véu de violeta;
no que redijo não há missão secreta,
nem alguma exaltação mais orgulhosa.
não sou sequer uma sombra pundorosa
que se oculte no desvão de qualquer greta
e se dissolva na luz, sempre que a afeta
no momento da descoberta escandalosa.
mas qual é a flor que se abre por carinho
ou por orgulho ou mesmo por inveja?
cada flor quando sua época está pronta
abre seu pólen e trescala sobre o linho
da pradaria ou sobre vaso em que hoje
esteja,
até que venha um inseto em seu pesponto.
PÉTALAS DE AFANO III
assim costuro os versos por minha vez,
não que planeje o qual é redigido,
são-me enviados, sem que me ache
preferido,
por isso tantos tem tal diversa tês.
eu simplesmente escrevo isso que lês,
sem ter pensado em quebrantar o olvido,
nem que meu nome venha a ser reconhecido,
somente importa é esse tempo que me dês.
ou antes o dês a quem soprou-me o verso,
que eu apenas rascunhei em pura pressa,
para depois pixelizar no digital,
não mais que meu cansaço aqui disperso
de esternutar a hemorragia espessa,
sem intenção de fazer bem ou querer mal.
PÉTALAS
DE SOMBRA I – 31 JAN 2023
toda
minha vida é uma sombra, reconheço,
sombra
de sombra quando é registrada,
mais
sombra ainda quando já é enviada
e
honestamente quase tudo em breve esqueço.
mas é
a essa sombra que de teu rosto peço
dês
breve instante de surpresa desgastada,
não
mais que o tato na pele acidulada,
só
um breve instante de tua face acesso.
sombra
de sombra totalmente imaterial
é
cada verso que digitei crucificado:
somente
após ter seus cravos arrancado
poderá
assumir qualquer coisa de imortal;
enquanto
é verso é sombra sem ter vida
e só
na morte alcançará qualquer guarida.
PÉTALAS DE SOMBRA II
nesta ilusão que percorres
diariamente
é a sombra apenas ritualizada
obstrução,
a ausência de luz sem haver escuridão,
que segue adiante impura totalmente.
nada há na sombra a ser subjacente,
não está gravada em muro de mansão,
nem na areia da praia em brotação,
foge tão logo quão se faz presente.
mas essa sombra que te encobre a luz
é mais real que esse código numérico
todo espalhado por nichos de memória,
que só se insere nesses programas
crus,
sem qualquer ódio, sem mostrar nada
de histérico,
nos alfanúmeros da afirmação
peremptória.
PÉTALAS DE SOMBRA III
e nenhuns versos serão sombra de mim,
nem sequer sombra do rascunho que
escrevi,
nem do esforço com que a cópia
redigi,
nem os confetes que extraí de algum
perfim.
não são a lâmina em que inscrevi
assim,
somente a parte com com o verso
destruí
e nem sequer uma sombra ai inseri,
a luz perpassa por tais círculos
enfim.
nada mais são que rija tecnologia,
que em outra máquina buscará sua tradução,
sombra de sombra o inventário do que
são,
sinais velozes sobre a tela que se
cria,
visões mesquinhas provocadas por
botão,
sequer a sombra de cinérea fantasia.
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