domingo, 5 de fevereiro de 2023


 

 

YSENGRIN E AS ENGUIAS I – 25 NOV 16

 

Cerca de um mês depois que isso aconteceu

Ysengrin e Renard se depararam

no meio de um caminho e se fitaram...

Cheio de ódio, forte rosnado Ysengrin deu...

 

Porém Renard sua esperteza não perdeu:

“Meu caro tio, que grande honra então lhe deram

os cavaleiros, quando na Ordem o receberam:

grande bênção a Santa Unção lhe concedeu!”

 

Mas Ysengrin não aceitou a brincadeira:

“Perdi o pelo todo da cabeça!

Queimei as orelhas, fiquei de boca inchada!”

 

“Porém recorde a advertência bem certeira

de que fechasse bem os olhos: não se esqueça!

Por meu conselho sua visão foi preservada!...”

 

Já se notou que este Ysengrin, coitado,

não pecava por ser muito inteligente;

era, sem dúvida, animal forte e valente,

mas por Renard muito fácil enganado...

 

E essa artimanha o deixou atrapalhado...

“Meu caro tio, está a ver perfeitamente,

da aristocracia tornou-se membro permanente,

com grande honra foi dignificado!...”

 

“E certamente, gostou daquela enguia!”

“Gostei, mas só comi um pedacinho!...”

“Pois foi embora!  Teria ganho muito mais!”

 

Pobre Ysengrin, responder não conseguia

e Renard não perdeu tempo no caminho:

“Vou-lhe mostrar onde pesquei tais animais!”

 

“Venha comigo.  As enguias saborosas

vivem no lago, junto àquela herdade; (*)

os homens pescam peixes à vontade,

aquelas águas da lagoa são piscosas!”

(*) Espécie de granja ou fazenda.

 

Ysengrin, com suas mandíbulas gulosas,

pôs-se a babar, na maior felicidade!...

“Então me mostre, sobrinho, por bondade,

como se pescam enguias tão formosas!...”

 

Estava o lago totalmente congelado,

duro o bastante para nele patinar

e bem no meio, a fim de se pescar,

 

haviam aberto um buraco arredondado,

em que levavam os cavalos a beber

e com um balde, água iam recolher...

 

“Veja, meu tio, eles enviam no buraco

esse balde, durante uma ou duas horas,

em que as enguias se recolhem, sem demoras;

quando o levantam, pesa como um saco!”

 

“Mas é preciso ter corda presa a um taco,

usando a força do gelo como escoras...”

“Enfio a cauda e uso as patas como esporas!”

“Se quer assim, vou trazer liana de guaco!”

 

Então o lobo se acocorou no gelo

e Renard lhe amarrou o cipó no rabo;

prendeu na alça do balde e o mergulhou!

 

“O tempo hoje, meu tio, se encontra belo!

Basta que fique duas horas e a seu cabo

verá o cardume que no balde se enfiou!”

 

YSENGRIN E AS ENGUIAS II

 

Postou-se o lobo no gelo da lagoa

e Renard foi para a margem, calmamente,

rindo entre as patas, disfarçadamente,

por pregar no falso tio peça tão boa!

 

Daí a pouco começou uma garoa

e Ysengrin se achava muito descontente:

“Caro sobrinho, o tempo está inclemente!”

“Fique só mais um pouquinho: é coisa a toa!”

 

Nessa esperança de comer enguias,

Ysengrin suportava a frialdade,

embora estando já quase entanguido.

 

Mas a garoa, durante as horas frias,

virara em gelo, na maior facilidade,

deixando o rabo do lobo endurecido!...

 

Logo a seguir, notou que claro já ficava

e no cansaço e intenso frio da posição,

quis Ysengrin dar no balde um safanão,

os peixes para ver que então pescava...

 

Mas quem diz que sua cauda levantava?

Ele pensou fosse do balde a condição,

cheio de enguias já reunidas na ocasião

e por Renard logo após ele chamava...

 

“Renard, venha depressa me ajudar!

O balde cheio já me pesa por demais

E não o consigo mais erguer sozinho!...”

 

O Raposão, sua cauda branca já a notar,

falou, malvado: “Espere só um pouco mais:

é justo agora que vai ficar cheinho!...” 

 

Mas a seguir, a aurora despontava...

Ysengrin sair dali não conseguia!...

Chamar mais alto o lobo não queria,

já com medo da situação em que se achava!

 

E se a gente da herdade o escutava?

Logo a seguir, latidos já se ouvia

e Renard, sem mais aquela, já fugia,

deixando o lobo ali preso como estava!...

 

Sem mais demora, luzes se acenderam!

No lago o lobo avistaram os camponeses,

seus cães ganindo, já meio assanhados!

 

Para a lagoa logo todos acorreram,

pensando que ele, como de outras vezes,

logo fugia, vendo os cães ali atiçados!...

 

Mas Ysengrin não conseguia sair

e com os cães começou a combater,

ferozmente suas gargantas a morder,

mas quinze cães o estavam a ferir!...

 

Messire Constant Desgranges ouvir latir

os seus cães, alguns feridos e a morrer;

sacou a espada para o embate desfazer,

contra a cabeça um forte golpe a desferir!

 

Mas Ysengrin deu um salto e desviou

e a espada lhe cortou somente o rabo!

Vendo-se livre, saiu em disparada!...

 

Nem homem, nem cachorro o alcançou

e na sua toca, a lamber seu triste cabo,

jurou vingança pela horrível tratantada!...

 

 

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