SOL
FILTRADO I – 16 FEV 2023
(Claudia Cardinale, musa do cinema italiano)
Dobrei
alguma esquina distraído
e
ali encarei essa imagem fescenina,
toda
mulher, com olhos de menina,
a
contemplar-me com visão de olvido.
Então
seu vulto percebi perdido,
tranquilo
andando empós a própria sina,
sua
impressão gravada em minha retina,
meu
próprio vulto por ela já esquecido.
Mas
me atingiu tal qual raio de sol,
que
o rosto me aqueceu subitamente,
porém
filtrado por sua vista transparente;
então
prendi com firmeza o cachecol,
que
agrilhoasse sua imagem transitória
em
fugitiva erupção de glória.
SOL
FILTRADO II
Não
sei quem era e nem tentei saber,
a
sensação solar só para mim,
sem
significar para ela nada assim,
por
que seu nome buscaria conhecer?
Ficou
bem claro que esse solar a se esbater
contra
minha face em soprar de serafim,
nem
por instante seria o meu clarim,
mirou
de leve para ao longe se perder.
Alguma
vez, ao dobrar de uma outra esquina,
com
novos olhares fulgentes deparei,
em
uma nova impressão que me fascina,
mas
de tais vezes impressão pensar causei
nessas
pupilas refletidas de passagem,
tal
qual pudesse prestar-lhes vassalagem...
SOL
FILTRADO III
Essa
impressão quiçá somente imaginei,
porque,
afinal, era a dobra de uma esquina
e
eu seguiria por tal rua matutina
e
elas tomariam o caminho que cruzei.
Do
destino a pretender não retornei,
a
luz do Sol filtrara-se em cortina,
por
um momento senti ânsia pequenina,
porém
razão para um retorno não achei.
É
tão frequente de atração casualidade,
somente
o desventrar de algum possível,
sem
a luz breve conquistar da realidade.
Quem
sabe meu próprio destino assassinei,
nas
muitas vezes do surpreender incrível
que
para o limbo indiferente condenei.
FELICIDADE
FILTRADA I – 17 FEV 2023
A
porta da felicidade tem um só sentido,
nos
disse Kierkegaard, o filósofo do amor,
só
a encontramos ao abrir para o exterior,
quando
aberta uma outra porta tenha sido.
Será
apenas por amor externo recebido,
não
somos donos desse intrínseco vigor,
o
nosso coração sempre busca com fervor
que
nosso anseio seja por outrem atendido.
Sempre
é possível encontrar satisfação
nesses
meandros de nossa própria mente,
o
cérebro a agir de forma independente
ante
qualquer exterior manifestação,
sempre
possível se encontrar amor na arte
ou
nesses sonhos que a leitura nos reparte.
FELICIDADE
FILTRADA II
Porém
o corpo necessita de algo mais,
não
pode alguém amar a si integralmente,
nenhum
espelho é nosso par ingente,
o
coração quer bater junto aos demais.
E
se não bate em afeições carnais,
sem
essas regas se murcha facilmente,
felicidade
não está nele presente
todo
amor-prório possui laivos amorais.
Desde
a infância se criou o sentimento,
o
amor materno a nos dar felicidade,
em
sua ausência a vivenciar maldade
e
desde então buscamos julgamento
na
aceitação corporal em comunhão,
que
mais não seja no carinho de um irmão.
FELICIDADE
FILTRADA III
A
felicidade assim sempre é filtrada
pela
atenção que nos chegue do exterior,
em
algo se aleija quem não tenha amor,
por
mais sua mente sendo pura e ilustrada.
Porque,
afinal, toda arte que é apreciada,
toda
a ciência e tecnologia posterior,
todos
os livros que se lê com mais ardor,
de
fora vieram, em branda revoada.
E
quando a própria arte é enfim buscada,
a
forma única de nos dar felicidade,
por
mais que dela enfim nos orgulhemos,
é
saber que por estranhos é apreciada,
vindo
de fora essa coroa de vaidade,
sem
a qual dentro de nós definharemos.
PRIMAVERA
FILTRADA I – 18 FEV 2023
Houve
ocasião em que um rastro persegui,
novo
contato a buscar sem destemor,
pequeno
fio no novelo de um amor,
a
ponta apenas nesse instante consegui...
Houve
ocasião em que esse rosto que sorri
foi
primavera transcendente de vigor,
em
tal olhar descobri novo fervor,
nesse
encanto em que por meses eu vivi.
De
um tal contato não me arrependi,
nessw
olhar despejei minha liberdade,
qual
presa feita por tal reciprocidade,
pequeno
sonho que desta vez não extinguí,
mas
não passou de filtrada primavera,
qual
florescência no fulgor de uma cratera.
PRIMAVERA
FILTRADA II
Mas
como tudo é temporário nesta vida,
entrecortado
por outro olhar brilhante,
nem
sempre tal tentativa é triunfante,
no
completar de uma luxúria pretendida.
E
mesmo quando o par nos toma de vencida
e
nos acolhe em abraço delirante,
todo
sexor tem validade impante
até
a conclusão pela bula pretendida.
Qual
surge o tempo de menor desejo,
outros
olhares a nos tomarem de soslaio:
dobrada
a esquina, noutra ilusão em caio,
nesse
patético ansiar por outro beijo
e
a primavera sem verão se faz outono,
nos
finais dias de aceitação desse abandono.
PRIMAVERA
FILTRADA III
Não
é de admirar que após tal primavera,
filtrada
assim até tornar-se diluída,
surja
o pendor por experiência mais contida,
sem
saber se vale a pena nova espera.
Se
um novo olhar a vista nos altera,
melhor
buscar outra imagem conhecida,
em
primavera de calor reconstituída,
a
alma fria a se mostrar pequena fera.
Mas
o coração ainda anseia se iludir,
quando
o verão já nos queimou demais,
quem
sabe a luz nos brilhe nesse outono,
em
uma nova experiência a se imiscuir,
breves
semanas de ardores siderais
por
um amor de quem ninguém pode ser dono.
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