RECONHECIMENTO I – 12 MAR 24
(Anne Heche / Harrison Ford)
Tudo o que sou e sinto atribuo a essa mulher,
que me olha de longe e que me olha de perto,
a falhar seu olhar, meu viver é um deserto,
quanto encontro na vida é quanto ela me quer.
Meus momentos de orgulho, raros como qualquer
instantes de humildade, dependem do concerto
dos olhos sobre mim, de seu olhar aberto,
no negar de seu brilho, resta uma luz sequer.
Em tudo eu lhe reajo, mas não sou seu fantoche,
tenho minhas reações e no final, se cedo,
é de caso pensado, não por obrigação,
pois quanto ela me exige, compõe-se nesse broche
de emoções escolhidas, abertas sem segredo,
que meu real desejo é mostrar-lhe devoção.
RECONHECIMENTO II
Cada arrepio que sinto, cada piscar
de olhos
depende justamente do estado dos cuidados,
de cada escrúpulo em meus instante
perturbados,
meus olhos secos por entre meus
antolhos,
percebem só em si, desviados dos
escolhos,
cada brisa de nobreza, quaisquer sons
mais delicados,
cada ansiedade leve, momentos
malogrados,
cada arco-íris da alma contido nos
refolhos
deste meu coração, que se lastima
tanto,
sem sequer compreender essa total
brancura
com que expõe para mim expostos
sentimentos,
pois não se esconde nunca na fábula
do pranto,
porém quando se exprime é com firmes
acentos,
envoltos no amargor da gélida doçura.
RECONHECIMENTO III
Dizem que a alma surge perante o
nascimento,
somente o espírito a provir desse
além-céu,
crescendo pouco a pouco, no soerguer
do véu
de cada situação envolta em
sentimento.
Minha alma, penso eu, somente teve
assento
no nascer desse amor, vasto mundéu,
que o peito me atingiu no fragor de
um escarcéu,
meu espírito a enfrentar a partir
desse momento.
Assim lhe devo tudo, cada moção da
sorte,
cada momento feliz, cada
infelicidade,
cada dúvida mordaz, tudo dela faz
parte
e se algo buscasse afastar com algum
corte,
minha alma aleijaria em total
mendicidade,
barroco o coração, sem mais pendor
nem arte.
FRUGALIDADE I – 13 MAR 24
Cantar um rouxinol é coisa antiga,
muito mais europeia do que nossa;
algum dia talvez eu mesmo possa
escutar um rouxinol entoando a giga.
Quiçá caminhos da Europa então eu siga,
a buscar de meus avós a antiga fossa;
bem mais fácil aqui se escutar a troça
de um corvo negro empoleirado numa viga.
Porque, no fundo, escutar um rouxinol
é mais coisa de um arcano menestrel,
cujo alaúde empunhasse no final
para imitar esse canto qual farol,
enquanto em minha vida sem quartel
eu sempre estive bem mais para um jogral.
FRUGALIDADE II
A energia se esvai enquanto espero,
nessa corrente mansa da entropia, (*)
enquanto espero em vão mais energia,
enquanto a distropia mais eu quero.
(*) dispersão/concentração da
energia.
Em tal espera só encontro disforia,
(*)
o oposto da alegria que não gero,
toda promessa não mais que lero-lero,
só em som real encontra-se a eufonia.
(*) melancolia, tristeza // som
agradável.
E enquanto espero por mais alegria,
sou alegre por dentro, meu sistema
hormonal está bem equilibrado;
entre momentos de melancolia,
por incômodos reais que mais eu tema,
vendo a ironia de todo o meu passado.
FRUGALIDADE III
O mundo mágico da tecnolgia
rouba os caminhos da imaginação,
surgem as coisas, qual golpe de mão,
sem deixar mais lugar à fantasia.
Há tantas coisas que se imaginaria
impossíveis só meio século de antemão
de que agora já se assiste a
aplicação,
nessa ciência que no presente guia
a portais nunca dantes sugeridos,
quando deixada a extravasar a mente,
não ficam mais em hipótese vazia,
mas logo surgem planos, concebidos,
postos em prática no impossivelmente
dessa ciência que hoje zomba da
magia.
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