BOTÕES DE GEADA
William Lagos
BOTÕES
DE GEADA I (7/5/2010)
A
gente se levanta, satisfeito,
com
planos e projetos para o dia,
calcula
com cuidado o que faria,
num
esboço completo e sem defeito.
E
então vem o acaso, que jazia
adormecido,
tal qual é de seu jeito
e
nos empurra para seu proveito,
para
a nova armadilha que tecia...
E
as coisas sempre ocorrem diferentes,
os
planos são mandados para o lixo,
mil
projetos projetados para o nada...
Pois
precisamos atender a outras gentes
que
nos exigem atenção ou favor micho,
pois
toda a vida são botões de geada...
BOTÕES
DE GEADA II
Sopro
em meus dedos, a espantar o frio
e
com ele se escoam meus projetos:
talvez
se acoitem sob estranhos tetos,
quiçá
algum contemple enquanto espio.
Mas
de toda essa leveza apenas rio:
sei
bem que planos são apenas fetos,
mesmo
aqueles ao carinho mais diletos
e
não encaro meu desejo em feroz cio.
As
ideias para mim são importantes,
muito
mais que qualquer realização:
se
voam de meus dedos, então pousam
nos
lugares em que sejam triunfantes,
onde
encontrarem sua completação
e
no mundo material, enfim, repousam.
BOTÕES DE GEADA III
Livre do muco sai a inspiração
e sinto os versos tal que me
assoasse
ou que saíssem sempre que
espirrasse,
não importam sejam cantos de
paixão
coisas horrendas de esternutação,
pérolas meigas com que me
enfeitasse,
protestos secos com que me
esgarçasse
ou os prazeres que vêm do
coração.
Eles se espalham com a expiração,
versos impuros que nem sei quem
diz
ou quem sussurra para meus
ouvidos;
só sei que me não cabe a retenção
e é por isso que os comparo a meu
nariz,
o mundo enchendo com mal
entendidos...
BOTÕES
DE GEADA IV
Talvez
te enoje esta comparação,
mas
por que, visto ser emunctório
e
todo sangue apenas provisório,
a
renovar-se em contínua mutação?
Se
o suor é aceito em multidão
pulando,
obstinada, em auditório,
se
urina e fezes ao laboratório
são
levadas para exame, em profusão?
Enquanto
o muco, assim endurecido,
é
tão somente o da respiração,
o
protetor cuidadoso da mucosa?
Que
seja então, com carinho, devolvido
ao
ar que o fez, com certa devoção,
para
podermos aspirar de novo a rosa...
BOTÕES
DE GEADA V
Eu
já risquei a palavra proibida
que
havia empregado inicialmente,
já
que muco é mais aceito socialmente,
enquanto
o ranho é barrado de saída...
E
a sociedade me leva de vencida;
à
obscuridade eu sou indiferente;
vulgaridade
também é deprimente,
porém
o ranho tem direito à vida!
Quando
se fala tanto em excluídos
e
se dá tanto apoio a minorias,
por
que o coitado deve ser banido?
Que
sejam seus direitos concedidos
e
que o ranho escorra pelas vias
respiratórias,
sem que seja proibido!
BOTÕES DE GEADA VI
Porém confesso que não pretendia,
quando a esta nova série dei
começo,
falar de escorrimento, a qualquer
preço:
minha chocarrice bem lá atrás
jazia!
Era tocaia que eu nem sequer
sentia;
qualquer sintoma mesmo agora
esqueço
do que é a gripe há anos e nem
peço
a um resfriado surgir-me neste
dia!
Eu me refiro a um muco mais
domado,
que por leve alergia é provocado,
pelo pólen das flores perfumadas;
e então se vai, meio que
discretamente,
com um lenço de papel,
frequentemente,
sendo as provas do crime
descartadas...
BOTÕES
DE GEADA VII
O
que eu buscava descrever, é certo,
é
como as coisas florescem e derretem,
tantas
tristezas que nos comprometem,
tão
fáceis de apagar, quando bem perto
se
encontra aquela que o coração desperto
nos
traz à vida. Ou que alegrias projetem
na
atmosfera os gostos que cometem
a
punição ao degredo num deserto...
Mas
já expliquei o quanto me acomete:
eu
não controlo nada do que escrevo,
mas
antes do que escrevo sou escravo,
que
algum elfo ou duende se intromete
e
toma conta da esfera com que levo
a
esperança de tomar do mel um favo...
BOTÕES
DE GEADA VIII
Destarte
sinto a geada nos meus dedos,
que
se derretem em luz nesses botões.
A
geada faz-se orvalho em corações
e
os botões reflorescem em segredos;
tantas
flores que escudam tantos medos,
capazes
de aliviar tantas lesões,
flores
de amor ou flores de perdões,
flores
de geada nos meus sonhos ledos.
Que
nem conseguem, sequer, manifestar,
porque
isso que eu escrevo não é meu:
é
voz estranha a me lançar sua geada;
e
a cada vez que a busco contestar,
sinto
na nunca um gelado sopro ateu,
que
me impulsiona ao longo dessa estrada.
BOTÕES DE GEADA IX
É de meus dedos que esse muco
escorre,
da carne viva sob as unhas a
fonte;
é pegajoso, sim, porque faz ponte
entre a alma do poeta, quando
morre
e as outras almas a que então
recorre,
com as estranhas histórias que
lhes conte
e vida e morte, sem cessar,
remonte,
mesmo que a própria vida a morte
borre.
Assim eu morrerei, por isso
espero,
mas este grude que me mostrou
segredos
dos que morreram antes que eu
chegasse
indelével ficará no som que gero,
por esse muco que escorreu dentre
meus dedos,
antes que a própria morte me
alcançasse.
BOTÕES
DE GEADA X
E
não te iludas, leitor ou minha leitora,
alheio
espírito que meus poemas lês
essas
palavras que, indiferente, vês,
grudam
em ti igual força impulsora;
de
parte de tua mente, a cada hora,
ou
nesse coração em que mais crês;
elas
se firmam, em disfarçada tês,
que
uma parte da alma te devora...
Essa
diáspora que provoco lentamente,
não
se destina a ser logo descartada,
com
um irônico sorriso da razão;
o
seu propósito não tem nada de inocente,
pois
sua mensagem há de ficar gravada,
em
algumas fibras de teu coração.
BOTÕES
DE GEADA XI
Porque
os botões de geada que me escorrem
são
fruto e fluxo dessa fluidez
que
me derrete a mente, mês a mês,
enquanto,
aos poucos, meus neurônios morrem.
Este
muco dos sonhos que me correm
ainda
que tenha grosseira timidez,
aquelas
coisas em que tu mais crês
as
firo, involuntário, até que torrem
e
se retorçam, numa angústia nova,
já
que estes venenosos filamentos
não
falam da tristeza ou da alegria
que
na vida diuturna assim te mova,
mas
são o efeito de estranhos corrimentos,
com
que meu cérebro, aos poucos, se desfia.
BOTÕES DE GEADA XII
Porém nem sei se te peço teu
perdão
por me valer de ti, desta
maneira,
interferindo em tua vida
corriqueira,
por minha própria ânsia de
ilusão;
porque, de fato, não se trata de
paixão:
é mais a mente que se faz
matreira
e por meio de palavras,
sorrateira,
entra na tua, na aparência sem
razão;
e se te afeta, é que algo
ressonou
de permeio a tuas sinapses e
axônios,
ou mostrarias a mais completa
indiferença;
mas se algo dentro em ti se
rebelou
é que alimentas igual e estranha
crença,
gravada há muito nas redes dos
neurônios.
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