IPOTUJUJA ("Traseiro Molhado' no dialeto Ianopó)
William Lagos
IPOTUJUJA I (2006)
Se eu me olhar no
espelho, talvez veja
(embora a barba um
pouco isso disfarce)
que a “Divina
Proporção” em mim esteja,
ainda que a velhice um
pouco a esgarce...
Dividindo o
comprimento de meu rosto
por sua largura,
encontro essa razão:
quando minha mão
perante o olhar encosto,
lá se encontra
novamente a dimensão.
Dizem que o homem à
imagem e semelhança
de Deus foi
feito. Talvez seja verdade
e então de Deus tal proporção
dimana.
Mas até onde meu olhar
alcança,
Deus é invisível em
sua divindade...
Por isso a chamo de
"Proporção Humana".
IPOTUJUJA II
Sempre busquei a
“Divina Proporção”
na estética da vida e
de meus versos;
devo a Paccioli essa
denominação:
o bom Frade Luca, em
seus sermões diversos
criou essa expressão e
seus conversos
a adotaram com
fidelidade e devoção;
mas existem também
livros dispersos
que lhe atribuíram
outra designação.
Foi Zersing que a
chamou “Seção de Ouro”
e ainda Fechner, a
“Proporção Dourada”
e para Cook indicou a
“Proporção Phi”,
em homenagem a
Phidias, o grego louro,
criador da estatuária
mais louvada,
que nos serviu de
modelo até aqui...
IPOTUJUJA III
(20/7/2010)
Agora eu
consegui. Reclamei tanto
que os traços da
velhice imperceptíveis
me eram no rosto de
linhas imutáveis,
que o coro respondeu a
meu descanto.
Cabelos brancos me
recobrem qual um manto
onde eram castanhos
bem visíveis
e os fios da barba,
igualmente imponderáveis
embranqueceram ao
recolher do pranto.
E mesmo assim, fosse a
barba escanhoada
e a juba dos cabelos
esquilada,
minha aparência se
rejuvenescera;
o rosto ainda é liso e
sem papada,
não trago rugas na
face mal sulcada:
terei na tumba a
juventude companheira?...
IPOTUJUJA IV
Enquanto traduzo esses
artigos
sobre essa árida
ortognatia,
talvez perceba a razão
de meus amigos
tratarem minha beleza
em zombaria...
Que sou bonito só a
mamãe dizia:
meus dentes, desde os
tempos mais antigos
são apinhados, o que
demonstraria
qualquer sorriso a
abrir dos lábios os abrigos...
Sem dúvida exemplo de
ortodôntica inestética,
qualquer sorriso de
fracassada sedução,
talvez por isso também
falou-me a ética
e perdi tantos amores
em botão,
no desaponto de
egoística ilusão,
só porque o rosto
fugia de sua estética!...
IPOTUJUJA V
Hoje em dia não tenho
mais idade.
Passou-se o tempo em
que teria importância
um tratamento
ortodôntico. A infância
seria a época
adequada, na verdade.
Foi até sugerido, mas
com ceticidade
meu pai ouviu a
ideia. Na distância
percebo o que perdi,
mas a constância
de minha idade não
achou dificuldade....
Não que tivesse algum
medo de dentista:
só sentia da dor que
causariam...
naquela época,
aparelhos eram raros.
Era menino. Para meu pai, a vista
de meu rosto não
compensava os caros
tratamentos que tanto
custariam...
IPOTUJUJA VI
Nem sei se escrevo
mais... Já tenho tantos
rascunhos esquecidos
de mim mesmo,
tantos sonetos em
amontoado a esmo,
sem que jamais escutem
os meus cantos...
Escondi meus
pensamentos sob os mantos
da fala multissom de
alheia cisma,
nesses versos que se
contam como resma,
em salmos ímpios de
misteriosos santos.
De que me servem pois,
se sequer tempo
me sobra para expor o
malefício
de tantas rimas
zunindo em seu caudal?
E só me resta o triste
contratempo
que em nada me garante
um benefício
por tantos sonhos que
me fizeram mal...
IPOTUJUJA VII
Eu canto aqui apenas
essa perda
do amor que pelo tempo
se esgarçou,
tanto esticado em
versos que acabou
e sobrevive tão
somente nesta cerda.
Nestes miasmas de
versos em que acorda
um palpitar pouco
sutil de malquerença;
já não te quero com a
mesma crença:
minha agulha com tal
cerda não mais borda.
Gastei meus fios de
luz na cor mortiça
do beijo que não
houve, na dolente
fraga da vida sempre
inconsistente.
O mel se fez azedo
nesta liça
e me percebo agora
indiferente
ao morto brilho dessa
dor castiça...
IPOTUJUJA VIII
Alguns afirmam que a
poesia que eu escrevo
é excessivamente de
cunho pessoal
e que a temática
social então eu devo
aproximar, na busca de
um ideal.
Esse que outros
adotam, num canal
bem diferente daquele
que já levo...
Também podia aprender
a dançar frevo
ou numa “escola” ir
pular no carnaval...
Quanto eu escrevo vem
do fundo dalma
e é até mais do que
arte pela arte,
mas a expressão do que
brota do interior;
não me limito a
escrever em plena calma,
meu turbilhão me
invade qual enfarte
e explode em mim num
manancial de horror!
IPOTUJUJA IX
Duas latas de lixo
dentro do escritório
ocupo por semana, uma
tenho sob a mesa,
a outra ao lado de meu
divã, empório,
aberto dia e noite,
com certeza...
Vejo nas duas o fiel
repositório
de minhas ideias
rasgadas, da vileza
que marca a vida
inteira, emunctório
qual de líquidos
orgânicos sem nobreza.
Ali derramo a pilha
dos rascunhos,
após enobrecer sua
redação;
ali despejo as emoções
secretas...
Hoje rasguei com a
fúria de meus punhos
os originais de
aborrecida tradução
e uma em cada, joguei
fora duas canetas!
IPOTUJUJA X
Esqueço às vezes todo
o dia que devia
à interna inspiração
abrir canal;
estou tão ocupado ou sinto-me
tão mal
que não vejo espaço
durante o inteiro dia...
Somente à noite,
quando a casa já dormia
e permaneço a
trabalhar no meu pombal
(porque os arrulhos
escuto no beiral
de pombas às dúzias,
em sua gentil orgia),
volta a consciência de
ainda ser humano,
brinca o cansaço nos
músculos dos olhos,
chama-me a mesa e abro
o coração;
chegam-me as vozes em
divinal arcano
e beijam-me os pulmões
e a alma nos refolhos,
forçando o corpo ao
jugo da canção...
IPOTUJUJA XI
Não o faço por fazer:
a luz fluente
espero no meu
verso. Não escolho
qualquer temática
política ou social,
apenas abro as
comportas da nascente,
cada poema em sua
aurora diferente;
nas notas musicais os
dedos molho
e me abebero tão só do
imaterial,
deixo que escorra tal
qual desce da mente.
Destarte, não me
imponham a temática
dos pobres, do
agasalho ou ecologia,
que até posso empregar
por desfastio;
mas não vejo qualquer
mérito nessa enfática
escravidão da arte a
uma embolia
de frases vãs antes as
quais sequer sorrio.
IPOTUJUJA XII
Não posso me
queixar... Meu corpo é forte
e até hoje não
falhou... Doenças graves
eu nunca as tive e nem
quaisquer agraves
de fraturas ou
defeitos trouxe a sorte.
Por mais que a idade
de certo modo corte
alguns de meus
impulsos, as autoclaves
biológicas que me
regulam essas chaves
conservam da carne e
ossos o suporte.
Só desisti de andar
por toda a Europa,
mochila às costas, só
movido por meus pés
e dos recifes não
sondarei cavernas...
Somente os sonhos com
que a mente me engazopa,
bem ao contrário das verdadeiras
fés
com que traduzo as
realizações externas...
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