SOMBRAS VAPOROSAS
William Lagos – 9 jun
2010
SOMBRAS VAPOROSAS I
Saciado apenas o
natural desejo,
envolto numa auréola
deslumbrante,
o corpo cheio de
energia estuante,
pela força milagrosa
de teu beijo,
minha vaidade e
egoísmo assim aleijo,
somente em ti ao
nutrir essa gigante
sensação de triunfo
delirante,
que não descubro em
mais qualquer ensejo
e, se me afasto de ti,
sem nos meus braços
te prender dadivosa
outros momentos,
é que meu coração se
encheu de aurora,
meu rosto qual espelho
de teus traços,
liberado para ir empós
intentos
a que somente o teu
amor me espora.
SOMBRAS VAPOROSAS II
E assim eu fico, em
plenilúnio de veludo,
os impossíveis filhos
no teu seio,
enquanto o teu abraço
encontra meio
de fecundar a mim e
não me iludo,
pois são teus beijos a
inspirar o mudo
córrego seco para o
antigo veio;
se tenho inspiração, é
que incendeio
nesse perfume de ti,
que é meu escudo.
Pois nada sou, sem
sentir o refrigério
que ainda mais me
anseia por tua falta;
estás presente na
sombra que sentia,
no vácuo cristalino,
canto etéreo,
que de meus dedos
diariamente assalta
em tantas sílabas
tolas de poesia.
SOMBRAS VAPOROSAS III
Em canto inútil
esfarinho o sonho
em almofariz, com o
cabo do pilão,
réstias de cérebro
desfeitas em ilusão,
santas quimeras em
esvair tristonho;
nesse monjolo de prata
a vida ponho
e a martelo
lentamente, sem paixão;
a alma dói bem mais
que dói a mão,
tiras de lágrimas em
esvair bisonho,
desmanchando o próprio
rosto no moer
dessas palavras que,
sem prazer, te entrego,
que fazer versos é
mais que desatino,
tornou-se para mim
triste dever
no revelar de quanto
já fui cego
em esperar se
demudasse meu destino.
SOMBRAS VAPOROSAS IV
As sombras passam em
puro desvario,
gotas de chá feitas
cristais de gelo,
vapores de café em
aroma belo,
sonho castrado de
animal no cio;
as sombras nos
envolvem no seu rio,
tem vestes permanentes
este zelo,
no disfarce
amanteigado de seu selo,
sombras ocultas no
fragor do brio,
porque as sombras,
sonhos de vapor,
envolvem todos nós em
permanente
miragem zombeteira do
que somos;
e quando a alguém
cedemos nosso amor,
vogar amamos de tal
sombra envolvente,
com todo o ardor das
sombras que já fomos.
SOMBRAS VAPOROSAS V
Mas algures se
condensa a solidez
dessas sombras de
purpurino nada,
quando a alma
internamente é iluminada
por esse espelho de
pura embriaguez;
não é amor aquilo que
se fez,
só uma sombra à sombra
de outrem abraçada,
mil vapores
deslizantes na calçada,
aos quais pisamos na
maior desfaçatez,
porque a carne se acha
dentro desse espelho,
só nossa pele é que
reflete a luz,
sejam fantasmas de
tristeza ou rosas...
E quando surgem
rasgões no rosto velho,
nesse reflexo a que a
prata nos conduz,
nada mais somos que
sombras luminosas...
SOMBRAS VAPOROSAS VI
(14/2/12)
Toda nossa
indumentária é sombra mansa,
caleidoscópio de
antigos dominós;
estamos juntos e
continuamos sós,
por todo instante a
que a memória alcança,
porque vestirmos
sombras é uma herança
legada desde o antanho
a todos nós,
tapeçaria tricotada em
dós,
nesses mil passos de
tão antiga dança;
na fantasia, mostramos
almas de brilho,
mas é somente o Sol,
em tais cristais,
que nós roubamos, em
disfarce pegureiro
e então largamos atrás
de nosso trilho
os mil vazios de
perfurados sais,
no vapor ácido de um
disfarce derradeiro.
SOMBRAS VAPOROSAS VII
Houve dias em que
amei, bem ternamente,
até a sombra da
esperança morna,
essa sombra de vapor
que me retorna
sempre que os olhos
fecho diariamente;
mas o tempo
transcorreu, indiferente,
e todo o caldo da
esperança ora se entorna,
foge a lua entre meus
dedos e não torna;
quanto passou se faz
sombra no presente.
De fato, a sombra
alimentou o que eu senti
e o amor de ontem se
esvaiu da fama,
isso que sinto hoje é
menos belo
que todo o amor
sentido então por ti,
de que só resta uma
pequena chama,
quase coberta por cem
cubos de gelo...
SOMBRAS VAPOROSAS VIII
A cada dia que passa
sem tua sombra
enroscar-se na minha
sobre o chão,
forma-se gelo no meu
coração:
vai deslustrando o
quanto em mim ressumbra;
o fogo puro bravamente
assombra
e bruxuleia na frieza
da ilusão,
mas enlanguesce em sua
percepção:
toda coberta de poeira
a antiga alfombra;
e a cada vez que essa
esperança vaga
e é filtrada pelos
ventos do destino,
uma pequena labareda
apaga
e então se esvai a
esperança, pois se alaga
nesses cristais de
gelo peregrino,
igual cortada pelo
gume dessa adaga.
SOMBRAS VAPOROSAS IX
Sombra de sombra em
meu computador
esses cantos que
sombra descreveram
e em cristais digitais
se desfizeram,
sombra de tela em
líquido esplendor;
a sombra impura desse
escorredor
somente leds e bytes compuseram
e em transitórios pixels revelaram
a sombra vaga de seu
digitador...
Sombra da sombra corre
pelas redes
e se espalha por
meandros e escaninhos:
pele abstrata que meu
destino encerra,
sombra da sombra das
antigas sedes,
como linfa espalhada
em descaminhos,
porém visível ao redor
de toda a Terra...
SOMBRAS VAPOROSAS X
Nem toda sombra à luz
está sujeita;
não depende tão só da
projeção;
há sombras luminosas,
que assim são
restos de alma em esplendor
desfeita;
são a sombra de uma
mente contrafeita,
a se espalhar sem
maior retratação:
mais ilumina que a
plena insolação,
porque nela a própria
vida ainda espreita.
É a sombra dessa mente
cristalina
que sofreu pelo mundo
rachaduras;
sangra de luz e às
sombras mais escuras
transmite esse fulgor
da cor divina,
e cada fenda e greta
das agruras
se faz lição que
somente a sombra ensina.
SOMBRAS VAPOROSAS XI
Estas sombras de luz
que se projetam
são finas veias da
circulação
com que cada ser
humano toma a mão
daqueles tantos que
sua vida afetam;
milhões de artérias
que a todos intersectam
e nelas flui a
varredura da emoção,
desde o altruísmo à
mais feia ambição;
capilares e arteríolas
se interceptam,
algumas luzes tão só
sombras escuras,
mais ainda do que as
sombras de verdade,
apenas baças, porém
sem difusão;
enquanto outras só
derramam gotas puras,
buscando apenas, com
sinceridade,
tanger cativo o Lá do
diapasão...
SOMBRAS VAPOROSAS XII
Já eu transmito a
sombra do desejo,
que não pretendo,
afinal, ser altruísta;
somente escorro ao
entardecer trocista,
quando em sombra
desvaneço em tal ensejo,
tal qual se essa
emoção trançada a pejo
se escondesse no pó da
própria pista,
negaceando qualquer
sonho de conquista
nessa mortalha negra
em que me vejo;
que o sonho afarinhado
em polvorinho
é apenas sombra de uma
sombra antiga,
sombra sem paz,
perdido o ideal de amor,
que apenas vaga, em
trescalar de vinho
e chega às tuas
narinas, sombra amiga,
que igual à minha, não
passas de vapor...
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