SACRAMENTO (2006)
Havia amortecido e ela me trouxe
de volta à luz que peregrina brilha
de permeio à neblina; e assim minha trilha
retilínea de novo aos olhos revelou-se;
ela me trouxe esperança: que se eu fosse
somente pertinaz, então a quilha
da nave do destino, milha a milha
poderia conduzir... e aproximou-se
muito de mim, feliz em seu capricho,
para fugir depois, ensimesmada,
a refugiar-se em seu antigo nicho.
A musa se afastou, porém a vida
por ela tão somente despertada
ficou nos cacos de versos refletida.
RECORDAÇÃO I (2006)
Eis-me aqui, eis-me aqui, não mais recordas
do Tempo... em que gemias nos meus braços,
quando alterados de Abandono os traços,
arqueavas contra mim tuas tensas cordas...?
Eis-me aqui, eis-me aqui, já não te lembras
de como os Pelos de meu peito ardente
se derramavam sobre o teu fremente,
em cachos negros de Ardor que não relembras...?
E, num riso nervoso e tão ligeiro,
após o Amor, casual os apanhavas
de entre teus Seios, negros caracóis...?
E numa pilha os contavas, derradeiro,
pelo por pelo; e ao Solo então lançavas
num leve Abano, do branco dos lençóis...?
RECORDAÇÃO II
Foi assim com nós dois -- negros cabelos
Sobre tua nívea carne derramados,
Num auscultar de amores compassados,
Nesse triunfo final de meus desvelos...
Meus sentimentos, negros caracóis,
A derramar-se, em lenta exultação,
Sobre o esplendor sutil de um coração
De mamilos vermelhos como sóis...
E num riso infantil e tão brejeiro,
Após o amor, meus sonhos derramados,
Tu sopesaste ao côncavo da mão...
Para num gesto casual e derradeiro,
Sonho por sonhos mais apaixonados,
Varreres, sem pensar, do coração!..
RECORDAÇÃO III
Um só tremor ainda, umedecido,
Um latejar de sangue, um estertor,
A boca muito aberta nesse amor:
Os dedos a encobrir grito contido,
Mas que se escapa enfim, pelas narinas,
E a mão se afasta e a língua se revela,
Se enrola contra os dentes, na procela:
Prazer e dor, em lutas peregrinas...
Os lábios tensos como é tenso o ventre,
Os olhos cintilantes e mortiços,
Enquanto o orgasmo o corpo inteiro adentre;
É luminosa a noite da paixão;
Os anos mortos ganham novos viços
E as almas... se estilhaçam num vulcão.
RECORDAÇÃO IV
E depois para a noite, o rosto no portão,
As pedras lisas e retangulares
A palmilhar, no ventre as singulares
Memórias de outro ventre aberto então,
Por longo instante breve; e a brotação
Se faz fecunda, por entre os tumulares
Comprimidos de hormônios perdulares
Que extinguem num massacre a multidão
De todo aquele esperma expectante,
Que se dispõe a morrer, no mesmo instante,
Pela esperança de uma só ovulação;
Mas que perecem todos, massacrados,
Pela morte do óvulo arrastados
Para o estertor da raça em extinção...
RECORDAÇÃO V
Foi breve o gozo apenas; e a seguir:
"Não deixes nos lençóis tua lava branca;
Já derramaste em mim; agora, estanca,
Chega de cinza e enxofre -- de partir
A hora se aproxima, a noite é breve,
Lança-te já àquela que te espera,
Não fiques a sonhar, na triste espera,
De quem tudo a perder doido se atreve."
Mas, apesar de quanto a mim dizia,
Vulcão fervente sob a cinza ardia,
Pronto a explodir em nova erupção;
Porque não tinha a dar só lava branca:
Na exaltação em que o amor se estanca
A mente se faz lava; só é cinza o coração.
RECORDAÇÃO VI
É uma ânsia febril, essa memória...
Não sei se uma mulher percebe a glória
Que um homem experimenta, quando orgasmo
Indubitavelmente ele produz no espasmo
Inigualável que a vagina agita,
Quando ejacula, quando as unhas crava
Em suas espáduas; e um milênio trava
Alheio ao tempo, exaltação aflita
Por se entregar enfim, deixar-se amar
Qual nunca amada foi, por mais amantes
Que tivera em seus braços, delirantes,
Mas sem sua alma poderem alcançar.
E como é raro o divinal portento
Que explode a própria alma em tal momento.
RECORDAÇÃO XI –
20 JUL 2006
Pois foi assim: sua
língua junto à minha,
boca com boca,
uníssona harmonia,
beijo com beijo
cantando a melodia,
que só se canta quando
amor se tinha,
ou se pensava ter,
amor de um dia,
amor de seios colados
a meu peito,
amor de ventres, seu
pleno direito
de trocar fluidos,
nesse amor que via
apenas nessa carne a
própria imagem,
encostada à parede, em
estertor,
que, redolente,
percorre-lhe a garganta
e o corpo inteiro; e
já não mais se espanta,
mas se abre intensamente,
na miragem
dessa explosão
composta de esplendor!
RECORDAÇÃO XII
Um corpo que se
inclina sobre a mesa
E se oferece todo, que
se inclina,
Para expor sobre a
mesa essa vagina,
Que preenchida anseia,
com presteza;
Um corpo que se dobra,
com destreza,
A preencher os lábios
da menina,
Os lábios a que o
corpo se destina,
Na imensidão total
dessa certeza;
Dois corpos feitos um,
dois corpos nus,
Dois corpos esgarçados
pela noite,
Dois corpos acerados
de paixão;
Um corpo de dois corpos,
que reluz,
Varado de deleite,
ébrio do açoite
Do orgasmo fulminante
que se dão...
RECORDAÇÃO XIII
As duas conheci nesse
avião
Que me levava direto a
Nova Iorque;
Para mim, novidade era
esse torque
De possuir lado a
lado, sem paixão,
Sequer fingir de amor,
sem ter carinho,
Uma primeiro; e a
outra, logo após,
Os três enrodilhados
nesses nós
Que apenas se
desfazem, de mansinho,
Se renovavam sempre, a
noite inteira...
Nunca mais vi as duas
aeromoças,
Que me arrastaram ao
cume do prazer.
Por mais hábeis que
fossem, bem insossas
Foram as cópulas de
mágoa alvissareira,
Que, por vazias de
amor, tento esquecer...
RECORDAÇÃO XIV
Foi tão estranha essa
mulher, que um dia,
Deitou-se sobre mim,
toda desnuda;
E a parte que seu
corpo mais escuda,
Bem ao contrário,
abriu-me em elegia...
E embora eu penetrasse
dentro dela,
Rígido e pronto para o
que queria,
Não se afastou de mim
a nostalgia,
Ao ver-me cavalgado,
sem ter sela,
Que era eu, afinal, o
penetrado,
Que era a mim que essa
mulher possuía,
Que embora tudo desse,
dava nada;
Pois mesmo que eu
tivesse ejaculado,
No ventre dessa deusa,
eu me extinguia,
E engravidava das
trompas de uma fada!...
RECORDAÇÃO XV
Pois foi uma só vez:
deu-me carona
E nem seu nome me
recordo mais;
Ao invés de levar-me
para a zona
Onde eu morava, não
parou jamais
Até um lugar escuro e
abrigado,
Que, decerto, de
outras vezes conhecia...
Parou de conversar e
pôs de lado
Qualquer postura falsa
ou fantasia;
Beijou-me sem parar,
seu ventre móvel
Envolvendo-se no meu,
expectante...
No fim das contas,
senti-me tão vulgar!
Fazer amor no assento
do automóvel,
Sentada no meu colo,
delirante,
Não foi fazer amor ---
foi copular!...
MULTÍPARO – 20 JUL 2006
Mesmo que eu sinta o meu amor desfeito,
Meu coração ferido e contrafeito,
Meu ventre amarfanhado de emoção,
Inda prefiro a vaga exaltação
Que reluz em poemas, de mansinho.
Por mais que seja o sonho pequeninho,
Por mais gagueje a musa e me abandone,
Por mais que a frustração de mim se adone,
Por que a alegria não vá causar conflito
Ao pleno gozo de meu ideal aflito,
Eu vou tranquilizar meu coração,
Só por saber que o gozo vespertino
Irá afastar de mim o peregrino
Dom melancólico de um verso de paixão...
XIPE TOTEC I – 25 AGO 14
Ela chegou a reclamar da chuva,
Que já havia apertado a
campainha,
Mas foi só ao telefone que a
vozinha
Soou reclamatória em meus
ouvidos;
Fui bem depressa e retirei a
luva
Para as chaves escolher em meu
chaveiro
E então depressa apliquei golpe
certeiro
À corrente do cadeado em mil
tinidos...
Beijei-lhe o rosto, com
naturalidade,
Enquanto o líquido escorria por
nós dois
E a conduzi depressa pela
porta;
Fechei de novo o portão, com
alacridade,
Só imaginando que fazer
depois...
Medo ou alegria, o que o
destino importa?
XIPE TOTEC II
Entre os aztecas, a adoração do
milho,
Que deve ser despido de sua
espiga,
Exigia o sacrifício da inimiga
Gente estrangeira de diverso
trilho;
O prisioneiro era esfolado e o
brilho
De seu sangue, por onde quer
que siga
Deixava um rastro enquanto ele
prossiga
Caminho amargo do sofrimento
filho.
Porque eles o depilavam
totalmente
Dos cabelos e da pele e essa
dor
Por todo o corpo horrivelmente
espalha,
Do mesmo modo que à espiga
indiferente,
Para mostrar os grãos em seu sabor,
Era de todo desvestida de sua
palha...
XIPE TOTEC III
Acariciei seu corpo como a
espiga
É acariciada por quem a aprecia
E lentamente, a sua palha
antiga
Vai descascando em cada manhã
fria,
Para depois debulhar-lhe toda a
liga
E prepará-la do jeito que
queria;
E foi assim que o fiz. Ainda que diga:
“Hoje não quero”, lentamente eu
a despia.
Não esfolei-lhe a pele,
certamente,
Apenas debulhei roupa por
roupa,
Em todo o meu carinho e com
amor,
Até deixá-la nua, totalmente,
Enquanto a boca nenhum esforço
poupa
Para provar inteiramente o seu
sabor...
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