A FÁBULA DO SAL I – 25
NOV 2021
Uma fábula existe,
muito antiga,
sobre um soberano de
falha compreensão
e suas três filhas, de
quem cobrava amor,
querendo provas de seu
máximo calor,
o qual um dia, por
capricho ou por intriga,
quis pôr a prova real
sua devoção:
sentia-se velho e
pensava em repartir
seu reino, como melhor
o pudesse dividir.
Nada difícil lhes
encontrar bom casamento,
que havia reinos
numerosos na região
e facilmente lhes
acharia pretendentes,
para três dotes sendo
as terras suficientes,
mas dependia de um
adequado julgamento
distribuí-las na
apropriada dotação,
a melhor parte
abrangendo a capital
e outra as praias com
seu porto mais vital.
Então reuniu certo dia
as três princesas
e lhes indagou até que
ponto o amavam.
Disse a mais velha,
com grande habilidade:
“Eu vos amo como quer
a fecundidade
da terra aos grãos de
trigo quais riquezas.”
Disse a segunda, em belas
frases que soavam:
“Eu vou quero como
almeja um viandante
pelas águas de um
oásis verdejante.”
A terceira calou-se,
inicialmente.
“E tu, minha filha,
como amas o teu pai?”
Disse a princesa, após
certa hesitação:
“Eu vou amo mais que a
água e do que o pão:
como as pessoas ao sal
amam, realmente!”
“Mas que tolice dessa
tua boca sai!
É tão pequeno assim o
teu amor?
Pensei que amasses
mais teu genitor!”
“Que mais tens a
dizer, sua malcriada?”
“Nada mais tenho,
paizinho, assim vos amo...”
“Então deixa este
palácio de imediato,
se teu pai queres com
tão pouco tato,
não mais quero te ver,
filha desnaturada!
Vai-te daqui, sem o
menor reclamo!...”
A princesinha se
lamentou e chorou:
como as pessoas amam o
sal ainda explicou...
Mas o rei, furioso,
não quis saber mais nada
e embora as irmãs por
ela suplicassem,
não quis voltar atrás,
nem dar perdão.
Pior ainda, em sua
indignação,
ordenou a seus
soldados que, à espada,
para fora do castelo a
transportassem,
sem sequer água levar
ou alimento,
só com a roupa que
vestisse no momento!
Pois foi levada até a
orla da floresta
e ali deixada sem
bornal e sem cantil
e crendo a pobre não
mais poder voltar,
selva a dentro se pôs
a caminhar,
até perder-se
inteiramente dentro desta,
para abrigar-se em um
oco qual covil,
apodrecido, mas em que
podia dormir
e mesmo certa proteção
lhe transmitir...
A FÁBULA DO SAL II –
26 NOV 2021
Por sorte, era ainda
primavera
e ali frutos encontrou
em abundância;
cruzava a mata um rio
de bom tamanho:
podia beber e até
tomar seu banho,
lavar as roupas, sem
temor de alguma fera,
os dias tranquilos, quase
com bonança,
ouvindo os pássaros e
o manso farfalhar
das folhas sob o vento
a se agitar...
Chegando o outono,
surgiram as castanhas,
as nozes, os pinhões e
as avelãs
e não chegou,
realmente, a passar fome,
mas não caçava
qualquer criatura que se come,
não se agradava de
tais tipos de façanhas,
comia sementes e as
raízes que eram sãs
e assim se passou
cerca de um ano,
sem que encontrasse
qualquer outro ser humano.
Mas certo dia, já no
final do inverno,
subiu a um tronco em
busca de castanhas
e lá do alto divisou
um viandante!
Desceu do tronco,
veloz, no mesmo instante
e se escondeu de seu
oco bem no interno,
esperando não ser
vista nessas manhas,
mas o cavaleiro já a
havia contemplado
e até o oco se achegou,
determinado!
Ela havia puxado bem a
cobertura
que impedia que um
animal selvagem
a fosse dentro do oco
perturbar,
sem se dar conta que
deixara ali ficar
uma ponta de sua saia
na abertura
e o vajante a viu de
fora da passagem,
e ouviu a jovem
escondida lá no fundo,
dando um gemido de
temor profundo!
“Quem é você?” –
indagou o viajante.
“Por favor, não me
faça qualquer mal!”
“Não lhe pretendo
fazer qualquer maldade,
porém me move uma real
curiosidade.
Que faz você neste
lugar desabitado?
Viver em árvore não é
coisa natural!”
Mas como ela nada mais
lhe retrucava,
o cavaleiro finalmente
a ameaçava!
“Se for algum diabo ou
alguma fera,
irei matá-lo com meu
arcabuz!
Mas se for um ser
humano abandonado,
que se perdeu neste
mato tão fechado,
saia agora e ponha fim
à minha espera,
venha depressa e surja
em plena luz!
Não tenha medo, que
será bem tratada:
que é mulher foi por
sua roupa delatada!”
A princesa saiu então,
envergonhada
por precisar se exibir
daquele jeito:
via o viajante assim
tão bem vestido,
que nobre fosse de
imediato havia crido;
estava limpa, mas com
a roupa esfarrapada,
seus cabelos num
penteado mal sujeito;
não tinha espelho e se
achava pavorosa,
sem perceber que ainda
assim era formosa...
A FÁBULA DO SAL III –
27 nov 2021
Mas o viajante
percebeu que a vestimenta,
mesmo velha e rasgada,
era bem fina
e tinha brincos nas
orelhas e um colar,
que fosse nobre também
pôde acreditar.
“Está com fome? Por que não se assenta
nesta raiz? Minha mochila
é pequenina,
mas tem comida suficiente
para dois
e sua história pode me
contar depois...”
“Eu sou o Príncipe
Thorwald e ouvi dizer
que neste reino há
princesas casadouras;
busco uma noiva,
porque sou solteiro
e do reino de meu pai
tornei-me herdeiro.”
Disse a princesa: “Meu
nome é Rosicler
e sou princesa, mas
sem honras duradouras:
meu pai me expulsou,
por não gostar
de uma resposta que um
dia lhe fui dar...”
“Não acredito que
tenha mostrado desrespeito!”
“Não, meu senhor, eu
fui mal interpretada...”
E assim Rosicler
contou-lhe toda a história
que redundara em sua
expulsão inglória.
O príncipe dela
enamorou-se e desse jeito
levou-a a seu castelo,
em que foi celebrada
a boda entre os dois,
sem mais impedimento;
tambem Rosicler sentiu
por ele encantamento!...
Depois de alguns meses
de carinho,
não porque duvidasse
de sua esposa,
mas por ser fútil o
motivo da expulsão,
indagou do acontecido
com mais precisão
e convencido que o pai
dela era mesquinho,
decidiu-se a devolver
à sua formosa
de seu pai o favor e o
reconhecimento,
mas sem explicar-lhe
seu procedimento.
Assim, enviou embaixadores
a seu pai,
para estabelecer entre
os reinos relações
e após uma certa troca
de mensagens,
mandou convite que
viesse a suas paragens,
para um banquete que
oferecer-lhe vai
e chegou o rei com presentes
e ambições,
trazendo as filhas em
sua comitiva,
talvez noivassem em
cerimônia tão festiva!
Porém Thorwald pediu a
Rosicler
que não se
apresentasse de imediato;
e o rei seu pai, um
bom genro imaginando,
suas duas outras
filhas lhe foi apresentando,
a cortesia a lhes dar
que era mister,
com aposentos para
preparar-se com recato
e finalmente, foram
todos ao salão,
na expectativa de
saborosa refeição!...
Foi-lhes servida uma
sopa perfumosa,
mas logo o rei pôs a
colher de lado,
seus cortesãos a
seguir o imitaram
e suas filhas
simplesmente a degustaram,
para a pôr de lado de
forma desgostosa...
Pensou o rei: Esqueceram do salgado,
mas decerto não há de
ser de todo o mal:
nos demais pratos não
nos pouparão o sal!
A FÁBULA DO SAL IV –
28 nov 2021
Mas carne e peixe e
depois cada vitualha,
foi-lhe servida
totalmente insossa!
E finalmente,
decidiu-se a perguntar:
“Perdão, Majestade,
mas preciso lhe indagar:
por que seu cozinheiro
cometeu a falha
de não pôr sal, que
todo o prato endossa?
É um desperdício de
todo o seu labor,
sem algum sal, sempre
se perde algum sabor!”
Mas Thorwald
pretendeu-se surpreendido:
“Majestade, não lhe
agrada o paladar?
Pois eu julguei que
não apreciava o sal,
que para sua pressão
talvez fizesse mal!...”
“Como assim?” – disse
o rei, bem confundido.
“Dei ordem ao
cozinheiro para não botar,
julguei que detestasse
o seu sabor!”
“Mas é o contrário! Tenho
por sal grande pendor!”
“Ora, foi sua própria
filha, Rosicler!”
(que a seu sinal
desceu para o salão).
“Pois não a expulsou
Vossa Majestade,
por afirmar que o
amava em realidade,
como as pessoas ao sal
tem bem-querer!
Ficaram todos em grande
confusão,
quando Thorwald
abraçou a sua rainha:
“Esta é minha esposa e
já espera sua netinha!”
Rosicler aproximou-se
de seu pai
e o abraçou sem o
menor rancor;
vertendo lágrimas em
vasta brotação,
o rei, humilde, lhe
pediu perdão!
Às duas irmãs depois
abraçar vai,
que o despeito
esconderam com fervor,
já que o pretendido
noivo era casado,
pior ainda, que já era
seu cunhado!
Mas tudo é bom quando
se acaba bem:
Thorwald bateu palmas
e seu cozinheiro
entrou com o banquete
verdadeiro no salão,
a mais perfeita e
saborosa refeição...
O rei jurou que a
procurara, porém
não a encontrara pelo
país inteiro,
porque ficara
profundamente arrependido,
naturalmente, não
sendo desmentido.
Contudo o rei não
aproveitou a refeição,
embora todos a
elogiassem plenamente,
porque se achava muito
envergonhado,
aos poucos a ficar
mesmo zangado,
mas não poderia por em
perigo a relação
entre os dois reinos
ainda tão recente
e se sua filha logo
lhe desse um neto
ou uma netinha, teria
todo o seu afeto!...
Dentro em breve,
voltou para sua terra
e as demais filhas
logo deu em casamento,
o melhor dote porém
tendo reservado
para sua Rosicler,
pela culpa influenciado.
E assim também esta
história aqui se encerra
nesse louvor do mais
amado condimento,
pois até mesmo os
animais lambem o sal,
sempre que o encontram
em jazida natural!
Olá. Gostei desta fábula.Muito interessante que o rei tinha sobre o sal, somente caindo em si depois que provou alimentos insossos. Abraços
ResponderExcluir