ROSA
MÍSTICA I – 19 NOV 2021
Quando
a meu mundo assim te conduzi,
cresceste
aos poucos, até chegar bem perto
e
só então te recebi de peito aberto
e
te acolheste ao mistério que te abri;
mas
foi o oposto que pareceu a ti,
fui
eu que tive o meu tamanho incerto:
cresci
dentro de ti, sonho desperto,
foi
no teu coração que me acolhi.
E
qual dos dois cresceu mais em tal abraço?
Foi
em teu coração que me acolhi
ou
no meu coração que te abrigaste?
E
nesse amor que em versos eu retraço,
no
mais cresceu de tudo quanto eu vi,
foi
a grandeza do amor que me entregaste.
ROSA
MÍSTICA II
Surgiu
nos dois uma igual concepção:
engravidei
teu coração e engravidaste
o
meu quando com o teu me fecundaste,
em
cada um acrescendo-se a emoção,
ao
mesmo tempo que o mistério da razão
cresceu
em mim por tudo o que enviaste,
meu
encéfalo duplicado me deixaste,
sem
fisicamente aumentar-lhe a dimensão.
Não
é qualquer amor que assim transcorre:
sempre
é possível a um ventre engravidar
e
o ventre oposto por igual se imaginar,
por
romantismo que tais almas percorre,
mas
não resulta descendência dalma,
nem
nesse turbilhão de estranha calma.
ROSA
MÍSTICA III
Pois
certamente meu coração cresceu
quando
uma vez te tomei em acolhimento;
cresceu
minhalma em similar portento,
mesmo
a razão se em mim fortaleceu.
Porém
fico a pensar se recebeu
teu
coração semelhante provimento,
por
pretensão te dei renascimento,
quando
meu peito afinal nada te deu.
Sem
dúvida, vem-me de ti a inspiração,
que
ainda hoje te retrato nos meus versos,
mesmo
os que possam não mais te descrever,
porém
suspeito que te dei só uma ilusão,
teus
pensamentos não vejo mais dispersos
e
há muito tempo já paraste de escrever...
LILÁS
MÍSTICA I – 20 NOV 2021
Quando
a meu lado assim te conduzi
eu
pretendia maravilhas te mostrar,
que
me pudesses a magia acompanhar
do
multiforme imaginar que descrevi,
porém
de certo modo eu me perdi
nesse
teu mundo de estranho cintilar,
brilho
de sombra em ouropel de despertar
e
em tal genérico esplendor eu me assumi,
muito
mais teu sendo o vago turbilhão,
as
minhas angústias em firme mutação,
as
tuas mágoas em real perenidade;
e
ao te trazer para o meu coração
a
mim trouxeste total completação
e
sou humilde sem querer ter humildade.
LILÁS
MÍSTICA II
A
meu lado te encontras realmente,
mas
quanto vejo de mim dentro de ti?
Teus
preconceitos eu nunca dissolvi,
tuas
mágoas a conservar integralmente.
O
que eu fiz por ti tão diferente
por
todo o tempo em que contigo convivi?
O
teu abraço diuturno usufruí,
ganhei
de ti o meu arcano mais pungente,
mas
de algum modo nada pude dar:
nessa
minha ânsia de tanto te abrigar,
foi
em fato só em ti que me abriguei,
sabendo
bem que todo o amor que recebi
foi
bem maior que quanto eu concedi:
pensando
achar-te, foi a mim que achei.
LILÁS
MÍSTICA III
Como
em lilás corimbos de agapanto,
eu
me acolhi no colo da ternura,
pensando
em vão servir-te bênção pura,
mas
por sorriso lavei teu rosto em pranto,
que
não correu, quais lágrimas de santo
que
algum crente imagina em sua doçura;
para
minhas dores a temporária cura
e
a razão toda precípua de meu canto.
Só
posso agradecer o que me deste
e
lamentar o quão pouco que te dei,
foste
a desculpa para as poesias que te faço
e
de algum modo sei me compreendeste,
mas
teus mistérios eu nunca desvendei,
ao
dar-te em versos o fantasma de um abraço.
PUNHALADA
I – 21 NOV 21
Quando
operei o meu olho direito,
parei
de usar a sua lente de contato.
deixei
o esquerdo ainda em seu recato,
mas
a visão conservou certo defeito;
à
perspectiva dupla encontro-me sujeito,
as
posições eu erro em desacato:
quer
queira, quer não queira, sou cordato,
com
outra operação fico menos imperfeito...
Deste
modo, já marquei a intervenção,
por
alguns dias a suspender a escrita,
e
mesmo esta saga suméria tão bonita
terá
de esperar sua próxima ocasião:
já
nem sei se causo alívio ou uma tristeza,
mas
darei incômodo futuro, com certeza!
PUNHALADA
II
O
problema é que, há cerca de três anos,
mancha
amarela me surgiu no olho direito;
alguns
oftalmólogos não viram qualquer jeito
de
descobrir a razão dos meus afanos!
Não
se trata de petéquia ou quaisquer danos
que
localizem com maquinário tão perfeito
ou
algum exame maior não têm a peito,
para
a enxergar com esforços mais insanos...
Então
o terceiro, um oftalmocirurgião,
racionalmente
chegou à conclusão
que
meu problema seria a catarata,
além
da velha amiga miopia na ocasião
e
nova lente me implantou como se trata,
contudo
a lente de mim não desacata!
PUNHALADA
III
Contudo,
a intervenção é irreversível.
Usando
a lente só no olho esquerdo
meu
grau de acuidade fica lerdo:
só
vejo para longe e é impossível
conseguir
ler e em nada é exequível
passar
a limpo os mil rascunhos que herdo;
e
se ponho óculos para enxergar de perto,
o
olho operado se torna indisponível;
assim
de meu olho essa apunhalação
dentro
de alguns breves dias sofrerei,
sem
poder ler ou visar computador
e
deste modo vou avisando de antemão
que
nem a saga suméria eu poderei
passar
a limpo com a mesma devoção!...
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