domingo, 14 de novembro de 2021


 Constance Talmadge, atriz do cinema mudo.

 

CARTÕES POSTAIS I – 11 NOV 21

 

Fotos de antigas atrizes do cinema

Sempre me atingem de forma comovente,

Por mais que essa visão seja frequente,

Do coração sempre se ergue certa pena...

Há quanto tempo que a morte as envenena

E então causaram atração a tanta gente,

Numa época mais comedida, realmente,

A se mover sobre a tela de uma cena...

 

Que despertaram no entanto mais amor

Do que certa excitação de um outro nexo,

Sem um direto aceno para o sexo,

A interpretação requerendo mais vigor,

Mostrando apenas as pernas e seus braços

E o desafio sempre aparente dos seus traços.

 

CARTÕES POSTAIS II

 

Quando se pensa que até de camisola

Os casais se apresentavam para o sexo,

Essas imagens, não mais do que um reflexo

Captado pela câmara que as isola

Das figuras reais, que  coisa tola

É imaginar cinematografia no seu nexo

Que capture materialmente algum amplexo:

Dos refletores a projeção tudo controla.

 

Não é a carne e nem tampouco a vestimenta

Que o celulóide reservou para o futuro,

Mas uma série efulgescente dessa luz,

Que a observar a plateia se contenta,

Nessa moldura de um teatro escuro,

De que um sorriso já morto nos seduz!

 

CARTÕES POSTAIS III

 

E no entretanto, quanto esses cabides

De carne e osso imitaram seu viver;

A quanta gente trouxeram algum prazer,

As luzes klieg que sobre os tais incides.

Talvez disso que falei agora rides,

Mas estão mortas, muitos anos a jazer,

Se à cremação não se foram submeter,

Como um final definitivo de suas lides.

 

Ali estão os tais sorrisos conservados,

Olhos e faces parecendo ser mostrados,

O corpo exposto só mais tarde, realmente,

O transitório feminino em sugestão,

A nos deixar tão só a recordação

De um estético modelo ainda presente.

 

ÁGUA TOFANA I – 12 NOV 21

 

Enquanto o suave veneno do cinema

viciava apenas as mentes solitárias,

coisas houve muito mais inordinárias:

de um certo medo até talvez ainda se trema.

Houve uma bruxa de italiana gema,

Giulia Tofana, de quem poções nefárias

seiscentas mortes nas ocasiões mais várias,

causaram de maridos, sem ter pena!...

 

Certo é que nessa época as esposas

eram mais ou menos escravas dos maridos,

praticamente sem ter quaisquer direitos;

e adquirindo as beberagens venenosas,

enviuvavam, com lamentos bem fingidos,

podendo assim dormir livres nos seus leitos...

 

ÁGUA TOFANA II

 

Era o chamado “Divórcio à Italiana”,

que em certos casos se podia justificar,

o “Até que a Morte os Separe” confirmar,

sem dos vestígios do crime ver-se a rama.

Era chamada então de Acqua Tofana,

Acquitta Perugina ou, para tudo disfarçar,

de Mannà de San Nicola, a se apregoar

como cosmético que a devoção proclama.

 

Giulia Tofana realizou o seu mister

vinte anos ou mais, até ser denunciada,

a qual, após devidamente torturada

revelou muitas clientes, que se quer

condenar por tais crimes ponderáveis,

sabendo bem por que eram responsáveis.

 

ÁGUA TOFANA III

 

Após ter sido na forca pendurada,

dizem que a filha, Girolama Spera,

levou adianta tal atividade fera:

muita viúva assim foi enforcada;

até a Marquesa de Brinvilliers foi denunciada.

por ter morto o próprio pai e larga esfera

de inimizades; de dois irmãos a morte gera:

 em Mil Seiscentos e Setenta e Seis executada.

 

Muito melhor ter a Delegacia da Mulher,

servindo à esposa e também a seu marido,

que mesmo preso, não será envenenado!

Mas o pior nem mencionei sequer,

que a receita da Água Tofana eu tenho lido

e até o “jeitinho de fazer” é ali mostrado!

 

CENTRO DO MUNDO I – 13 NOV 21

 

O mundo tu contemplas da amurada

de teu próprio navio, amplo cenário

de um fado multicor e multifário,

que pouco a pouco se reduz a nada;

o fato é que as estrelas em manada,

nesse teu círculo de horizonte imaginário,

são imutáveis apenas.  O ordinário

encolhe e cresce na visão observada.

 

Se tudo aumenta só em função de ti,

se tudo se minimiza ao se afastar,

como negar que és o centro do universo?

E todavia, nesse instante em que te vi,

pela primeira vez, ao me chegar,

já percebi que cabias no meu verso!...

 

CENTRO DO MUNDO II

 

Mas o que é certo é que o centro do universo

que és tu mesma, se limita a um só instante:

o teu presente é um tornado fulgurante,

que se acumula num empilhar-se inverso;

teu futuro ainda está pleno disperso,

de mil porvires tens escolha delirante,

cada momento na permanência do inconstante,

cada futuro em novo leque reconverso.

 

E quanto escolhes apenas um futuro,

todos os mais desfalecem para ti:

te assenhoreaste de um pequeno fio de linha,

que já se ergarça num afoguear seguro,

fica a janela tal qual muxarabi, (*)

que só em lampejo de novo se avizinha.

(*) Janela árabe com intervalos entre os tijolos.

 

CENTRO DO MUNDO III

 

Mas como centro do mundo permaneces,

só por ti foi esse instante percebido,

por mais ninguém igual momento é assistido,

nessa ilusão mais fugaz do que tuas preces.

Se do passado acumulado já te esqueces,

quanto centro do mundo assim perdido,

nesse infinito do conjunto desvalido:

para teu próprio passado jamais desces...

 

Logo é momento de uma nova escolha:

mil caminhos que se abrem à tua frente,

cada um deles novo universo a construir,

sem ser possível jamais aplicar rolha

nessa ampulheta virada eternamente

que teu presente vai ao passado conduzir.

 

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