quarta-feira, 27 de abril de 2022


 

 

CLEPTOPECADO I – 19/4/2022

 

Minha vida é uma colagem intrincada

de placas e de eventos escorreitos,

desses desejos que deixei insatisfeitos,

tal qual de placas tectônicas formada.

 

Boa parte dela foi cleptocratizada

por aqueles que ditavam os direitos,

por aqueles que cobravam os defeitos,

por minha criação desencontrada.

 

Por um lado afirmação plena da Graça,

que o Credo afirma a Remissão da Falta;

mas por outro, se afirmando o Julgador,

 

o Cristo Pantocrátor, que toda a mente embraça

e o castigo atribui à grande malta

de todos quantos não mereçam Seu Amor!

 

CLEPTOPECADO II

 

Jamais descri dessa imensa Divindade,

mas há dilemas da maior dicotomia:

ou “Deus é Amor”, tal como se dizia,

ou então Juiz de toda a humanidade.

 

Grande contradição se acha em tal verdade:

“Não nos deixeis cair em tentação,” se afirmaria;

e nesse caso, é o próprio Deus que permitia

como Sua Lei quebrantar na realidade!

 

E no Te Deum Laudamus outra afirmação:

“Digna-Te, Senhor, guardar-nos hoje sem pecado”.

Se só depende do Criador tal dom alado

 

onde se encontra de um remorso haver razão?

Que a Lei infrinjamos só para merecer

o Dom da Graça, qual Rasputin queria crer? (*)

(*) A “Salvação pelo Pecado”, doutrina do monge russo.

 

CLEPTOPECADO III

 

Mas se podemos, de fato, a Lei quebrar,

é que já fomos criados dessa forma,

que o nosso erro precise de reforma,

mas por que então iria a Deidade castigar,

 

se nos criou com poder para A enfrentar?

Para Seus Anjos pecado algum retorna,

há até a doutrina (de justificativa morna),

que Luciel ser desobediente quis mostrar,

 

embora sua natureza fosse em si perfeita

e de seu castigo em nós busca se vingar,

mas por que algo em si foi feito alterno?

 

Se rebelar-se pôde, a criatura era sujeita

desde o começo a ser capaz de rebelar

e de poder se tornar senhor do Inferno!

 

CLEPTOPECADO IV – 20/4/2022

 

Mas a grande hierarquia celestial,

Anjos e Arcanjos, os guerreiros Querubim,

os tocadores de harpa, ou Serafim, (*)

Tronos, Dominações e Potestades, no total

(*) O final em “im” já é plural em hebraico.

 

são, em princípio, de vivência perenal,

tanto os fiéis, como quem quis assim

seguir Luciel em seu fato de arlequim:

não haverá mortes em sua batalha final.

 

Ou então, nem houve, que já a luta se travou...

Mas era preciso a Ahriman sincretizar,

como de Ahura Mazda o forte Opositor; (*)

(*) Os princípios do Mal e do Bem zoroastristas.

 

do mesmo modo que o Hades se copiou

para os termos do castigo se explicar,

ou o Orcho romano em todo o seu horror!

 

CLEPTOPECADO V

 

Esse problema da imortalidade

é que não vem somente para nós.

Se acreditamos nela... coisa atroz!

também existe, em plena validade

 

para nossos inimigos!  Na verdade,

preferimos o seu mal, que um algoz

hoje os castigue, os ponha sob as mós

e os esfacele com perenidade!...

 

Queremos ser eternos, mas não eles...

Que então recebam o maior castigo:

se vão sobreviver, que seja eterno...

 

Que a recompensa seja o nosso abrigo

e a punição se manifeste neles,

pois para eles é que criamos o inferno!

 

CLEPTOPECADO VI

 

Este incorpora a Gehenna dos Judeus,

o Sheol e o Abaddon, que aos inimigos

era em princípio reservado, com perigos

para quem quebrasse os Mandamentos Seus.

 

Tantos princípios acrescidos depois pelos Hebreus,

que sempre alguém tropeça em tais jazigos,

placas tectônicas, terremotos para amigos,

sempre em acréscimo na tradição dos Fariseus.

 

Não é de admirar que os Saduceus,

os seguidores de Zadok, em sua doutrina,

se negassem a reconhecer a vida eterna!

 

Os que seguissem os ensinamentos Zadoqueus,

podiam morrer sem o medo que fascina:

nenhum Sheol após a morte os inferna!...

 

HOR-EM-ASHET I – 21/4/22

 

A Grande Esfinge contempla o vasto areal

e a cordilheira de montanhas oriental;

boceja queda, se causar-nos qualquer mal,

Castro Alves assim nô-la descreveu.

 

A Grande Esfinge em seu lugar permaneceu,

apesar da erosão e dos ventos que sofreu;

nos dias sem chuva sempre Amon-Rá a aqueceu,

durante as noites sopra um frio mais irreal.

 

Mas quando todos dormem ao redor,

ela canta em sua voz de cornamusa

e o vento sopra pelos dentes que perdeu;

 

quando um camelo se aproxima em lento andor,

ela se cala e quem a ouviu, acusa

os Colossos de Memnon pelos silvos que gemeu.

 

HOR-EM-ASHET II

 

Quando o Egito era novo, já lá estava

a Grande-Mãe de Khem, indiferente,

mas sem nem sempre expor a qualquer gente

o próprio enigma que Ashet ali representava.

 

Seu parentesco a crença grega suspeitava;

talvez roubassem uma cópia negligente;

talvez esfinges se encontrassem lá frequente

e na Hélade, de vida a cópia se animava.

 

Hor-em-Achet não tinha adoradores

nessas plagas helênicas distantes

e então impôs o seu reinado de terror,

 

seu alimento a cobrar dos viajores,

simples enigma para os pósteros instantes,

porém só Édipo dominou-a com vigor.

 

HOR-EM-ASHET III

 

“Decifra-me ou te devoro!” É natural

que assim impusesse seu domínio no caminho,

seu pétreo estômago a encher devagarinho,

mas sendo pedra, por que apetite assim carnal?

 

A alegoria mostrando a Esfinge tão mortal,

que se lançou no abismo ali vizinho,

só porque Édipo a enfrentou sozinho,

é de fato de um simbolismo inabitual.

 

Porque a Tebas de Édipo nunca foi

a Thebas de Cem Portas desse Egito,

nem abismo havia que nele se jogasse.

 

Por que uma resposta simples tanto rói

o orgulho dessa estátua, que um agito

tão profundo em sua face se estampasse?

 

HOR-EM-ASHET IV

 

Tampouco Édipo foi visitar o Egito

para enfrentar a outra Esfinge em vastidão;

limitou-se a emitir a sua opinião,

deixando o monstro de coração aflito.

 

Somente a sua sandália em tal agito

se perdeu, que a Esfinge grega na ocasião

a arrancou de seu pé num repelão,

ao dar seu salto em busca do infinito.

 

Só imagino se em derradeiro grito

ela cuspiu as areias do deserto,

esse animal que ao nascer amou o Sol,

 

e ao meio-dia pôs-se em pé, como foi dito,

para pegar menos calor do céu aberto

e à noite se apoiava em um cajado de farol!

 

HOR-EM-ASHET V – 22 abril 22

 

Ou quem sabe, por Fúrias atormentado,

o próprio Édipo procurou ser devorado,

indo ao Egito em holocausto consagrado,

até se expor ante as Pirâmides de Gizeh.

 

Quem sabe ali se deparou com a Esfinge até

e suplicou que o deglutisse, em plena fé,

pois só assim, de Quéops ao sopé,

furtaria às Eumênides seu coração magoado?

 

Difícil travessia teria então o pobre cego,

arrancados os seus olhos, ao saber

da morte de seu pai e o cumprimento

 

do ritual antigo, ao demonstrar apego

pela própria mãe; e em seu arrepender,

o mundo inteiro explorou em seu lamento!

 

HOR-EM-ASHET VI

 

Só o que importa é que a Esfinge de Gizeh

já estava ali antes que a Tebas de uma Helena

fosse arrasada pela explosão tão plena

de Santorini, tal qual Cnossos o foi até.

 

Muito se buscou especular em pura fé

sobre a origem dessa leoa de melena,

esculpida nessa rocha em arcana cena,

trazida à luz pelo Terceiro Tutmés

 

e novamente enterrada pela areia...

Quantas vezes depois já foi parida?

Quantas teorias de conspiração

 

dessa gente que aos crédulos enleia,

qual só por chuva torrencial foi esculpida

a arcana estátua de insondável duração?

 

HOR-EM-ASHET VII

 

Alguns afirmam que até foram astronautas,

que com seus lêiseres a rocha escavariam

e que as suas laterais ainda hoje mostrariam

os traços cortados por suas chamas lautas.

 

Na Antiguidade, é que foram Argonautas,

esses heróis semideuses, que golpeariam

com seus malhos as rochas e ali deixariam

traços divinos para nossas fés incautas!

 

Mas no meio mesmo de tanta parvoíce,

teoria existe a exibir-nos mais ledice:

que a grande Ashet não se encontra só,

 

mas que à sua esquerda há outeiro artificial

em que as dunas escondem o leão macho; e o dó

das pás dos arqueólogos ainda busca no final.

 

HOR-EM-ASHET VIII

 

Quem sabe Édipo enfrentou suas inimigas

e em cólera as Fúrias a rocha até rasgaram,

quando Hor-em-Ashet finalmente delinearam,

duas alimárias no aguardar de seus aurigas.

 

Que de algum modo essas pirâmides antigas

se abalaram e em cordames de sílica as puxaram

até a Hélade e novamente as colocaram

na planura de Gizeh, quais vastas bigas!

 

Quando talvez as amplas asas espalmaram

e as vastidões dos Sete Céus cortaram,

quando Édipo para os olhos pediu a luz de estrelas!

 

Quem sou eu para saber? Mas ainda aguardarei

e a descoberta de seu par assistirei,

nesse equilíbrio que as tornará ainda mais belas!

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