CLEPTOPECADO
I – 19/4/2022
Minha
vida é uma colagem intrincada
de
placas e de eventos escorreitos,
desses
desejos que deixei insatisfeitos,
tal
qual de placas tectônicas formada.
Boa
parte dela foi cleptocratizada
por
aqueles que ditavam os direitos,
por
aqueles que cobravam os defeitos,
por
minha criação desencontrada.
Por
um lado afirmação plena da Graça,
que
o Credo afirma a Remissão da Falta;
mas
por outro, se afirmando o Julgador,
o
Cristo Pantocrátor, que toda a mente embraça
e
o castigo atribui à grande malta
de
todos quantos não mereçam Seu Amor!
CLEPTOPECADO
II
Jamais
descri dessa imensa Divindade,
mas
há dilemas da maior dicotomia:
ou
“Deus é Amor”, tal como se dizia,
ou
então Juiz de toda a humanidade.
Grande
contradição se acha em tal verdade:
“Não
nos deixeis cair em tentação,” se afirmaria;
e
nesse caso, é o próprio Deus que permitia
como
Sua Lei quebrantar na realidade!
E
no Te Deum Laudamus outra afirmação:
“Digna-Te,
Senhor, guardar-nos hoje sem pecado”.
Se
só depende do Criador tal dom alado
onde
se encontra de um remorso haver razão?
Que
a Lei infrinjamos só para merecer
o
Dom da Graça, qual Rasputin queria crer? (*)
(*)
A “Salvação pelo Pecado”, doutrina do monge russo.
CLEPTOPECADO
III
Mas
se podemos, de fato, a Lei quebrar,
é
que já fomos criados dessa forma,
que
o nosso erro precise de reforma,
mas
por que então iria a Deidade castigar,
se
nos criou com poder para A enfrentar?
Para
Seus Anjos pecado algum retorna,
há
até a doutrina (de justificativa morna),
que
Luciel ser desobediente quis mostrar,
embora
sua natureza fosse em si perfeita
e
de seu castigo em nós busca se vingar,
mas
por que algo em si foi feito alterno?
Se
rebelar-se pôde, a criatura era sujeita
desde
o começo a ser capaz de rebelar
e
de poder se tornar senhor do Inferno!
CLEPTOPECADO
IV – 20/4/2022
Mas
a grande hierarquia celestial,
Anjos
e Arcanjos, os guerreiros Querubim,
os
tocadores de harpa, ou Serafim, (*)
Tronos,
Dominações e Potestades, no total
(*)
O final em “im” já é plural em hebraico.
são,
em princípio, de vivência perenal,
tanto
os fiéis, como quem quis assim
seguir
Luciel em seu fato de arlequim:
não
haverá mortes em sua batalha final.
Ou
então, nem houve, que já a luta se travou...
Mas
era preciso a Ahriman sincretizar,
como
de Ahura Mazda o forte Opositor; (*)
(*)
Os princípios do Mal e do Bem zoroastristas.
do
mesmo modo que o Hades se copiou
para
os termos do castigo se explicar,
ou
o Orcho romano em todo o seu horror!
CLEPTOPECADO
V
Esse
problema da imortalidade
é
que não vem somente para nós.
Se
acreditamos nela... coisa atroz!
também
existe, em plena validade
para
nossos inimigos! Na verdade,
preferimos
o seu mal, que um algoz
hoje
os castigue, os ponha sob as mós
e
os esfacele com perenidade!...
Queremos
ser eternos, mas não eles...
Que
então recebam o maior castigo:
se
vão sobreviver, que seja eterno...
Que
a recompensa seja o nosso abrigo
e
a punição se manifeste neles,
pois
para eles é que criamos o inferno!
CLEPTOPECADO
VI
Este
incorpora a Gehenna dos Judeus,
o
Sheol e o Abaddon, que aos inimigos
era
em princípio reservado, com perigos
para
quem quebrasse os Mandamentos Seus.
Tantos
princípios acrescidos depois pelos Hebreus,
que
sempre alguém tropeça em tais jazigos,
placas
tectônicas, terremotos para amigos,
sempre
em acréscimo na tradição dos Fariseus.
Não
é de admirar que os Saduceus,
os
seguidores de Zadok, em sua doutrina,
se
negassem a reconhecer a vida eterna!
Os
que seguissem os ensinamentos Zadoqueus,
podiam
morrer sem o medo que fascina:
nenhum
Sheol após a morte os inferna!...
HOR-EM-ASHET
I – 21/4/22
A
Grande Esfinge contempla o vasto areal
e
a cordilheira de montanhas oriental;
boceja
queda, se causar-nos qualquer mal,
Castro
Alves assim nô-la descreveu.
A
Grande Esfinge em seu lugar permaneceu,
apesar
da erosão e dos ventos que sofreu;
nos
dias sem chuva sempre Amon-Rá a aqueceu,
durante
as noites sopra um frio mais irreal.
Mas
quando todos dormem ao redor,
ela
canta em sua voz de cornamusa
e
o vento sopra pelos dentes que perdeu;
quando
um camelo se aproxima em lento andor,
ela
se cala e quem a ouviu, acusa
os
Colossos de Memnon pelos silvos que gemeu.
HOR-EM-ASHET
II
Quando
o Egito era novo, já lá estava
a
Grande-Mãe de Khem, indiferente,
mas
sem nem sempre expor a qualquer gente
o
próprio enigma que Ashet ali representava.
Seu
parentesco a crença grega suspeitava;
talvez
roubassem uma cópia negligente;
talvez
esfinges se encontrassem lá frequente
e
na Hélade, de vida a cópia se animava.
Hor-em-Achet
não tinha adoradores
nessas
plagas helênicas distantes
e
então impôs o seu reinado de terror,
seu
alimento a cobrar dos viajores,
simples
enigma para os pósteros instantes,
porém
só Édipo dominou-a com vigor.
HOR-EM-ASHET
III
“Decifra-me
ou te devoro!” É natural
que
assim impusesse seu domínio no caminho,
seu
pétreo estômago a encher devagarinho,
mas
sendo pedra, por que apetite assim carnal?
A
alegoria mostrando a Esfinge tão mortal,
que
se lançou no abismo ali vizinho,
só
porque Édipo a enfrentou sozinho,
é
de fato de um simbolismo inabitual.
Porque
a Tebas de Édipo nunca foi
a
Thebas de Cem Portas desse Egito,
nem
abismo havia que nele se jogasse.
Por
que uma resposta simples tanto rói
o
orgulho dessa estátua, que um agito
tão
profundo em sua face se estampasse?
HOR-EM-ASHET
IV
Tampouco
Édipo foi visitar o Egito
para
enfrentar a outra Esfinge em vastidão;
limitou-se
a emitir a sua opinião,
deixando
o monstro de coração aflito.
Somente
a sua sandália em tal agito
se
perdeu, que a Esfinge grega na ocasião
a
arrancou de seu pé num repelão,
ao
dar seu salto em busca do infinito.
Só
imagino se em derradeiro grito
ela
cuspiu as areias do deserto,
esse
animal que ao nascer amou o Sol,
e
ao meio-dia pôs-se em pé, como foi dito,
para
pegar menos calor do céu aberto
e
à noite se apoiava em um cajado de farol!
HOR-EM-ASHET
V – 22 abril 22
Ou
quem sabe, por Fúrias atormentado,
o
próprio Édipo procurou ser devorado,
indo
ao Egito em holocausto consagrado,
até
se expor ante as Pirâmides de Gizeh.
Quem
sabe ali se deparou com a Esfinge até
e
suplicou que o deglutisse, em plena fé,
pois
só assim, de Quéops ao sopé,
furtaria
às Eumênides seu coração magoado?
Difícil
travessia teria então o pobre cego,
arrancados
os seus olhos, ao saber
da
morte de seu pai e o cumprimento
do
ritual antigo, ao demonstrar apego
pela
própria mãe; e em seu arrepender,
o
mundo inteiro explorou em seu lamento!
HOR-EM-ASHET
VI
Só
o que importa é que a Esfinge de Gizeh
já
estava ali antes que a Tebas de uma Helena
fosse
arrasada pela explosão tão plena
de
Santorini, tal qual Cnossos o foi até.
Muito
se buscou especular em pura fé
sobre
a origem dessa leoa de melena,
esculpida
nessa rocha em arcana cena,
trazida
à luz pelo Terceiro Tutmés
e
novamente enterrada pela areia...
Quantas
vezes depois já foi parida?
Quantas
teorias de conspiração
dessa
gente que aos crédulos enleia,
qual
só por chuva torrencial foi esculpida
a
arcana estátua de insondável duração?
HOR-EM-ASHET
VII
Alguns
afirmam que até foram astronautas,
que
com seus lêiseres a rocha escavariam
e
que as suas laterais ainda hoje mostrariam
os
traços cortados por suas chamas lautas.
Na
Antiguidade, é que foram Argonautas,
esses
heróis semideuses, que golpeariam
com
seus malhos as rochas e ali deixariam
traços
divinos para nossas fés incautas!
Mas
no meio mesmo de tanta parvoíce,
teoria
existe a exibir-nos mais ledice:
que
a grande Ashet não se encontra só,
mas
que à sua esquerda há outeiro artificial
em
que as dunas escondem o leão macho; e o dó
das
pás dos arqueólogos ainda busca no final.
HOR-EM-ASHET
VIII
Quem
sabe Édipo enfrentou suas inimigas
e
em cólera as Fúrias a rocha até rasgaram,
quando
Hor-em-Ashet finalmente delinearam,
duas
alimárias no aguardar de seus aurigas.
Que
de algum modo essas pirâmides antigas
se
abalaram e em cordames de sílica as puxaram
até
a Hélade e novamente as colocaram
na
planura de Gizeh, quais vastas bigas!
Quando
talvez as amplas asas espalmaram
e
as vastidões dos Sete Céus cortaram,
quando
Édipo para os olhos pediu a luz de estrelas!
Quem
sou eu para saber? Mas ainda aguardarei
e
a descoberta de seu par assistirei,
nesse
equilíbrio que as tornará ainda mais belas!
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