EMBATE
I – 28 MAR 2022
O
Calor e o Frio se digladiaram
na
atmosfera agreste de minha terra;
o
sangue brota de sua árdua guerra,
gotas
de linfa sobre mim pingaram;
o
Calor e o Frio me contemplaram
com
seu ícor divino que me altera,
diante
do líquido postei-me em tola espera,
quiçá
julgando que tais deuses me abençoaram.
Mas
realmente, será tudo à revelia,
já
que o Calor não me dá aquecimento,
eu
só me aqueço porque desce pelo ar
e
nem o Frio a mim sossegaria,
compromissado
com o resfriamento,
que
envia aos poucos em direção ao mar.
EMBATE
II
São
o Calor e o Frio dois concorrentes,
mas
não tentam convencer cada eleitor,
são
mais sinceros que o rústico orador,
que
hoje te envia os apelos mais frementes,
na
esperança de ganhar os descontentes
que
não se querem curvar ao atual senhor;
o
Calor se faz da vida o criador
e
o Frio impede seus gestos mais ardentes.
Mas
só se esbatem na atmosfera a conquistar,
vem
o Frio seu próprio sangue nos mandar
e
o Calor a seguir nos traz secura;
mas
essa briga não cessam de travar
enquanto
o Frio ao vento faz cantar
e
à terra seca o capim nos assegura.
EMBATE
III
O
Calor e o Frio são componentes
do
mesmo embate com que ferve o chão;
na
verdade, um ao outro dá sua mão,
para
que ambos se mantenham cá presentes;
que
ambos se abraçam em seus atos imponentes
e
que seria do Calor sem a viração
e
que seria do Frio sem a sequidão:
são
um casal, bem mais que são parentes.
Ao
vento geram em seu relacionamento
e
os meus cabelos agitam sem cuidado,
são
dois amantes a mim indiferentes...
Porém
tu vives através desse portento,
deuses
de gás sem corpo limitado,
mas
que em seus braços te envolvem permanentes.
RESTOLHO
I – 29 MAR 2022
Eu
me revolvo no fosso da memória
ao
recordar, mais uma vez, recordação;
não
importam as lembranças que ali estão,
sou
forçado a conhecer que são só história;
tal
memorização, por mais peremptória,
não
mais pertence ao passado, pois lá vão
os
dias primeiros da primeira brotação,
como
estratos geológicos da escória.
Somente
o que eu julgo ainda perdurar
não
é o que passou, mas só o que fica,
calhaus
e poeiras que se esmaga a esmo;
e
nesse estrato vago eu vou morar,
mármore
impuro que finalmente indica
não
mais que os restos solitários de mim mesmo.
RESTOLHO
II
O
meu ontem já foi todo descartado,
meu
amanhã me aguarda sorrateiro,
o
meu presente a perpassar ligeiro
e
a mim mesmo os três afastam para o lado;
guardo
a impressão do antanho relembrado,
mas
nada posso segurar certeiro,
nem
sequer aquele beijo derradeiro
que
ainda ontem me foi aquinhoado.
E
como existo apenas no presente
e
se o presente escorre como o vento,
o
que sou eu, senão o meu fantasma?
Por
isso tantos afirmam diariamente
que
só a hora fugitiva tem assento
e
que momento algum se acalma e pasma.
RESTOLHO
III
Mas
como viverei o meu presente,
se
tão depressa escorre entre meus dedos?
Cada
segundo ansiando por degredos,
cada
instante para a morte suficiente;
e
se este restolho de mim foi realmente
amassado
com mil dias, maus ou ledos,
envolvido
por eventos ou por medos
na
vala comum do recordar subjacente,
para
ti resta viver o teu futuro,
cosmicamente
nessa espreita quântica,
pois
serás dele se não o fizeres teu;
a
escolha é tua, embora num monturo
tudo
o que foste e o que és, de forma mântrica,
será
a ilusão que teu porvir te concedeu.
PERSPIRAÇÃO
I – 30 MAR 22
O
suor das estrelas sobre minha cabeça
aos
poucos se derrama, lentamente;
e
o interpreto a meu vezo descontente,
qual
uma luz que minhalma não aqueça;
eu
só percebo a intermitência que me desça,
tremeluzindo
do esforço permanente
de
cada estrela em seu brilhar frequente,
perante
a escuridão que ainda mais cresça.
Mas
imagino que é preciso que adormeça
cada
astro que ali vejo a cintilar,
embora
eu saiba que tal jamais consegue;
durante
o dia nenhum só deles pereça,
mas
se esforce aumentando o transpirar
enquanto
o fogo do sol sua visão negue.
PERSPIRAÇÃO
II
É
bem difícil conservar-se estrela,
enquanto
a cada momento desfalece
essa
porção de si que nos aquece
e
pelo cosmos desfaz-se na procela.
Ainda
que a luz que o astro nos revela
só
viesse para nós em ardente prece!
Mas
sua intumescência sei não cesse
de
se espalhar nos milênios de sua vela...
Outras
estrelas sobre a alma perspiram,
tão
distante essa influência que nos suam!
Talvez
nos cantem com suas gotas de suor,
talvez
encantem no sonho que transpiram,
quiça
talvez meu destino mesmo arruam,
mas
com que esforço para nos dotar de amor!
PERSPIRAÇÃO
III
Do
mesmo modo, não me parece coisa boa
que
como como estrela envie-te estes versos!
Se
fossem somente para ti conversos,
mas
pela nuvem os distribuo à toa!...
E
nessas linhas não sou mais uma pessoa,
apenas
suo em intermitentes adereços,
que
chegam para ti sem quais preços,
salvo
do esforço com que minhalma eu roa!
Mas
como a estrela tem sua própria natureza
de
enviar-te o seu consolo tão distante,
da minha faz parte, nesta hora, te escrever;
não
sei se o Sol possui qualquer tristeza,
quando
sua carne dilui assim constante,
mas
nestas rimas me desgasto até morrer!
Nenhum comentário:
Postar um comentário