AMOR AZUL I – 22 JUL 2022
(Patricia Neal, Hollywood Golden Age)
Existe
uma paixão igual que erva daninha,
bem
fundo enraizada e difícil de arrancar,
que
nem a morte a pode deslocar
e
nem a vida com tudo quanto espinha.
É
uma paixão por mulher tida rainha
ou
por homem que costumam mencionar
como
o príncipe encantado até o altar,
bebido
inteiramente o fruto dessa vinha.
Mas
nem sempre tal paixão nos traz sucesso,
que
tanta vez esse objeto de desejo
simplesmente
nos despreza ou ignora...
que
tal paixão não seja a minha eu peço,
mas
que possa dissolver-se em doce beijo,
sem
que se esvaia seu vulto nessa hora.
AMOR
AZUL II
Existe
uma paixão azul que nos domina,
como
a chuva se insinua sorrateira
e
no próprio coração pinga em goteira:
talvez
destino, talvez oposta à sina...
O
peito humano, se para tal se inclina,
contraria
o mesmo fado a que se abeira,
permite
infectar-se a alma inteira
e
nela nada enquanto o sangue mina.
O
peito humano, se quiser desarraigá-la,
bem
facilmente encontra alternativa,
em
qualquer outro amor seguro, mas vazio.
O
peito humano, caso busque superá-la,
permanece
dia e noite em chaga viva,
ferve
a lembrança qual caudal de um rio.
AMOR
AZUL III
Existe
uma paixão de caráter desconforme,
muito
além de algum poder ou situação,
tecida
em fibras de teu próprio coração,
que
em suas angústias fielmente dorme...
Forte
o bastante que a própria carne enforne,
em
seu controle corporal toda a razão;
caso
se achegue num beijo de emoção,
nada
existe que a combata ou que a reforme.
Pois
tal paixão não é somente do carnal,
ela
é nutrida por sussurros de ternura,
mesmo
depois do sexual posto de lado.
E
tal paixão se faz flor nesse quintal
que
planta a mente e ainda mostra sua doçura
em
amor gentil após sua ânsia ter passado!
AMOR
HELIOTRÓPIO I
Trinta
anos se passaram até chegar o dia,
até
que fui uma vez mais a procurar,
com
toda a humildade que pude congregar
e
supliquei então se de novo me queria.
Mas
ao afirmar-lhe que amor se repetia,
sabia
claramente que estava a me enganar:
as
horas que passaram não podem retornar
e
amor não se renova da forma que dizia.
Contudo,
amor real deixa semente,
oculta
às vezes na serapilheira, (*)
só
é necessário afastar tal cobertura
desses
anos em que diverso amor se sente
e
lá no fundo encontrar a companheira,
para
regá-la com gotas de ternura.
(*)
Folhas mortas que cobrem o chão.
AMOR
HELIOTRÓPIO II
Mas
não é o mesmo amor da juventude,
quando
o carnal nos era contundente,
em
que o amor se fazia tão frequente:
quem
pensar que o recobra só se ilude.
Passou
o amor por tal destino rude,
que
poderia falecer de tão doente;
amor
guardou-se no hospital da mente
e
na UTI sempre ocorre que algo mude.
E
foram tantos os momentos de abandono,
em
outros braços, em outros desenganos...
(Vieram
filhos, talvez, de fonte alheia!)
Porém
roubada a plantinha de seu sono,
pode
de novo mostrar os seus reclamos,
em
uma chama que incerta ainda receia...
AMOR
HELIOTRÓPIO III
E
no entretanto, se formos cuidadosos
e
ambos quisermos provocar o seu retorno,
basta
acatar tal amor de gosto morno,
sem
esperar velhos momentos tão preciosos.
Talvez
seja até melhor que esses ruidosos
fantasmas
do passado, de seu antigo forno,
nem
sejam mencionados em nosso entorno,
nem
que esperemos instantes tão fogosos.
Porque
esse amor pode de novo ser nutrido,
mas
não o amor daqueles que viveram
nessas
décadas atrás que repartiram.
É
um novo amor no presente conseguido
pelos
dois que a seu viver sobreviveram
e
soprar limpa a velha flama conseguiram!...
AMOR
GARANÇA I – 24 JUL 2022
A
cada vez que te encontro pela rua,
sinto
meu triste coração bater mais forte,
não
inspirado por teu rosto ou por teu porte,
mas
pelo aroma que só de ti flutua.
Se
por acaso te achar um dia toda nua,
sem
extrato comercial de qualquer sorte,
que
teu perfume natural assim recorte,
no
doce olor de quem primeiro sua,
eu
saberei até que grau serás mulher,
sem
o disfarce de falsos condimentos
e
te amarei em bem mais doce desejar,
sem
falsidade corporal sequer,
mas
só o odor dos puros segmentos
dessa
tua carne que inteira irei beijar!
AMOR
GARANÇA II
Não
é esta a vez primeira que em soneto
eu
mencionei um tal perfume natural,
que
sobressai do feminino corporal,
o
verdadeiro feromônio mais secreto.
Justo
esse olor que desperta mais afeto,
sem
estar preso em um frasco de cristal,
que
logo exala o suspiro seu final,
que
não pertence de fato ao ser dileto.
Não
sei por que teme a mulher seu próprio odor
e
com desodorantes procura disfarçá-lo
ou
com cosméticos vai buscar incrementá-lo,
quando
algo falso assim persiste em tal amor,
todo
o seu corpo envolto em fantasia,
ao
invés de sua nudez que encantaria...
AMOR
GARANÇA III
De
forma igual é a máscara da face:
tanta
vez vi a formosura de mulher,
que
incremento não necessitará sequer,
assim
coberta em seu tedioso impasse.
Tal
maquiagem até impede que se abrace
o
rosto puro que possui dama qualquer,
camadas
de arremedo em malmequer
que
ao bem-querer não permitem se beijasse.
Talvez
disfarce as marcas conseguidas
pelo
seu sobrepujar da juventude...
Mas
cedo ou tarde o seu rosto irá lavar
e
mais profundos se mostrarão sofridos
os
sinais de sua vida em tempo rude
dessa
traição com que pensava conquistar!
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